Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
161/2000.E1
Relator:
FERNANDO BENTO
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
BENFEITORIAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 10/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário:
I - São requisitos da acessão:
- A união ou mistura (confusão) de duas ou mais coisas;
- A inseparabilidade da coisa resultante dessa união ou mistura de coisas autónomas.

II - O regime da acessão só se aplica à hipótese de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes quando não haja um outro regime que regule especificamente a situação.

III - A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela.

IV - O princípio fundamental da acessão, como modo de aquisição da propriedade, é este: a propriedade dos bens estende-se a tudo o que eles produzem, se lhes une ou incorpora, natural ou artificialmente, em suma, a tudo o que lhe "acede", a menos que isto ocorra ao abrigo e em consequência de qualquer relação jurídica entre as partes pois, neste caso, o problema deve ser solucionado pelas regras desta relação, prevalecendo sobre o da acessão.

V - O abuso do direito é o exercício, embora inicialmente tutelado pela ordem jurídica, de um direito subjectivo ou de uma faculdade cujo resultado extrapola os limites estabelecidos pelos princípios fundamentais da ordem jurídica, como sejam, a boa-fé, os bons costumes, os fins económicos e sociais do direito em causa.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO
No Tribunal de … foi proposta por “A” uma acção de processo ordinário contra “B” e “C” com vista à condenação destas no reconhecimento da Autora como titular do direito de propriedade e da posse de uma parcela de 3000 m2 que as RR ocupam com um Centro Emissor de TV no prédio rústico denominado …, na freguesia e concelho de …, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o n° 183 da Secção A e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1323, entregando tal parcela livre de pessoas e bens e, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização correspondente à compensação ou contrapartida mensal no valor de 1.452.000$00 por cada mês de ocupação até efectiva entrega à Autora com juros legais desde a citação.
Em síntese, alegou que o seu Presidente do Conselho de Administração autorizou em 18 de Janeiro de 1993 a Ré “B” a instalar um centro emissor no seu referido prédio em virtude das relações de confiança existentes entre ele e o então Presidente da Direcção da “B” sem que tivesse sido então fixada qualquer compensação por essa ocupação de espaço mas estando na mente de ambas as partes a sua fixação ulterior.
A Ré “B” instalou o Centro Emissor numa parcela de 3.000 m2 e, sem acordo da Autora, cedeu à Ré “C” a gestão técnica e administrativa da sua rede de emissores, incluindo aquele, denominado Centro Emissor do …
Não tendo sido formalizado o contrato de arrendamento daquela parcela, apesar de diligências e negociações nesse sentido, a Autora intentou uma acção de posse judicial avulsa que veio a ser julgada improcedente por acórdão desta Relação.
Daí a presente acção de reivindicação.
As RR contestaram.
A Ré “B” defendeu-se por excepção de abuso do direito, por impugnação e em reconvenção pede o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária, já que, sendo o valor da parcela de 3000 m2 de Esc. 4.500.000$00 (Esc. 1500$00 1m2), as obras de instalação do Centro Emissor importaram em Esc. 243.343.439$00.
A Ré “C”, por sua vez, limitou-se a defender-se por impugnação.
A Autora replicou.

Suscitado e decidido incidente de valor da causa, as RR interpuseram recurso de agravo de tal decisão, admitido para subir diferidamente.
Foi proferido o despacho saneador e discriminados os factos assentes dos ainda controvertidos,
Em prosseguimento da acção, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento finda a qual foi decidida a matéria de facto e, após a fase das alegações de direito escritas na qual foram juntos pela Autora dois pareceres jurídicos subscritos por Professores de Direito em abono da sua posição, foi proferida sentença que, no essencial, julgou parcialmente procedente a acção e, declarando a Autora “A”, titular do direito de propriedade sobre a parcela com a área de 3.000 metros quadrados que as rés “B” e a “C”, ocupam com um centro emissor de televisão no prédio rústico denominado …, condenou-as a entregarem à autora tal parcela ocupada, mas não na entrega, livre e desocupada de pessoas e de bens por entender que tal configurava abuso do direito da Autora, e ainda a Ré “B” a pagar à Autora a quantia mensal de e 224,46 euros desde 3 de Fevereiro de 1996 até à data da entrega da parcela de terreno à autora, com actualização da quantia mensal de acordo com o índice de preços no consumidor fixado anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística até à data do trânsito em julgado da decisão e acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado até ao efectivo pagamento e julgou improcedente a reconvenção no que concerne à aquisição por acessão industrial imobiliária, absolvendo a Autora de tal pedido.

Inconformadas, apelaram a Autora e a Ré “B”.
A Autora “A” sintetiza as razões da sua discordância nas seguintes conclusões:
1° - Vem o presente recurso de Apelação interposto da Sentença de fls. na parte em que a mesma é desfavorável à aqui Apelante, ou seja (i) quando na mesma se conclui que existe abuso de direito de propriedade da Apelante ao reivindicar a parcela de terreno livre e desocupada, condenando-se, apenas as Apeladas na sua entrega; e (ii) , quando julga inexistir obrigação das RR. de indemnizar a A. pelo tempo de ocupação da parcela sem prestação de qualquer contrapartida e, por recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, apenas condena a R. “B” a pagar à A. a quantia mensal de € 224,46 desde 3 de Fevereiro de 1996 até efectiva entrega da parcela ocupada do prédio e devidamente actualizada de acordo com o índice de preços no consumidor fixado pelo INE
2° - No presente recurso impugna-se, também, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6900-A e 712° do Cod. Proc. Civil, a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 8° da Base Instrutória. É que,
3° - O Tribunal a quo deu apenas como provado “que com exclusão dos alicerces, sobretudo das sapatas, as obras realizadas pela ré “B” podem ser levantadas sem detrimento para a parcela ocupada no prédio «Herdade …». quando,
4° -Da prova testemunhal produzida, designadamente com os depoimentos das testemunhas “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, resulta que todas as obras, referidas no quesito 4° da Base Instrutória são levantáveis sem detrimento do prédio referido na alínea A) da Matéria Assente (i.e., a Herdade …). Donde,
5° - Ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 712° do Cód. Proc. Civil, deve o Venerando Tribunal ad quem alterar a resposta ao mencionado quesito 8° para "Provado".
6° - Só há abuso de direito quando o seu titular exorbita os fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido, desde que esse excesso seja claro e manifesto, ou seja, ofenda clamorosamente o sentimento jurídico socialmente dominante. Ora,
7º - Nada nos autos permite a conclusão a que se chega na Sentença recorrida de que a Apelante exerce o seu direito à reivindicação abusivamente, pois não existe qualquer actuação da Apelante globalmente contrária ao sistema jurídico e social e, muito menos, qualquer excesso "manifesto e claro" dos fins próprios do direito da Apelante.
8° - O que sucede é que a Sentença a quo parte do pressuposto errado de que a desocupação da parcela implica a destruição das obras que compõem o centro emissor que lá estão instaladas. Todavia,
9º - Ao contrário do que se afirma na decisão em crise, a entrega da coisa livre e desocupada não impõe a destruição da "obra", mas tão-só o seu levantamento, pois,
10º - Está provado nos autos que (i) com exclusão dos alicerces as obras realizadas podem ser levantadas sem detrimento para a parcela ocupada no prédio "Herdade …" (sendo que, como resulta do recurso quanto à matéria de facto, se entende que o que ficou provado foi que todas as obras podem ser levantadas sem detrimento do prédio e se espera que o Venerando Tribunal ad quem modifique a resposta ao quesito 8° da BI); (ii) a antena de centro emissor pode ser levantada a qualquer momento sem detrimento ou perda das duas características físicas (iii) a torre recorre a materiais desmontáveis e removíveis. Por outro lado,
11ª - No que respeita ao valor da "construção" - em que se incluem, quer os alicerces, quer ainda o edifício de apoio ao centro emissor - o Tribunal apenas considerou provado ser o mesmo de pelo menos € 54.867,77 (cfr. Resposta ao quesito 4° da Base Instrutória), o que significa que os únicos valores que o Tribunal poderia comparar no exercício de avaliação das posições jurídicas para efeitos de aferição da existência de abuso de direito, seriam o valor do terreno e o valor da " construção'; e
12a - Nessa comparação não se reconhece qualquer desproporção das posições jurídicas que justifique a referência a abuso de direito, que, manifestamente, não existe.
Sem conceder, sempre se dirá que,
13a - Se na Sentença se refere, por mais do que uma vez até, que a R. “B”, ao longo dos 15 anos de permanência no terreno da A., recuperou certamente uma parte substancial do investimento, o valor das obras a ter em consideração nunca poderia ser o valor total de € 909.716,80.
14ª - A Sentença é contraditória nos próprios termos, pois, por um lado, o Tribunal reconhece que, passados 15 anos da instalação do centro emissor, a “B” já recuperou parte substancial do seu investimento e, por outro, encontra na alegada necessidade de a “B” recuperar parte do seu investimento o fundamento para julgar que o pedido de restituição da parcela livre e desocupada de bens é abusivo. Acresce que,
15ª - Não pode aceitar-se que, como se faz na Sentença a quo, se presuma ou se admita que a “B” apenas recuperou parte do investimento (ainda que substancia que fez com a instalação do centro emissor em causa.
16a - Muito embora nada tenha ficado provado nos autos quanto a esta matéria que, por não ter sido alegada pelas RR., não foi à Base Instrutória, há factos objectivos que permitem a conclusão de que o investimento feito já foi integralmente recuperado, quer por via do "valor gerado pela exploração do centro emissor'; a que a Sentença se refere, quer através das amortizações que foram feitas.
17ª - Acresce que, de acordo com o depoimento da testemunha arrolada pelas RR., “J” ex-Administrador da “B” e da “C”, a opção da “B” por construir uma rede própria de emissores foi tomada por terem verificado, a partir da realização de um estudo económico-financeiro, baseado no estudo técnico do custo da rede própria, que tinha "um chamado pay-back, um retomo ao investimento, muito rápido”.
18ª - Este testemunho é, aliás, coincidente com a minuta de contrato de arrendamento que a R. “C” propôs à Apelante, que previa uma duração do contrato de seis anos, renovável por simples decisão das partes por mais dois períodos sucessivos de dois anos, admitindo-se que no fim do primeiro período de seis anos o contrato fosse denunciado por qualquer das partes, nomeadamente pela “A”.
19ª - Esse contrato foi proposto num momento em que o investimento já estava feito, pelo que isso só pode significar que as RR. entenderam que esse período de 12 anos era suficiente para recuperar o referido investimento. Ademais,
20ª - Na cláusula 7a dessa minuta contratual, a “C” obrigava-se a, no fim do arrendamento, restituir o terreno, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a um uso normal, dele devendo ser retirados todos os bens móveis e equipamentos instalados e o mesmo reposto no estado em que se encontrava no inicio do arrendamento, a menos que as partes acordassem noutra coisa,
21ª - O que é mais uma evidência de que a efectiva desocupação de bens não constitui para as RR o sacrifício a que se refere a Sentença a quo.
22ª - Inexiste, pois, qualquer actuação abusiva que possa ser apontada à Apelante e que possa justificar outra solução que não a da condenação incondicional das Apeladas na entrega da parcela livre e desocupada.
23ª - Mas ainda que assim não fosse, a aplicação do regime das benfeitorias nunca dependeria da existência de qualquer actuação da Apelante em abuso de direito, mas tão-só de se considerar que foram realizadas pelas Apeladas despesas com o prédio que se possam qualificar como benfeitorias - o que não sucedeu. Em qualquer caso,
24ª - Essa compensação também nunca poderia ser deixada ao livre critério das Apeladas, em termos de poderem as mesmas optar pelo levantamento das supostas benfeitorias ou pela indemnização em dinheiro pelo seu valor, pois,
25ª - A Lei estabelece claramente os casos em que há lugar a indemnização, limitando-os àqueles em que não seja possível o levantamento, não deixando, assim, essa escolha ao livre arbítrio do possuidor.
26ª - Como resulta da descrição predial da Herdade em que se insere a parcela onde está instalado o referido centro emissor, trata-se de um prédio rústico composto de montado de sobro, cultura arvense, oliveiras, figueiras e olival, ou seja, trata-se de um prédio de aptidão agrícola. Pelo que,
27ª - A instalação de um centro emissor de televisão num tal terreno não se poderá considerar como uma despesa feita para conservar ou melhorar a coisa.
28ª - Desde logo, não há qualquer dúvida de que a implantação de um tal centro emissor num terreno agrícola se não destina à conservação do prédio. Por outra banda,
29ª - A construção do referido centro emissor também não resulta num melhoramento do ferido prédio, mas antes na deterioração do mesmo face à finalidade a que se destina. Assim sendo,
30ª - Não só o possuidor do terreno não tem qualquer direito a perceber qualquer indemnização pela sua construção, como está mesmo obrigado a removê-lo do terreno, cuidando para que este mantenha as qualidades necessárias à finalidade a que se destina.
31ª - Ainda que se considerasse que a instalação do centro emissor configuraria uma benfeitoria­ - no que se não concede - a verdade é que a mesma não poderia deixar de ser considerada uma benfeitoria voluptuária, nos termos do disposto no artigo 216°, nº 3 do Código Civil. Com efeito,
32ª - A instalação do centro emissor não só não se destina a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, como não lhe aumenta o valor, enquanto propriedade agrícola.
33ª - Tratar-se-ia, assim, quando muito, de uma despesa que, não sendo indispensável, nem aumentando o valor, se destina unicamente a satisfazer interesses exclusivos do benfeitorizante.
34ª - E mesmo que a referida parcela viesse no futuro a ter utilização semelhante à actual, em nada seria beneficiada pelo facto de ter instalados os componentes deste centro emissor.
35ª - Tratando-se de uma benfeitoria voluptuária, as Apeladas apenas poderiam levantar os componentes do centro emissor que são removíveis, sem contudo lograr obter qualquer indemnização pelos componentes não levantáveis sem demolição, i.e., os alicerces e o edifício de apoio ao emissor (cfr. art. 1275°, nº 1 do Código Civil).
36ª - Em suma, ao considerar que a revindicação da propriedade, nos termos em que foi feita pela Apelante, configura um abuso de direito, tendo por isso condenado as Apeladas penas na restituição da parcela, sem obrigatoriedade de a restituírem livre e desocupada de bens, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 1311°, 334°, 216° e 1275° do Código Civil e violou ainda o disposto no nº 2, do artigo 659°, do Cód. Proc. Civil.
37ª - Deverá, pois, a Sentença a quo ser revogada na parte em que decidiu existir abuso de direito de propriedade da Apelante, e substituída por outra que condene as Apeladas na entrega da parcela de terreno livre e desocupada.
38ª - No que concerne ao pedido indemnizatório formulado contra as Apeladas, entendeu ainda o Tribunal recorrido que, até ao momento em que a Apelante retirou a autorização, anteriormente concedida para ocupação da parcela dos autos, a ocupação foi lícita, passando a ser ilícita desde então. Todavia,
39ª - Veio o Tribunal a considerar que a conduta da “B” de recusa em desocupar o terreno não é culposa, por entender que, de acordo com o critério da diligência do bom pai de família, não merece juízo de censura a conduta das Apeladas em face do que afirmou o Tribunal da Relação de Évora, quando, na fundamentação da decisão proferida no âmbito da acção especial de posse judicial avulsa, se pronunciou pela licitude da ocupação da parcela pela “B”. E nessa medida,
40ª - Na sentença em crise apenas se condenou a Ré “B” a pagar uma renda mensal desde a data em que, no entendimento do Tribunal, se tomou ilícita a ocupação, e ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. Mas com o devido respeito, não andou bem o tribunal. Efectivamente,
41ª - Não pode considerar-se, como se faz na Sentença, que a “B” olhe para a decisão do Tribunal da Relação como um cidadão médio, desde logo, porque a “B” tem um departamento jurídico interno. Para além disso,
42a - Já após a referida decisão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, a Apelante interpelou as RR. a desocuparem a parcela ou a regularizarem a situação, e intentou contra as RR. a presente acção.
43ª - As Apeladas não podem, ainda, desconhecer as razões que ditaram o provimento do recurso julgado na Relação de Évora e qual o seu alcance. Donde,
44ª - Contrariamente ao que se concluiu na Sentença a quo, a conduta das RR. é, para além de ilícita, dolosa, pelo que,
45a - Deverão as Apeladas ser condenadas a indemnizar a Apelante, nos termos do disposto no artigo 483° do Código Civil.
46a - O valor mínimo m2 a ter em linha de conta para efeitos de estabelecimento da compensação a pagar à A. pela privação do uso do imóvel há-de ser o montante de € 5,49 peticionado, por se ter considerado provado (cfr. Resposta ao quesito 3° da BI) que a contrapartida monetária mensal que era paga por operadores de comunicações por áreas menores com semelhantes potencialidades à data da PI era de, pelo menos, € ,49 / m2. Ademais,
47ª - Este critério afigura-se adequado por traduzir a realidade do mercado das telecomunicações, que é aquele que apresenta maiores afinidades com o caso dos autos.
48ª - Embora a área do imóvel em causa nos presentes autos seja maior do que aquelas que são habitualmente cedidas para instalação de retransmissores de comunicações, a verdade é que na fixação do montante peticionado a título de indemnização na PI, foi apenas tida em conta a área de 1320 m2 onde está situado o "Centro Emissor do …", e não a totalidade da área efectivamente ocupada pelas RR.,
49ª - O que significa, de facto, que o valor de indemnização peticionado corresponde a um valor de renda mensal de € 2,41/m2, ou seja, um valor mais do que ajustado. Destarte,
50ª - Nos termos conjugados das disposições dos artigos 483°, 563° e 564° do Código Civil, não podem as Apeladas deixar de ser condenadas - como peticionado - a indemnizar a Apelante pelos prejuízos que para si advieram, e continuam a advir, da ocupação ilícita do terreno.
51ª - Ao decidir diferentemente, a Sentença a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto nos referidos artigos 483°, 563° e 564° do Código Civil, violando, ainda, o disposto no nº 2, do artigo 659°, do Cód. Proc, Civil.
52ª - Deverá, pois, a Sentença a quo ser revogada na parte em que decidiu inexistir obrigação das RR. de indemnizar a A. pelo tempo de ocupação da parcela sem prestação de qualquer contrapartida e, por recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, apenas condenou a R. “B” a pagar à A. a quantia mensal de € 224,46 desde 3 de Fevereiro de 1996 até efectiva entrega da parcela ocupada do prédio e devidamente actualizada de acordo com o índice de preços no consumidor fixado pelo INE, devendo ser substituída por outra que condene as Apeladas a pagar à Apelante uma indemnização global equivalente ao montante de € 7.242,55 (contravalor de Esc. 1.452.000$00), por cada mês de duração da ocupação, com início a 18.01.1993, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a citação para a presente acção e até integral pagamento, às sucessivas taxas legais aplicáveis.
Conclui, pedindo:
(i) Deve a resposta ao quesito 8° da Base Instrutória ser alterada para “provado";
(ii) Deve ser revogada parcialmente a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que determine:
a. A restituição, pelas Apeladas à Apelante, da parcela sub judice livre e desocupada de bens;
b. A condenação das Apeladas a pagarem à Apelante, a título de indemnização, a quantia de € 7.242,55 por cada mês de duração da ocupação, com início a 18.01.1993, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a citação para a presente acção e até integral pagamento, às sucessivas taxas legais aplicáveis. I

Por sua vez, a Ré “B” resume a sua divergência nas seguinte síntese conclusiva:
a) A Sentença recorrida é uma boa Sentença, apenas merecendo reparo ali onde invoca a necessidade de cumprimento dos condicionalismos decorrentes do Dec.Lei 448/91, de 29 de Novembro, para que possa existir acessão a favor da recorrente “B”, dando como verificados os respectivos pressupostos inscritos na Lei Civil, tal como correcta e doutamente decidido;
b) A recorrente mantém a tese de que, em caso de aquisição por acessão, e verificados todos os pressupostos que o Código Civil impõe como necessários para que se possa adquirir uma parcela de terreno por acessão, não deve a mesma deixar de ser possível por força da aplicação de quaisquer normas relativas a fraccionamento de terrenos ou loteamento urbano dos mesmos;
c) Se se admite na lei a aquisição parcelar por via da acessão, sendo essa uma aquisição original e potestativa, não pode depois impedir-se ou limitar-se o exercício desse direito de forma indirecta;
d) Não obstante, e mesmo que assim se não considerasse, nunca por nunca in casu seria de aplicar as regras relativas aos destaques urbanos, previstas no já inexistente Dec.Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.
e) A aplicar algum condicionalismo à aquisição da parcela de 3000 m2 por acessão imobiliária, tal condicionalismo seria o que decorre do art.º 1376°, nº 1 do CC, já que se trata de uma parcela incluída num terreno apto para cultura;
f) Contudo, e uma vez que se trata da desintegração de uma parcela para efeitos de construção, os condicionalismos previstos no art. 1376°, n.º 1, do CC, não se aplicam, por força do disposto no art. 1377°, alínea c), do C.C;
g) O fraccionamento em causa tem por fim a construção, inscrevendo-se plenamente naquela excepção, mas não a construção urbana;
h) Só seria de remeter para o regime previsto no art. 5°, 11.° 2 do Dec.Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, se estivesse em causa o destaque de uma parcela para construção urbana, pois, de acordo com o art. 3°, alínea a), do mesmo regime, só existe loteamento - ou destaque que é um loteamento sem as formalidades procedimentais exigidas para a constituição de vários lotes - ali onde a divisão em lotes ou parcelas tenha por fim a construção urbana, o que não é o caso;
i) O regime previsto no art. 1377, alínea c), do CC só pode implicar a aplicação do regime dos loteamentos - e destaques - quando está em causa a construção urbana, caso contrário o terreno rústico pode fraccionar-se sem mais imposições;
j) A construção erigida pela recorrente não é nem de longe nem de perto uma construção urbana, no sentido que o Direito dá ao termo;
k) Pode ser fraccionada a parcela de 300m2, propriedade da Autora, nos mesmos termos em que o foi uma parcela de igual dimensão, no mesmo terreno, e alienada à Policia Judiciária;
l) É possível a aquisição, por acessão, da parcela de 3000m2, propriedade da Autora, uma vez que estão reunidos todos os pressupostos que a lei exige para que tal instituto tenha aplicação.
Conclui, pedindo a revogação da sentença tão somente no que a este aspecto concerne, por errada aplicação do Direito, declarando-se consequentemente a aquisição por acessão industrial imobiliária, a favor da recorrente, da parcela onde está implantado o Centro Emissor do …, nos precisos termos e condições peticionados na reconvenção formulada pela R. “B”, ora Recorrente.

Ambos os recursos foram objecto de contra-alegação.
Junto outro parecer subscrito por ilustre jurisconsulto, Professor de Direito - no mesmo sentido, tal como os anteriores, da posição defendida pela Autora - foram os autos remetidos a esta Relação, tendo as RR silenciado a manutenção do seu interesse na apreciação do agravo que interpuseram e que fora admitido com subida diferida, o que foi entendido como desistência tácita de tal recurso de agravo.
Foram corridos os vistos legais e nada continua a obstar ao conhecimento das apelações.

FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A aquisição do direito de propriedade por sucessão de “K” casado com “L”, em separação de bens, sobre o prédio rústico denominado Herdade …, composto de montado de sobro, cultura arvense, oliveiras, figueiras, olival e solo subjacente de cultura arvense com a área de 317,8349 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial da .. sob o n.º 01323/140994, freguesia da …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 183 - Secção A, esteve inscrito, através da inscrição G-1, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de “M” e de “N”.
Por escritura pública outorgada no dia 7 de Outubro de 1994 em …, “O” outorgando como procurador de “N” e de “M” declarou vender à autora, pelo preço de 11.442.500$00, o prédio rústico denominado Herdade …, composto de montado de sobro, cultura arvense, oliveiras, figueiras, olival e solo subjacente de cultura arvense com a área de 317,8349 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 01323/140994, freguesia da …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 183 - Secção A.
A autora – “A” tem registada a seu favor pela inscrição G-2 apresentação 03/271094 a aquisição do prédio rústico denominado Herdade …, composto de montado de sobro, cultura arvense, oliveiras, figueiras, olival e solo subjacente de cultura arvense com a área de 317,8349 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 01323/140994, freguesia da …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 183 - Secção A.
Por carta datada de 18 de Janeiro de 1993, subscrita pelo Presidente do Conselho de Administração da autora, “P”, dirigida à ré “B” refere-se "(..) conceder autorização para a instalação de um canal emissor da vossa televisão na nossa propriedade denominada …
Tal autorização ficou a dever-se ao facto de haver uma relação de confiança entre o Presidente do Conselho de Administração da autora e o então Presidente da Direcção da ré “B”, engenheiro “Q”.
Por carta datada de 20 de Julho de 1993 redigida pela autora e dirigida à ré “B” consta que: "após despacho favorável do Presidente do Conselho de Administração, relativamente ao assunto em epígrafe, anexo envio a V. Exa. a declaração de autorização para os referidos trabalhos" e a ora autora "declara autorizar a “R”, a proceder, na referida propriedade, à instalação de postes para apoio da linha aérea de abastecimento de energia eléctrica ao centro emissor do … da “B”
Sem o acordo ou autorização por parte da autora, a ré “B”, em data anterior a Maio de 1995, cedeu à ré “C” a gestão técnica e administrativa da rede de televisão, que inclui o centro emissor do …
Por carta datada de 25 de Maio de 1995, emitida pela ré “C” e dirigida à autora diz-se que foi decidido pela “B” “atribuir o exclusivo da gestão técnica e administrativa da sua rede de teledifusão à “C”, associada onde detém actualmente cerca de 55% do capital social" e "sendo a gestão dos terrenos ocupados pelos emissores da “B” feita pela “C” gostaríamos de formalizar com V. Exas a ocupação da parcela que amavelmente nos cederam (...) que poderá passar por um contrato de arrendamento".
Em resposta à carta referida, a autora dirigiu à ré “C” uma carta datada de 13 de Julho de 1995, segundo a qual "colocado que foi o assunto à administração, deliberou esta que fosse preparado pelo departamento jurídico, uma proposta de minuta de contrato de arrendamento, a fim de lhes ser enviada para análise e posterior discussão e/ou aceitação" (..) "com o fim de dar sequência à legalização dos terrenos anexamos a proposta de contrato de arrendamento" e “(…) a data de início do contrato dever-se-á reportar à data da efectiva ocupação dos terrenos, ou seja, 1 de Agosto de 93”:
A autora dirigiu à ré “C” uma carta datada de 4 de Dezembro de 1995 onde consta que:
«Tem esta sociedade conhecimento de que V. Exas. se encontram a ocupar indevidamente o prédio rústico denominado Herdade …, sito na freguesia e concelho da … de que a “A”, é dona legítima e proprietária, tendo aí instalado antenas e ocupado um espaço de aproximadamente 3.000 m2.
Nunca V Exas. obtiveram qualquer autorização, verbal ou escrita da administração da sociedade proprietária, para procederem à instalação das referidas antenas e à ocupação de tal espaço sem pagamento de qualquer contrapartida.
Assim, independentemente de qualquer outro procedimento que esta sociedade venha a tomar em virtude da atitude de V Exas., ficam notificados para, no prazo de um mês a contar da recepção desta carta, desocuparem o prédio deixando-o livre de quaisquer bens, abstendo-se, a partir de tal data, de aí entrar ou permanecer, se entretanto não for efectuado um acordo com a “A”, no sentido de a “C” adquirir ou arrendar o local que actualmente ocupa».
A ré “C” dirigiu à autora uma carta datada de 25 de Janeiro de 1996 onde refere que: «Em aditamento à nossa carta de 12 de Dezembro de 1995, junto remetemos a minuta de contrato de arrendamento que gostaríamos de celebrar com VExas (..).
Traduzindo esta versão a nossa opinião, estamos disponíveis para explicar as nossas razões e promover o consenso onde possam existir divergências.
Quanto à renda, que deixamos em branco, mais uma vez apelamos para a vossa sensibilidade, tendo em atenção que noutros locais semelhantes, a renda média anual é da ordem dos 250 mil escudos».
A autora dirigiu à ré “C” uma carta datada de 26 de Janeiro de 1996 onde refere que: «Na nossa carta de 4 de Dezembro de 1995 notificámos V Exas para no prazo de um mês regularizarem a situação ou desocuparem o prédio rústico denominado Herdado …, sito na freguesia e concelho da …, de que a “A”, é dona e legítima proprietária.
À nossa carta responderam em 12 de Dezembro de 1995, a dizer que o referido assunto estava em análise nos v/ serviços jurídicos.
Uma vez que, até à data ainda não nos contactaram para solucionar o problema, esperamos que V Exas regularizem a situação no prazo de 8 dias, caso contrário, decorrido o referido prazo seremos obrigados a mover imediatamente e sem qualquer outro aviso a respectiva acção judicial, suportando V. Exas os incómodos e as despesas inerentes a tal processo».

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora transitada em julgado em 18 de Fevereiro de 1999, no processo de acção especial de posse judicial avulsa n.º …., que correu termos no Tribunal Judicial de …, em que figuraram como requerente a ora autora e requerida a ora ré “C”, foi revogada a sentença recorrida, julgando improcedente a acção e absolvendo a requerida do pedido.
A ré “C” é uma sociedade filial da “B”, para quem esta transmitiu a gestão técnica e administrativa da rede de televisão, rede essa que é propriedade da “B”.
Em sede de gestão técnica, a ré ”C” mantém em funcionamento o equipamento e faz a manutenção técnica do equipamento.
Em sede de gestão administrativa da rede, cabe-lhe designadamente os processos de licenciamento das estações e as relações técnicas e administrativas.
A ré “C” é responsável pela manutenção da rede em funcionamento da ré “B” e ainda pela gestão administrativa, recebendo uma contrapartida monetária mensal.
Desde o Verão de 1993 que a ré “B” instalou no prédio referido denominado … um centro emissor de televisão (Centro Emissor do …) que, incluindo cabos de segurança, ocupa uma área com cerca de 3.000 metros quadrados, com uma área vedada de cerca de 1.320 metros quadrados.
As negociações entre a ré “C” e a autora no sentido da formalização de um contrato de arrendamento resultaram infrutíferas por haver discordância quanto ao valor da contrapartida monetária.
As rés recusam-se a entregar à autora a área do prédio referido que ocupam.
Em 9 de Outubro de 2000, data da propositura da acção, segundo os critérios de avaliação considerados no relatório de folhas 301 e seguintes dos autos, o prédio referido denominado … tinha um valor de € 1.245.890 e o valor comercial dos prédios é, normalmente, superior àquele que resulta da aplicação daqueles critérios de avaliação.
No dia 30 de Janeiro de 1998, no Cartório Notarial da …, realizou-se uma escritura pública de cujo conteúdo constava, nomeadamente, o seguinte: a ora autora, pelo preço de 4.500.000$00, declarou vender ao Estado Português uma parcela de terreno, destinada à instalação de um posto repetidor de transmissão, com a área de 3.000 metros quadrados, a desanexar do prédio rústico denominado "Herdade dos …", sito na freguesia e concelho da …, parcela essa que confronta, de todos os lados, com este último prédio e a favor da parcela vendida foi constituída uma servidão de passagem, tanto de pessoas como de viaturas de qualquer espécie, por uma estrada que segue, pelo prédio da ora autora, desde a Estrada Nacional até ao limite da parcela.
Por força da relação de confiança existente entre o Presidente do Conselho de Administração da autora, “P”, e o Presidente da Direcção da ré “B”, “Q”, e pela urgência na instalação do posto emissor por parte da ré “B”, não foi fixada uma contrapartida monetária pela ocupação decorrente da instalação do centro emissor, sendo que esteve sempre na mente da autora e pelo menos desde 25 de Maio de 1995 na mente das rés uma contrapartida monetária.
A contrapartida monetária mensal que é usualmente paga pelos operadores de telecomunicações por áreas menores com semelhantes potencialidades e fins do prédio "Herdade …", designadamente as existentes na serra …, é igual ou superior a € 5,49 por metro quadrado arrendado.
O valor das obras que a ré “B” realizou na área ocupada do prédio "Herdade …" foi de € 909.716,80 (182.381.843$00), sendo:
1. Construção - pelo menos 11.000.000$00;
2. Erecção da torre - 75.026.223$00;
3. Feixes hertzianos - 3.751.060$00;
4. Emissores - 68.189.968$00;
5. Antenas - 15.948.800$00; e
6. Instalação eléctrica - 8.465.792$00.
Em 1993, a área do prédio referido que tem sido objecto de ocupação pelas rés tinha o valor de € 22.445,91.
O centro emissor de televisão que a ré “B” instalou na área referida é composto por:
Torre metálica com 150 metros de altura;
Cabine de depósito de equipamento de telecomunicações afecto às antenas instaladas na torre;
Antena teledifusora de recepção e transmissão e antena de substituição ou suplente;
Cabos e ligações entre a cabine e a antena e entre a cabine e a instalação eléctrica; e Cabine de instalação eléctrica e postes para o apoio da linha aérea de abastecimento da energia eléctrica ao centro emissor.
As obras referidas efectuadas pela ré “B” encontram-se implantadas no terreno por meio de alicerces e colunas.
Com exclusão dos alicerces, sobretudo das sapatas, as obras realizadas pela ré “B” podem ser levantadas sem detrimento para a parcela ocupada no prédio "Herdade …".
A antena do centro emissor pode ser levantada a qualquer momento sem detrimento ou perda das suas características físicas.
A torre recorre a materiais desmontáveis e removíveis.

MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO
Na sua apelação, a Autora impugna a decisão proferida quanto ao ponto 8° da Base Instrutória, sustentando que tal resposta deveria ter sido, pura e simplesmente, "provado".
Tinha ele a seguinte redacção:
"As obras referidas no quesito 4° podem ser levantadas sem detrimento do prédio referido na alínea A) ? "
E teve a seguinte resposta:
"Provado apenas que com exclusão dos alicerces, sobretudo das sapatas, as obras realizadas pela ré TVI podem ser levantadas sem detrimento para a parcela ocupada no prédio «Herdade …"
Como se disse, sustenta a Autora que a resposta deveria ter sido "provado" sem qualquer restrição.
Ora, está em causa apenas a questão de saber se os alicerces e as sapatas podem ser levantadas sem detrimento da parcela de terreno.
E a resposta inequívoca que resulta dos depoimentos das testemunhas é que não podem ... E não podem, porque como elas referiram, a demolição das sapatas e a remoção do respectivo entulho abriria um buraco o que não deixaria de representar um detrimento para o prédio.
Ao invés dos demais equipamentos, o levantamento (demolição) dos alicerces e das sapatas deixaria um vestígio inequívoco no terreno de dimensões apreciáveis.
É certo que, como referiram as testemunhas, esse buraco poderia depois ser aterrado e preenchido, mas isso implicaria uma intervenção humana posterior diferente do levantamento, como se refere na fundamentação da decisão de facto.
Que não está abrangida pelo quesito.
Consequentemente, improcede a impugnação da decisão quanto ao ponto 8° da Base Instrutória.

FUNDAMENTOS de DIREITO
Recordemos o caso:
A Autora, “A”, proprietária de um prédio rústico cedeu à Ré, “B”, uma parcela deste para a instalação de um Centro Emissor de TV com base na confiança entre os Presidentes dos respectivos Conselhos de Administração e na perspectiva, comum de ambos, da futura celebração de um contrato de arrendamento.
Preparado o terreno e instalado o referido Centro - com cabines eléctricas e de telecomunicações de apoio às antenas, torre metálica para antenas e respectivas sapatas, bem como os indispensáveis cabos e ligações - a situação perdurou por diversos anos sem que o contrato de arrendamento ou outro título legitimador da ocupação fosse outorgado.
Deliberando a proprietária do prédio reivindicá-lo e exigir a restituição da parcela no estado em que foi entregue, livre de pessoas e coisas bem como indemnização pela ocupação, suscitam as demandadas a questão da aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária da dita parcela e o abuso do direito de propriedade pela Autora.
A 1ª instância, julgando procedente a acção de reivindicação, condenou na entrega da parcela mas não no estado em que ela fora inicialmente entregue pela Autora, entregue por entender que esta actuava com abuso do direito de propriedade e, ao abrigo do enriquecimento sem causa, condenou as demandadas - para além da Ré “B”, também a “C” - no pagamento à Autora de € 224,46 euros desde 03-02-1996, actualizáveis, negando às RR a aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária por entender que se trataria de benfeitorias.

Conjugando, pois, as posições sustentadas nos dois recursos de apelação, cumpre conhecer as seguintes questões de direito:
- Pressupostos da aquisição do direito de propriedade por acessão;
- No caso de se concluir pela verificação dos pressupostos, se a acessão opera em relação à totalidade do prédio ou tão-só em relação à parcela ocupada;
- No caso inverso - inverificação dos pressupostos da acessão - qualificação do centro emissor como benfeitoria útil e possibilidade do seu levantamento sem detrimento do prédio;
- se a disciplina das benfeitorias com a possibilidade do respectivo levantamento pode ser paralisada pela excepção de abuso do direito;
- Compensabilidade da ocupação através do enriquecimento sem causa por poupança de despesas e respectiva medida.

Conhecendo:
A 1ª instância entendeu e decidiu que, no caso em apreço, se não verificavam os pressupostos do funcionamento da acessão industrial imobiliária para a aquisição da parcela de terreno ocupada pelo Centro Emissor, restando às RR o recurso ao regime relativo às benfeitorias efectuadas pelo possuidor.
Decisão contra a qual estas se insurgem. Mas, quanto a nós, sem fundamento.
É de elementar compreensão que, procedendo a acção, a Autora tem direito à restituição da parcela no estado em que a entregou - e concede-se que com ressalva das deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato de arrendamento perspectivado mas que se frustrou (art. 1043° nº 1 CC).
Assim sendo, sem os equipamentos instalados pelas RR - a saber, o Centro Emissor que inclui a torre metálica (e as respectivas sapatas) com as antenas, a cabine do equipamento de telecomunicações afecto às antenas, a cabine de instalação eléctrica e os cabos e ligações entre estas cabines e as antenas.
Que, como se apurou e com excepção dos alicerces e sobretudo das sapatas, podem ser levantadas e separadas, sem detrimento da parcela nem perda das suas características físicas, sendo a torre constituída por elementos desmontáveis e removíveis.
O que não deixa de se configurar como despesas a suportar pelas RR, a quem o conjunto formado pelo Centro Emissor pertence e sobre quem impende a obrigação de restituição da parcela onde ele foi implantado.
E desencadeadas actuações jurídicas tendentes, pela Autora a reivindicar o direito de propriedade sobre o terreno onde se encontram implantados e a respectiva restituição e, pelas RR à aquisição do direito de propriedade sobre a dita parcela por acessão industrial imobiliária, coloca-se a questão do respectivo destino jurídico.
Como se disse, a 1ª instância recusou a verificação dos pressupostos da acessão, remetendo a solução para o regime das benfeitorias.
A acessão é um dos modos de aquisição do direito de propriedade (art. 1316° CC) e o respectivo momento coincide com o da verificação dos factos respectivos (art. 317°-d) CC).
Dá-se quando com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora uma coisa que lhe não pertencia (art. 1325° CC).
Por via de regra, o direito de propriedade "absorve", "atrai" tudo quanto se unir ou incorporar na coisa - força centrípeta da propriedade; daí que os requisitos da acessão sejam a união ou mistura (confusão) de duas ou mais coisas e a inseparabilidade da coisa resultante dessa união ou mistura de coisas autónomas.
Podendo resultar da acção da natureza, a acessão pode ser também consequência da actividade humana (art.1326° nº 1 e 2 CC).
Para o nosso caso, interessa apenas esta última incidindo sobre imóveis.
Podendo ser de boa-fé ou de má-fé, consoante o autor da obra desconhecia ou não a alieneidade da coisa ou actuava ao abrigo de autorização do dono desta, a união ou incorporação de boa-fé suscita um conflito de valores de liquidação e resolve-se a favor do valor superior, mediante compensação (art. 1339 e segs CC).
"Porém, nem todas as situações de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes desencadeiam a aplicação das regras da acessão"; delimitando negativamente a aplicabilidade deste regime, pode dizer-se que ele "não tem aplicação sempre que a disciplina do negócio jurídico celebrado entre as partes regule a união ou mistura de coisas pertencentes a elas. A regulação própria do negócio jurídico afasta, assim, o regime da acessão" (Cfr. José Alberto C. Veira, Direitos Reais, 2008, p. 683).
Adianta este Autor que, para além do próprio negócio jurídico celebrado, também o regime próprio de um direito ou disposição expressa da lei pode afastar o regime da acessão, bem como os casos em que titulares de direitos, reais ou de crédito, têm o poder de actuar materialmente sobre coisa corpórea alheia, podendo resultar do exercício desse poder a união de coisas pertencentes a proprietários distintos, e que a lei portuguesa não submete às regras da acessão, mas sim ao regime das benfeitorias; logo, o regime da acessão só se aplica à hipótese de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes quando não haja um outro regime que regule especificamente a situação; uma união de coisas realizada por uma das partes de um contrato cujas regras a regulam ou por um possuidor não é regulada pelas regras da acessão.
Por conseguinte, a acessão tem carácter subsidiário (Cfr. Autor e ob cit., p.683-684). Entramos assim na distinção entre a acessão e as benfeitorias,
Já tivemos ensejo de escrever em Acórdão proferido em 26-03-2009 no Rec n° 414/2000.El, de que fomos Relator:
"A 1ª instância entendeu que, no caso em apreço, as obras invocadas ... não configuravam acessão industrial imobiliária, mas sim benfeitorias.
Trata-se, fundamentalmente, de uma distinção de carácter doutrinal que tem sido acolhida pela jurisprudência.
"A benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada (. .. ) à falta (. . .) de um título que dê, de per si, a origem e a disciplina da situação criada" (Cfr. Pires de Lima - A- Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., p. 163 e segs; no mesmo sentido, se bem que com um entendimento mais restritivo da distinção entre a acessão e as benfeitorias, cfr. José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, 2008, p. 684 e segs).
Com efeito, a acessão não se verifica nos casos em que existe uma relação jurídica prévia de natureza contratual ou real entre os titulares da propriedade das coisas unidas (o do solo, por um lado, e o dos materiais - a obra - por outro), pois nesses casos deve aplicar-se a disciplina normativa dessa relação jurídica; logo, sempre que os bens se unem ou incorporam com base numa convenção entre os respectivos proprietários (do solo e da obra -materiais aplicados), o direito de acessão não intervêm: o conflito de interesses deve ser resolvido pelas normas dessa convenção (Cfr. Maria de los Desamparados Nuiiez Boluda, La accesion en las edificaciones, 1994, p. 38 e segs).
E, nesta conformidade, as obras efectuadas configurar-se-iam como benfeitorias.
As normas da acessão e de matérias conexas (v.g., indemnizações devidas ao dono de coisa adquirida por outra) só serão aplicáveis se o caso não estiver ao abrigo de outro regime real ou contratual mais específico, hipótese em que será este o chamado a regular a matéria; é necessário, pois, que quem faz obra em terreno alheio actue fora de toda a relação com o dono do terreno de modo que a solução da questão da propriedade dos materiais empregados na obra (edificação ou melhoramento) não seja regulada pelas normas que disciplinam a relação entre ambas as partes.
Compreende-se: se existe qualquer relação jurídica de natureza contratual ou real a suportar a detenção ou a posse do terreno pelo autor das obras (este será normalmente ou detentor ou verdadeiro possuidor ou então titular de um direito real menor, v.g. usufruto), então o conflito entre o seu autor e o dono do terreno deverá ser resolvido pelas normas próprias das benfeitorias (Cfr. Manuel Albaladejo, Derecho Civil, /lI, 1989, p.305-306).
Portanto, as normas sobre acessão só podem ser aplicadas se o caso não estiver sob o império de outra norma jurídica específica que, nesse caso, terá preferência na respectiva regulação; se as incorporações foram feitas em terreno alheio por quem está ligado a ele por razões contratuais ou reais há que respeitar essas convenções e estatutos e aplicar as respectivas disposições específicas.
O princípio fundamental da acessão, como modo de aquisição da propriedade, é este: a propriedade dos bens estende-se a tudo o que eles produzem, se lhes une ou incorpora, natural ou artificialmente, em suma, a tudo o que lhe "acede", a menos que isto ocorra ao abrigo e em consequência de qualquer relação jurídica entre as partes pois, neste caso, o problema deve ser solucionado pelas regras desta relação, prevalecendo sobre o da acessão.
É, pois, a existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada que distingue a benfeitoria da acessão; logo, existindo tal relação jurídica, é à luz da respectiva regulamentação que devem ser qualificadas as obras pois que estas, em princípio, devem ser de conservação ou de melhoramento da coisa - benfeitorias (regime regra). Inexistindo tal relação, o regime a aplicar será o da acessão (excepcional).
E a orientação unânime da jurisprudência distingue a benfeitoria da acessão a partir da (in)existência de relação jurídica contratual ou real vinculando o autor das obras de incorporação à coisa beneficiada (benfeitoria se existir tal vínculo jurídico), acessão (no caso contrário), como se depreende dos Acs STJ de 25-02-1987, 14-12-1994, 08-02-1996, 08-01-2004, todos acessíveis na INTERNET através de http://www.dgsi.pt.”.
Tendo recebido da Autora os prédios onde realizou as obras na perspectiva da celebração de um futuro arrendamento, as RR são sempre parte numa relação jurídica com a Ré, representando essa entrega a antecipação de prestação de futuro contrato de arrendamento.
Logo, as obras foram realizadas na perspectiva e pressupondo a existência futura desse vínculo jurídico.
O que é susceptível de envolver, face aos factos provados, responsabilidade pré­contratual.
Há, pois, de acordo com a matéria de facto provada, uma relação jurídica pré-contratual, vinculando a pessoa à coisa beneficiada a que supra se aludiu; logo, está afastado o pressuposto para que se pudesse concluir-se pela procedência do pedido de aquisição por acessão.
Sendo inviável o funcionamento da acessão industrial imobiliária, às RR está vedada a aquisição do direito de propriedade.
A questão terá de ser solucionada através do regime das benfeitorias.
Consequentemente, nesta perspectiva coincidente com a sufragada na douta sentença recorrida, sempre improcederiam as conclusões da apelação da Ré “B”, estando prejudicada a apreciação da questão da fraccionabilidade do prédio para limitar a aquisição por acessão à parcela de 3000 m2.
Mais:
Tanto a acessão como as benfeitorias pressupõem uma posse ainda que precária.
"Ora, dificilmente os casos de acessão têm lugar sem que o autor da união ou mistura seja um possuidor, pois, na grande maioria das vezes, sem o controle material da coisa a união ou mistura não seria possível".
Como consequência disto, assiste-se a um esvaziamento considerável do âmbito de aplicação da acessão, a qual ficaria limitada aos casos em que não existe posse ou o agente da união ou mistura tem uma simples detenção (sem posse nos termos de qualquer direito)" (Cfr. José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, 2008, p. 684 e segs).
Partindo embora da opinião de Pires de Lima e A. Varela, este autor restringe o âmbito da distinção preconizada por estes saudosos Professores.
Segundo ele, ”prescrutando o regime jurídico, verificamos que a lei remete diversas vezes para o regime das benfeitorias quando alguém actua sobre uma coisa no âmbito de uma relação jurídica, real ou obrigacional. Isso sucede no regime da locação (art. 1046° e 1074º nº 5), no comodato (art. 1138), na compropriedade (art. 1411), no usufruto (art. 1450), no uso e habitação (art. 1490), na colação (art. 2115), na redução de liberalidades inoficiosas (art. 2177) e nos legados (art. 2269)".
Daí não decorrerá necessariamente que sempre que exista uma relação jurídica que legitime alguém a actuar sobre uma coisa e ocorra uma união ou mistura susceptível de ser qualificada como benfeitoria se aplique sempre o regime destas (art. 1273° a 1275° CC).
Com efeito, continuando a seguir aquele Autor, “fora dos casos em que a lei preveja a aplicação do regime das benfeitorias, toda a união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diversos está sujeita ao regime da acessão, mesmo que o agente da incorporação seja possuidor. O que leva realmente a uma restrição do alcance literal dos arts 1273° a 1275° do Código Civil, mas que salvaguarda um campo útil de aplicação ao regime da acessão, que de outro modo ficaria confinado aos casos, muito raros, em que a união ou mistura se efectua por alguém que não é possuidor" (Cfr. A. e ob. cit., p. 686).
Por conseguinte: à luz desta tese, o regime das benfeitorias só seria aplicável se a disciplina da relação jurídica entre o autor das obras e o dono do prédio remetesse expressamente para o preceituado nos art. 1273° a 1275° CC; fora desses casos seria sempre aplicável o regime da acessão.
Ora, aqui chegados, sempre concluiríamos pela aplicação do regime das benfeitorias, mas agora por maioria de razão; com efeito, se esse regime era o aplicável no caso de o arrendamento vir a ser formalizado (art. 1046 nº 1 CC), por maioria de razão o deverá ser se a celebração de tal contrato se frustrar, apesar de as partes haverem antecipado algumas das suas prestações ...
As partes - in casu, as RR - não podem obter com a frustração da celebração do contrato mais do que obteriam com a sua concretização.
Ou seja, se as obras foram autorizadas pela Ré na perspectiva da formação ulterior de um título jurídico - esse contrato futuro - que regularia a situação criada, então as RR, como destinatárias da autorização seriam titulares de uma situação precária, condicionada à celebração ulterior desse contrato, logo, dependente da subsistência da vontade comum da respectiva outorga que, obviamente, deixaria de existir se, porventura, qualquer das partes dele, por qualquer motivo, se viesse a arrepender ou, no caso de tal contrato estar dependente do êxito de negociações, estas se malograrem.
Logo, a situação das RR seria sempre precária, dependente de, a qualquer momento, a Autora lhe pôr termo (se e enquanto o contrato não fosse outorgado).
Não se questiona a boa-fé das RR - a obra foi autorizada.
Mas a autorização implícita numa relação obrigacional ou negocial é necessariamente diversa da exigida pelo instituto da acessão (art. 1340° nº 1 e 4 CC).
Esta tem de ser qualificada, pois o dono do terreno como que renuncia ao domínio e controle do seu prédio (na medida em que, autorizando, aceita que a obra implantada seja, ou venha a ser, propriedade de outrem que não ele); por outras palavras, na acessão industrial imobiliária de boa-fé, o dono do terreno conforma-se com a subsequente dualidade de propriedades - a do solo e a da obra - enquanto o conflito não for resolvido, através das regras da acessão industrial imobiliária e com a eventualidade de, por via destas, poder vir a "abdicar" da propriedade do solo.
Não é isso que se passa no regime das benfeitorias: aí a autorização do dono do prédio para a realização de obras não confere a este o direito de propriedade; o proprietário do terreno não renuncia aos poderes de proprietário, antes quer exercê-los. No caso em apreço, subjacente à autorização da Ré para a realização das obras de implantação do Centro Emissor não estava qualquer abdicação da sua soberania de proprietária sobre o terreno.
A Autora nunca perderia o domínio desse todo, o que as RR aceitavam; o estado de espírito destas, o seu "animus" relativamente ao prédio da Autora, não é um animus sibi habendi, mas antes um animus alieno nomine tenendi.
Ao invés das benfeitorias, na acessão, uma vez construída a obra e antes do exercício do direito potestativo de acessão, existem duas propriedades distintas e sobrepostas, a do terreno e a da obra (Cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4a ed., p. 403).
Escreveu, ainda a propósito, este Prof.:
"Na base do instituto da acessão há um conflito de direitos reais, uma vez que enquanto a acessão não actua, subsistem duas propriedades (. . .).
E o conflito toma claramente a fisionomia dum conflito entre direitos a partes da coisa. O direito do dono do solo, não havendo aquisição automática, passa a ficar limitado a parte; e o direito do construtor limita-se sempre ao edifício. Entre os dois direitos a partes da coisa o conflito é patente" (Cfr. Oliveira Ascensão, As Relações Jurídicas Reais, 1962, p. 141-141).
Flui do exposto, e para o que ao caso em apreço interessa, que a autorização dada pela Autora para a realização de obras de instalação do Centro Emissor, não era qualificada para a acessão industrial imobiliária.
Aliás, sendo a área da parcela um espaço de relação, compreende-se que:
- por um lado, se a autorização ou consentimento para as obras foi contratualizada entre o seu autor e o proprietário do prédio (relação entre pessoas), se entenda que aquele não abdicou ao domínio do prédio e apenas utilizou as faculdades no respectivo direito de propriedade sem com isso renunciar a tal direito; tratou-se de uma "intrusão negociada e consentida" (relação entre pessoas) que cessará com a relação jurídica ao abrigo da qual foi emitida aquela autorização; neste caso, o autor das obras actuou como "extensão" do próprio proprietário e ao abrigo dos poderes e faculdades que este lhe disponibilizou;
- por outro lado, se a autorização ou consentimento não foi objecto nem integrou qualquer relação contratual ou pré-contratual da qual resultasse (ou que pressupusesse) a respectiva obrigação, então estaremos perante uma "invasão" (relação entre coisas) e deve concluir-se existir, pelo menos, a aceitação do risco de uma eventual e futura imposição da abdicação do direito de propriedade (v.g. através da acessão industrial imobiliária).
Concluímos, pois, pela inaplicabilidade do regime da acessão industrial imobiliária.

Como bem entendeu a 1ª instância, exercido o direito de reivindicação, as RR não dispõem de título legitimador da recusa de entrega do imóvel.
E, consequentemente, condenou as RR na entrega da parcela de terreno em causa. Todavia, tendo sido peticionada a entrega da parcela, mas livre e devoluta de pessoas e bens, a 1ª instância não atendeu este segmento do pedido por entendê-lo como abuso do direito da Autora.
Não concordamos.
Como se disse, a Autora tem direito à restituição da parcela no estado em que a entregou, o que deve ser entendido em termos hábeis, pois a necessidade de preparação do terreno para a implantação dos equipamentos, implicou alterações dificilmente recuperáveis (v.g. desbaste e abate de árvores, escavações para as sapatas, etc) e que devem ser incluídas nas deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato de arrendamento perspectivado mas também frustrado (art. 1043° nº 1 CC); logo, sem os equipamentos que integram o Centro Emissor de TV, a saber: a torre metálica com as antenas, a cabine do equipamento de telecomunicações afecto às antenas, a cabine de instalação eléctrica e os cabos e ligações entre estas cabines e as antenas.
Que, como se apurou e com excepção dos alicerces e sobretudo das sapatas, todos podem ser levantados e separados (a torre constituída por elementos desmontáveis e removíveis), sem detrimento da parcela nem perda das suas características físicas.
O conjunto formado pelos equipamentos do Centro Emissor constitui, pois, uma despesa suportada pelas RR na parcela, logo, uma benfeitoria (art. 216° nº 1 CC) para assegurar a recepção e difusão do sinal de TV e, como tal, uma benfeitoria útil (art. 216° n° 3 CC), na medida em que, com isso, aumentou o valor do imóvel (considerando o seu valor geo­estratégico em termos de recepção e difusão do sinal de TV), não uma benfeitoria voluptuária, como defende a Autora.
Ora, se o arrendatário está equiparado ao possuidor de má-fé quanto a benfeitorias que haja realizado no locado (art. 1046° nº 1 CC), por maioria de razão, assim devem ser consideradas as RR já que a parcela de terreno lhes foi cedida em antecipação dos efeitos de um futuro contrato de arrendamento que as partes tinham em mente, mas que não se concretizou.
Logo, sendo inquestionável a boa-fé das RR na realização das obras, têm direito ao levantamento das benfeitorias úteis realizadas na parcela desde que isso não implique detrimento dela (art. 1273° nº 1 CC).
Daí que, procedendo a acção de reivindicação com o reconhecimento do direito de propriedade à Autora, nada obste à condenação das RR na entrega da parcela ocupada, mas livre e devoluta de pessoas e bens, para o que as RR terão de proceder ao levantamento dos equipamentos lá instalados, quer para cumprimento da obrigação que sobre elas impende de restituição da parcela de terreno no mesmo estado em que a recebera, quer para assegurar o seu próprio direito às benfeitorias úteis.
Entendeu, contudo, a 1ª instância que a imposição de tal levantamento às RR configuraria um abuso do direito por banda da Autora, tendo em conta a dimensão dos investimentos efectuados na parcela; com efeito, escreveu-se na sentença recorrida "em conclusão, existe abuso do direito de propriedade da autora ao reivindicar uma parcela de terreno livre e desocupada quando autorizou a realização de obras de valor muito superior à dita parcela, impondo a destruição da referida obra e, por isso, a solução será a de conciliar os interesses envolvidos de forma a atenuar os efeitos do pedido para termos que permitam a aplicação do regime previsto para as benfeitorias realizadas por possuidor, ou seja, permitindo a reivindicação mas sem condenação na entrega do imóvel livre e desocupado nos termos referidos, caso não seja de considerar procedente o pedido de declaração de propriedade com fundamento na acessão industrial imobiliária".
Ora, tal entendimento pressupõe a destruição da obra.
O que não é o caso: os equipamentos podem ser desmontados e levantados e, de seguida, transportados para e montados em qualquer outro local.
Ainda assim, sempre seria lícito questionar qual das partes actua com abuso do direito: se a Autora que, atendendo à urgência e indo ao encontro da necessidade das RR, consentiu na instalação do Centro Emissor antes da celebração do negócio jurídico legitimador da utilização e depois não mais logrou obter a anuência das RR para a celebração de tal negócio ou as RR que, com base naquela autorização, se instalaram, "de armas e bagagens", no local e aí permanecem - é certo que depois de apreciável investimento - gratuitamente, sem pagar um tostão, desde há mais de 15 anos, sem curarem de regularizar juridicamente a ocupação, invocando agora o abuso do direito, como argumento ad terrorem decorrente da dimensão desse mesmo investimento relativamente ao valor da parcela, para paralisar a actuação da Autora na defesa dos seus interesses.
Será que a Autora por força do volume do investimento efectuado pelas RR e para prevenir a imputação de abuso do direito, terá que suportar a ocupação gratuita da parcela da sua propriedade?
E não constituirá a própria invocação pelas RR da excepção peremptória do abuso do direito, ela mesma, um exercício abusivo do direito de defesa - o abuso do abuso de direito?
Não terá a gratuitidade da ocupação durante todo este tempo permitido "recuperar" (senão total, pelo menos, parcialmente ... ) o valor do investimento?
O art. 334º do CC define o abuso do direito quando a actuação correspondente ao seu exercício excede manifestamente os limites da boa-fé, dos bons costumes ou do fim económico e social do direito exercido.
Ou seja, o abuso do direito pressupõe uma conduta que ultrapassa manifestamente - quer dizer, de forma evidente e injustificada - os limites da boa-fé, dos bons costumes e do fim económico e social do direito, redundando, por isso, no exercício irregular desse direito.
A regularidade do exercício do direito pressupõe uma razão ou motivo legítimo conforme com a boa-fé, os bons costumes e os fins económicos e sociais; daí que para caracterizar o exercício de um direito como legítimo ou abusivo importe identificar o motivo subjacente ao seu exercício e a sua racionalidade jurídica.
O abuso do direito é, afinal, o exercício, embora inicialmente tutelado pela ordem jurídica, de um direito subjectivo ou de uma faculdade cujo resultado extrapola os limites estabelecidos pelos princípios fundamentais da ordem jurídica, como sejam, a boa-fé, os bons costumes, os fins económicos e sociais do direito em causa.
Constituem, por isso, inequívocos casos de abuso do direito, o exercício de um direito exclusivamente para lesar outrem ou sem qualquer utilidade ou interesse para o respectivo titular; e, quanto a nós, também os casos de invocação abusiva do abuso de direito para neutralizar o exercício legítimo de direitos ...
O abuso do direito impede o exercício ilegítimo de direitos mas não deve neutralizar o exercício legítimo de direitos.
E é isto que se verifica no caso em apreço, pois, a menos que se entenda que a Autora tenha de suportar o encargo de manter no seu prédio com um centro emissor sem qualquer contrapartida - como se a sua propriedade tivesse sido insolitamente expropriada por utilidade particular sem qualquer indemnização ... - nada permite concluir que o propósito exclusivo da Autora seja a de prejudicar as RR nem que a satisfação da sua pretensão não tenha para ela qualquer utilidade ou interesse.
Na verdade, o exercício de qualquer direito, se reconhecido, contra alguém, implicará sempre uma desvantagem ou prejuízo para este e só será abusivo se o respectivo titular for movido apenas por essa intenção, independentemente da vantagem que daí retire; como abusivo será se com tal exercício ele não visar a satisfação de qualquer interesse ou utilidade seus.
Ora, a exigência da restituição da parcela de terreno, livre e desocupada, nunca poderia constituir abuso do direito, porquanto se as partes houvessem outorgado contrato de arrendamento, a sua renovação não seria obrigatória e, mesmo com uma duração inferior à da ocupação, poderia ser validamente denunciado com a consequente restituição da parcela,
Se numa hipótese destas - em que, além do mais, as RR teriam que suportar o pagamento de rendas - lhes estaria vedada a invocação do abuso do direito, por maioria de razão deveria estar no caso em apreço.
Improcede, pois, a invocação do abuso do direito para neutralizar a obrigação de restituição da parcela, livre e desocupada, dos equipamentos que constituem o Centro Emissor.

Por fim, a questão da compensação:
A 1ª instância condenou a ré “B”, a pagar à autora “A”, a quantia mensal de € 224,46 desde 03-02-1996 até à data da entrega da parcela de terreno, actualizada de acordo com os índices do INE com juros de mora desde o trânsito em julgado até efectivo pagamento.
A Autora discorda e sustenta que a indemnização deve cobrir todo o tempo da ocupação e ser calculada em função da área total da parcela ocupada - cerca de 3000 m2 - e não apenas a do Centro Emissor - 1320 m2, à razão de € 2,41 / m2, valor este muito inferior ao de € 5,49 m2, praticado no mercado por outros operadores de telecomunicações e em prédios semelhantes.
Antes de mais, importa esclarecer a fonte da obrigação das RR neste ponto e que pode ser a responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483° e segs CC) ou o enriquecimento sem causa (art. 473 e segs CC).
Quanto a nós, e na esteira da douta sentença recorrida, a situação em causa criou um enriquecimento injustificado das RR à custa do empobrecimento da Autora, gerador da obrigação para aquelas de restituir a medida do enriquecimento.
É o princípio geral constante do art. 473° nº 1 CC citado: "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou".
Tal enriquecimento consistiu na obtenção de vantagem patrimonial por parte das RR consistente tanto na poupança de despesas por subtracção destas a um encargo que era devido à Autora como na utilização de coisa alheia (da Autora) sem contrapartida e elimina-se através da imposição de uma nova obrigação, agora a cargo das RR, beneficiadas, e cujo objecto visa compensar o sacrifício suportado pela Autora, empobrecida.
Com efeito, a poupança de despesas e o uso de coisa alheia são susceptíveis de gerar enriquecimento injustificado com a consequente obrigação de restituir (Cfr. A. Varela, Das Obrigações em geral, 10ª ed., vol, I., p. 480 e segs).
Independentemente do desfecho da acção de posse judicial avulsa e do julgamento implícito na respectiva improcedência quanto à posse das RR, o certo é que a ocupação por estas da parcela de terreno em causa nos autos sem qualquer contrapartida criou, desde a data em que se iniciou - Verão de 1993 - um enriquecimento do património das RR e correlativo empobrecimento do património da Autora que deve ser eliminado, através da obrigação daquelas de restituírem o seu enriquecimento real através do valor da ocupação expresso pela "renda normal do prédio" (Cfr. A. Varela, ob. Cit., p. 482).
Com efeito, a obrigação de restituir decorrente do enriquecimento sem causa incide sobre o que foi "indevidamente recebido" (art. 473° nº 1 CC), ou seja, "tudo quanto foi obtido à custa do empobrecido" e não podendo ser operada a restituição em espécie - a ocupação do prédio - "o valor correspondente" (art. 4790 nº 1 CC) que, in casu, será o correspondente à dita renda normal.
Na falta de convenção das partes - designadamente pela estipulação do valor locativo da parcela - a renda da parcela seria calculada pelo recurso aos valores praticado no mercado de arrendamento, in casu, e face à matéria de facto provada, de € 5,49 m2.
Acontece, porém, que a Autora formulou um pedido que fixa o valor da dita indemnização em montante inferior e que, por força do art. 661 ° do CPC, há que respeitar.
Consequentemente, a medida da restituição devida pelas RR à Autora será calculada à razão de € 2,41/m2 (tal é o montante peticionado), ou seja, considerando a área de 3000 m2, à razão de € 7.230 euros mensais desde o início da ocupação até à data da respectiva entrega, livre e devoluta de pessoas e bens à Autora.

Concluindo:
Procede a apelação da Autora e improcede a das RR.

ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em, julgando procedente a apelação da Autora e improcedente a das RR:
- condenar as RR “B” e “C” a entregar à Autora, “A”, a parcela de cerca de 3.000 m2, livre e devoluta de pessoas e bens, designadamente, do conjunto formado pelo Centro Emissor do …, cujos elementos serão, para o efeito, levantados e desmontados e a pagarem-lhe a quantia de € 7.230 euros mensais desde o início da ocupação - Verão de 1993 - até à data da respectiva entrega, livre e devoluta, actualizada de harmonia com a evolução do índice de preços no consumidor, fixado anualmente, pelo INE e com juros de mora, à taxa legal, desde a citação das RR, nesta parte revogando a douta sentença recorrida;
Absolver a Autora, “A”, do pedido reconvencional contra ela deduzido pela é “B” de aquisição do direito de propriedade sobre a parcela questionada nos autos com fundamento em acessão industrial imobiliária, nesta parte confirmando a douta sentença recorrida;
- No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas por Autora e RR, na proporção do respectivo decaimento.
Évora e Tribunal da Relação, 27.10.09