Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | SUBSTITUIÇÃO DA PENA TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA NOTIFICAÇÃO PESSOAL NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL | ||
Data do Acordão: | 09/22/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 - Saber se num caso de revogação da substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade aquela deverá ser notificada ao arguido pessoalmente, através de OPC, ou por via postal simples é uma falsa questão se o TIR foi prestado antes da vigência do C.P.P., na redacção anterior à Lei nº 20/2013, de 21-02. 2 - Apesar de, aparentemente, ser de discutir a aplicação do art. 113º, nº 10, do Código de Processo Penal, a questão central é saber se o artigo 196º do C.P.P. – designadamente as alíneas b), c), d) e e) do nº 3 do preceito – tem aplicação retroactiva, isto é, se as consequências inerentes à actual redacção do artigo 196º podem ser aplicadas a uma situação em que o arguido prestou TIR na vigência de legislação anterior à entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 21-02. A resposta é obviamente negativa face às anteriores (e actuais) redacções dos artigos 196º e 214º. 3 - Assim, a aplicação da al. e) do nº 3 do artigo 196º face ao arguido está vedada face ao disposto na al. a) do nº 2 do mesmo artigo 5º do C.P.P., no que significaria um intolerável agravamento da situação processual do arguido. Ou seja, a norma aplicável ao TIR prestado é a do preceito vigente à data de prestação do termo de identidade e residência. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal de S e em que é arguido JARG, por despacho do Mº Juiz de 02-02-2015 foi declarado que a notificação do despacho que revogou a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade deverá ser notificada ao arguido pessoalmente, através de OPC. * Inconformada, a Digna magistrada do Ministério Público interpôs recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões:
1- Nos presentes autos JARG foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 1 ano e 2 meses de prisão substituída por 425 horas de trabalho. Tal decisão transitou em julgado, em 04.10.2012, não tendo o condenado pago a multa que lhe foi aplicada. O condenado prestou TIR e não comunicou qualquer alteração de residência. Por despacho de 08.07.2014 foi revogada a substituição da pena de prisão por trabalho comunitário. Desde então, o citado despacho mostra-se por notificar, porquanto não se logrou localizar o condenado. Tal despacho foi notificado ao defensor. 2- Foi decidida a necessidade de notificação pessoal de tal decisão, em detrimento do requerido pelo Ministério Público que considera ser suficiente a notificação do defensor e a notificação do condenado para a morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito. 3- O Ministério Público discorda de mencionada posição, essencialmente, por considerar que é aplicável ao caso dos autos a jurisprudência fixada por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2010, de 15.04.2010, publicado no DR, I ª série, de 21.05.2010. 4- Tal já vem sendo decidido pela Jurisprudência conforme resulta, entre outros, dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 04.06.2014, 06.04.2011 e de 02.05.2012. 5- Considera o Ministério Público que tal posição será aquela que, sem colocar em causa os direitos do condenado – que sempre poderá obstar ao cumprimento da pena de prisão através do pagamento da pena de multa ou através da invocação de fundamentos sérios, não imputáveis ao próprio, que tivessem impedido o cumprimento da pena inicialmente aplicada -, melhor assegura a indispensável execução das decisões judiciais. 6- De facto, quanto a nós, entendimento diverso irá pôr em causa, muitas vezes de modo irremediável - por conduzir à prescrição das penas -, a eficácia da administração da justiça penal. Contribuindo para a disseminação de um sentimento de impunidade que, muitas vezes, já se faz sentir no seio da comunidade, o que, quanto a nós, é inaceitável, porquanto a execução da pena é o culminar de um processo trabalhoso que conduz à efetiva realização da Justiça. 7- Considera o Ministério Público que o disposto no art. 113º, nº 10, do CPP foi incorretamente interpretado, exigindo a notificação pessoal do arguido de um despacho para o qual a lei não a prevê. 8- Pelo exposto, entende o Ministério Público que o despacho recorrido deverá ser revogado substituindo-se por outro que determine a notificação do condenado para a morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito, uma vez que tal despacho já se mostra notificado ao defensor. *** Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu douto parecer onde defende a procedência do recurso. Foi observado o disposto no n. 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal. ****** B - Fundamentação: B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo: a) JARG foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 1 ano e 2 meses de prisão substituída por 425 horas de trabalho. b) Tal decisão transitou em julgado, em 04.10.2012, não tendo o condenado pago a multa que lhe foi aplicada. c) O condenado prestou TIR em 25.03.2009 – fls. 06. d) O condenado não comunicou qualquer alteração de residência. e) Por despacho de 08.07.2014 foi revogada a substituição da pena de prisão por trabalho comunitário. f) Desde então, o citado despacho mostra-se por notificar, porquanto não se logrou localizar o condenado. g) Tal despacho foi notificado ao defensor. h) Em 27.01.2015, veio o Ministério Público requerer que se enviasse notificação do citado despacho para a morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito e se considerasse o condenado notificado. i) Tal requerimento foi indeferido por despacho de fls. 173 a 176, decidindo-se pela notificação pessoal de tal despacho.
É este o teor do despacho recorrido: «Veio o Ministério Público requerer que seja realizada a notificação do condenado JARG do teor do despacho que procedeu à revogação da substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade de fls. 163 e 164, através de carta postal simples endereçada para a morada indicada no TIR, com pd, louvando-se no decidido por Acórdão da Relação de Évora, de 21-10-2014, proferido no âmbito do processo n.º121/10.1PCSTB. * B.2 - Cumpre apreciar e decidir. O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação e, no caso, as questões abordadas no recurso reconduzem-se a apurar qual a forma que deve revestir a notificação ao arguido da decisão de revogação da substituição da pena de prisão por trabalho comunitário. *** B.3 – Pode afirmar-se que a perfeita delimitação e clareza dos factos que importam é base essencial da decisão de que os autos necessitam. Assim: O arguido foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 1 ano e 2 meses de prisão substituída por 425 horas de trabalho. No essencial o Ministério Público pretende que a notificação do despacho se opere para a morada do TIR, por via postal simples, com prova de depósito. O tribunal requerido, ao indeferir tal pretensão no despacho recorrido entende que tal notificação deve ser pessoal. Ou seja, aparentemente discute-se a aplicação do art. 113º, nº 10, do Código de Processo Penal. Mas a questão apenas aparentemente diz respeito, numa primeira linha, à forma de notificação pois que prima facie haverá que apurar a norma aplicável. Se o arguido prestou TIR em 25.03.2009 a questão central é saber se o artigo 196º do C.P.P. – designadamente as alíneas b), c), d) e e) do nº 3 do preceito – tem aplicação retroactiva, isto é, se as consequências inerentes à actual redacção do artigo 196º podem ser aplicadas a uma situação em que o arguido prestou TIR na vigência de legislação anterior à entrada em vigor da Lei nº 20/2013, de 21-02. A resposta é obviamente negativa face às anteriores (e actuais) redacções dos artigos 196º e 214º pelo que a questão fica solucionada. De facto, as alterações introduzidas nesses preceitos do Código de Processo Penal pela Lei nº 20/2013 na al. e) do nº 3 do artigo 196º e na al. e) do nº 1 do artigo 214º são explícitas. No primeiro daqueles preceitos, o artigo 196.º, do termo de identidade e residência, (nº 2) “para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º”, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e (nº 3) do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: “e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena”. Já no outro preceito, o artigo 214.º, determina-se que as medidas de coacção se extinguem de imediato [nº 1, al. e)] «com o trânsito em julgado da sentença condenatória» (versão anteriormente vigente), “à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena” (expressão adicionada pela Lei nº 20/2013). Assim, se podemos aceitar que o actual artigo 214º do C.P.P. na redacção da Lei nº 20/2013 é de aplicação imediata ao caso dos autos – porque se trata de norma de cariz processual com vigência imediata à luz do nº 1 do artigo 5º do diploma – já a vigência da al. e) do nº 3 do artigo 196º face ao arguido está vedada face ao disposto na al. a) do nº 2 do mesmo artigo 5º do C.P.P. Ou seja, a norma aplicável ao TIR prestado é a do preceito vigente à data de prestação do termo de identidade e residência, ou seja, o dito vigente na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25/08. Em breve, admite-se a validade do TIR até à extinção da pena (artigo 214º) mas não se pode admitir que tal facto possa ser oposto ao arguido por isso implicar a aplicação rectroactiva dos efeitos da norma sem um requisito essencial, a devida e própria prestação de TIR, no que significaria um intolerável agravamento da situação processual do arguido. Naturalmente que a validade do TIR prestado e nos termos em que foi prestado vale nada para o caso dos autos, pelo que se impõe ou a prestação de novo TIR ou a notificação pessoal da decisão que alterou os termos dispositivos da condenação do arguido. Assim, saber se é aplicável o AUJ nº 6/2010 é questão que nem vale a pena abordar nem sobre ela emitir opinião pois que solucionada a questão concreta que é objecto do presente recurso. Ou seja, o recurso é improcedente. * C - Dispositivo: Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso. Notifique. Sem tributação. Évora, 22 de Setembro de 2015 (Processado e revisto pelo relator) João Gomes de Sousa Felisberto Proença da Costa |