Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SÓNIA KIETZMANN LOPES | ||
| Descritores: | HERANÇA INDIVISA OCUPAÇÃO DE PRÉDIO URBANO VALOR COMERCIAL | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | Ocorrendo a ocupação, por um dos herdeiros, de um imóvel pertencente à herança indivisa, e sendo tal ocupação impeditiva da posse pelo outro herdeiro, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante o período em que se verificar a privação do uso e na proporção da quota deste herdeiro na herança. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 255/24.5T8GDL.E1 – Apelação Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Cível de Grândola Recorrente – (…) Recorrida – (…) * Sumário: (…)* Acordam no Tribunal da Relação de Évora:I. RELATÓRIO 1. (…) intentou, no Juízo Local Cível de Grândola, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra (…), pedindo a condenação desta no pagamento: i) da quantia de € 19.000,00, correspondente a € 1.000,00 mensais desde setembro de 2022 até à propositura da ação, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento; ii) da “indemnização mensal de € 1.000,00 até trânsito em julgado da presente ação”. Para o efeito alegou, em síntese, ser, com a Ré, o único herdeiro dos seus pais, que, à data do óbito, em, respetivamente, 2013 e 2021, eram proprietários de diversos bens, em virtude do que corre termos um processo de inventário, abrangendo, além do mais, um imóvel no qual reside a Ré e sua família desde o óbito dos pais, sem que a mesma pague qualquer quantia ao Autor pela respetiva ocupação. Mais alegou que em 23 de agosto de 2022 comunicou à Ré que estava na disposição de comprar-lhe ou vender-lhe a quota parte na herança, o que a Ré não aceitou, bem como não aceitou esta vendê-la a terceiros. Alegou, ainda, que o valor do arrendamento para o local do imóvel se situa entre € 1.500,00 e € 3.750,00, pelo que deve a Autora pagar-lhe, desde setembro de 2022, a quantia mensal de € 1.000,00, correspondente a metade de uma renda de € 2.000,00, perfazendo, à data da instauração da ação, € 19.000,00. * A Ré contestou, alegando que aceitou vender ao Autor, por € 130.000,00, “o quinhão de que é titular no imóvel”, tendo sido o Autor quem, posteriormente, se recusou a adquirir o direito de que a Ré é titular, sem mais lhe ter apresentado outra proposta ou informado ter qualquer comprador para o mesmo ou, ainda, de que pretendia contactar qualquer imobiliária para promoção da venda.Aduziu, também, que até ao momento da citação da Ré para a ação, nunca o Autor manifestou a sua oposição a que a Ré, cabeça de casal, utilizasse os bens da herança. Mais defendeu não ser o valor locativo do imóvel superior a € 500,00 mensais. 2. Foi dispensada a audiência prévia. Foi fixado o objeto do litígio e foram elencados os temas da prova. * Realizada a audiência final, foi proferida sentença no âmbito da qual foi decidido absolver a Ré de todos os pedidos e condenar o Autor no pagamento integral das custas processuais.3. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, enunciando as seguintes conclusões: «O Recorrente opôs-se a que a Recorrida se mantivesse no imóvel sem fazer a partilha dos bens e sem pagar renda. 1. O Recorrente instaurou processo de Inventário a correr termos no Tribunal de Grândola, sob o n.º 483/23.0T8SSB, do Juízo Local Cível. 2. A Recorrida não permanece no locado com a tolerância do Recorrente há mais de 20 anos, porque os Autores da herança faleceram em 2013 e 2021 e só após o decesso dos mesmos é que os filhos herdaram o imóvel. 3. Desde a morte dos Pais até à presente data, o prédio pertencente ao Recorrente e Recorrida vem sendo habitado exclusivamente por esta. 4. A Recorrida permanece no imóvel, com a oposição do Recorrente desde 23.08.2022, data em que propôs comprar ou vender o imóvel, ou seja, 23 meses e não de vinte anos. 5. A utilização de uma fração predial destinada à habitação, não permite que a mesma possa ser utilizada, em simultâneo, por herdeiros com diferentes agregados familiares atenta a privacidade inerente a tal uso. 6. A sua utilização do imóvel, por parte de Recorrida, determina uma privação do uso pelo Recorrente. 7. O prejuízo causado ao Recorrente corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança. 8. A Recorrida deverá pagar ao Recorrente o valor de € 1.000,00, desde a data da citação da presente ação. 9. A Recorrida mudou as fechaduras sem comunicar ao Recorrente pelo que é vedado a este último a entrada no imóvel. 10. Tendo julgado a ação improcedente, a Sentença violou, entre outros, os normativos jurídicos insertos nos artigos 607.º e 615.º do Código de Processo Civil e artigo 1406.º do Código Civil». Concluiu que a sentença recorrida deve ser revogada. * A Ré não apresentou contra-alegações.* O recurso foi admitido e foram colhidos os vistos.4. Questões a decidir Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir: i) Da nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC; ii) Da impugnação da matéria de facto; iii) Se a Ré deve pagar ao Autor pela ocupação da casa que integra a herança de ambos. II. FUNDAMENTOS 1. Fundamentos de facto 1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1. O pai do Autor e da Ré faleceu a 09 de abril de 2013 e a mãe, (…), faleceu a 29 de março de 2021. 2. Por óbito dos indicados progenitores, sucedeu-lhes, como seus únicos herdeiros, os seus filhos: (…). (…). 3. Em 11 de outubro de 2017, na Conservatória do Registo Civil / Predial / Comercial de Sesimbra, foi outorgada a respetiva escritura de habilitação de herdeiros, por óbito do pai do Autor e da Ré. 4. Em 23 de junho de 2021, no Cartório Notarial de (…), em Alcácer do Sal, foi outorgada a escritura de Habilitação de Herdeiros, por óbito da mãe de ambos. 5. Os autores da herança à data do óbito eram titulares de bens, cujo processo de inventário está a correr termos sob o n.º 483/23.0T8SSB, do Juízo Local Cível de Grândola. 6. Entre os bens a partilhar existe o prédio urbano sito na Rua (…) , 9, (…), concelho de Alcácer do Sal, freguesia União das Freguesias de (…), inscrita sob o artigo matricial (…), com o valor patrimonial de € 46.659,55. 7. O edifício tem uma área bruta de 129,000 m2, com 4 divisões, casa de banho, despensa e anexo servindo de fumeiro e garagem e ainda, uma área bruta dependente de 30.000 m2, acrescida da área bruta privativa de 99.000 m2, o que totaliza 237.000 m2. 8. O Autor pretendeu partilhar os bens, tendo comunicado à Ré, em 23 de agosto de 2022, que estava na disposição de comprar ou vender a quota parte à sua irmã. 9. A Ré respondeu ao e-mail remetido às 10:04h, no dia 16 de setembro de 2022, sendo rececionado às 12:15h, do dia 20 de setembro de 2022, referindo que “aceitava vender ao Autor o quinhão hereditário de que é titular no imóvel pelo preço de € 130.000,00”. 10. Após esta proposta, o Autor não apresentou outra proposta à Ré, informando de ter qualquer comprador para o imóvel ou que pretendia contactar qualquer imobiliária para a promoção da venda. 11. O Autor recusou-se a adquirir o direito de que a Ré é titular, nos termos em que o propusera. 12. O Autor, até à data em que a Ré foi citada para a presente ação, não manifestou a sua oposição a que a cabeça de casal utilizasse os bens da herança. 13. O Autor solicitou uma análise do valor do arrendamento para o local e o mesmo está estipulado entre os € 1.500,00 e os € 3.750,00. 14. Desde a morte dos pais do Autor e da Ré, até à presente data, o prédio vem sendo habitado pela Ré e respetiva família. 15. A Ré nunca efetuou qualquer pagamento ao Autor pela ocupação do imóvel.»
«A) Que a Ré não aceitou vender nem comprar ao Autor ou vender a terceiros mantendo-se a residir no imóvel sem pagar nada ao Autor.»
Improcede, assim, a invocação da nulidade. * A dado momento a Recorrente insurge-se, também, contra a menção, na fundamentação de Direito da sentença, à tolerância da permanência de outro “por um período bastante longo, como é o caso de mais de 20 anos” (cfr. pontos 6º e 7º da motivação e 5º das conclusões). Contudo, não só tal menção na sentença não constituiria qualquer nulidade, como, principalmente, da sentença resulta claro que, neste seu segmento, o tribunal a quo pretendeu unicamente enunciar jurisprudência que, tratando, é certo, da questão objeto destes autos, ainda assim versa factos que se distinguem dos destes autos (v.g. a ocupação de um imóvel por mais de duas décadas) – cfr. pág. 11 da sentença.
Tendo por base os fundamentos invocados relativamente a este ponto da matéria de facto, procedemos à audição da gravação da audiência final. Também aqui a prova produzida não é de molde a que se possa julgar este facto provado. Em causa está saber se a Ré, co-herdeira, deve pagar ao Autor pela utilização exclusiva do imóvel que integra a herança indivisa. A sentença recorrida concluiu ser aplicável ao caso dos autos o regime previsto no artigo 1406.º do Código Civil (de ora em diante CC), que, em sede dos direitos e encargos do comproprietário, rege o uso da coisa comum. Não podemos deixar de acompanhar esta subsunção. É sabido que a herança indivisa não constitui uma situação de compropriedade, já que, entre nós, esta se define pela contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum – artigo 1403.º do CC –, enquanto a herança indivisa constitui um caso de comunhão de mão comum, isto é, um património afetado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza (designadamente relações reais e creditórias) e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos ligados por determinado vínculo[5]. Na compropriedade cada comproprietário é titular de uma quota ideal sobre uma coisa, de que pode dispor, enquanto na comunhão de mão comum (ou propriedade coletiva), os vários contitulares não têm um direito autónomo, pois existe “contitularidade sobre um património que integra várias posições jurídicas, quer de natureza real quer de natureza obrigacional”[6], ou seja, na comunhão sucessória os direitos dos contitulares não incidem sobre cada um dos elementos que constituem o património coletivo, mas sim sobre todo ele, como um todo unitário[7]. No entanto, o artigo 1404.º do CC prevê a aplicação das regras da compropriedade à comunhão de quaisquer outros direitos, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles. Essa aplicação justifica-se no caso do uso das coisas que integram a herança indivisa pelos co-herdeiros, precisamente porquanto inexiste um regime legal que rega tal uso. Assim, embora a comunhão de mão comum não caiba na figura da compropriedade, o certo é que o artigo 1404.º do CC não restringe a aplicabilidade das regras da compropriedade às hipóteses de comunhão romana. Pelo contrário, como se lê no acórdão da Relação de Évora, de 11/04/2024, proferido no processo n.º 376/23.1T8TMR.E1, disponível na base de dados da dgsi, a característica da comunhão hereditária de os co-herdeiros não serem titulares de quotas sobre cada um dos bens que constituem a herança, mas apenas sobre a globalidade desta e para valerem no momento da partilha, “até a torna mais harmoniosa com o regime do artigo 1406.º, n.º 1, que a própria compropriedade. Nesta, ao usar a totalidade da coisa, o comproprietário vai além das forças da sua quota. Daí a necessidade do n.º 2 do mesmo artigo, que esclarece que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título. Na comunhão hereditária, os co-herdeiros têm um direito unitário sobre cada uma das coisas que integram a herança, pelo que, quando um deles usa uma dessas coisas, não se verifica a desconformidade entre esse uso e o direito de que ele é titular sobre a mesma coisa. Daí que a aplicabilidade do n.º 2 à comunhão hereditária seja desnecessária. Dada a natureza unitária do direito dos co-herdeiros sobre cada uma das coisas que integram a herança, em caso algum o uso de uma dessas coisas por um deles poderia conduzir à usucapião, a menos que houvesse inversão do título da posse.” O artigo 1406.º do CC dita que “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive o outros consortes do uso a que igualmente têm direito”. O tribunal a quo entendeu, e bem, que a Ré, ao residir na casa que integra a herança indivisa, não emprega o imóvel para fim diverso àquele a que o mesmo se destina. Pelo contrário, dá-lhe um dos seus usos mais comuns (embora outros se configurem, quais sejam o da sua rentabilização por via do arrendamento a terceiros, adiante-se já). Contudo, na análise do segundo limite ao uso da coisa, o tribunal a quo lançou mão de um argumento que não conseguimos acompanhar. Trata-se, como resulta expresso do preceito sobremencionado, de escrutinar se a Ré, ao viver na casa em questão, privou o Autor do uso a que o mesmo igualmente tem direito. O tribunal a quo entendeu inexistir “por parte do Autor, uma vontade manifesta de lhe dar outra utilização ou outro fim, já que o seu interesse não surge por uma questão de necessidade, mas sim porque pretende rentabilizar o imóvel”. Salvo o devido respeito, confundiu-se nesta sede dois aspetos distintos: por um lado, a privação do uso pelo Autor e, por outro, o tipo de uso em questão. Ora, a lei não exige que o consorte (aqui co-herdeiro) pretenda fazer do bem o mesmo uso que dele faz aquele que do imóvel vem usufruindo. O que releva, tão-somente, é que o consorte ocupante não prive o outro consorte do uso a que este igualmente tem direito, de entre o qual, tratando-se de um imóvel, pode configurar-se quer a habitação própria, quer a rentabilização, v.g. por via do arrendamento. Dito isto, é imperioso entender que, ao habitar, em exclusivo, o imóvel da herança – consubstanciado num prédio urbano com 4 divisões, casa de banho, despensa e anexo servindo de fumeiro e garagem, com uma área total de 237 m2 (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada), indivisível, portanto – a Ré priva o Autor do uso a que este igualmente tem direito, estando, pois, verificado o pressuposto por último elencado no artigo 1406.º do CC. É que, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[8] – ainda que a propósito da compropriedade (cujo regime, como vimos é aplicável ao caso dos autos) –, uma vez que “a nenhum dos comproprietários pode ser imposto o dever de co-habitar com os outros, não sendo o prédio divisível em fracções autonomizáveis […] , a qualquer deles será lícito opor-se a uma deliberação da maioria nesse sentido, alegando que o uso pretendido ou exercido pelos outros o priva do direito que ele tem a usar também da coisa […]. Nestes casos, o único recurso a adoptar, na falta de acordo, será o do gozo indirecto, que consistirá em regra na locação da coisa, com a consequente repartição dos proventos dela entre os consortes. Quando assim seja, já nada obstará a que o locatário possa ser um dos comproprietários, se a maioria, no exercício dos poderes de administração que a lei lhe confere, assim o entender”. Mas, será que se verifica, no caso dos autos, a falta de acordo sobre o uso da coisa comum, exigida na primeira parte do artigo 1406.º, n.º 1, do CC? O Autor entende que desde 23/08/2022, data em que, pretendendo proceder à partilha dos bens da herança indivisa, comunicou à Ré estar na disposição de comprar ou vender a quota parte à sua irmã (cfr. ponto 8 da matéria de facto provada), tal falta de acordo ficou patente. Afigura-se-nos, porém, não lhe assistir razão, nesta sede. Repara-se que, ao comunicar à Ré estar disposto, designadamente, a vender-lhe a sua “quota parte”, o Autor reconheceu nada ter contra a continuação do uso do imóvel pela Ré. E à proposta efetuada pelo Autor, a Ré inclusivamente respondeu dizendo que aceitava vender-lhe o seu quinhão hereditário (cfr. ponto 9 da matéria de facto provada), sem que posteriormente o Autor apresentasse outra proposta (ponto 10. da matéria de facto). Ou seja, Autor e Ré procuravam, então, chegar a acordo quanto ao uso do imóvel, sem que o Autor se opusesse a que a Ré nele residisse. Como ressalta do ponto 12.º da matéria de facto, o Autor até à data em que a Ré foi citada para a presente ação, não manifestou a sua oposição a que a Ré utilizasse o imóvel. Tal status quo alterou-se, portanto, com a comunicação à Ré, por via da citação, de que o Autor não mais tolerava o uso gratuito do imóvel integrante da herança. Ou seja, em outubro de 2024 ficou patente não estarem, Autor e Ré, em acordo sobre o uso do imóvel que integra a herança indivisa. O que significa que apenas então a privação do uso, decorrente da utilização exclusiva do bem pela Ré, passou a ilícita. Como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/04/2022, proferido no âmbito do processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1, disponível na base de dados da dgsi, enquanto “não se manifestar uma vontade de utilização do bem incompatível com o uso exclusivo que vem sendo feita pelo co-herdeiro em seu proveito não é possível concluir que esse uso tenha sido excludente do direito de uso dos demais herdeiros. A privação só ocorre com a existência de uma vontade não satisfeita. Mas, manifestada uma oposição a esse uso, a manutenção daquela ocupação passa a ser ilícita, uma vez que priva o herdeiro contestatário da posse de um bem comum, devendo este, e apenas ele, ser indemnizado da privação sofrida. Assim, ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva da sua posse por outro herdeiro e, portanto, ofensiva da composse sobre esse bem, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança. Deve, pois, ser esse o quantum da indemnização a pagar pelo herdeiro ocupante ao herdeiro privado do uso, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.” Efetivamente, encontramo-nos em sede de responsabilidade civil aquiliana, estando verificados os pressupostos de que o artigo 483.º do CC faz depender tal responsabilidade (quais sejam, a existência de um facto voluntário, ilícito e imputável ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano): a Ré permaneceu no imóvel sem nada pagar (cfr. ponto 15 da matéria de facto provada), apesar de saber que violava ilicitamente o direito de uso do Autor, causando-lhe assim um dano. Não sendo possível in casu a reconstituição natural, é devida ao Autor a indemnização em dinheiro (artigo 566.º, n.º 2, do CC). Como vimos, o prejuízo causado ao Autor corresponde à parte do valor locativo do imóvel no mercado de arrendamento, desde que se verificou a ocupação ilícita, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança. Resultou provado que o valor do arrendamento para o local está estipulado entre € 1.500,00 e € 3.750,00 (cfr. ponto 13 da matéria de facto provada). Não sendo possível averiguar o valor exatos dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º, n.º 3, do CC). No caso dos autos, não pode deixar de se atender, por um lado, ao facto de a Ré passar a pagar pelo uso de um bem que já antes e há vários anos ocupava de forma pacífica (cfr. pontos 12 e 14 dos factos provados) e, por outro, que os valores locativos em Portugal passam por uma fase altamente especulativa. Julga-se, como tal, ser justo, proporcional e adequado, considerando desde logo serem Autor e Ré os únicos herdeiros, atender a metade do valor locativo mínimo apurado (€ 1.500,00), ou seja, € 750,00. Tratando-se de indemnização em forma de “renda” mensal, há de reportar-se a primeira ao mês subsequente ao da citação, ou seja, novembro de 2024. A condenação está limitada pelo pedido formulado (artigo 609.º, n.º 1, do CPC), sendo que o Autor apenas peticionou o pagamento do valor mensal “até trânsito em julgado da presente ação” – cfr. página 6 da petição inicial. Sobre o montante indemnizatório são devidos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde o último dia do mês a que respeitar cada parcela de € 750,00 até integral pagamento – artigos 564.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alínea b) e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do CC.
4. Custas Tendo tanto o Autor com a Ré decaído, as custas da ação e do recurso são a suportar pelo Autor/Recorrente e pela Ré/Recorrida, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais). Efetivamente, revogando o acórdão, total ou parcialmente, a decisão recorrida, justifica-se que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais (cfr. neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/03/2023, proferido no processo n.º 2553/21.0T8GMR.G3, disponível na base de dados da dgsi).
III. DECISÃO Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, julgando-se a ação parcialmente procedente: |