Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE CONVERSÃO DA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM PERMANENTE PROVA PERICIAL JUNTA MÉDICA DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE DA SENTENÇA | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – O n.º 1 do art. 22.º da LAT determina a conversão ope legis da incapacidade temporária em incapacidade permanente, decorridos 18 ou 30 meses, já não a conversão do grau de incapacidade temporária em idêntico grau de incapacidade permanente. II – Existindo nos autos três entendimentos médicos diferentes em relação à situação de a sinistrada ter estado em ITP e em relação à data da alta, não fundamentando suficientemente a junta médica as opções tomadas quanto a estas duas questões, não nos é possível, sem recurso a mais esclarecimentos, proferir decisão fundamentada sobre as mesmas. III – Padecendo a matéria de facto da sentença recorrida de manifesta deficiência, e inexistindo no processo os elementos necessários para suprir tal vício, importa declarar a anulação da referida sentença e determinar, em sua substituição, a reabertura do exame por junta médica, de forma a que os peritos que nela participaram esclareçam, de forma fundamentada, as dúvidas existentes. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1717/19.1T8PTM.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório A “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”[2] veio participar, nos termos do art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 10-07-2018, pelas 00h30, em Lagos, de que foi vítima AA, quando prestava serviço para “Iber King Restauração, S.A.”, mediante a retribuição base mensal de €580,00, o subsídio de alimentação mensal de €52,52 e ainda outros no valor de €42,85. … A “Fidelidade, S.A.” concedeu alta clínica à sinistrada AA em 22-08-2019, atribuindo uma ITA entre 11-07-2018 e 22-08-2019 e uma IPP de 0,15000%.[3]… Efetuado, em 05-07-2021, o relatório do exame médico-legal à sinistrada[4], concluiu este que:- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20/02/2020. - Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 408 dias. - Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 182 dias. - Incapacidade permanente parcial fixável em 16,00%. Mais ficou a constar nos pontos 3, 5 e 6 da “Discussão” que: 3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: - Incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 11-07-2018 a 22/08/2019 fixável num período total 408 dias. - Incapacidade temporária parcial (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve parcialmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 23-08-2019 a 20-02-2020 a 50% fixável num período total 182 dias. […] 5. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 16,00%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado. 6. Necessidade de fisioterapia complementar. … No auto de tentativa de conciliação, realizado em 19-10-2021, não foi possível conciliar as partes, uma vez que a entidade seguradora “Fidelidade, SA” não aceitou a data da cura clínica, nem os períodos, natureza e grau das incapacidades atribuídas pelo perito médico-legal.… Inconformada com o exame médico singular realizado à sinistrada, a “Fidelidade, SA” veio requerer a realização de exame por junta médica, formulando os seguintes quesitos:1 – Qual o período de incapacidade temporária (e respetiva percentagem, se houver ITP a atribuir) a fixar entre a data do acidente e a data da alta? Fundamentem. 2 – Qual é a data da alta? Fundamentem. … Em 22-04-2022, realizado o exame por junta médica foi decidido “por unanimidade, reencaminhar a sinistrada à companhia de seguros, no sentido de esclarecimento das atuais queixas no membro superior esquerdo, com possível realização de novos exames complementares de diagnóstico (RMN cervical e ao plexo braquial esquerdo, cintigrafia óssea e outros que entendam necessários) e para tratamentos de reabilitação, para melhoria funcional do membro superior esquerdo, tendo especial atenção à mão”.… Depois da realização de vários exames à sinistrada, em 27-01-2023, foi realizado o exame por junta médica, tendo a referida junta, após exame da sinistrada e observação dos elementos clínicos juntos aos autos, respondido, por unanimidade, do seguinte modo aos quesitos formulados:1. e 2. Não foram atribuídas incapacidades temporárias parciais (ITP), face ao quadro de algoneurodistrofia diagnosticado, tendo sido atribuída alta com incapacidade permanente parcial (IPP) em 20-02-2020 (data de consolidação médico-legal), quando este quadro estava estabilizado, necessitando unicamente de tratamentos de manutenção para evitar agravamento e manter função muscular. … Em 23-02-2023, foi proferida a respetiva sentença, com o seguinte teor decisório:Nestes termos e por tudo o exposto decide-se: a) Julgar a sinistrada AA (nascida em …/…/1995) vítima de um acidente de trabalho sofrido no dia 10/07/2018 e, em consequência desse acidente, afectada: i. De uma incapacidade temporária absoluta de 11/07/2018 a 22/08/2019; ii. De uma incapacidade temporária parcial de 50% de 23/08/2019 a 10/01/2020; iii. E, a partir de 10/01/2020, por conversão legal, de uma incapacidade permanente parcial de 50%. b) Condenar a seguradora responsável “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à sinistrada AA: i. A quantia de €8.509,98 (oito mil, quinhentos e nove euros e noventa e oito cêntimos) a que se deve descontar a quantia já paga de €7.224,38, acrescido de juros vencidos e vincendos; ii. Uma pensão anual e vitalícia de €3.224,17 (três mil, duzentos e vinte e quatro euros e dezassete cêntimos), devida desde 11/01/2020, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde essa data. c) Condenar a ré no pagamento das custas do processo, em função do seu total decaimento; d) Fixar o valor da acção em €64.587,97. Registe e notifique. … Não se conformando com a sentença, veio a “Fidelidade, SA” interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:1- A ora Recorrente não se pode conformar com a douta sentença, na parte em que converteu a alegada incapacidade temporária parcial (ITP) da sinistrada, em incapacidade permanente (IPP), porquanto entende que o disposto no artigo 22º da LAT, não tem aqui aplicação, pelo que, será este o objeto do presente recurso de apelação 2 - A ITP de 50 % a que o Tribunal “a quo” faz referência na sentença em crise, resulta do teor do Auto de Exame Médico Singular de 05.07.2021, e que, foi “revogado” pelo laudo pericial unânime dos três peritos médicos que constituíram a junta médica que teve lugar no passado dia 21.01.2023, em que se concluiu inexistir qualquer período de incapacidade permanente parcial, pelo que, andou mal o Tribunal “a quo”, ao considerar existir uma ITP. 3 - Não corresponde à verdade o plasmado na sentença em crise, mormente quando é referido que: “Não concordou, porém, a entidade responsável com o resultado do exame que foi efetuado pelo Gabinete Médico-Legal de Portimão, o qual, atribuiu à sinistrada, em 10/01/2020, uma incapacidade permanente parcial de 50%, por conversão da incapacidade temporária absoluta de que a sinistrada era portadora nessa data”, porquanto naquele exame médico singular, apenas foi fixada a data da alta, os períodos de incapacidade temporária e o grau de incapacidade permanente (16 %). 4 – Todos os elementos objetivos integrantes do presente processo e que dizem respeito ao tratamento e evolução clínica da sinistrada, apontam de forma inequivoca, para a impossibilidade de aplicação do vertido no artigo 22º da LAT no caso sub judice. 5 - Os serviços clínicos da ora Recorrente fixaram como período de incapacidade temporária absoluta da sinistrada para o trabalho, o período de 11.07.2018 a 22.08.2019, data em que cessou todo o acompanhamento clínico que a ora Recorrente prestou à sinistrada durante quase 13 meses, tendo-lhe atribuído alta clínica. 6 - Desde 22.08.2019 (data da alta clínica atribuída pelos serviços clínicos da seguradora recorrente) até 31.05.2022, os serviços clínicos desta seguradora não observaram a sinistrada nem lhe prestaram qualquer tratamento, sendo que, tal só viria a suceder, a 01.06.2022, na sequência do decidido pela junta médica realizada a 22.04.2022. 8 – Não o assiste qualquer razão ao Tribunal “a quo”, quando na sentença em crise refere que “a sinistrada sempre foi seguida nos serviços clínicos da seguradora e, portanto, poderia ter sido requerida a prorrogação do prazo. Não pode a sinistrada ficar prejudicada por essa falta da seguradora”…. Sendo que é indubitável que tal afirmação não corresponde à verdade, atento o hiato temporal de 3 anos em que sinistrada e seguradora não tiveram qualquer contacto. 9 - Não tendo a seguradora seguido sempre a sinistrada conforme erradamente entendido na sentença em crise, não poderia a Recorrente requerer a prorrogação do prazo previsto no artigo 22º n.º2 da LAT, até porque, pelos serviços clínicos não foi atribuída qualquer período incapacidade temporária após 22.08.2019 (nem mesmo na sequência da reavaliação a 01.06.2022). 10 - Não pode a ora Recorrente deixar de considerar que o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo” na sentença em crise, colide frontalmente com um princípio enformador do direito e que é o princípio da justiça. No caso concreto, o da justa reparação do acidente. 11 - O Tribunal “a quo” ignora algo absolutamente fundamental: a IPP fixada à sinistrada e contra a qual, de resto, a sinistrada e a Recorrente não se insurgiram (note-se que a junta médica requerida, teve apenas por base a discordância relativa aos períodos de incapacidades temporárias e a data da alta). 12 - Ao entender-se como o Tribunal “a quo” entende, à sinistrada seria pago um capital de remição correspondente a uma IPP convertida administrativamente (IPP 50 %), ao passo que nos autos existe uma avaliação pericial colegial – de carácter técnico – que lhe atribui uma incapacidade manifestamente inferior (IPP 16 %), pelo que, a ser assim, a sinistrada receberá uma compensação manifestamente superior àquela que seria devida, assentando essa pretensão numa tecnicalidade legal sem correspondência com a realidade sequelar decorrente das lesões sofridas pela sinistrada no acidente de trabalho dos autos. 13 - Constituiu jurisprudência cristalizada que o espírito do legislador, ao estabelecer o disposto no art.22º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, foi o de evitar o protelamento excessivo na atribuição das pensões em consequência da dilatação de demoras excessivas no tratamento dos sinistrados ou de inércia da seguradora, quer na comunicação do sinistro quer nas informações que deve sempre prestar ao processo acerca do andamento do seguimento clínico dos sinistrados. 14 - As informações prestadas pela seguradora foram claras, com prazos determinados e nunca houve qualquer queixa, pela sinistrada, acerca dos tratamentos prestados. O Tribunal “a quo” esteve sempre ao corrente da situação clínica da sinistrada, com informações a serem prestadas com frequência, não tendo a sinistrada sido prejudicada em rigorosamente nenhum dos seus direitos inexistindo, assim, qualquer inércia ou protelamento excessivo dos tratamentos prestados. 15 - No caso em apreço, não cabe a aplicação do artigo 22º da LAT, pois que não existe nenhum direito da sinistrada a proteger que estivesse ao abrigo da intenção do legislador aquando dessa previsão normativa. 16 - Ao invés, mantendo-se a sentença em crise, sempre se beneficiara indevidamente a sinistrada, porquanto, será compensada em montante muito superior ao que seria devido, considerando que existe uma perícia colegial que, na parte da avaliação das sequelas, é incontestada. 17 - Entende a ora Recorrente que a sentença em crise, coloca a sinistrada numa situação de evidente enriquecimento sem causa, na medida em que será indemnizada por uma IPP que não corresponde à IPP de que efetivamente é portadora. E essa pretensão assenta na aplicação de uma norma que visa proteger interesses da sinistrada que, no caso em apreço, não carecem de proteção já que foram perfeitamente acautelados pela ora Recorrente que prestou todo o acompanhamento clínico à sinistrada até à data da alta atribuída pelos seus serviços clínicos (22.08.2019) e também quando interpelada pelo Tribunal para o efeito, mormente na sequência da realização da junta médica de 22.04.2022. 18 – Não há lugar à conversão da incapacidade temporária em permanente, em virtude de não se verificarem os requisitos de aplicação do artigo 22º da LAT. 19 - Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de patrocínio se equaciona mas não se admite, se o douto Tribunal superior vier a confirmar a decisão da 1ª instância no sentido de se aplicar no caso vertente o disposto no artigo 22º da LAT, sempre deverão os presentes autos ser remetidos aos Srs. Peritos Médicos que compuseram a junta médica de 27.01.2023, a fim de, fixarem o concreto grau de incapacidade permanente da sinistrada a 20.02.2020, em consonância com o entendimento perfilhado por este douto Tribunal da Relação no seu Acórdão, datado de 28.10.2021, proferido no âmbito do processo n.º 2697/17.3T8PTM.E1. Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que venha negar a conversão da incapacidade temporária da sinistrada, em incapacidade permanente, fazendo-se, assim, a tão ACOSTUMADA JUSTIÇA! … A Autora não apresentou contra-alegações.… O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência parcial do recurso, devendo, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil, anular-se todos os atos praticados após a realização do exame por Junta Médica, sendo os autos devolvidos à 1.ª instância para que a Junta Médica responda, de forma fundamentada, ao teor dos quesitos formulado pela recorrente, a que se deverá seguir a prolação de nova sentença, fixando os períodos e graus de incapacidade temporária e atribuindo a IPP de 16%, aceite por ambas as partes na sede de tentativa de conciliação, realizada em 19-10-2021.Não houve respostas a tal parecer. Neste tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos. Foram os autos aos vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do RecursoNos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso. No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Inaplicabilidade do art. 22.º da LAT à presente situação; e 2) Em caso de aplicação do referido artigo, importa fixar o concreto grau de incapacidade permanente da sinistrada a 20-02-2020. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.1 AA nasceu no dia …/…/1995. 1.2 No dia 10/07/2018, quando desempenhava as suas tarefas profissionais como operadora, ao serviço de “Iberking, Restauração, S.A.”, sofreu traumatismo da mão esquerda. 1.3 Daí resultou para a sinistrada: 1.3.1 Incapacidade Temporária Absoluta de 11/07/2018 a 22/08/2019; 1.3.2 Incapacidade Temporária Parcial de 50%, de 23/08/2019 a 20/02/2020, data da alta clínica. 1.4 Na data do acidente a sinistrada auferia da “Iberking, Restauração, S.A.” a retribuição anual de €9.211,92. 1.5 A entidade patronal tinha a sua responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” pela retribuição anual referida. 1.6 A sinistrada foi ressarcida do montante de €7.224,38 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária. ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões já elencadas. 1 – Inaplicabilidade do art. 22.º da LAT à presente situação Considera a companhia de seguros “Fidelidade, S.A.” que não é de aplicar o art. 22.º da LAT à presente situação, não só porque, no caso em apreço, inexiste qualquer incapacidade temporária parcial,[5] em face das conclusões expressas pela junta médica; como também porque não corresponde à verdade, conforme consta da sentença recorrida, que o exame singular realizado à sinistrada tenha atribuído a esta uma incapacidade permanente parcial[6] de 50%, por conversão da incapacidade temporária absoluta[7] de que a sinistrada era portadora à data, uma vez que tal exame singular, para além de ter fixado a data da alta e os períodos de incapacidade temporária (absoluta e parcial), fixou igualmente o grau de IPP em 16%. Acrescentou ainda que, tendo a recorrente fixado à sinistrada o período de ITA entre o período de 11-07-2018 e 22-08-2019, data a partir da qual lhe deu alta clínica, não se mostram ultrapassados os 18 meses previstos na referida norma da LAT, visto que apenas decorreram 13 meses até à referida alta, sendo que entre 22-08-2019 e 01-06-2022 os serviços clínicos da recorrente não observaram a sinistrada, nem lhe prestaram qualquer tratamento, vindo a fazê-lo apenas em 01-06-2022, em face do decidido pela junta médica. Mais alegou que, não tendo a seguradora seguido sempre a sinistrada, não lhe era possível requerer a prorrogação prevista no n.º 2 do art. 22.º da LAT. Concluiu, por fim, que relativamente à IPP, fixada em 16% pelo exame médico singular, houve acordo entre as partes, não tendo a recorrente se insurgido sobre tal matéria, sendo que, a manter-se tal IPP em 50%, conforme fixou a sentença recorrida, estaríamos perante um enriquecimento sem causa por parte da sinistrada, na medida em que seria indemnizada por uma IPP que não corresponde à IPP de que efetivamente é portadora, inexistindo qualquer motivo para que se dê a conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente. Vejamos. Dispõe o art. 22.º da LAT[8] que: 1 - A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade. 2 - Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado. Em face do que consta do citado artigo e do teor dos dois exames médicos realizados pelo tribunal (o exame médico singular e o exame por junta médica), desde logo resulta que, mesmo que houvesse lugar à conversão da incapacidade temporária (absoluta ou parcial) em permanente, jamais o grau de incapacidade permanente poderia ser fixado, de imediato, em 50%. Na realidade, o que o n.º 1 do art. 22.º da LAT determina é a conversão ope legis da incapacidade temporária em incapacidade permanente, decorridos 18 ou 30 meses, já não a conversão do grau de incapacidade temporária em idêntico grau de incapacidade permanente, devendo, para fixação desse grau de incapacidade permanente, o perito médico do tribunal reavaliar, à data, o respetivo grau de incapacidade. Cita-se, a este respeito, o acórdão deste Tribunal, proferido em 14-02-2012:[9] [10] [11] Porém, do citado preceito não decorre que a conversão do grau de incapacidade temporária em permanente seja automática. Como estabelece o n.º 1 do artigo 42.º, a incapacidade converte-se em permanente decorrido o aludido prazo, «(…) devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade». Tal significa que se é certo que quanto à natureza da incapacidade (de temporária para permanente) se converte por força do decurso do prazo, o mesmo já não se verifica em relação ao grau de incapacidade: este será o fixado pelo perito médico do tribunal na reavaliação e, não havendo acordo quanto ao mesmo na tentativa de conciliação, e requerida e realizada junta médica, não se vislumbra obstáculo legal a que seja o fixado pelo juiz após aquela. Dito de forma mais directa: o que se converte por força do regime estabelecido o citado artigo 42.º é a natureza da incapacidade (que passa de temporária a permanente), mas não o grau dessa incapacidade; este será agora o fixado pelo perito médico e homologado em tentativa de conciliação ou, posteriormente, no caso do processo prosseguir, o fixado a final pelo juiz. Conforme igualmente bem refere o acórdão desta seção social proferido em 23-04-2020:[12] Note-se que a incapacidade temporária é fixada por período de tempo limitado e de acordo com as necessidades de tratamento do sinistrado, podendo ser parcial ou absoluta, enquanto a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho (art. 19.º n.ºs 2 e 3 da LAT), originando prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho (art. 48.º n.º 2 da LAT). Por outro lado, a alta é concedida no final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, sendo a alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada (art. 35.º n.ºs 2 e 3 da LAT). Deste modo, a incapacidade temporária e a incapacidade permanente servem objectivos diversos, e daí que o art. 22.º n.º 1 da LAT não estabeleça a equivalência entre o grau de incapacidade temporária e o grau de incapacidade permanente em caso de conversão pelo decurso do prazo de 18 meses consecutivos. Era exigível, pois, que o tribunal recorrido solicitasse ao seu perito médico a reavaliação do grau de incapacidade do sinistrado, diligência esta que não ocorreu. Deste modo, e quanto à conversão do grau de incapacidade temporária no mesmo grau de incapacidade permanente, sem que previamente o perito médico do tribunal reavalie o respetivo grau de incapacidade permanente, assiste efetivamente razão à recorrente. Já relativamente aos motivos que invoca para a não aplicação a estes autos do disposto no art. 22.º, n.º 1, da LAT, não lhe assiste razão. A circunstância de a seguradora ter dado alta clínica à sinistrada em data anterior aos 18 meses consecutivos previstos no n.º 1 do citado art. 22.º da LAT, se se comprovar que tal alta clínica resultou de um erro de apreciação dos serviços clínicos da seguradora, sendo, por isso, de considerar de forma corrida a incapacidade temporária de que a sinistrada padeça até momento posterior a esses 18 meses, é igualmente de aplicar o referido art. 22.º, n.º 1, da LAT, não podendo a seguradora beneficiar de um erro dos seus serviços clínicos. De igual modo, o facto de os serviços clínicos da seguradora não terem ministrado tratamentos à sinistrada, por erradamente lhe terem dado alta clínica, quando na realidade deveriam ter continuado a ministrar tais tratamentos, também não impede a aplicação do disposto no n.º 1 do art. 22.º da LAT. Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRC, proferido em 06-03-2003:[13] [14] I – Da conjugação dos nºs. 1 e 2 do art. 48.º do DL n.º 360/71, de 21-8, resulta que a incapacidade temporária deve ser convertida em permanente quando se prolongue por dezoito meses esteja, ou não, a ser ministrado ao sinistrado o tratamento clínico necessário; todavia, quando se verifique que o sinistrado está a receber o tratamento necessário e adequado, pode o Juiz prorrogar o período de IT para além dos 18 meses referidos e até ao limite de 30 meses, a requerimento da entidade responsável.[15] II – A conversão do art. 48.º do DL n.º 360/71 tem em vista salvaguardar os direitos do sinistrado perante demoras excessivas no seu tratamento e, assegurar que esse tratamento além de atempado é adequado. III – In casu, o sinistrado foi, por erro de diagnóstico dos serviços médicos da seguradora, erroneamente considerado curado sem desvalorização, quando na verdade não o estava, sendo certo que esteve afectado de IT desde 1 de Abril de 1998 até 30 de setembro de 1999 – por um período superior a 18 meses – sem que lhe estivesse a ser ministrado o tratamento clínico necessário, é de concluir que integrava a previsão do n.º 1 do art. 48.º do DL n.º 360/71. Cita-se, de igual modo, o acórdão do STJ, proferido em 01-10-2003:[16] II – A aplicação da norma do art. 48.º não depende do conhecimento exato pela entidade responsável de que o sinistrado se mantém efectivamente em situação de incapacidade temporária, de modo algum podendo as entidades responsáveis beneficiar de um seu erro de diagnóstico quanto à atribuição da cura clínica ao sinistrado. Vejamos, porém, a situação em apreço. Consta da matéria de facto dada como provada que: 1.3 Daí resultou para a sinistrada: 1.3.1 Incapacidade Temporária Absoluta de 11/07/2018 a 22/08/2019; 1.3.2 Incapacidade Temporária Parcial de 50%, de 23/08/2019 a 20/02/2020, data da alta clínica. Fundamentou o tribunal a quo estes factos do seguinte modo: Atendeu-se, finalmente, ao teor dos exames periciais realizados, designadamente a conclusão unânime da junta médica. Nada existe nos autos que nos permita divergir do resultado da perícia. Diga-se que não foram posta em causa os restantes períodos das incapacidades temporárias arbitradas no exame singular, pelo que o Tribunal tinha de atender à conjugação da resposta dada pelos peritos a essa matéria. E, a data da alta considerada pela junta médica é, claramente, posterior à data da conversão de que as partes foram alertadas na tentativa de conciliação. Acontece, porém, que basta atentar no que foi determinado no exame singular[17] e o que consta do relatório da junta médica[18] para se compreender que a ITP fixada no primeiro foi posta em causa no segundo, que considerou que “Não foram atribuídas incapacidades temporárias parciais (ITP)”. E, a ser assim, é manifesta a contradição entre o facto provado relativo à atribuição de ITP à sinistrada e a fundamentação apresentada sobre esse facto, visto que o exame por junta médica indicado não permite dar como provado tal facto. Acresce que aquilo que não obteve acordo no auto de tentativa de conciliação traduziu-se precisamente na data da cura clínica da sinistrada, bem como nos períodos, natureza e grau das incapacidades atribuídas a esta pelo perito médico-legal singular, ou seja, na não concordância com a data da alta clínica em 20-02-2020 e com a fixação de uma ITA entre 11-07-2018 e 22-08-2019, de uma ITP entre 23-08-2019 e 20-02-2020 de 50% e de uma IPP fixável em 16%. Assim, e diferentemente daquilo que a recorrente alega, não houve acordo no auto de tentativa de conciliação acerca da IPP de 16%. É certo que, posteriormente, nos quesitos que a recorrente formulou apenas questionou a data da alta clínica e a existência de um período de ITP, porém, em sede de auto de tentativa de conciliação não deu o seu acordo à IPP fixada. No entanto, aquilo que releva é apurar se, em face dos exames médicos e relatórios clínicos constantes dos autos, bem como dos pareceres dos médicos da recorrente, do perito médico singular e dos peritos da junta médica é possível a este tribunal dar como provado (e isto independentemente de o tribunal a quo o ter feito, ainda que fundamentando tais factos no parecer da junta médica, a qual relativamente à ITP refere exatamente o oposto daquilo que foi dado como provado) qual a data da alta clínica da sinistrada, qual o período de ITA, qual o período de ITP, no caso de ter existido, e respetivo grau; e qual o grau de IPP, sobretudo se for de aplicar o disposto no art. 22.º, n.º 1, da LAT. A resposta afigura-se-nos ser negativa. Efetivamente, as respostas dadas pelo parecer da junta médica não se mostram suficientemente fundamentadas, não só porque não esclarecem em que situação ficou a sinistrada entre 23-08-2019 e 20-02-2020 (tudo parece indicar que seja numa situação de ITA, apesar de o não referirem), como sobretudo por não terem esclarecido porque discordaram do exame médico singular que considerou ter existido uma melhoria da situação clínica da sinistrada, razão pela qual esta deixou de estar, para aquele perito médico singular, em ITA e passou para ITP de 50%. Acresce que também não fundamentaram, apesar de esse ser exatamente o segundo quesito que lhes tinha sido formulado, qual a razão para terem atribuído a alta à sinistrada em 20-02-2020 e não, como o fez a seguradora, em 22-08-2019, tendo existido eventualmente uma situação de recaída da sinistrada em 22-04-2022, data em que a junta médica decidiu que a mesma efetuasse novos exames. Por fim, e caso se conclua, após estas respostas devidamente fundamentadas, que a sinistrada esteve em situação de incapacidade temporária por um período superior a 18 meses, dando-se a conversão ao fim desses 18 meses dessa incapacidade temporária em incapacidade definitiva (e se apure que não é de aplicar a prorrogação prevista no n.º 2 do art. 22.º da LAT), importa apurar o grau de IPP que a sinistrada possuía exatamente nessa data, conforme, aliás, e bem, invoca a recorrente na sua segunda questão recursiva. Assim, uma vez que é manifesta a deficiência da matéria de facto constante da sentença recorrida, por assentar em pareceres médicos que ou foram postos em causa (como é o caso do parecer médico-legal singular) ou impunham outra decisão e de qualquer modo não se mostram suficientemente fundamentados (como é o caso do parecer da junta médica), importa proceder à anulação da sentença nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil por deficiente matéria de facto. Deste modo, padecendo a matéria de facto da sentença recorrida de manifesta deficiência, e inexistindo no processo os elementos necessários para suprir tal vício, importa declarar a anulação da referida sentença e determinar, em sua substituição, a reabertura do exame por junta médica, de forma a que os peritos que nela participaram esclareçam (i) expressamente em que situação a sinistrada se manteve entre 23-08-2019 e 20-02-2020; bem como, (ii) por que razão não consideraram, como o exame-médico singular tinha feito, que a partir de 23-08-2019 houve uma melhoria da situação clínica da sinistrada, razão pela qual esta teria deixado de estar em ITA e passado para ITP de 50%; (iii) qual a razão para terem atribuído a alta à sinistrada em 20-02-2020 e não em 22-08-2019, tendo existido eventualmente uma situação de recaída da sinistrada em 22-04-2022, data em que a junta médica decidiu que a mesma efetuasse novos exames; e (iv) caso se conclua que a sinistrada esteve em situação de incapacidade temporária por um período superior a 18 meses, dando-se a conversão ao fim desses 18 meses dessa incapacidade temporária em incapacidade definitiva (e se apure que não é de aplicar a prorrogação prevista no n.º 2 do art. 22.º da LAT), atribuam o grau de IPP que a sinistrada possuía exatamente na data da conversão. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em determinar a anulação da sentença recorrida, determinando, em consequência: - A reabertura da junta médica a fim de que esclareçam, de forma suficientemente fundamentada: 1) Qual a situação em que a sinistrada se manteve entre 23-08-2019 e 20-02-2020? 2) Por que razão não consideraram, como o exame-médico singular tinha feito, que a partir de 23-08-2019 houve uma melhoria da situação clínica da sinistrada, razão pela qual esta teria deixado de estar em ITA e passado para ITP de 50%? 3) Qual a razão para terem atribuído a alta à sinistrada em 20-02-2020 e não em 22-08-2019, tendo existido eventualmente uma situação de recaída da sinistrada em 22-04-2022, data em que a junta médica decidiu que a mesma efetuasse novos exames? 4) Caso se conclua que a sinistrada esteve em situação de incapacidade temporária por um período superior a 18 meses, dando-se a conversão ao fim desses 18 meses dessa incapacidade temporária em incapacidade definitiva (e se apure que não é de aplicar a prorrogação prevista no n.º 2 do art. 22.º da LAT), atribuam o grau de IPP que a sinistrada possuía exatamente na data da conversão. Custas pela parte vencida a final. Notifique. ♣ Évora, 28 de junho de 2023Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço. [2] Doravante “Fidelidade, S.A.”. [3] Conforme documentação junta pela “Fidelidade, S.A.” em 23-08-2019. [4] Junto ao processo em 13-07-2021. [5] Doravante ITP. [6] Doravante IPP. [7] Doravante ITA. [8] Lei n.º 98/2009, de 04-09. [9] No âmbito do processo n.º 297/09.0TTPTM.E1, consultável em www.dgsi.pt. [10] Apesar de se reporta ao art. 42.º do anterior DL n.º 143/99, de 30-04, por se tratar de redação semelhante, é inteiramente aplicável ao atual art. 22.º da LAT. [11] Veja-se em idêntico sentido, o acórdão do TRL, proferido em 19-09-2012, no âmbito do processo n.º 3605/10.8TTLSB-L1-4, consultável em www.dgsi.pt. [12] No âmbito do processo n.º 665/17.4T8PTM.E1, consultável em www.dgsi.pt. [13] Consultável no comentário ao art. 22.º do livro Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais Anotado, de Abílio Neto, 1.ª edição, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., Lisboa, 2011, p. 153. [14] Apesar de se reportar ao art. 48 do DL n.º 360/71, de 21-08, tem aplicação ao que ora dispõe o art. 22.º da LAT. [15] Sendo atualmente também admitido a requerimento do sinistrado. [16] Consultável no comentário ao art. 22.º do livro Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais Anotado, de Abílio Neto, 1.ª edição, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., Lisboa, 2011, p. 153. [17] Cujo relatório foi efetuado em 05-07-2021. [18] Realizada em 27-01-2023. |