Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2561/15.0T8STB-E.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
AGENTE
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. As decisões tomadas pelos agentes de execução que não foram objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na ação executiva (à luz do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (com efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial).
2. Não tendo a recorrente, no prazo legal (10 dias) reclamado da decisão do AE de extinção da execução para o juiz, a mesma tornou-se definitiva/estabilizada, equiparada a transitada em julgado.
3. Uma revogação judicial superveniente ao esgotamento da reclamação da alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º é muito restrita, pois restritos são os fundamentos de conhecimento oficioso.
4. Estando extinta a execução, justifica-se a prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de habilitação por impossibilidade da lide.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 2561/15.0T8STB-E.E1

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO

Por apenso à execução 2561/15.0T8STB, veio a executada (…), Unipessoal, Lda., requerer a sua habilitação nos autos em substituição da exequente (…) – Comércio de Automóveis, S.A., invocando para tanto e em suma que, tendo procedido enquanto devedora hipotecária ao pagamento da quantia exequenda, ficou sub-rogada no direito de crédito da exequente sobre os demais Executados.

Foi proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial por impossibilidade da lide.

A requerente (…), Unipessoal interpôs recurso, com as seguintes conclusões (que se reproduzem integralmente):

“A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida no apenso de habilitação de adquirente que indeferiu liminarmente o requerimento inicial por impossibilidade da lide (cfr. artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

B) Em 19/11/2020, a ora recorrente procedeu ao pagamento da quantia exequenda.

C) Conforme consta do documento n.º 5 junto com requerimento inicial, em 19/11/2020, o exequente declarou “(…) ter recebido de (…), Unipessoal, Lda., com o número de identificação fiscal (…), a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) para pagamento da Livrança no valor de € 176.378,83, vencida em 09/12/2015, subscrita pela (…), Comércio de Automóveis, SA e avalizada por (…), acrescida de juros e respectivo imposto do selo e, dada à execução nos autos que sob o n.º 2561/15.0T8STB correm seus termos no Juízo de Execução de Setúbal ‐ Juiz 2 (…)”.

D) Com a data de 21/11/2020, o Sr. Agente de Execução elaborou a notificação da qual consta a decisão de extinção dos autos principais: “Extingue-se a presente execução tendo em consideração o requerimento apresentado pelo Exequente e uma vez que a escritura de transmissão extrajudicial do imóvel ocorreu em 19.11.2020, tendo o Exequente recebido o valor acordado com os executados e mostrando-se assegurado o pagamento das despesas e honorários do processo.

E) O dia 21/11/2020 corresponde a um Sábado.

F) Nos termos do n.º 1 do artigo 137.º do C.P.C. “Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais. “

G) No caso em apreço, a notificação considera-se elaborada no dia 23/11/2020 (Segunda-feira).

H) Além disso, de acordo com a conjugação dos artigos 138.º, n.º 2 e 248.º, n.º 1, do C.P.C., a notificação presume-se feita:" ( ... ) no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja".

I) Dos dispositivos legais e dos princípios enunciados resulta que a notificação se presume efectuada no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.

J) Consequentemente, a ora recorrente considera-se notificada da decisão de extinção dos autos principais no dia 26/11/2020.

K) E, mesmo que se entenda que a contagem do prazo se inicia no Sábado, o que se considera sem se admitir, sempre se dirá que a recorrente apenas se considera notificada da referida decisão no dia 24/11/2020.

L) Posto isto, a ora recorrente dispunha do prazo de 10 dias para reclamar da decisão do Sr. Agente de Execução – Nos termos do n.º 1 do artigo 149.º do C.P.C., “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária.“

M) Assim, o prazo para reclamar ou impugnar a decisão do agente de execução terminava no dia 07/12/2020 ou 04/12/2020, conforme se considere notificada em 26/11/2020 ou 24/11/2020, respectivamente.

N) Somente as decisões tomadas pelos agentes de execução que não forem objeto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou por terceiros intervenientes na acção executiva (à luz do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC) estabilizam-se/consolidam-se definitivamente (como efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial).

O) O caso estabilizado do agente de execução, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, é, no entanto, a ele equiparado, havendo que aplicar, por analogia, o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença.

P) Segundo o artigo 628.º do CPC, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação, ou seja, quando insuscetível de substituição, alteração ou de modificação por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido.

Q) No momento em que a ora recorrente instaurou o incidente de habilitação de adquirente (26/11/2020) ainda não tinha precludido o prazo de reclamação, nem consolidado a decisão de extinção dos autos principais.

R) Estando a decorrer o prazo para reclamar da decisão do agente de execução, considera a recorrente que a instauração do incidente de habilitação durante o decurso de tal prazo afasta a consolidação da referida decisão, tornando inútil qualquer reclamação conta a decisão de extinção dos autos principais.

S) Ainda assim, somente após ser declarada habilitada, e nessa qualidade, a recorrente poderá intervir processualmente, reclamando ou impugnando a decisão de extinção ou opondo-se à extinção da execução com fundamento no prosseguimento dos autos principais, para obter a realização coativa da prestação que lhe é devida pelos executados.

T) Efectivamente, o incidente de habilitação e o pedido formulado pela recorrente demonstram, de forma clara, que se opõe à extinção dos autos principais e pretende substituir-se ao exequente para prosseguir com a execução.

U) Sendo certo que tal intenção se encontra vertida no artigo 20.º do Requerimento Inicial: “Através do incidente de habilitação, a Requerente pretende substituir o credor originário, porque pagou, e, em lugar dele, para poder prosseguir com os termos da execução e obter a realização coativa da prestação que lhe é devida pelos executados.”

V) Pelo exposto, considerando o Mmo. Juiz a quo que a decisão do Sr. Agente de Execução se consolidou face à ausência de reclamação e sem que antes tivesse sido proferida decisão sobre o incidente de habilitação, violou o disposto no artigo 628.º do CPC que dispõe "A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação, ou seja, quando insuscetível de substituição, alteração ou de modificação por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido”.

W) Por outro lado, não existe qualquer impossibilidade “superveniente” no prosseguimento da lide.

X) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo ou à causa na relação substancial que lhe está subjacente.

Y) No caso sub judice, os autos principais ainda estavam pendentes no momento em que a recorrente instaurou o competente incidente de habilitação de adquirente.

Z) Sem previamente ser declarada habilitada, a recorrente não pode opor-se à extinção da execução e exigir o prosseguimento dos autos principais com fundamento na pretensão de obter a satisfação coativa do seu crédito.

AA) Sendo certo que, interpondo o incidente de habilitação de adquirente, a recorrente manifestou, em tempo e de forma expressa, a sua intenção de prosseguir com os autos principais para satisfação do seu crédito.

BB) E, sempre se dirá que, o principio da adequação formal consagrado no art.º 547.º CPC confere ao Mmo. Juiz a quo a possibilidade de adaptar a sequência processual às especificidades da causa, determinando a prática de acto não previstos.

CC) Além disso, o artigo 6.º, n.º 1, estatui que «cumpre ao juiz (...) dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (...), adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.»

DD) Atento os princípios citados, mesmo que se considere que o incidente de habilitação de adquirente e reclamação da decisão de extinção são actos processuais distintos e autónomos, sem qualquer relação entre si, atento o princípio da adequação formal, sempre deveria o Mmo. Juiz a quo considerar que a instauração do incidente de habilitação traduziria uma clara intenção da recorrente em prosseguir com a instância, substituindo a posição da exequente ou, de outra forma, uma manifesta oposição à extinção dos autos principais por colidir com o pedido formulado no incidente de habilitação de adquirente.

EE) Em alternativa, deveria o Mmo. Juiz a quo ordenar a notificação da ora recorrente para esclarecer se pretendia opor-se à extinção dos autos principais, sob a cominação do indeferimento liminar do requerimento inicial por impossibilidade da lide.

FF) Obrigar a recorrente a “lançar mão de outro procedimento processualmente adequado à satisfação do direito de crédito que arroga” colide com os princípios da economia e celeridade processuais.

GG) Pois, a recorrente não possui título executivo que permita instaurar a competente acção executiva para satisfação do seu crédito.

HH) A solução imposta pelo Tribunal a quo revela-se despropositadamente onerosa para a ora recorrente consequência adveniente da alegada inobservância de reclamar da decisão do agente de execução em simultâneo com o incidente de habilitação de adquirente.

II) Pelo exposto, deveria o Mmo. Juiz a quo ter deferido o presente incidente de habilitação, habilitando a ora recorrente, em substituição e ocupando a posição do exequente, a prosseguir os autos, com as consequências legais.

JJ) Não existindo qualquer impossibilidade no prosseguimento da lide, nem no momento da instauração do incidente, em virtude dos autos principais estarem pendentes, nem superveniente, pois a reclamação por parte da recorrente da decisão de extinção proferida pelo agente de execução com fundamento no prosseguimento dos autos principais para satisfação do crédito pressupõe, justamente, que o Tribunal reconheça à recorrente essa qualidade processual (de exequente).

KK) Assim, nem o pedido formulado pela recorrente é manifestamente improcedente (facto que não serviu de fundamento na sentença recorrida), nem existe qualquer exceção dilatória insuprível e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.

LL) Podendo a recorrente requerer a sua habilitação nos termos do n.º 2 do artigo 356.º do C.P.C.

MM) Ao não ter entendido assim, o Tribunal a quo, na sua interpretação e aplicação, violou o disposto no n.º 2 do artigo 356.º do C.P.C. e n.º 1 do artigo 590.º do C.P.C.

NN) Impõe-se, por isso, julgar procedente o recurso e revogar a sentença proferida, a qual deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento do incidente de habilitação de adquirente.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO TOTAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO MMO. JUIZ A QUO POR OUTRA QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DO INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE.

ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA!.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Foi dado cumprimento aos vistos por via eletrónica.

II- OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, do CPC, a questão a decidir consiste em saber se deve manter o despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de habilitação.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com base nos documentos juntos aos autos, consideram-se assentes os seguintes factos:

1. Conforma consta do documento n.º 5 junto com o requerimento inicial em 19-11-2020, o exequente declarou “(…) ter recebido de (…), Unipessoal, Lda., com o número de identificação fiscal (…), a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) para pagamento da livrança no valor de € 176.378,83, vencida em 9-12-2015, subscrita pela (…), Comércio de Automóveis e avalizada por (…), acrescido de juros e respectivo imposto do selo e, dada a execução nos autos que sob o n.º 2561/15.0T8STB correm seus termos no Juízo de Execução de Setúbal-Juiz 2 (…)

2. Com a data de 21-11-2020, o Sr. Agente de Execução proferiu a seguinte decisão:

“Extingue-se a presente execução tendo em consideração o requerimento apresentado pelo Exequente e uma vez que a escritura de transmissão extrajudicial do imóvel ocorreu em 19.11.2020, tendo o Exequente recebido o valor acordado com os executados e mostrando-se assegurado o pagamento das despesas e honorários do processo”.

3. Em 21-01-2020, o Sr. Agente de execução comunicou ao tribunal e notificou as partes (incluindo a ora recorrente) a extinção da instância executiva.

4. Em 26-11-2020, a executada (…), Unipessoal, Lda. deduziu incidente da sua habilitação nos autos em substituição da Exequente (…) – Comércio de Automóveis, S.A., invocando para tanto que, tendo procedido enquanto devedora hipotecária ao pagamento da quantia exequenda, ficou sub-rogado no direito de crédito da exequente sobre os demais Executados.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A apreciação da questão recursiva passa, desde logo, pelo confronto entre o despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial num incidente de habilitação e o despacho proferido pelo agente de execução que declarou extinta a instância executiva.

Estipula-se no artigo 719.º, n.º 1, do CPC (sob a epígrafe Repartição de competências) que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (…)

“Decorre deste preceito que a intervenção do agente de execução no processo executivo é subsidiária, em relação à secretaria e ao juiz, constituindo ainda entendimento prevalecente (decorrente do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 19/9, e do demais direito positivo) que a relação entre o juiz e o agente de execução não se pauta por uma relação hierárquica do segundo para com o primeiro, inexistindo da parte deste um poder geral de controlo sobre a atuação do segundo, que não se confunde com o controle jurisdicional previsto no artigo 723.º.”[1]

Estipula-se no n.º 1 deste último normativo que “sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:

a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;

b) Julgar a oposição à execução, e penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;

c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

2- (…)

“Resulta das alíneas c) e d) do n.º 1 do citado artigo 723.º do CPC que as partes ou outros terceiros intervenientes, que com eles se sintam afetados, podem reclamar dos atos ou impugnar as decisões dos agentes de execução (no prazo de 10 dias a contar da sua notificação ou conhecimento – artigo 149.º, n.º 1).”[2]

E se não o fizerem, qual o efeito do ato ou decisão proferida pelo AE?

Escreve J. H. DELGADO DE CARVALHO[3] “Não se caraterizando a relação entre o juiz e o agente de execução pela subordinação hierárquica do segundo ao primeiro- que impede a aplicação de critérios de conveniência ou de oportunidade-, o exercício pelo juiz de execução do poder de revogação dos atos e decisões do agente de execução corresponde à revogação anulatória.

Quando o poder de revogação exercido pelo juiz sobre a atividade do agente de execução se destina a sindicar a legalidade de um ato ou de uma decisão deste agente, o juiz determina, mediante reclamação ou impugnação da parte, a cessação dos efeitos desse ato ou decisão destrói retroativamente a eficácia dos mesmos quando os pressupostos de facto que o agente de execução deveria atender e os princípios e as regras jurídicas a eles aplicáveis não podiam ter conduzido ao ato praticado ou à decisão tomada, restabelecendo a solução legal que decorreria desses princípios ou regras. (…)

“Uma vez que é inadmissível, face ao direito positivo, um poder geral de controlo do juiz de execução exercido ex post sobre a atuação do agente de execução, há que atender que o esgotamento do poder de decisão do agente de execução, quanto à questão por si decidida, impede que o juiz de execução tenha uma intervenção oficiosa no sentido de contrariar o ato praticado ou a decisão tomada por aquele agente, salvo nos casos em que a lei especificadamente autorizar o juiz a decidir de forma distinta.

Mas, o efeito vinculativo do caso estabilizado- que tem natureza essencialmente intraprocessual – também opera em relação aos terceiros intervenientes no processo, mesmo que não sejam partes.” (…)

“Por conseguinte, há que concluir que o ato praticado e a decisão tomada pelo agente de execução, embora com algumas particularidades, gozam das mesmas características do caso julgado, nomeadamente a incontestabilidade e a consolidação num processo pendente, quando deixa de ser impugnável, e a intangibilidade, dado que não pode ser revogada, suspensa ou substituída.

Devido a estas características, o caso estabilizado do agente de execução, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito – por não constar de uma decisão judicial – é, no entanto, a ele equiparado, havendo que aplicar, por analogia, o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença (cfr. artigos 613.º, 614.º, 619.º, 620.º, 621.º, 625.º e 628.º do nCPC), nomeadamente o principio do esgotamento da competência decisória do agente de execução e a correção de erros materiais.

Noutras palavras, o ato e a decisão do agente de execução tornam-se definitivos sempre que, depois de notificadas às partes, estas não reclamem do ato ou não impugnem essa decisão perante o juiz, nos termos do artigo 723.º, n.º 1, alíneas c) ou d), do nCPC, dentro do prazo perentório que dispõem para esse efeito (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do nCPC). Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de oportuna reclamação ou de impugnação pelas partes, o ato praticado e a decisão tomada tornam-se incontestáveis e inalteráveis, dado que são inatacáveis por iniciativa de qualquer das partes, pode falar-se a este propósito de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial.

Por seu turno, o juiz de execução não pode impor oficiosamente ao agente de execução, depois de estar praticado um ato ou tomado uma decisão no processo, uma diferente apreciação da mesma questão. A esta solução se opõe, naturalmente, o caso estabilizado formado pelo ato ou decisão do agente de execução. Com efeito, decorre do que acima se argumentou acerca do quadro de legitimação do exercício dos poderes do juiz no processo executivo que este não pode determinar oficiosamente a revogação (anulatória) de um ato praticado ou de uma decisão tomada pelo agente de exceção, substituindo-os por uma diferente tramitação ou solução- seja na área da atuação discricionária desse agente, seja em matéria vinculada- a não ser mediante reclamação ou impugnação das partes (cfr. artigo 723.º, n.º 1, als. c) e d), do nCPC,) ou nos casos em que a lei especificadamente autorizar o juiz a realizar certos atos ou admitir a sua intervenção oficiosa em momento posterior à decisão se ter tornado inimpugnável.

Disto resulta que, fora do quadro de funções e competências do juiz de execução- a iniciativa oficiosa do juiz de execução que, colidindo com o caso estabilizado, determine ao agente de execução o conteúdo concreto de um ato de execução ou imponha a realização de uma diligência executiva é, em principio, considerada nula, quando analisada na perspetiva da violação da reserva de competência executiva do agente de execução (cfr. artigo 195.º, n.º 1, do nCPC) ou juridicamente inexistente, quando analisada na perspetiva da falta de norma habilitante do poder jurisdicional para aqueles efeitos (…).[4]

“Note-se que tão pouco o artigo 6.º, n.º 1, do nCPC habilita o juiz de execução a revogar ou a declarar nulas ex officio as decisões do agente de execução, mesmo no domínio do procedimento. Quer dizer: o artigo 6.º, n.º 1, do nCPC não pode ser visto como uma norma habilitante que permite ao juiz de execução anular ou corrigir oficiosamente um ato ou uma decisão tomada pelo agente de execução que, entretanto, se tenha estabilizado, sem que se deva considerar essa iniciativa oficiosa nula nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do mesmo Código ou inexistente nos termos já expostos.

Com efeito, os poderes de gestão processual do juiz não podem sobrepor-se às decisões definitivas do agente de execução, porque isso colide com a estabilização dos efeitos dessas decisões.”[5]

Como escreve RUI PINTO[6] “No plano das competências na ação executiva, ao poder geral de controlo, residual e passivo, atualmente cometido ao juiz no artigo 723.º, n.º 1, contrapõe-se no artigo 719.º, n.º 1, um poder geral de direção da instância executiva pelo agente de execução.

(…).

O artigo 723.º, n.º 1, al. c) determina que compete ao juiz “julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias.

Relativamente ao despacho de extinção da execução a jurisprudência é pacifica em afirmar que, em primeira linha, o seu proferimento é da competência do agente de execução e não do juiz, nos termos dos artigos 719.º, n.º 1, 723.º, n.º 1, a contrario e 819.º, n.º 1.

(…)

Apresentam legitimidade para reclamar os sujeitos direta e efetivamente afetados pelo ato, seja parte, interveniente ou mesmo terceiro, por força das regras gerais de legitimidade dos artigos 631.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1.

(…)

Uma palavra final sobre o “trânsito em julgado” do despacho do agente de execução. A necessidade de segurança jurídica e a sua sujeição a um meio de impugnação ditam, necessariamente que se lhe apliquem alguns princípios gerais dos despachos judiciais.

Primeiro principio: uma vez proferido o despacho, o agente de execução fica com a sua competência decisória esgotada.

(…)

Segundo principio: o agente de execução pode oficiosamente retificar erros materiais, por aplicação analógica do artigo 614.º.

(…)

Terceiro principio: o despacho do agente de execução apenas pode ser revogado por impugnação do interessado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º, sob pena de sanação dos respetivos vícios. Correlativamente, no plano dos poderes do tribunal, isto significa que o juiz pode conhecer dos vícios dos atos do agente se um interessado lho solicitar.

(…)

Quarto e último principio: o despacho do agente de execução considera-se definitivo depois de não ser suscetível de impugnação perante o juiz, seja por que o prazo de 10 dias correu sem a sua dedução, seja porque a decisão que julgou a impugnação improcedente transitou em julgado.

Não estando nós no exercício da função jurisdicional, bem faz a doutrina de DELGADO DE CARVALHO em designar esta definitividade como “caso estabilizado”.

No entanto, o despacho do agente de execução continua a ser um ato com alguma possibilidade de ser revogado pelo juiz.

Assim, se a definitividade sobreveio porque passaram os 10 dias o despacho do juiz ainda pode ser revogado pelo juiz nas condições de conhecimento oficioso da regularidade da instância.

(…)

Portanto, a definitividade não é absoluta.

De todo o modo, recorde-se que a uma revogação judicial superveniente ao esgotamento da reclamação da alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º é muito restrita, pois restritos são os fundamentos de conhecimento oficioso”.

Por sua vez, decidiu-se no Ac. do TRL, de 30-06-2020[7], cujo sumário se reproduz:

“3. A decisão do agente de execução que não seja objeto de reclamação é definitiva, estabiliza-se, “transita em julgado”.

4. O caso estabilizado do agente de execução, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, é, no entanto, a ele equiparado, havendo que aplicar, por analogia, o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença, nomeadamente o artigo 625.º, n.º 2, do CPC, prevalecendo sobre decisão posterior do juiz de execução que o contrarie”.

No caso, o AE comunicou por oficio de 21.11.2020 ao Tribunal e às partes (incluindo à aqui recorrente) a decisão de a extinção da execução.

A recorrente invocou os seguintes fundamentos para impugnar a decisão recorrida:

a) a instauração do incidente de habilitação durante o decurso do prazo para reclamar a decisão do agente de execução afasta a consolidação de tal decisão, tornando inútil qualquer reclamação;

b) só após ser declarada habilitação e nessa qualidade poderá intervir processualmente, reclamando ou impugnando a decisão de extinção;

c) o incidente de habilitação e o pedido formulado pelo recorrente demonstram de forma clara, que se opõe à extinção dos autos principais e que pretende prosseguir com a instância, substituindo a posição da exequente;

d) não existe qualquer impossibilidade “superveniente” no prosseguimento da lide.

e) em alternativa, deveria o Mm. Juiz ter ordenado a notificação da ora recorrente para esclarecer se pretendia opor-se à extinção dos autos principais, sob a cominação do indeferimento liminar do requerimento inicial por impossibilidade da lide.

Relativamente aos fundamentos mencionados nas alíneas a), c) e e), não se tratando de fundamentos de conhecimento, era imperioso que a ora recorrente tivesse reclamado da decisão de extinção da execução do Sr. Agente de Execução para que o Juiz a quo pudesse ter intervenção processual.

Quanto ao fundamento referido na alínea b), tendo a ora recorrente sido notificada da decisão de extinção da execução podia e devia ter reclamado no prazo de 10 dias, não sendo necessário a sua prévia habilitação para ter legitimidade para reclamar, conforme resulta do acima exposto.

Já quanto ao fundamento da impossibilidade da lide (alínea d), cumpre dizer que “A impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.”[8]

A ora recorrente, no prazo legal (10 dias) não reclamou desta decisão para o juiz de execução, tornando-se a mesma definitiva/estabilizada, equiparada a transitada em julgado.

E conforme bem refere a decisão recorrida “… o presente incidente de habilitação de cessionário pressupõe, antes do mais, que a execução esteja ainda pendente por se mostrar funcionalmente dependente da mesma”.

Assim sendo, e estando extinta a execução, não restava outra alternativa que não fosse a prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento de habilitação por impossibilidade da lide.

Improcede, pois, a apelação.

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

(…)

V- DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 27 de maio de 2021

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata

Maria Emília Costa

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[1] Ac. do TRC, de 27-06-2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1, relator Isaías Pádua, www.dgsi.pt.

[2] Citado Ac. do TRC de 27-06-2017.

[3] Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, 2017, pp. 158-159, 184.

[4] J.H. Delgado de Carvalho, obra citada, pp. 184-187.

[5] J.H. Delgado de Carvalho, obra citada, p. 187.

[6] A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, pp. 105, 112, 119, 122, 123 e 124.

[7] Processo 686/14.9T2SNT-B.L1-7, relatora Cristina Coelho, www.dgsi.pt.

[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 546.