Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
176/16.5YREVR
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CONTUMÁCIA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 01/06/2017
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA
Sumário:
I –O instituto da contumácia é aplicável aos casos em que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, ausentando-se para parte incerta, cabendo ao TEP a sua declaração, de harmonia com o previsto noartigo 97.º, n.º2, do CEPMPL.
Decisão Texto Integral:
A Meritíssima Juíza da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Coruche (agora denominado Juízo de competência genérica de Coruche), da comarca de Santarém, no âmbito do processo sumário n.º ---/13.7GBCCH, que ali corre termos, em que é arguido F., denunciou o presente conflito negativo de competência, face à divergência surgida entre a decisão proferida pela mesma neste processo, em 07-09-2016 e a decisão proferida em 30-09-2016 pela Meritíssima Juíza do TEP de Évora, no âmbito do processo supletivo n.º ---/16.6TXEVR-A, quanto à aplicação do instituto da contumácia à pena de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e ao tribunal competente para a declarar.

Como decorre do expediente que serve de suporte à denúncia do conflito, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 16-12-2013, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, convertida, por despacho de 30-01-2015, em 93 dias de prisão subsidiária.

Não se tendo logrado a detenção do condenado para cumprimento da sobredita pena de prisão, por não ser conhecido o seu atual paradeiro, promoveu o MP junto do tribunal da condenação a notificação daquele por editais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 335.º n.º1 e 2 do CPP e do artigo 138.º, n.º4, al. x) do CEPMPL, tendo a Meritíssima Juíza do Tribunal da condenação declinado a sua competência e atribuindo-a ao TEP, convocando, para o efeito, o decidido nos acórdãos do TRP de 11-05-2016 (proc.1047/15.8TXPRT-A.P1) e do TRL de 10-05-2016 (Processo n.º 59/04.1PAVFX-A.L1-5), tendo ordenado a remessa de certidão ao TEP.

Por sua vez, a Meritíssima Juíza do TEP de Évora, manifestou o entendimento de que o instituto da contumácia não é aplicável ao incumprimento da pena de prisão subsidiária, que não constitui uma verdadeira pena de prisão, mas antes um mecanismo de constrangimento à execução da pena de multa, pelo que recusou a aplicação do referido instituto ao caso em apreço.

O Ministério Público junto do Tribunal da condenação promoveu fosse suscitado o conflito negativo de competência, por entender haver lugar à declaração de contumácia e esta ser da competência do TEP, citando em abono da sua posição os acórdãos da Relação do Porto de 09-12-2015, proferido no processo 148/15.7TXPRT-BP1, de 16-09-2015, proferido no processo 395/15.1TXPRT-A.P1, e o acórdão da Relação de Lisboa de 26-01-2016, proferido no processo n.º 36/09.6PFVFX-A.L1.

As decisões proferidas transitaram em julgado.

Foi cumprido o disposto no art.º 36.º do Código de Processo Penal.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, nesta sede, emitiu o respetivo Parecer de fls.79, no sentido de que o presente conflito deve ser resolvido atribuindo-se a competência para o efeito em causa à Meritíssima Juiz do TEP, dizendo, em resumo, que não existe atualmente norma que atribua essa competência ao tribunal da condenação, pois a Lei n.º 115/2009, de 12/10 (n.º2, al. a) do art.8.º) revogou total e expressamente o art. 476.º do CPP que, até então, repartia a competência para a declaração da contumácia entre ambos os Tribunais [al. b) do citado artigo] e ao declarar-se incompetente o TEP deixaria de haver contumácia para o condenado que dolosamente se tiver eximido total ou parcialmente à execução da prisão subsidiária o que levaria a uma massiva prescrição da pena de multa e a respectiva prisão subsidiária.

Não se torna necessário recolher outras informações e provas.

Cumpre decidir.

De acordo com o art.140.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o CEPMPL, «À definição, denúncia e resolução do conflito de competência aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas correspondentes do Código de Processo Penal.».

Tais normas constam dos artigos 34.º a 36.º do CPP.

O que essencialmente caracteriza um conflito de competência é a situação de impasse processual em que se cai decorrente da prolação de duas decisões, de igual força, e de sentido contrário, que se anulam e que nenhuma delas produz os seus efeitos.

Face ao teor dos despachos em confronto e aos normativos aplicáveis, verifica-se um impasse que se impõe resolver sem demora, sob pena de se manter uma situação desprestigiante para a realização da justiça, sendo competente, para o efeito, o Presidente da Secção Criminal, como resulta da al. a) do n.º5 do art.12.º do CPP.

Com o presente incidente pretende-se, em síntese, obter decisão que resolva definitivamente se há lugar à aplicação do instituto da contumácia quando está em causa a execução de uma pena de prisão subsidiária e, na afirmativa, qual o tribunal competente para a aplicação desse instituto.

A Meritíssima Juíza do Tribunal de Execução das Penas, citando uma das linhas jurisprudenciais em confronto, entendeu que o instituto de contumácia não pode ter aplicação no cumprimento de prisão subsidiária, pois que, como decorre do artigo 97.º, nº2, do CEPMPL, apenas são visados os casos em que o condenado se tiver dolosamente eximido, total ou parcialmente, à execução da pena de prisão ou de medida de internamento e, ao executar-se uma prisão subsidiária não se cumpre uma verdadeira pena de prisão, mas sim executa-se um mecanismo de constrangimento à execução da pena de multa.

Por sua vez, a Meritíssima Juíza do ora denominado Juízo de competência genérica de Coruche, apoiando-se na outra linha jurisprudencial, que cremos ser maioritária, entende haver lugar, no caso de incumprimento da pena de prisão subsidiária por banda do condenado, que se ausentou para parte incerta, à aplicação do instituto da contumácia, sendo competente para a sua declaração o TEP.

A questão não tem merecido tratamento jurisprudencial uniforme.

Com argumentos no sentido da decisão do TEP e concluindo pela inadmissibilidade da declaração de contumácia na situação de prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa, encontrámos publicados, em www.dgsi.pt, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de março de 2015 [processo n.º 95/11.1GATBU-A.C1- relator Luís Teixeira], e do Tribunal da Relação do Porto de 11 de novembro de 2015 [processo n.º 1190/14.0TXRPR-A.P1, relator Artur Oliveira].

Em sentido contrário – de admissibilidade da declaração de contumácia na situação de prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa – podem consultar-se, também em www.dgsi.pt, as decisões do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07 de março de 2012 e 21 de março de 2012, proferidas no âmbito de conflitos negativos de competência [processo n.º89/08.4GBALD-B.C1 (relator Vieira Marinho) e n.º 56/04.7TASPS-B.C1, relator Esteves Marques], do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de janeiro de 2016, 10 de maio de 2016 e 20 de setembro de 2016 [processos n.º 36/09.6PFVFX-A.L1.5 (relatora Maria José Machado), n.º 59/04.1PAVFX-A.L1-5 (relator Simões de Carvalho) e n.º178/08.5GHVFX.L1-5 (relator Vieira Lamim)], do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de setembro de 2015, de 9 de dezembro de 2015, de 16 de dezembro de 2015, de 3 de fevereiro de 2016, de 10 de fevereiro de 2016, de 16 de março de 2016, de 4 de maio de 2016 e de 11 de maio de 2016, 14 de setembro de 2016, 26 de outubro de 2016 [processos n.º 395/15.1TXPRT-A.P1 (relator Vaz Pato), n.º 148/15.7TXPRT-B.P1 (relatora Élia S. Pedro), n.º 69/15.3TXPRT-A.P1 (relatora Élia S. Pedro), n.º 710/14.5TXPRT-A.P1 (Relator Borges Martins), n.º 291/15.2TXPRT-A.P1 (relator Ernesto do Nascimento), n.º 758/15.2TXPRT-A.P1 (relator Nuno Ribeiro Coelho), n.º 1022/15.2TXPRT-A.P1 (relator José Carreto), n.º 575/15.0TXPRT.P1 (relator Cravo Roxo), n.º 1047/15.8TXPRT-A.P1 (relator Vítor Morgado), n.º1248/15.9TXPRT-A.P1 (relatora Ana Bacelar), e n.º1293/15.4TXPRT-A.P1 (relator Jorge Langweg), bem como o acórdão desta Relação de Évora de 22 de setembro de 2015, proferido no processo n.º197/05.3PAMRA-A.E1 (relator Alberto Borges).

Face às razões recenseadas nas inúmeras decisões supra indicadas e seguindo os argumentos aduzidos pela jurisprudência maioritária nesta matéria, entendemos ser admissível a declaração de contumácia na situação de prisão subsidiária resultante da conversão de pena de multa.

Como se diz no acórdão da Relação do Porto de 16 de setembro de 2015, de que foi relator, Pedro Vaz Pato, supra mencionado, “Não suscita dúvidas a diferente natureza da pena de prisão aplicada a título principal, por um lado, e da prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, por outro lado. Essa diferente natureza há de refletir-se em várias aspetos dos respetivos regimes. A questão está, porém, em saber se a declaração de contumácia em caso de recusa dolosa de execução dessas penas é, ou não, um dos aspetos em que se justifica essa diferença de regimes.
(…)
A declaração de contumácia não está, em termos gerais, reservada a situações que envolvam a aplicação de penas de prisão. Os artigos 335º a 337º do Código de Processo Penal são aplicáveis a qualquer processo penal, independentemente da gravidade do crime, ou da maior ou menor probabilidade de aplicação de penas de prisão. E nunca se suscitou a dúvida sobre a conformidade constitucional dessa aplicação alargada a qualquer processo e a qualquer crime.

Mas, para além dessa questão genérica, importa saber, mais especificamente, se se justifica, ou não, a aplicação do artigo 97º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, e da declaração de contumácia aí prevista, às situações de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa. Ou seja, se este é, ou não, um dos aspetos em que se justifica a diferença de regimes entre as penas de prisão aplicadas a titulo principal e as penas de prisão subsidiária resultantes da conversão da pena de multa.

Afigura-se-nos que não se justifica essa diferença de regimes. Num e noutro caso, estamos perante uma “prisão” e é apenas à “prisão” que se refere o preceito em apreço. Num e noutro caso, estamos perante uma fortíssima privação da liberdade. Apesar de ao crime em causa ter sido aplicada uma pena de multa, o legislador admite e impõe essa privação de liberdade. Se admite esta tão grande restrição de um direito fundamental, não se vislumbra por que não há de admitir a privação de outros direitos fundamentais (não despiciendos, mas de relevo menor) que resulta da declaração de contumácia.

E é assim mesmo que a finalidade da prisão subsidiária seja a de constranger ao pagamento da multa. Se essa finalidade impõe a privação da liberdade, também impõe o recurso a mecanismos que assegurem efetivamente essa privação da liberdade. A intenção de evitar que condenados se subtraiam à execução da prisão, frustrando desse modo a condenação de que foram alvo e a eficácia do sistema judicial em geral, aplica-se, pois, quer a penas de prisão aplicadas a título principal, quer a penas de prisão subsidiárias resultantes da condenação em pena de multa.”

Em conclusão, para efeitos do disposto no art.º 97.º, n.º 2, do CEPMPL, o legislador não distingue entre a pena de prisão aplicada a título principal e a título de substituição. Por isso, a declaração de contumácia prevista pelo referido artigo é aplicável também às situações de prisão subsidiária resultante da conversão de penas de multa.

O condenado em pena de prisão subsidiária, emergente da conversão de pena de multa, poderá sempre obstar ao cumprimento daquela, pagando esta última (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal), fazendo também caducar a declaração de contumácia com a sua apresentação e recuperando, assim, todos os seus direitos fundamentais (artigo 336.º, 1, do Código de Processo Penal).

O sistema legal não pode premiar – ilegitimamente e contra legem - os condenados relapsos que se eximem, dolosamente, ao cumprimento de uma pena de prisão (mesmo que seja subsidiária) ou medida de segurança.

Ora, se existe já condenação com trânsito em julgado, isto é, se o arguido foi já considerado culpado da prática de um crime, relativamente ao qual lhe foi aplicada uma pena de multa, colocando-se este numa situação de incumprimento doloso relativamente ao não pagamento dessa multa, mais facilmente se aceita a tal compressão dos direitos civis do condenado através da contumácia, para o obrigar a apresentar-se para o cumprimento da pena de prisão subsidiária, em resultado da conversão da multa.

Não admitindo uma declaração de contumácia, conforme decidido pela Meritíssima Juíza do TEP, tal solução implicaria que não houvesse lugar à suspensão e à interrupção da prescrição da pena, nos termos do disposto nos artigos 125.º, n.º 1, alínea b) e 126.º, n.º1, alínea b), ambos do Código Penal, recompensando, ilegitimamente, um condenado relapso, que tudo faz para se esquivar à punição – não pagando a multa e livrando-se, seguidamente, ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, dessa forma obstando à sua execução.

Assim, entendo que o instituto da contumácia é aplicável aos casos em que o condenado se exima ao cumprimento da pena de prisão subsidiária, ausentando-se para parte incerta, cabendo ao TEP a sua declaração.

DECISÃO:

Em face do exposto, decido o presente conflito no sentido de que a declaração de contumácia que decorre do artigo 97.º, n.º2, do CEPMPL é aplicável ao caso de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, quanto a condenado que, pretenda eximir-se ao cumprimento daquela pena, sendo competente para declará-la, no caso em apreço, o TEP de Évora.

Comunique aos tribunais em conflito e notifique nos termos do art.º 36.º, n.º 3, do CPP.

Sem tributação.

(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 2017-01-06


Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)