Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | CANELAS BRÁS | ||
| Descritores: | VENDA EXECUTIVA IRREGULARIDADE PROCESSUAL INVALIDADE PREFERÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | Se o imóvel está a ser vendido integrado num lote com mais quatro que, por constituírem uma unidade industrial, foi considerado mais vantajoso ser vendido em conjunto, não se justifica a exigência da credora de que lhe seja fornecido o valor unitário por que está projectada a venda apenas do imóvel sobre que tem a garantia real, para poder exercer a preferência na sua venda isolada, por si ou por um terceiro por si indicado, nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. | ||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO N.º 3038/18.8T8STR-M.E1 – CONFERÊNCIA (SANTARÉM – JUÍZO DE COMÉRCIO) Acordam os juízes, em conferência, nesta Relação: Uma vez notificada da decisão proferida pelo Relator em 21 de Setembro de 2025 (a fls. 64 a 70 dos autos) – que negou provimento ao Recurso que havia apresentado do douto despacho proferido em 17 de Julho de 2025 no Apenso H, de Liquidação (ora a fls. 21 a 24), que veio a julgar improcedente a arguição de nulidades e irregularidades do ato de venda que decorreu entre 19-02-2025 e 11-03-2025, relativamente ao lote 1 em apreço, nestes autos de insolvência (Liquidação) a correrem termos no Juízo de Comércio de Santarém-Juiz 2, e em que é Insolvente a sociedade “(…), Lda.”, com sede na Zona Industrial (…), Nossa Senhora das (…), Vilar dos (…), Ourém –, vem a credora hipotecária, ora Apelante, “(…) – STC, SA”, com sede na Av. (…), 106, 2º, em Lisboa, apresentar Reclamação para a Conferência, “nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, requerendo que sobre a sua matéria recaia um Acórdão da Conferência”, e alegando, em síntese: «(…) 7.º Motivo pelo qual o credor hipotecário (…), aqui recorrente, por forma a apurar a pertinência de apresentação de uma proposta de adjudicação, e sendo apenas credor hipotecário da verba n.º 1 – terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…) e descrito na CRP sob o artigo (…) –, solicitado ao sr. Administrador de Insolvência que informasse qual a percentagem de venda que estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado lote. 8.º Esclarecimentos que, não sendo prestados atempadamente, impediam e prejudicavam a pronúncia pelo credor hipotecário nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. 9.º Ademais, e nos termos do preceituado no artigo 47.º do CIRE, à natureza creditória especial dos credores titulares de garantias reais, como é o caso de hipoteca, são conferidas ao longo do CIRE uma séria de prerrogativas típicas decorrentes, precisamente, da específica relação existente entre o crédito reconhecido nos autos com determinado bem apreendido para a massa – in casu, do imóvel com o qual se relaciona a hipoteca constituída a favor do Recorrente. 10.º Sucede que, e com o muito respeito que é devido, a douta decisão ora notificada desconsidera in totum esta factualidade e disposições legais citadas, atendo-se essencialmente ao facto de a venda das verbas apreendidas estar a ser promovida em Lote. 11.º Sendo que face aos elementos constantes dos autos, conjugados com o regime legal aplicável, tal questão poderia (e deveria, na modesta opinião do Recorrentes) ter sido apreciada em sentido favorável à Apelação deduzida. 13.º O que o n.º 3 do artigo 164.º do CIRE consagra é um dever de comunicação ao credor garantido das propostas obtidas para aquisição do concreto bem sobre o qual se verifica aquela relação de especialidade – em virtude de o credor beneficiar de garantia real sobre o mesmo – e para que este possa, querendo, exercer a preferência na alienação daquele concreto bem sobre o qual dispõe da citada garantia real (aqui hipotecária). 14.º Pelo que o credor dispõe de preferência, nos termos do n.º 3 do artigo 164.º do CIRE, para aquisição apenas do imóvel descrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…) e descrito na CRP sob o n.º (…), verba 1 do Lote – e não “pela compra da totalidade do Lote”. 15.º Efectivamente, compaginando as ratio legis dos preceitos citados e considerando a concreta factualidade dos autos, ao não ser facultada ao credor hipotecário a informação de qual a percentagem de venda que estava atribuída ao imóvel referente à verba 1 do Lote, e sendo que o aqui recorrente é credor hipotecário apenas dessa verba n.º 1, é manifesto que foi obstado ao credor a pronúncia nos termos previstos no 164.º, n.º 3, do CIRE. 16.º Como tal, por forma a apurar a pertinência de apresentação de uma proposta de adjudicação, e sendo o aqui credor, apenas credor hipotecário da verba n.º 1, revela-se imperiosa a fixação da percentagem de venda, estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado lote. 20.º Pelo que deverá, a final, ser revogada e substituída a Decisão Singular prolatada por Acórdão que decidida pela – e em conformidade com – aplicação do disposto no artigo 164.º, n.º 3, do CIRE, julgando que lhe seja fornecido o valor unitário por que está projectada a venda apenas do imóvel sobre que tem a garantia real, para poder exercer a preferência na sua venda isolada, por si ou terceiro por si indicado ou, pelo menos, por forma a fundamentadamente poder apreciar a proposta formulada em sede de liquidação nos autos. (…)» A credora “(…), STC” vem apresentar Resposta à Reclamação (a fls. 82 verso a 83 verso dos autos), para dizer, também em síntese, que não assiste qualquer razão à Reclamante na dissensão que manifesta para com a decisão do Relator de que reclama, a qual se deverá manter e aduzindo: «1. A reclamação apresentada é manifestamente infundada, constituindo um expediente dilatório que visa reabrir uma discussão já definitivamente apreciada e decidida em sede de apelação. 2. A Decisão Singular ora reclamada limitou-se a aplicar o entendimento já sufragado pelo Acórdão da Relação de Évora de 21/09/2025, que confirmou a improcedência da apelação interposta pela Recorrente, rejeitando expressamente a tese de que o artigo 164.º, n.º 3 do CIRE confere ao credor garantido o direito de exercer a faculdade de aquisição apenas sobre parte de um lote indivisível. 4. Acresce que a jurisprudência tem reiteradamente afastado a possibilidade de exercício da faculdade prevista no artigo 164.º, n.º 3, do CIRE quando o bem onerado integra um lote cuja venda conjunta foi previamente aprovada e estabilizada no processo: “A faculdade conferida ao credor garantido pelo artigo 164.º, n.º 3, do CIRE pressupõe a alienação isolada do bem onerado. Quando este integra um lote indivisível, a norma não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a venda conjunta aprovada nos autos” – Ac. do TRL de 12.05.2022, proc. n.º 4567/17.3T8LSB.L1-7. 5. A venda do Lote 1 foi determinada como conjunta por se tratar de uma unidade industrial, decisão essa não impugnada em tempo e que contou com a anuência da própria Recorrente, conforme resulta dos autos. 6. A exigência de individualização do valor da verba 1, nesta fase avançada da liquidação, comprometeria a viabilidade da alienação do lote, contrariando o interesse da massa insolvente e dos demais credores, como bem salientado no acórdão recorrido. 7. A reclamação apresentada não invoca qualquer facto novo, nem aponta erro de direito ou omissão relevante na decisão singular, limitando-se a reiterar argumentos já apreciados e rejeitados, o que evidencia o seu caráter meramente protelatório. Pedido de condenação em multa: 8. Nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alínea a), do C.P.Civil, deve a Recorrente ser condenada em multa processual, porquanto a presente reclamação consubstancia incidente manifestamente dilatório, sem qualquer fundamento legal, que apenas visa obstar ao normal prosseguimento da liquidação da massa insolvente.» E, tendo o processo ido aos vistos, cumprirá, então, decidi-lo, já que a tal nada obsta, prevendo o artigo 652.º, n.º 3, do CPC que das decisões do Relator se poderá reclamar para a Conferência: “3 - Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”. ** É do seguinte teor a decisão objecto da Reclamação (a fls. 64 a 70): «A Credora/Apelante “(…) – STC, SA”, com sede na Av. (…), n.º 106, 2º, em Lisboa, vem, na sua qualidade de “Credor Garantido / Hipotecário”, interpor recurso do douto despacho que foi proferido no Apenso H (de Liquidação), em 17 de Julho de 2025 (agora a fls. 21 a 24 dos autos), que veio a julgar improcedente a arguição de nulidades e irregularidades do ato de venda que decorreu entre 19-02-2025 e 11-03-2025, relativamente ao lote 1 em apreço, nestes autos de insolvência (Liquidação) a correrem termos no Juízo de Comércio de Santarém-Juiz 2, e em que é Insolvente a sociedade “(…), Lda.”, com sede na Zona Industrial (…), Nossa Senhora das (…), Vilar dos (…), em Ourém [com o fundamento aduzido em tal douta decisão recorrida de que «Em face da factualidade supra, conjugada com os artigos 613.º e 620.º/1, do CPC, conclui-se que o despacho que determinou o valor base de venda do Lote 1 em € 891.000,00 transitou em julgado e, para a tentativa de venda feita no leilão eletrónico que decorreu de 19-2-2025 a 11-3-2025, o sr. AI observou o mesmo, não havendo aqui qualquer nulidade imputável à fixação do valor»; e de que «Não resulta do normativo em causa que os credores garantidos podem obstar à venda do Lote, preferindo apenas sobre o imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia e, com isso, paralisando a venda “in totum”; e a pretensão da ‘(…)’ era, claramente, a de aferir se lhe interessava preferir sobre a compra do imóvel onde está registada a sua garantia, e não sobre o Lote 1 em todo»], ora intentando a revogação do que assim foi decidido e apresentando alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões: Considerando tudo o que ficou alegado supra, e atendendo à matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso (dando-se aqui por reproduzido o teor do ponto II das presentes alegações), conclui-se o seguinte: A. A Recorrente não se conforma com o entendimento vertido no aresto de 17/7/2025 com a Ref.ª 100355412 proferida no Apenso H dos autos (Liquidação), que respondeu negativamente à questão de saber se o apuramento da proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o Lote 1 em liquidação nos autos prejudica a pronúncia do Credor Hipotecário, aqui Recorrente, nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. B. Foram apreendidas nos autos cinco verbas imóveis, cuja liquidação está a ser promovida por via de Lote único, a saber: verba 1 - prédio urbano, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…); verba 2 - prédio urbano, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…); verba 3 - prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…); verba 4 - prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…); verba 5 - prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…). C. Nos termos da Sentença de Verificação Graduação de Créditos de 11/12/2019, a Recorrente (habilitada nos autos no lugar do “(…) Banco, S.A.”) é titular de crédito com a natureza de crédito garantido por hipoteca sobre o imóvel correspondente à verba n.º 1 do Auto de Apreensão de bens: prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na CRP sob n.º (…). D. Sendo que o crédito garantido por hipoteca confere ao credor a favor do qual a mesma se encontra registada o direito a ser pago pelo valor do bem hipotecado, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, nos termos do artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil. E. Motivo pelo qual, em cumprimento do disposto no artigo 140.º do CIRE, no seu n.º 2, procedeu o Tribunal a quo no citado aresto de 11/12/2019 à graduação “especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”. F. Por outro lado, a regra do artigo 140.º, n.º 2, do CIRE é reafirmada e complementada com a do artigo 164.º do CIRE especialmente – no que ao objeto do presente recurso concerne – se ponderarmos o previsto nos n.os 2 e 3 do citado normativo, os quais determinam: “2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada. 3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior”. G. Iniciadas as diligências de liquidação da massa insolvente, foi determinado nos autos que se procederia à publicitação e promoção da venda dos cinco bens imóveis apreendidos por via de constituição de um Lote. H. No entanto, nos autos em causa, é manifesto que é apenas relativamente à verba 1 apreendida (referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na CRP sob n.º (…) – a qual integra o Lote 1) que o crédito do Recorrente goza da garantia conferida pela hipoteca sobre o mesmo, motivo pelo qual foi graduado em prioridade e especialidade face aos demais créditos reclamados nos autos quanto ao bem em causa. I. Conforme facto 10 assente no despacho em crise: “(…) Desse leilão resultou uma proposta no valor de 670 mil apresentada pela sociedade (…), Lda., NIPC (…), que mereceu a aprovação dos credores, ambas Sociedades de Garantia Mútua, (…), SA e (…), SA, mas, face à recusa do credores (…) e (…), foi transmitido à proponente e este aumentou a proposta para 760 mil euros que corresponde a 85,3% do valor base promovido”. J. O credor hipotecário, aqui Recorrente, foi notificado pelo sr. Administrador de Insolvência nos termos e para os efeitos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE tendo por sua vez e atempadamente – por forma a apurar a pertinência de apresentação de uma proposta de adjudicação nos termos do citado artigo 164.º do CIRE, e em exercício da prerrogativa legal que lhe é conferida na qualidade de credor com garantia hipotecária sobre uma das verbas apreendidas – solicitado ao sr. Administrador de Insolvência que concretizasse qual a percentagem de venda que estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado Lote 1, nomeadamente se seriam respeitadas as proporções sindicadas pelo sr. Administrador no Relatório de Liquidação junto aos autos em 14/02/2020 (junto a fls. no apenso H dos autos com a Ref.ª citius 6654880). K. Questão que mereceu resposta negativa do sr. Administrador de Insolvência, o qual informou o Credor aqui Recorrente que “Estão assim ultrapassadas as proporções informadas em 14/02/2020, pois tiveram em atenção uma determinada avaliação e não foi essa a referência para o último leilão”, ademais, concretizou o Administrador de Insolvência ao credor a sua decisão de proceder à alteração da anterior decisão (de 14/02/2020) de distribuição de valores de venda dos imóveis que compõem o Lote 1, tendo-o feito sem prévia comunicação aos autos e/ou consentimento e conhecimento dos credores. L. Neste seguimento, o credor apresentou junto do Tribunal a quo requerimento, de 08/04/2025 – junto ao apenso H dos autos a fls. … com a Ref.ª citius 11584101), pugnando, entre outras pretensões, pela nulidade da citada diligência de liquidação e decisão do sr. Administrador de Insolvência, que visava a promoção da alienação do Lote 1 sem clarificar previamente aos credores a concreta proporção que deveria caber a cada um dos 5 bens imóveis que o compõem – fundamentando a sua pretensão no facto desta actuação do sr. Administrador de Insolvência inquinar a pronúncia cabal dos credores (desde logo hipotecários) quanto à proposta apresentada, nos termos do artigo 164.º do CIRE, impedindo-os de exercer o seu direito. M. A pretensão do credor “(…), STC, S.A.”, aqui Recorrente, mereceu a pronúncia favorável do órgão da Comissão de Credores constituída nos autos que, por ordem do Tribunal a quo, se pronunciou em concordância com o citado requerimento de 08/4/2025, conforme ata da Comissão de Credores de 26/06/2025 (junta ao apenso H dos autos em 08/07/2025, a fls. … com a Ref.ª 11823436). N. Não obstante, a 17/07/2025 foi proferido pelo Tribunal a quo o aresto de que ora se recorre, o qual determinou não se revelava necessária a prévia definição da proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o lote 1, ademais pugnado que a atuação do sr. Administrador não se revela prejudicial à pronúncia dos credores nos termos do artigo 164.º do CIRE, sufragando entendimento de que “os credores garantidos poderiam preferir era na compra da totalidade do Lote, sendo que o sr. AI os informou do valor proposto pelo interessado. Não resulta do normativo em causa que os credores garantidos podem obstar à venda do Lote preferindo apenas sobre o imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia e, com isso, paralisando a venda “in totum”. E a pretensão da (…) era, claramente, a de aferir se lhe interessava preferir sobre a compra do imóvel onde está registada a sua garantia, e não sobre o Lote 1 em todo. [e concluindo] Por conseguinte, atento o inciso legal em causa, não existe fundamento para anular o ato de liquidação do sr. AI posto em crise, já que o artigo 164.º do CIRE foi cumprido nos seus termos legais”. O. Decisão com a qual, com o devido respeito – que é muito –, não pode a Recorrente concordar, como de seguida se explanará. P. O artigo 47.º do CIRE concretiza o tipo de Credores que integra a classe de Credor garantido, especificando no seu n.º 4, alínea a), que “(…) Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são: a) ‘Garantidos’ (…) os créditos que beneficiem, (…) de garantias reais, (…) sobre bens integrantes da massa insolvente”. Q. Dispõe o artigo 140.º do CIRE, no seu n.º 2, que “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”. R. Especialidade esta que é reafirmada igualmente em sede das diligências de liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente: desde logo como se vê pela previsão do artigo 164.º do CIRE, especialmente os seus n.ºs 2 e 3, que determinam que os credores com garantia real sobre determinado bem a alienar sejam sempre ouvidos sobre a modalidade da alienação, e informados do preço da alienação projectada (n.º 2) e, bem assim, que “Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior”. S. Neste sentido, veja-se o expendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Maio de 2024: “(…) visando proteger o crédito de que é titular o credor com garantia real, a norma do n.º 2 do artigo 164.º impõe ao Administrador da Insolvência a obrigação de o informar da venda (e do valor base fixado) e do preço da alienação projectada a certa entidade, o que tem a finalidade específica de lhe permitir o exercício da faculdade prevista no n.º 3 do mesmo preceito, isto é, propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao valor base fixado ou ao preço da alienação projectada; mas, em simultâneo, exige-se que o credor com garantia real formule uma proposta por preço superior num reduzido espaço temporal, numa semana ou até ao momento anterior ao da concretização da venda ou ao da assunção do compromisso firme de venda pelo administrador da insolvência («em tempo útil»). (…) o disposto no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE impõe ao administrador da insolvência (para além da audição sobre a modalidade da venda) a obrigação de informar sempre o credor com garantia real quer do valor base fixado quer do preço da alienação projetada a entidade determinada, visando-se tutelar e proteger o tal crédito para obter a melhor satisfação do correspondente direito, tendo o legislador atribuído ao credor com garantia real (no n.º 3 do mesmo preceito), para esse efeito, a faculdade legal de adquirir (para si ou por terceiro) o bem onerado através da apresentação de uma proposta por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado. Portanto, o ónus de informação que recai sobre o administrador da insolvência decorrente da 2ª parte do n.º 2 do artigo 164.º tem em vista precisamente o exercício daquela faculdade conferida ao credor com garantia real. (…) No que concerne à invocação de que o «credor garantido não tem um “direito de preferência” na venda», releva-se totalmente ininteligível: é inequívoco que a faculdade estatuída no n.º 3 do artigo 164.º não corresponde à atribuição de qualquer «direito de preferência» ao credor com garantia real; o legislador apenas consagrou um procedimento peculiar para permitir uma melhor satisfação do crédito garantido, concedendo-lhe a possibilidade legal de propor a aquisição do bem onerado (para si ou para terceiro) por um valor superior ao do «valor base» ou ao do «preço da alienação projectada a entidade determinada», sendo certo que o legislador não estabeleceu qualquer limite mínimo para tal «valor superior» (ou seja, para o exercício desta faculdade apenas se exige que a proposta de aquisição seja de valor superior, independentemente do quantum do montante em que é superior)” (proc. 2733/21.9T8GMR-I.G1, disponível in www.dgsi.pt). T. A esta natureza creditória especial dos credores titulares de garantias reais, como é o caso de hipoteca, são conferidas ao longo do CIRE uma séria de prerrogativas típicas decorrentes precisamente da específica relação existente entre o crédito reconhecido nos autos com determinado bem apreendido para a massa – in casu, do imóvel com o qual se relaciona a hipoteca constituída a favor do Recorrente. U. Motivo pelo qual o Credor Hipotecário (…), aqui Recorrente, por forma a apurar a pertinência de apresentação duma proposta de adjudicação, e sendo apenas credor hipotecário da verba n.º 1 – Terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…) e descrito na CRP sob o artigo (…) –, solicitado ao sr. Administrador de Insolvência, que informasse qual a percentagem de venda, estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado lote. V. De facto, o que o n.º 3 do artigo 164.º do CIRE consagra é um dever de comunicação ao credor garantido das propostas obtidas para aquisição do concreto bem sobre o qual se verifica aquela relação de especialidade – em virtude de o credor beneficiar de garantia real sobre o mesmo – e para que este possa, querendo, exercer a preferência na alienação daquele concreto bem sobre o qual dispõe da citada garantia real (aqui hipotecária). W. Pelo que o Credor dispõe de preferência, nos termos do n.º 3 do artigo 164.º do CIRE, para aquisição apenas do imóvel descrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano (…) e descrito na CRP sob o n.º (…), verba 1 do Lote – e não, como pugnado pelo Tribunal a quo, “pela compra da totalidade do Lote”. X. Efectivamente, compaginando as ratio legis dos preceitos supra citados e considerando a concreta factualidade dos autos, ao não ser facultada ao credor hipotecário a informação de qual a percentagem de venda que estava atribuída ao imóvel referente à verba 1 do Lote, e sendo que o aqui Recorrente é credor hipotecário apenas dessa verba n.º 1, é manifesto que foi obstado ao credor a pronúncia nos termos previstos no artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. Y. Omissão esta que era susceptível de produzir a nulidade da venda em causa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 195.º do CPC. Z. Pelo que mal andou o Tribunal a quo na decisão aqui em crise, pela qual sufragou entendimento diverso. AA. Já que não sendo atempadamente prestados os esclarecimentos visados, tal impediu e prejudicou a pronúncia pelo Credor Hipotecário nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. BB. Ora, por forma a apurar a pertinência de apresentação de uma proposta de adjudicação, e sendo o aqui credor, apenas Credor Hipotecário da verba n.º 1, revela-se imperiosa a fixação da percentagem de venda, estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado lote. CC. Assim, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o artigo 164.º do CIRE, nomeadamente o seu número 3, constituem fundamento para anular o ato de liquidação do sr. Administrador posto em crise ou, pelo menos, para determinar a sua suspensão até que seja dado cabal cumprimento ao n.º 3 do artigo 164.º do CIRE: informando ao credor hipotecário qual a proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o Lote 1, por forma a que o mesmo possa, querendo, preferir na aquisição do imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia hipotecária: verba 1: prédio urbano, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), descrito na CRP sob o n.º (…). DD. Atendendo ao exposto, deveria ter sido outra a decisão do Tribunal a quo, uma vez que o sentido decisório firmado no douto aresto em crise não é consonante com a ratio legis do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. EE. Pelas razões acima expostas, a sentença em recurso proferido pelo Tribunal a quo violou claramente o disposto nos artigos n.º 4 do artigo 47.º, 140.º, n.º 2 e 16.º, n.º 3, todos do CIRE, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que determine nulidade do ato de liquidação do sr. Administrador posto em crise ou, pelo menos, para determine a sua suspensão até que seja dado cabal cumprimento ao n.º 3 do artigo 164.º do CIRE: informando qual a proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o Lote 1, por forma a que o mesmo possa, querendo, preferir na aquisição do imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia hipotecária a seu favor. FF. Sendo que o aqui credor mantém a sua pretensão de, exercendo a prerrogativa que lhe é conferida pelo artigo 164.º, n.º 3, do CIRE, propôr a alienação do bem sobre o qual incide garantia hipotecária a seu favor – verba n.º 1 do Lote em causa (Terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano … e descrito na CRP sob o artigo …) –, pelo preço de € 463.600,00. GG. Ademais se sublinhando que este valor de aquisição para a verba 1 em causa é superior ao da alienação projetada para a referida verba se considerarmos os termos da proposta angariada pelo sr. Administrador de Insolvência – à qual, de acordo com as informações prestadas, corresponde um valor de alienação de € 110.124,00 (percentagem de 14,49% indicada pelo sr. Administrado de Insolvência na sua resposta de 03/04/2024 (anexa ao requerimento do Recorrente de 08/04/2025, a fls. …). HH. Face ao exposto, requer-se seja atribuído efeito suspensivo à presente apelação – nos termos do artigo 647.º, n.º 4, do CPC (aplicável ex vi do artigo 17.º CIRE) – porquanto, caso seja concretizada a execução da decisão aqui em crise, tal acarretará manifesto prejuízo não só ao credor hipotecário aqui Recorrente, como à Massa Insolvente, face ao produto global da Liquidação que se projecta angariar. Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ªs muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido com as legais consequências. Assim se fazendo JUSTIÇA. Não foram apresentadas, validamente, quaisquer contra-alegações, tendo a Mm.ª Juíza a quo consignado (vide o segmento do seu douto despacho de 03-09-2025, a fls. 19 dos autos): «Ref.ª 11911609: uma vez que o requerimento em apreço é subscrito pelo sr. AI e não por Ilustre Causídico representante do mesmo ou da massa insolvente, não pode a “opinião” em causa ser valorada como resposta ao recurso interposto, pelo que não pode integrar o apenso de recurso.» * Vêm dados por provados os seguintes factos:«Decorre dos autos com relevância para a apreciação da contenda, o seguinte:» 1. Em 27-10-2024 o sr. AI juntou aos autos informação onde, após fundamentação das suas razões, veio «(…) informar os autos de que o leilão eletrónico a promover a curto prazo, independentemente da degradação que se verificou nos 2 últimos anos, caso nos próximos 8 dias não haja contestação fundamentada pelo referido credor garantido ou por qualquer outro, irá ser feito sob valor base de € 891.000,00, equivalente ao valor de mercado apontado pela Whitestar. Mais informa que, face ao tempo já decorrido desde o início do processo de liquidação, estará recetivo a favorecer qualquer proposta de adjudicação que qualquer credor venha a apresentar antes de iniciado o leilão». 2. O requerimento em causa vem acompanhado do comprovativo de notificação a todos os credores. 3. Entre 28-10-2024 e 05-11-2024, os credores (…), (…) e (…) peticionaram a realização de nova avaliação do valor comercial dos imóveis a liquidar. 4. Em 08-11-2024 o sr. AI junta requerimento defendendo a desnecessidade de, após 5 anos de tentativas de liquidação dos imóveis em causa, incluindo uma avaliação dos mesmos por perito pago pela massa e outras de credores garantidos, estar a aumentar os custos realizando mais outra perícia nos autos. 5. A 12-11-2024 todos os credores foram notificados pelo Tribunal do requerimento do sr. AI não tendo deduzido qualquer oposição ao mesmo. 6. Na mesma data, o credor “(…) – STC, SA” juntou requerimento onde consignou que “(…) vem no seguimento dos requerimentos apresentados pelos credores (…), (…) e (…), manifestar que adere à posição do Exmo. sr. Administrador, proferida em 09.11.2024, já que não obstante as diversas divergências de valor existentes entre os relatórios periciais juntos aos autos, crê-se que mais uma avaliação não trará quaisquer vantagens processuais – antes atrasando o processo de liquidação que já se arrasta há muito. Não será de ignorar que eventual perícia (quando já foram realizadas avaliações prévias e com menos de 6 meses) irá somar despesas à massa. Por outro lado, é por demais sabido que a própria venda encarregar-se-á de demonstrar qual o relatório que mais se aproxima, em valor, da realidade do mercado. Face o supra exposto, requer-se a V. Exa. que as diligências de venda prossigam em conformidade com o peticionado pelo Ex.º Sr. Administrador, a fim de ser o imóvel colocado à venda com a maior brevidade possível”. 7. Em 20-1-2025 o sr. AI renovou o pedido de aceitação do Tribunal em que o mesmo fixe o valor base dos imóveis em € 891.000,00 (oitocentos e noventa e um mil euros), a anunciar em próximo leilão eletrónico. 8. Em 03-02-2025 o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Depreende-se do requerimento do sr. AI que antecede que o mesmo não considera adequada a fixação do valor base de venda proposto pelo credor ISS, IP no processo principal, atento o valor muito elevado da mesma; a manifesta violação do prazo de liquidação do artigo 169.º do CIRE e a falta de interessados nas tentativas de venda anteriores. Em face do exposto, porquanto é ao sr. AI que incumbe fixar o valor base da venda, e não havendo pronúncia da comissão de credores em sentido contrário, notifique o sr. AI para avançar com a nova tentativa de venda do mesmo, fixando o valor base de venda naquele por si proposto com recurso às avaliações que reuniu, com respeito pelo artigo 164.º do CIRE. Notifique.» 9. O despacho em causa foi notificado a todos os credores, tendo transitado pacificamente em julgado. 10. Desse leilão resultou uma proposta no valor de 670 mil euros apresentada pela sociedade “(…), Lda.”, NIPC (…), que mereceu a aprovação dos credores, ambas Sociedades de Garantia Mútua, “(…), SA” e “(…), SA”, mas, face à recusa do credores (…) e (…), foi transmitido à proponente e este aumentou a proposta para 760 mil euros, que corresponde a 85,3% do valor base promovido. * Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste tribunal ad quem é a de saber se foi bem julgada a acção no tribunal a quo, precisamente no sentido de indeferir a pretensão do credor hipotecário sobre um dos imóveis que integram o Lote 1, em venda, de ser ainda informado pelo Administrador da Insolvência, do valor que projecta atribuir justamente a esse imóvel, para que o credor hipotecário possa ainda apresentar a sua proposta de aquisição desse imóvel (e só dele, não dos restantes quatro que integram o Lote em venda, mas sobre os quais não tem qualquer garantia real), assim se devendo suspender os termos da venda até o sr. Administrador lhe prestar tal informação e ele poder exercer esse direito. É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões do recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas na íntegra para facilidade de percepção da própria questão solvenda.[O que a Apelante vem resumir, duma forma mais incisiva, nas seguintes conclusões do recurso: «A. A Recorrente não se conforma com o entendimento vertido no aresto de 17/7/2025 com a ref.ª 100355412, proferida no Apenso H dos autos (liquidação), que respondeu negativamente à questão de saber se o apuramento da proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o Lote 1 em liquidação nos autos prejudica a pronúncia do Credor Hipotecário, aqui Recorrente, nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. X. Efectivamente, compaginando as ratio legis dos preceitos supra citados e considerando a concreta factualidade dos autos, ao não ser facultada ao credor hipotecário a informação de qual a percentagem de venda que estava atribuída ao imóvel referente à verba 1 do Lote, e sendo que o aqui Recorrente é credor hipotecário apenas dessa verba n.º 1, é manifesto que foi obstado ao credor a pronúncia nos termos previstos no artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. BB. Ora, por forma a apurar a pertinência de apresentação de uma proposta de adjudicação, e sendo o aqui credor, apenas Credor Hipotecário da verba n.º 1, revela-se imperiosa a fixação da percentagem de venda, estava atribuída a cada um dos imóveis que constituem o mencionado lote. DD. Atendendo ao exposto, deveria ter sido outra a decisão do Tribunal a quo, uma vez que o sentido decisório firmado no douto aresto em crise não é consonante com a ratio legis do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE. EE. Pelas razões acima expostas, a sentença em recurso proferido pelo Tribunal a quo violou claramente o disposto nos artigos 47.º, n.º 4, 140.º, n.º 2 e 16.º, n.º 3, todos do CIRE, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que determine nulidade do ato de liquidação do sr. Administrador posto em crise ou, pelo menos, para que determine a sua suspensão até que seja dado cabal cumprimento ao n.º 3 do artigo 164.º do CIRE: informando qual a proporção estabelecida para a distribuição do valor de venda dos imóveis que integram o Lote 1, por forma a que o mesmo possa, querendo, preferir na aquisição do imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia hipotecária a seu favor.»] Recorde-se ter o douto despacho recorrido julgado assim o incidente (a fls. 268 a 269 dos autos): «Em face do exposto, julgo improcedente a arguição de nulidades e irregularidades do ato de venda que decorreu entre 19-02-2025 e 11-03-2025, relativamente ao Lote 1, em apreço. Custas do incidente pelo credor requerente, que se fixam em 2 UC’s – artigos 531.º do Código de Processo Civil e 10.º do Regulamento das Custas Processuais.» Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código). O douto despacho recorrido justificou assim o decidido (a fls. 23 verso): «Ora, no caso dos autos todos os credores foram ouvidos quanto à modalidade da venda e ao valor fixado ao Lote e nenhum reclamou desses termos. Concomitantemente, o que os credores garantidos poderiam preferir era na compra da totalidade do Lote, sendo que o sr. AI os informou do valor proposto pelo interessado. Não resulta do normativo em causa que os credores garantidos podem obstar à venda do Lote preferindo apenas sobre o imóvel relativamente ao qual incide a sua garantia e, com isso, paralisando a venda “in totum”. E a pretensão da ‘Ares’ era, claramente, a de aferir se lhe interessava preferir sobre a compra do imóvel onde está registada a sua garantia, e não sobre o Lote 1 em todo. Por conseguinte, atento o inciso legal em causa, não existe fundamento para anular o ato de liquidação do sr. AI posto em crise, já que o artigo 164.º do CIRE foi cumprido nos seus termos legais.» E cremos bem que lhe assistirá razão, salva naturalmente melhor opinião. Pois que, se há coisa que se deverá evitar, neste tipo de situações, é que vão surgindo questões variadas, levantadas pelos mais diversos intervenientes, que acabem por paralisar o desenrolar da venda – recorde-se que esta liquidação do património da insolvente remonta há mais de seis anos (o auto de apreensão dos bens imóveis é já de 22/05/2019, no Apenso A); acresce que estão aqui em causa 5 verbas, que não obstante terem a sua própria natureza registral, formam um todo na unidade fabril implantada e, como tal, apenas 1 lote, sendo que no leilão presencial realizado em 19/07/2019 não surgiu qualquer licitação; já o sr. Administrador da insolvência vem informar nos autos que “a demora em novas avaliações por parte dos credores garantidos (…) Banco, que entretanto cedeu o seu crédito a (…) STC, SA e Banco (…), SA, atrasaram o lançamento de novo leilão que se espera venha a ser realizado a muito curto prazo com os valores base de (em milhares de euros) 736 para a verba 1 (terreno, artigo …), 538 para a verba 2 (pavilhão, artigo …), 2,1 para a verba 3 (rústico, …), 0,85 para a verba 4 (rústico, artigo …) e 17 para a verba 5 (rústico, artigo …), ou seja, com o valor base para o lote único no total de 1.293,95” (rectius € 1.293.000,95 – um milhão e duzentos e noventa e três mil euros e noventa e cinco cêntimos). Decorrentemente, será de afastar nesta fase já longa da liquidação algum incidente – a não ser que tenha um claro respaldo na lei – que vise continuar a obstar a que os procedimentos da liquidação cheguem ao seu desfecho lógico, que é naturalmente o ressarcimento dos credores, com a entrada de dinheiro nos seus bolsos. Pelo que nada autoriza a que se transforme agora, decorridos todos estes anos e o esforço para conseguir uma venda unitária de um Lote (constituído por cinco prédios, mas sendo uma unidade industrial) numa venda espartilhada e individual de todos eles – que é, afinal, o que pretende a credora (…), STC, SA, ora Apelante. É verdade que esta credora tem uma garantia real resultante de hipoteca sobre um dos bens imóveis que faz parte daquele lote de cinco que está à venda. E, por isso, que o seu crédito já foi graduado como garantido e será pago como tal apenas sobre o produto da venda da verba (a n.º 1) sobre a qual tem a garantia real e não sobre as demais quatro que integram o lote à venda. Isso permitir-lhe-ia, em condições normais, poder vir a exercer o direito a que se referem os n.os 2 e 3 do artigo 164.º do CIRE, que estatuem: «2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada. 3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior.» Mas isso seria em condições normais, se o bem estivesse a ser vendido de uma forma isolada, sobre ele se podendo então vir a exercer aquela preferência. No caso vertente, porém, tal não acontece. O imóvel está a ser vendido integrado num lote com mais quatro imóveis que, por constituírem uma unidade industrial, foi considerado mais vantajoso ser vendido em conjunto – foi-o por decisão há muito estabilizada no processo e em que estiveram todos de acordo (nem seria agora ainda altura de estar contra, volvidos todos estes anos em que ninguém mais suscitou tal problemática). Assim, a exigência da credora, ora Apelante – de que lhe seja fornecido o valor unitário por que está projectada a venda apenas do imóvel sobre que tem a garantia real, para poder exercer a preferência na sua venda isolada, por si ou por um terceiro por si indicado, nos termos da disposição legal acabada de citar – não tem nenhuma razão de ser na economia do sistema para que a norma foi pensada, porquanto, desde logo e no mínimo, teria por consequência imediata a inviabilização do projecto da venda, afastando o proponente, já que a proposta estaria feita para a totalidade do lote (constituído por cinco prédios) e não para a de quatro (pois que, com o exercício daquele direito de preferência, a verba n.º 1 estaria então destinada a uma venda autónoma e não conjunta por virtude de a garantia incidir apenas sobre ela, inviabilizando-se a projectada venda conjunta do lote, com os prejuízos para a insolvência daí inexoravelmente advindos). E nada disso teria estado na mente do legislador ao conceber a norma – tudo estando, ao invés, vocacionado para facilitar as vendas judiciais pelo maior preço possível em ordem a satisfazer o interesse primacial do processo, que é justamente o ressarcimento dos credores da insolvência (e não o contrário, para que tenderia aquela interpretação da norma agora ainda pretendida pela credora, ora Apelante). E é esta situação que a mesma pretende agora ver aqui tutelada. Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, ora se tenha que manter, intacto na ordem jurídica, o douto despacho da 1ª instância que assim veio a decidir e improcedendo o presente recurso de Apelação. * Decidindo.Assim, face a tudo o que se deixa exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido. Custas pela Apelante. Registe e notifique.» (Sic) ** Tudo está, pois, em saber se é de manter tal decisão tomada pelo Relator. Por outro lado, o Reclamante deve cingir-se à matéria que foi decidida no despacho de que reclama e não a outra, pois o acima citado n.º 3 do artigo 652.º do CPC diz que a parte que se considere prejudicada por algum despacho do Relator “pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”. Decorrentemente, tudo quanto extravase essa matéria, mormente factos e questões diversas das invocadas no recurso, não poderão ser apreciados em sede de Reclamação. Porém, a presente alegação da Reclamante nada traz que possa alterar a solução achada no despacho reclamado para o não provimento do recurso, que fica, assim, incólume pelas razões nele aduzidas. São termos em que terá, então, que ser indeferida a presente Reclamação. Já quanto ao pedido de condenação da Reclamante em multa – formulado na resposta –, vai o mesmo, naturalmente, indeferido. É que a Apelante (como, aliás, todos os Apelantes) tem direito a ver o seu recurso apreciado por um colectivo de desembargadores, não deixando de ser um desenvolvimento normalíssimo da lide a sua Reclamação para a conferência quando a decisão tenha sido apenas do Relator do processo – ao que acrescerá que não vislumbramos, salva outra opinião, que, in casu, se tenham justamente extravasado os limites do exercício desse seu direito. * Decidindo. Assim, face ao que se deixa exposto, acordam, em conferência, os juízes, nesta Relação, em indeferir a Reclamação e manter o despacho reclamado. Custas pela Apelante. Registe e notifique. Évora, 13 de Novembro de 2025 Mário João Canelas Brás (Relator) Cristina Dá Mesquita (1ª Adjunta) Miguel Vieira Teixeira (2º Adjunto) |