Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/22/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O regime de caducidade e cancelamento previsto nos nºs 1 a 6 do artigo 130.º do CE só se aplica aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, pelo que a coima cominada no n.º 7 do mesmo artigo é também privativa dessa categoria de títulos. II - A detenção pelo arguido, aquando da prática dos factos por que responde, de um título de condução brasileiro, caducado há menos de cinco anos, é inócua para o efeito de afastar a tipicidade do artigo 3.º do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No processo abreviado nº 126/18.4GBPTM, que correu termos, na fase de instrução, no Juízo de Instrução Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi proferida, em 4/10/2018, a seguinte: «Decisão Instrutória I. Relatório. 1. Na sequência da acusação exarada a fls. 61-62 onde o Ministério Público imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01, veio o arguido CC requerer a abertura de instrução pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia com os fundamentos aduzidos no requerimento de fls. 68-74. 2. O requerimento foi recebido, a instrução aberta, e realizou-se o debate instrutório. II. Saneamento. Inexistem nulidades ou quaisquer outras questões prévias que importe conhecer. III. Das finalidades da instrução. A instrução, quando requerida pelo sujeito processual arguido, como aqui sucede, visa a obtenção da comprovação judicial negativa da decisão de acusação, em ordem, ao invés, a lograr a não submissão da causa a julgamento, vd. os artigos 286.º, n.º 1 e 287.º, n.º 1, al. a) e 2, ambos do Código de Processo Penal. O que pressupõe, finda a fase da instrução, a obtenção de um juízo de controlo negativo no que concerne à verificação dos pressupostos necessários à submissão da causa a julgamento. IV. Da factualidade e a discordância. Discussão e consequências. 1. De acordo com a acusação pública os factos de natureza objectiva são os seguintes: «No dia 20/05/2018, pelas 3h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula -PP na Estrada Municipal n.º 531, em Alvor, sem que fosse detentor de um título válido que o habilitasse a conduzir veículos a motor». Dos autos resulta à saciedade que o arguido conduziu nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar um automóvel e que o fazia com uma carta de condução emitida no Brasil com prazo de validade fixado em 14/11/2017, cf. autos de notícia e de apreensão a fls. 3-5, 22-22, termo de entrega a fls. 29 e carta a fls. 83, razão porque poderemos esta materialidade suficientemente indiciada. As razões de discordância consistem em entendimento diverso do exarado na acusação pública pois pugna-se pela integração daqueles factos em ilícito contra-ordenacional, concretamente, na previsão do no n.º 7 do artigo 130.º do Código da Estrada, ao invés de os subsumir ao crime previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01. É esta a única questão suscitada no requerimento de abertura da instrução. Cumpre apreciá-la. 2. Discussão. 2.1. O artigo 3.º do DL 2/98, de 01, prescreve: «1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2- Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias». Dos elementos do tipo e face à natureza das razões de discordância releva o segmento «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada». A leitura do tipo logo inculca, em certa forma de ver, que ele se revela, ao menos parcialmente, como um “tipo aberto” na justa medida em que, para o apuramento (concretização/densificação) de um seu elemento, se reenvia expressamente para legislação extrapenal: «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada». Assim, o preenchimento desse elemento do tipo, por sobre tudo, como tipo de garantia carece do “amparo expresso” do Código da Estrada pois são as regras deste que definem, agora pela positiva, o que «será estar habilitado» para conduzir. Ilação que nos parece segura, que já acarreta implicações fundas no âmbito das exigências devidas ao (impostas pelo) princípio da legalidade em direito penal, cf. artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, concretamente, no âmbito da interpretação e actuação do tipo de crime, e que importa não perder de vista. 2.2. Como se imputa a condução de um automóvel, a «habilitação» à luz do Código da Estrada concretiza-se na posse de um título, no caso, da carta de condução, como decorre da conjugação dos nºs. 1 e 4 do artigo 121.º do Código da Estrada. Logo, não estará legalmente habilitado a conduzir um automóvel quem o faça sem ter carta de condução. Todavia, a situação sub judice não se traduz na simples condução sem carta, isto é, na condução por pessoa que não obteve a carta de condução. O que está em causa é antes o exercício da condução em momento temporal (20/05/2018) situado para além do prazo de validade da carta de condução (expirara em 14/11/2017) legitimamente obtida. Vale por dizer, conduzia-se com a carta fora da validade o que é diferente de conduzir sem ter carta de condução. Esta circunstância não pode, de jeito algum, ser escamoteada. 2.3. Ora, caberá tal situação no elemento do tipo «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada»? Desde logo parece-nos certo que não se pode ancorar o caso, sem mais, na previsão dos nºs. 1 e 4 do artigo 121.º do Código da Estrada, na justa medida em que a condução se fez por pessoa que dispunha de carta de condução, pese embora a respectiva validade estivesse expirada. O que nos “reenvia”, uma vez mais, para as normas do Código da Estrada em busca de azimute correcto. Ora, de entre tais normas releva a prevista no artigo 130.º, norma que integra o Capítulo IV (Novos exames e caducidade) do Título V (Da habilitação legal para conduzir) do aludido código. Tal norma dispõe assim: «1 - O título de condução caduca se: a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respectivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. 2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com excepção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. 3 - O título de condução é cancelado quando: a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contra-ordenação muito grave ou de segunda contra-ordenação grave; b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2; d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido. 4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução. 5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido. 6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º 7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600». A sua leitura revela que ela dispõe sobre duas distintas realidades erigidas pelo legislador, quais sejam, a da caducidade (cf. o n.º 1) e a do cancelamento (cf. o n.º 3), e às quais se atribuem, no que ora interessa, consequências diversas. O legislador definiu expressamente no n.º 5 que «os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido». O que impõe estas lídimas conclusões: (i) O elemento do tipo «sem estar habilitado nos termos do Código da Estrada» previsto no n.º 1 do artigo 3.º do DL. 2/98, de 3/01, nas situações em que quem conduzia dispunha de carta de condução, terá de ter em devida conta a definição expressa decorrente do transcrito n.º 5 do artigo 130.º. (ii) Só à verificação da situação do cancelamento quis o legislador atribuir e «para todos os efeitos legais» a qualidade de não habilitado a conduzir. Já para a condução realizada com título caducado há menos de cinco anos o legislador prescreveu expressamente a respectiva estatuição: será sancionado com coima (ilícito contra-ordenacional). Definiu, igualmente, que a condução com título caducado não deveria merecer sempre o mesmo tratamento ( ) e, em conformidade, estatuiu que a condução com título caducado há mais de 5 anos (sem que outro e válido exista) dará azo à situação do cancelamento. Norma que inseriu, como de passagem já se revelou, mas agora se sublinha, precisamente no Título V denominado «Da habilitação legal para conduzir» em cujo capítulo I, sobre os títulos de condução, se prescreve tanto sobre a (nossa) carta de condução como sobre os títulos que habilitam à condução emitidos por outros Estados, cf. os artigos 120.º e 125.º do Código da Estrada. A isto voltaremos. 2.4. Ora, esta modificação no plano das consequências entre a caducidade e o cancelamento não foi fruto do acaso. Recorde-se que o n.º 5 do artigo 130.º do Código da Estrada, na redacção do DL. 44/2005, de 23/02, precisamente sobre a caducidade, também dispunha que os titulares se considerassem, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para que o título fora emitido. Foi por meio da alteração a algumas normas do Código da Estrada operada pelo DL. 138/2012, de 5/07, que se estabeleceram, no artigo 130.º, as categorias distintas da caducidade e do cancelamento, e bem ainda se firmaram as respectivas consequências. Dito de jeito enxuto: com a modificação realizada pelo referido DL 138/2012 à caducidade deixou de estar associada a referida consequência, isto é, que nessa condição se considerasse o condutor, para todos os efeitos legais, não habilitado. A partir de então – como agora – o legislador apartou as duas situações (caducidade e cancelamento) e ofereceu duas respostas. Julgamos que não se pode sustentar, face à evolução legislativa, à letra da lei e à inserção sistemática do artigo 130.º, também no mesmo Título V onde se regulam todos os títulos que habilitam à condução, que aquela disposição é privativa dos títulos emitidos em Portugal. Quer dizer: se no Capítulo I do Título V o legislador reconhece validade a títulos de condução emitidos por outros Estados, a par dos títulos nacionais, e se nem no artigo 125.º, nem no artigo 130.º, ambos do Código da Estrada, se estabelece qualquer restrição quanto à aplicação deste último, parece-nos que não podemos inferir de jeito seguro e inequívoco que o artigo 130.º só se aplica a títulos emitidos em Portugal. Se o legislador não distinguiu, no artigo 130.º do Código da Estrada, as consequências em face da origem do título mas tão só em face do tipo de “patologia”, como poderemos nós fazê-lo? Se o legislador não limitou, ou restringiu, a aplicabilidade do artigo 130.º do Código da Estrada aos títulos emitidos em Portugal, apesar de saber (e regular) que além desses outros existem que também habilitam à condução em território nacional, como poderemos nós fazê-lo? Para mais quando de tal restrição – se a secundássemos – resultaria uma extensão da “malha da punibilidade penal”? Sublinhamos a partir do DL 138/2012 – como agora – o legislador no artigo 130.º do Código da Estrada apartou as duas situações (caducidade no n.º 1; cancelamento no n.º 3), ofereceu duas respostas distintas (contra-ordenação no n.º 7; crime no n.º 5) sem que, em momento algum, tenha feito qualquer distinção entre os títulos de condução, nomeadamente, quanto à sua origem, aos quis queria associar as estatuições que escolheu. 2.5. Ao proceder daquela forma, isto é, ao prescrever no n.º 5 do artigo 130.º do Código da Estrada que apenas os titulares dos títulos de condução cancelados é que se consideram, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos que a tais títulos se refiram, o legislador definiu os requisitos para a densificação, no que ora releva, do elemento do “tipo parcialmente aberto” previsto no n.º 1 do artigo 3.º do DL 2/98, de 3/01. Assim, não se considerará legalmente habilitado nos termos do Código da Estrada, para efeitos de actuação do tipo de crime previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. 2/98, o condutor que exerça a condução com título que se enquadre nas hipóteses legalmente definidas de cancelamento (n.ºs 3 e 5 do artigo 130.º do Código da Estrada). Ao fazermos uso da expressão «que se enquadre nas hipóteses legalmente definidas de cancelamento» estamos, de caso pensado, a chegar a um resultado interpretativo que, parece-nos, ter apoio claro na letra da lei, ser compatível com um tratamento igual, não alargar o âmbito da tipicidade e, do mesmo passo, a ultrapassar argumentos de índole mais formal e de sentido oposto (por ex. as dificuldades da autoridade nacional cancelar o título emitido por autoridade estrangeira). Ilação que nos parece, ressalvado melhor entendimento, também a que melhor respeitará as implicações das exigências impostas pelo princípio da legalidade em direito penal (também na vertente da tipicidade), cf. artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal. Assim será, do nosso ponto de vista, porque o que está em causa é o recorte da infracção penal, a definição dos seus limites, no fundo, a construção de um tipo legal de crime, matérias que só competem ao legislador. No caso, o crime é o previsto no artigo 3.º, n.º 1 e 2 do DL. 2/98, de 3/01, que é um crime comum, onde não se efectua qualquer destrinça entre as origens dos títulos ou licenças e que define uma conduta: «a de conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar legalmente habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com (…)». Recordando as palavras do Exm.º Senhor Professor Figueiredo Dias ( ): «Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos». 2.6. Na situação em apreço o arguido conduzia um automóvel, no dia 20/05/2018, na Estrada Municipal 531, Alvor, munido de carta brasileira com prazo de validade fixado em 14/11/2017. É reconhecida em Portugal a «carteira nacional de habilitação», vulgo carta de condução, emitida no Brasil, nos mesmos termos em que neste país se reconhece a nossa carta de condução, cf. Despacho n.º 10 942/2000 publicado no DR n.º 123, II Série de 27/05/2000. Mas, como se referiu, o arguido, apesar de possuidor de carta de condução, fazia uso dela fora do prazo de validade. Quer dizer: conduzia com a carta caducada há menos de 5 anos. Ora, se idêntica condução fosse efectuada por cidadão português, ou mesmo pelo arguido, ambos com cartas condução emitidas pelas autoridades portuguesas, mas também caducadas há menos de 5 anos, seria pacífico o entendimento sobre a tipologia da responsabilidade: meramente contra-ordenacional à luz do disposto no n.º 7 do artigo 130.º do Código da Estrada que prescreve: «Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro)». Então, perguntamos, qual é a razão funda para tratar de modo diferente as consequências do mesmo facto nuclear, qual seja, o de a condução se efectuar com carta de condução cujo prazo de validade expirou há menos de 5 anos? Quando o elemento diverso apenas consiste na origem da carta (ser emitida no Brasil) e o Estado Português reconhece que as cartas de condução brasileiras habilitam o titular à condução em território nacional? Parece-nos que se o Estado Português reconhece esses títulos com a aludida amplitude daí só podemos concluir que se equiparou, para a permissão de conduzir veículos com motor na via pública, a carta emitida no Brasil à carta emitida em Portugal, com inerentes reflexos no chamamento do crime de condução não habilitada. Mas podemos colocar a questão de outro jeito: Existiria o presente processo-crime se o arguido conduzisse com a carta brasileira dentro da validade? Estamos em crer que não. Justamente porque em decorrência do aludido reconhecimento resultará um tratamento igual ao que seria dado caso estivesse em causa uma carta de condução emitida em Portugal e também dentro da validade. Esse tratamento desigual poderá surgir, isso sim, quando no contexto referido e à mesma realidade – a condução com duas cartas caducadas há menos de 5 anos – se pretende assacar distinta consequência (contra-ordenacional ou penal). Resultado a que importa obstar até à luz do princípio da igualdade vertido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. 3. Consequências. Sem desdouro pela posição do Ministério Público exarada no despacho de fls. 58 e da jurisprudência para onde remete, tomamos posição diversa. Entendemos que os factos vertidos na acusação pública não integram o crime previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01 e vamos antes ao encontro da jurisprudência exarada no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/05/2013 (Processo 50/11.1GTGRD.C1) e no Acórdão da Relação de Évora de 17/10/2017 (Processo 316/14.9GTABF.E1). Em decorrência, será lavrado despacho de não pronúncia nos termos do artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. V. Decisão, Por tudo o exposto decido: NÃO PRONUNCIAR o arguido CC pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime de condução não habilitada previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL. 2/98, de 3/01. Sem custas. Registe e notifique». Da transcrita decisão instrutória o MP veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: I- Em face das disposições conjugadas dos, nºs 1, 4, 5 e 9, do artigo 121.º do Código da Estrada, podemos afirmar que, regra geral, só as cartas e licenças de condução emitidas pelo IMT, habilitam à condução de veículos a motor na via Publica em Portugal. II- Porém, o código da estada prevê algumas excepções e reconhece validade em Portugal a alguns títulos de condução estrangeiros, designadamente a títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu, a títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de Setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de Novembro de 1968, sobre circulação rodoviária e a Títulos de condução emitidas por Estado estrangeiro, desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais é o que resulta do artigo 125.º, n.º 1, als. b), c), d), do Código da Estrada. III- O Estado Brasileiro ratificou as convenções de Genebra e de Viena e bem assim as cartas de condução brasileiras são reconhecidas em Portugal em regime de reciprocidade, conforme Despacho n.º 10942/2000, publicado no DR. n.º123, II Série de 27 de Maio de 2002, verificando-se por isso, em relação a tais títulos. IV- Logo, em princípio, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d) do citado artigo 125.º do Código da Estrada, os detentores de tais títulos também estão habilitados a conduzir veículos automóveis em Portugal. V- Todavia, no que concerne aos títulos de condução de condução, referidos nas citadas alíneas, o seu reconhecimento não é absoluto e incondicional e a sua validade em Portugal não é ilimitada. VI- Por força do artigo 41 da Convenção de Viena relativa ao tráfego Rodoviário e bem assim, no caso do Brasil, do citado despacho n.º 10942/2000, o reconhecimento em Portugal dos referidos títulos de condução, só se verifica se os mesmos estiveram dentro dos respectivos prazos de validade. VII- Pelo que, em nosso entendimento, de acordo com o exposto, todos os portadores de títulos de condução referidos no citado artigo, fora do respectivo prazo de validade, não têm habilitação legal para conduzir em Portugal, porque caem fora do âmbito de aplicação, quer da convenção de Viena, quer da convenção bilateral de reconhecimento mútuo, porque não obedecem aos respectivos requisitos de reconhecimento. VIII- O facto de prazo de validade do título em causa nestes autos ter expirado, há mais ou menos de 5 anos é completamente irrelevante, uma vez que um título de condução nessas condições não é reconhecido em Portugal. IX- No crime em apreço o que releva é saber se o seu agente possui, ou não, habilitação legal para conduzir e não se o mesmo é, ou não, titular de uma carta ou licença de condução (dentro ou fora do respectivo prazo de validade), como parece resultar da douta decisão recorrida. X- Querer aplicar a doutrina do artigo 130.º do Código da Estrada a títulos de condução com a validade expirada, emitidos por estados estrangeiros, poder-se-ia cair no absurdo de reconhecer habilitação legal para conduzir e Portugal com base em títulos inválidos no próprio Estado emitente, bastando para tanto que no referido Estado o cancelamento (ou outra figura parecida) ocorra antes de decorridos 5 anos do termo do prazo de validade. XI- Não tem o Estado Português forma de controlar os regimes de renovação, caducidade ou cancelamento dos títulos emitidos por estados terceiros. XII- Ao contrário do que sucedia com a caducidade, o cancelamento da carta de condução previsto no n.º3, do artigo 130.º, do Código da Estrada, não é automático, ou seja, para que a carta seja cancelada é necessária uma decisão nesse sentido, não bastando o simples decurso do prazo dos 5 anos. XIII- Não tem o Estado Português forma de efectivar o cancelamento de uma carta estrangeira que nem sequer sabe que existe. XIV- Pelo que, por força do disposto no n.º5 do citado artigo 130.º, enquanto não houver decisão de cancelamento, os titulares das referidas cartas de condução estão habilitados a conduzir em Portugal com a validade expirada há 6.7, 8 ou mais anos. XV- Só há reconhecimento se a carta de condução em causa estiver dentro do prazo de validade, pelo que, inexistindo esse reconhecimento, a questão do tratamento igual ou desigual já nem sequer se coloca. XVI- A Julgar pelos argumentos da douta decisão recorrida, o tratamento diferenciado, previsto nos n.º3 e 4 do artigo 125.º, do Código da Estrada, constituiria uma violação ao princípio da igualdade vertido no artigo 13.º,da CRP. XVII- Quando a nós, tal não é concebível pois estamos em crer que a habilitação legal para conduzir decorrente de um título nacional e a decorrente do reconhecimento de um título estrangeiro são distintas e têm subjacentes realidades diferenciadas, pelo que, não podem reclamar o mesmo tratamento. Por tudo exposto, em nosso entendimento, deveria o arguido ter sido pronunciado pela prática do crime de que vinha acusado, violando o Meritíssimo Juiz de instrução, ao assim não entender o disposto no 308.º, n.º 1, do C. Processo Penal e 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98 de 3/01 Assim se fazendo, JUSTIÇA O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo. O arguido CC respondeu à motivação do Digno Recorrente, formulando as seguintes conclusões: I. O Recorrente, Ministério Público, interpôs recurso do douto despacho de não pronúncia do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, por este considerar que os factos vertidos na acusação pública não integram o crime previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01; II. Pelo que, em consonância com tal decisão, foi lavrado despacho de não pronúncia nos termos do artigo 308.º, n.º 3 do Código de Processo Penal; III. O Recorrente não se conforma com tal decisão, argumentando que, atendendo às normas do Código da Estrada, designadamente, o artigo 121.º só as cartas e licenças de condução emitidas pelo IMT, habilitam à condução de veículo a motor na via pública em Portugal; IV. Embora, reconheça que o Código da Estrada preveja algumas excepções, no caso de reconhecer validade a títulos de condução estrangeiros emitidas por países que tenham celebrado e ratificado, nomeadamente, as Convenções de Genebra e Viena como é o caso do Brasil; V. O Recorrente alega que, apesar da celebração de tais Convenções, o reconhecimento de títulos estrangeiros em Portugal só se deve verificar se tais títulos de condução estiverem dentro dos respectivos prazos de validade; VI. E, atendo ao caso em concreto, em que o arguido, portador de um título de condução emitido no Brasil, com sua validade estava expirada há menos de 5 anos, o Recorrente sustenta que o facto de estar caducada há menos de 5 anos é irrelevante, pelo que considera que deve se entender que o arguido não se encontra habilitado nos termos do Código da Estrada para conduzir veículo a motor e que praticou o crime p. e p. pelo artigo 3.º do DL 8/12 de 3 de Janeiro; VII. Com todo o respeito e que é muito, entendemos que o Recorrente não interpretou as normas do Código da Estrada de forma adequada; VIII. O Arguido possuidor de carta de condução emitida pelo Brasil, reconhecida em Portugal é equiparada a uma carta de condução emitida em Portugal; IX. Assim, ao se constatar que a carta de condução se encontrava expirada há menos de 5 anos é de aplicar o regime da caducidade e não do cancelamento como sustenta o Recorrente; X. Nestes termos, é de aplicar o nr. 7 do artigo 130.º do Código da Estrada e, consequentemente, a conduta do arguido integra-se num ilícito contra-ordenacional e não num ilícito criminal, pois a sua conduta não integra o crime p. e p. no artigo 3.º do DL de 2/98 de 3 de Janeiro, não preenche o tipo legal deste crime; XI. Ora, por tudo o referido o Arguido encontrava-se habilitado a conduzir um veículo a motor; XII. Adere-se na íntegra à argumentação expendida no douto despacho de não pronúncia proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal a quo, onde, claramente rebate de forma convincente os argumentos pelo qual decide não pronunciar o arguido pelo crime que lhe é imputado; XIII. Pelo exposto, entende-se que a decisão recorrida não merece as censuras que lhe são apontadas, pelo que a meticulosa e irrepreensível decisão recorrida deve ser confirmada. Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência ser confirmado o douto Despacho de não pronúncia recorrido. Vossas Ex.as, porém decidirão como for de JUSTIÇA! O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso admitido, no sentido de não ser merecedor de provimento. Tal parecer foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, não tendo o ele respondido. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. O presente recurso foi interposto pelo MP de uma decisão instrutória, concretizada num despacho de não pronúncia do arguido, proferida no termo de uma instrução por este requerida, reagindo contra a acusação contra si deduzida pelo MP, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1 148º nº 1 do CP, peticionando a reversão dessa decisão e sua substituição por um despacho que pronuncie o arguido autor do crime por que foi acusado. As finalidades da fase processual de instrução são definidas pelo nº 1 do art. 286º do CPP, nos termos seguintes: A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. O nº 1 do art. 308º do CPP faz depender a prolação de uma decisão de pronúncia da existência de indícios suficientes da verificação dos pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança. O conceito legal de «indícios suficientes» é fornecido pelo nº 2 do art. 283º do CPP, aplicável à decisão instrutória por remissão do nº 2 do art. 308º: Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Conforme resulta da disposição do CPP acabada de transcrever, a decisão de pronunciar o arguido não pressupõe a prova definitiva da prática do crime, mas somente um juízo de existência de indícios suficientes dos pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, entendendo-se como tal os indícios por força dos quais subsista uma possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado, em sede de julgamento, o que implica, na orientação interpretativa que vimos seguindo, a formulação pelo Juiz de Instrução de um juízo de prognose no sentido de uma ulterior condenação do arguido se antever, em face da prova produzida, como o desfecho mais provável do julgamento. Muito em síntese, a acusação imputou ao arguido o ter ele, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nessa peça processual, conduzido um veículo ligeiro de passageiros, por uma via pública, sem que fosse detentor de título válido que o habilitasse a essa condução. Também muito resumidamente, no despacho de não pronúncia recorrido, o Exº Juiz de Instrução julgou que, sendo o arguido titular, ao tempo da prática dos factos por que responde, de uma carta de condução, emitida pelo Estado Brasileiro e caducada menos de um ano antes, tais factos não integram o ilícito criminal, por que o arguido foi acusado, mas sim uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 130º nº 7 do CE. Assim, o sucesso da pretensão recursiva não depende da maior ou menor indiciação dos factos alegados na acusação, cuja veracidade é pacífica entre os sujeitos processuais, mas sim da bondade do raciocínio jurídico, que esteve na base da decisão de não pronunciar o arguido. O caso presente é, em tudo o que releva, idêntico ao que foi tratado no Acórdão desta Relação de Évora de 7/1/2016, proferido no processo nº 651/13.3PAPTM.E1 e subscrito por este Colectivo de Juízes (disponível em www.dgsi.pt), no qual se decidiu em sentido divergente da tese jurídica subjacente à decisão instrutória recorrida e convergente com a propugnada no recurso dela interposto. Por isso, iremos seguir de perto a fundamentação desse Acórdão, ainda que este tenha sido tirado num enquadramento processual distinto, pois recaiu sobre um recurso interposto de uma sentença condenatória pelo MP, no interesse do arguido. A decisão sob recurso baseia-se numa argumentação centrada na interpretação do normativo do art. 130º do CE. Contudo, uma correcta interpretação do referido normativo implicará que se tome na devida consideração outros preceitos do mesmo diploma legal e mesmo com origem noutras fontes, que possam de uma forma ou de outra condicionar o sentido da norma interpretanda. É nisso que consiste, no fundo, o elemento sistemático da interpretação, a que se alude também na motivação do recurso. O art. 130º do CE é do seguinte teor: 1 - O título de condução caduca se: a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. 2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior. c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. 3 - O título de condução é cancelado quando: a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave; b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2; d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido. 4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução. 5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido. 6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º 7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de € 120 a € 600. Em matéria de títulos de condução emitidos por entidades diversas do Estado Português, o art. 125º do CE estatui: 1 - Além dos títulos referidos nos n.os 4 e 5 do artigo 121.º são ainda títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes: a) Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau; b) Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu; c) Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária; d) Títulos de condução emitidas por Estado estrangeiro, desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais; e) Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta; f) (Revogado.) g) Licenças especiais de condução; h) Autorizações especiais de condução; i) Autorizações temporárias de condução. 2 - A emissão das licenças e das autorizações especiais de condução bem como as condições em que os títulos estrangeiros habilitam a conduzir em território nacional são fixadas no RHLC. 3 - Os titulares das licenças referidas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 estão autorizados a conduzir veículos a motor, em Portugal durante os primeiros 185 dias subsequentes à sua entrada no País, desde que não sejam residentes. 4 - Após fixação da residência em Portugal, o titular das licenças referidas no número anterior deve proceder à troca do título de condução, no prazo de 90 dias. 5 - Os títulos referidos no n.º 1 só permitem conduzir em território nacional se os seus titulares tiverem a idade mínima exigida pela lei portuguesa para a respetiva habilitação. 6 – (revogado) 7 - (revogado) 8 - Quem infringir o disposto nos n.os 3 e 5, sendo titular de licença válida, é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1 500. Por seu turno, o art. 128º regula a substituição de títulos de condução estrangeiros por cartas de condução portuguesas: 1 - A carta de condução pode ser obtida por troca de título estrangeiro válido, que não se encontre apreendido ou tenha sido cassado ou cancelado por determinação de um outro Estado. 2 - Se o título estrangeiro apresentado for um dos referidos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 125.º, a troca está condicionada ao cumprimento pelo titular de todos os requisitos fixados no RHLC para obtenção de carta de condução, com exceção da submissão a exame de condução. 3 - Na carta de condução portuguesa concedida por troca de título estrangeiro apenas são averbadas as categorias de veículos que tenham sido obtidas mediante exame de condução ou que sejam previstas no RHLC como extensão de habilitação de outra categoria de veículos. 4 - É obrigatoriamente trocado por idêntico título nacional o título de condução pertencente a cidadão residente e emitido por outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu: a) Apreendido em Portugal para cumprimento de proibição ou inibição de conduzir, após o cumprimento da pena; b) Em que seja necessário proceder a qualquer alteração. 5 - Os títulos de condução referidos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 125.º não são trocados por idêntico título nacional quando deles conste terem sido obtidos por troca por idêntico título emitido por Estado não membro da União Europeia, ou do espaço económico europeu, a não ser que entre esse Estado e o Estado Português tenha sido celebrada convenção ou tratado internacional que obrigue ao reconhecimento mútuo dos títulos de condução. 6 - Os titulares de títulos de condução estrangeiros não enumerados no n.º 1 do artigo 125.º podem obter carta de condução por troca dos seus títulos desde que comprovem, através de certidão da entidade emissora do título, que os mesmos foram obtidos mediante aprovação em exame de condução com grau de exigência idêntico ao previsto na lei portuguesa. 7 - A troca de título de condução estrangeiro é condicionada à aprovação do requerente a uma prova prática componente do exame de condução quando: a) Não for possível comprovar o requisito exigido no número anterior; ou b) Existam dúvidas justificadas sobre a autenticidade do título cuja troca é requerida. c) Não for requerida a troca do título estrangeiro no prazo estabelecido no n.º 4 do artigo 125.º; d) Não for requerida dois anos após o termo do prazo fixado para a troca de título de condução vitalício emitido por Estado-membro da União Europeia ou do espaço económico europeu; e) Exista registo de prova prática realizada em território nacional, em data posterior à da obtenção do título estrangeiro, com resultado de reprovado. 8 - A troca de título de condução estrangeiro é condicionada à aprovação do requerente a uma prova teórica componente do exame de condução quando exista registo de prova teórica realizada em território nacional, em data posterior à da obtenção do título estrangeiro, com resultado de reprovado. Ao tempo da prolação do Acórdão da Relação de Évora de 7/1/2016, a que fizemos alusão, vigorava a redacção dos arts. 125º, 128º e 130º do CE resultante das alterações introduzidas até à Lei nº 72/2013 de 3/9. À data da prática dos factos descritos na acusação deduzida nos presentes autos (20/5/2018), a redacção vigente do art. 125º era a resultante do DL nº 151/2017 de 7/12 e a dos arts. 128º e 130º a introduzida pelo DL nº 40/2016 de 29/7. De todo o modo, as alterações entretanto efectuadas ao normativo dos arts. 125º, 128º e 130º do CE afiguram-se-nos inócuas para os raciocínios jurídicos, que agora nos incumbe desenvolver. Tanto a República Federativa do Brasil como a República Portuguesa subscreveram a Convenção de Viena de 1968 sobre circulação rodoviária. O Despacho nº 10942/2000 (publicado em DR, 2ª série, 27/5/00), citado na decisão recorrida, pelo qual o Estado Português reconheceu os documentos brasileiros equivalentes às cartas de condução («carteira nacional de habilitação»), remete para a al. e) do nº 1 do 125º do CE, mas tal remissão deve ser reportada à redacção do CE vigente ao tempo da publicação do identificado Despacho, que era a introduzida pelo DL nº 2/98 de 3/1. O conteúdo normativo da al. e) do nº 1 do 125º do CE, na antiga redacção, corresponde, no essencial ao da al. d) do texto actualmente em vigor. Nesta conformidade, podemos concluir que o documento emitido pelo Estado Brasileiro, de que o arguido era portador ao tempo dos factos por que responde, integra o universo de títulos de condução definido pelas als. c) e d) do nº 1 do art. 125º do CE. Resulta indubitável do disposto no nº 3 do art. 125º do CE que os títulos de condução estrangeiros englobados na previsão das als. c) e d) do nº 1 do mesmo normativo apenas são idóneos a habilitar o respectivo portador a conduzir veículos em território português, sem restrições, durante os primeiros 185 dias depois de ter fixado residência neste país (aparentemente, a questão não se coloca para os não residentes). Na verdade, aquilo a que poderemos chamar o «destino normal» dos referidos títulos de condução reside na sua troca por cartas de condução nacionais, nos termos regulados pelo art. 128º do CE, operação que tem como pressuposto impreterível, de acordo com o prescrito no nº 1 deste artigo, que o documento trocado se encontre válido, designadamente, não tenha ultrapassado o seu prazo de caducidade. O detentor de um título de condução abrangido na previsão das als. c) e d) do nº 1 do art. 125º do CE, que, depois de findo o prazo de 185 dias fixado pelo nº 3, não tenha providenciado pela sua substituição por um título nacional e tenha, ainda assim, continuado a conduzir veículos em Portugal, incorre numa contra-ordenação, a que corresponde uma coima de € 300 a € 1.500, nos termos do nº 8 do mesmo artigo. A entender-se, como se fez na decisão recorrida, que a apurada conduta do arguido – conduzir um veículo em território português munido de um título de condução brasileiro caducado há menos de cinco anos – deve ser reconduzida à contra-ordenação prevista pelo nº 7 do art. 130º da CE, o sistema jurídico entra em grave incoerência pois estará a sancionar esta actuação menos gravemente do que a daquele que conduza sendo portador de um título estrangeiro válido, depois de esgotado o prazo de 185 dias subsequentemente a ter estabelecido residência em Portugal. O nº 3 do art. 9º do CC dispõe que, na operação intelectual de determinação do sentido e alcance da lei, o intérprete terá de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, pelo que deverá abster-se de optar por entendimentos que conduzam a resultados incoerentes, incongruentes ou irrazoáveis. Neste contexto, não vislumbramos outra conclusão lógica possível senão que o regime de caducidade e cancelamento previsto nos nºs 1 a 6 do art. 130º do CE só se aplica aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, pelo que a coima cominada no nº 7 do mesmo artigo é também privativa dessa categoria de títulos. Pelo contrário, o título de condução emitido por Estado estrangeiro, que tenha habilitado o seu portador à condução de veículos em Portugal, ao abrigo do disposto nas als. c) e d) do nº 1 do art. 125º do CE, uma vez ultrapassado o respectivo prazo de validade, deixa irremediavelmente de ser passível de substituição por carta de condução portuguesa ou sequer de permitir a emissão a partir dele de um documento desta natureza, sem necessidade de aguardar o prazo de 5 anos previsto na al. d) do nº 3 do art. 130º do CE. Nesta ordem de ideias, a detenção pelo arguido, aquando da prática dos factos por que responde, de um título de condução brasileiro, caducado há menos de cinco anos, é inócua para o efeito de afastar a tipicidade do art. 3º do DL nº 2/98 de 3/1. Argumentou o Digno Recorrente que o entendimento interpretativo, segundo o qual os títulos de condução emitidos por Estados estrangeiros não se encontram abrangidos no regime definido pelo art. 130º do CE, seria atentatório do princípio da igualdade consagrado pelo art. 13º da CRP. A este respeito, apenas se nos oferece dizer que a emissão dos documentos que habilitam à condução de veículos e a definição dos pressupostos da sua atribuição ou denegação, no território em que se exerce a soberania de determinado Estado, tem sido, de um modo geral, apanágio desse mesmo Estado. É verdade que a lei do Estado Português, tal como sucede seguramente com as leis emitidas por muitos outros Estados, reconhece uma certa margem de validade, no seu território, aos títulos de conduções emitidos por Estados diversos. Contudo, daí não se segue uma equiparação por natureza entre os documentos habilitantes à condução emitidos pelas autoridades nacionais de acordo com a lei nacional e aqueles que provêm de Estados estrangeiros, pelo que um maior ou menor grau de aproximação do estatuto dos segundos ao dos primeiros permanece, de um modo geral, na margem de livre apreciação do legislador ordinário. Nesse sentido, não se vislumbra que a tese interpretativa sufragada pelo Digno Recorrente e contrária à que vingou na decisão recorrida possa de alguma forma colidir com o princípio constitucional da igualdade. Como tal, teremos de concluir que a decisão instrutória de não pronúncia sob recurso não poderá subsistir, impondo-se proferir, em lugar dela, decisão que pronuncie o arguido pelo crime por que vem acusado, pelo que terá de proceder a pretensão recursiva. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, nos termos da alínea seguinte; b)Proferir decisão que pronuncie o arguido CC (melhor identificado a fls. 61 e 62), pela prática dos factos descritos na acusação pública de fls. 61 e 62, que aqui se dão por reproduzidos, autor material e na forma consumada de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1 Sem custas. Notifique. Évora, 22/10/19 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Povoas Corvacho) (João Manuel Monteiro Amaro) |