Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
482/14.3T8STB.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
RECONVERSÃO FUNCIONAL DO TRABALHADOR
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A discordância da parte relativamente à decisão de facto proferida pelo tribunal a quo só pode ser considerada se houver impugnação da mesma deduzida com observância das formalidades exigidas pelo art.º 640º do Código de Processo Civil, e onde se alegue e procure demonstrar a evidência de um erro de julgamento, que vá para além da liberdade de convicção do juiz na apreciação dos meios probatórios produzidos, e que por isso se imponha ser corrigido.
2. Para fazer operar a caducidade da relação laboral de um trabalhador vítima de acidente de trabalho, de que resultou incapacidade absoluta para o trabalho habitual, não basta ao empregador alegar verificar-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de aquele continuar a prestar o seu trabalho; impunha-se também que tivesse alegado e provado que lhe era impossível proceder à reconversão profissional do trabalhador, e de lhe atribuir outras funções compatíveis, designadamente por não dispor na empresa de qualquer posto de trabalho para o efeito.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 482/14.3T8STB.E1


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

Na 1ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, BB, identificado nos autos, demandou CC, Lda., com sede em Poço Mouro – Setúbal, pedindo que seja declarado ter ocorrido um despedimento ilícito, e em consequência decretada a reintegração do demandante, e a R. ainda condenada a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas, e a quantia de € 4.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Para o efeito, alegou em resumo trabalhar para a R. desde 2/7/2009, como mecânico de automóveis de 3ª, mediante a retribuição base mensal de € 630,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 132,00; ao serviço da R. sofreu acidente de trabalho, em 6/8/2011, do qual resultou uma IPP de 0,20, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual; por carta de 8/10/2013, a R. comunicou ao A. a caducidade do seu trabalho, mas não procurou reconvertê-lo noutras funções compatíveis, pelo que essa declaração equivaleu sim a um despedimento sem justa causa.
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, sustentando a legalidade da caducidade do contrato de trabalho, e concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição; em reconvenção pediu ainda a condenação do A. no pagamento da quantia de € 5.574,17, acrescida de juros, e relativa a retribuições que ao A. forma indevidamente pagas após a ocorrência do acidente de trabalho, quando mesmo se encontrava em situação de incapacidade temporária, e a receber da seguradora ‘DD’ as correspondentes indemnizações.
À contestação veio ainda responder o A., alegando a prescrição dos direitos invocados pela R, a título reconvencional, e concluindo pela improcedência dessa reconvenção.
Foi proferido despacho saneador, que não admitiu o pedido reconvencional, e dispensou a elaboração dos temas da prova.

Procedeu-se a audiência final, no âmbito da qual o A. optou pela indemnização por despedimento, em detrimento da sua reintegração, e foi por fim proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, consignando o seguinte no respetivo segmento dispositivo:
‘… julgo procedente a acção, condenando a Ré CC, Lda., a reconhecer como ilícito o despedimento do A. BB e a pagar-lhe:
a) uma indemnização de antiguidade, correspondente a € 630,00 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contando-se a mesma desde 02.07.2009 e até ao trânsito em julgado da decisão final;
b) as retribuições que o A. deixou de auferir desde 03.09.2014 e até ao trânsito em julgado da decisão final, incluindo subsídios de férias e de Natal, tendo por base a retribuição mensal de € 630,00, mas com dedução das importâncias referidas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do CTrabalho de 2009, o que será liquidado no competente incidente;
c) os juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data de trânsito em julgado da decisão final, quanto à quantia supra fixada na al. a); e desde a liquidação, quanto à quantia supra fixada na al. b).
Julgo improcedentes os pedidos relativos aos salários anteriores a 03.09.2014 e à indemnização por danos não patrimoniais’.
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Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a R.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como fundamento a condenação da Recorrente por despedimento ilícito ou sem justa causa do trabalhador, ora Autor e Recorrido.
2. A Recorrente utilizou a faculdade incluída no art. 343.º, alínea b) do Código do Trabalho para fazer operar a caducidade do contrato de trabalho celebrado com o Autor.
3. Considerou a Recorrente ter-se verificado no caso em apreço uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do Autor prestar a sua atividade profissional e da Ré a receber.
4. Entendeu a Recorrente que não havia na sua empresa posto de trabalho compatível com a capacidade residual para o trabalho do Autor.
5. Não obstante, decidiu o Tribunal a quo que: “…para fazer operar a caducidade da relação laboral, não bastava à Ré alegar a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, do A. continuar a prestar o seu trabalho de mecânico automóvel, mas ainda provar que lhe era impossível proceder à sua reconversão profissional e de lhe atribuir outras funções compatíveis, designadamente por não dispor na empresa de qualquer posto para o efeito. Como elemento fáctico constitutivo do direito a invocar a caducidade do contrato, era à Ré que incumbia o ónus de provar essa eventualidade – art. 342.º n.º2 do CCivil. Ora da matéria provada resulta que a Ré não logrou cumprir esse desiderato probatório – tanto mais que não ficou provado que no seio da sua estrutura fosse impossível o exercício de outras tarefas compatíveis com a capacidade residual do A (…).
Ponderando, ainda, que a Ré não realizou quaisquer das ações de reabilitação e reintegração profissional do A., que lhe eram impostas pelo art. 155.º da Lei 98/2009, o Tribunal conclui não estar demonstrada a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do A. prestar o seu trabalho ou de a Ré o receber, motivo pelo qual se declarará a ilicitude do despedimento, por ausência dos pressupostos de caducidade do contrato de trabalho – art. 381.º, als. b) e c) do Código do Trabalho. Em consequência, e conforme opção formulada pelo A. em julgamento, será a Ré condenada na indemnização de antiguidade e nos salários de tramitação, com as limitações legais. (…)”
6. Pretende-se, com o presente recurso, colocar em crise os pressupostos em que assenta a douta sentença proferida pelo tribunal a quo , a decisão de facto e a decisão de direito contida na douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
7. Assim, pretende-se a reapreciação da prova gravada e produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento de forma a obter um resultado diverso, no sentido da absolvição da Recorrente, quanto à apreciação da matéria de facto assente, nomeadamente:
(…)
22. Assim, não decidindo pela absolvição da Ré, incorreu o Meritíssimo Juiz numa apreciação defeituosa da Matéria de Facto levada a juízo e, em consequência, numa imperfeita aplicação do Direito.
23. Nestas condições, salvo o devido respeito que é muito, impõe-se decisão diversa ao caso em apreço, pois só com a absolvição da Ré se alcançará a devida Justiça.
Terminou a recorrente pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua absolviçâo.
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Notificado da interposição do recurso, o A. veio contra-alegar, aí pugnando pela rejeição da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente, e bem assim pela improcedência do recurso, quanto ao mérito da causa.
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Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir.
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Recordemos antes de mais a matéria de facto apurada na 1ª instância, que foi a seguinte:
1. O A. foi admitido ao serviço da Ré em 02.07.2009, mediante contrato a termo certo de 6 meses, para lhe prestar os serviços correspondentes à categoria profissional de mecânico de automóveis de 3.ª, auferindo ultimamente a retribuição base mensal de € 630,00, acrescida de subsídio de refeição no valor mensal de € 132,00;
2. Em 06.08.2011 o A. sofreu um acidente de trabalho, quando se encontrava no exercício das suas funções, nas instalações da Ré;
3. Os serviços clínicos da Seguradora de acidentes de trabalho concederam ao A. ITA até 14.10.2012 e ITP de 40% de 15.10.2012 a 06.11.2012, data em que lhe foi dada a alta;
4. Após, a Seguradora participou o acidente a juízo, em 13.11.2012, tendo o respectivo processo corrido termos neste Tribunal, sob o n.º 737/12.1TTSTB;
5. Neste processo o A. foi sujeito a exame médico no Gabinete Médico-Legal, onde se concluiu ser a data de 06.11.2012 como a de consolidação das lesões, estar o mesmo afectado de uma incapacidade permanente parcial fixável em 20%, e as sequelas serem causa de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual do sinistrado de mecânico de automóveis;
6. Na tentativa de conciliação de 07.05.2013, a Seguradora de acidentes de trabalho reconheceu o acidente sofrido pelo A. como acidente de trabalho, aceitou o nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões constantes do boletim de alta, aceitou que a responsabilidade estava para si transferida pela retribuição supra referida, concordou com as incapacidades temporárias fixadas pelo perito médico do Gabinete Médico-Legal, mas discordou da IPP de 20% com IPATH atribuída, considerando estar o sinistrado estar afectado de uma IPP de 14,5%;
7. Tendo requerido junta médica, esta realizou-se em 26.06.2013, tendo os peritos do Tribunal e do sinistrado considerado estar o sinistrado afectado de uma IPATH para a sua profissão de mecânico de automóveis, dado existir “compromisso grave da funcionalidade do punho e mão esquerda”;
8. Por seu turno, o perito da Seguradora propôs a atribuição de uma IPP de 15% x 1,5, porquanto o sinistrado era destro e estar em causa a mão e o punho esquerdo, o qual apresentava “rigidez cerrada e edema dos dedos, mas com força aceitável e permitindo o encerramento da mão”, pelo que não aceitou a atribuição de IPATH;
9. Em sentença de 06.09.2013, transitada em julgado, considerou-se estar o sinistrado impedido de exercer a sua profissão habitual, decidindo-se atribuir uma IPATH de 20%, com efeitos a partir de 07.11.2012, e condenando-se a Seguradora a pagar ao A. uma pensão anual e vitalícia, bem como subsídio por elevada incapacidade;
10. Por carta de 08.10.2013, a recebida a 10, a Ré comunicou ao A. o seguinte:
“Assunto: Caducidade por impossibilidade, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.
Exm.º Sr.
Estando Vª. Exª. impossibilitado de exercer todas as actividades compreendidas na sua categoria profissional, conforme relatório médico que o declarou inapto, não tendo o empregador postos de trabalho disponíveis compatíveis com as suas habilitações e na sequência da sentença emitida pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal no dia 12/09/2013, o Contrato de Trabalho caducará nesta data ao abrigo do artº 343, b) do Código do Trabalho, devendo Vª. Exª. considerar-se inteiramente desvinculado desta Empresa”;
11. Na sequência da concessão da ITP de 40% pela Seguradora, a partir de 15.10.2012, o A. apresentou-se ao trabalho, tendo-o a Ré feito apresentar a exame de medicina do trabalho, em 29.10.2012, onde se concluiu estar inapto temporariamente para o trabalho;
12. Voltou a sujeitar o A. a exame de medicina do trabalho em 03.01.2013, voltando a concluir-se estar inapto temporariamente para o trabalho, mencionando em “outras recomendações” dever o trabalhador ser reavaliado em 60 dias;
13. Porém, a Ré não sujeitou o A. a outros exames de medicina do trabalho, até lhe comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho, através da carta de 08.10.2013;
14. Uma vez que, após 07.11.2012, a Ré pagou ao A. a retribuição base devida pelo exercício da sua actividade profissional, por carta de 10.10.2013 exigiu-lhe a devolução desses valores, num total de € 5.574,17;
15. A Ré não concedeu ao A. formação profissional, não procurou a adaptação do seu posto de trabalho, não procurou colocá-lo em outras funções profissionais compatíveis com a sua incapacidade, e não lhe concedeu trabalho a tempo parcial ou licença para formação ou novo emprego;
16. O A. esteve sempre disponível para frequentar quaisquer acções de formação profissional que lhe permitissem continuar a trabalhar;
17. A Ré explora um estabelecimento comercial sito em Setúbal, de venda de peças para automóveis e reparação de veículos ligeiros, tendo uma área de recepção e loja aberta ao público, bem como uma oficina;
18. A Ré tem um capital social de € 75.000,00, detido em 75% por …, em 15% pela sua esposa …, e em 10% por …;
19. Os mesmos sócios detinham ainda, até 04.12.2013, nas mesmas proporções de quotas sociais, uma outra sociedade, denominada DD, a qual explora um estabelecimento idêntico ao da Ré, sito no concelho do Montijo;
20. Ambas as sociedades eram geridas até 29.11.2013 pelo sócio …, até que este, na dita data, renunciou à gerência da segunda sociedade, sendo na mesma data nomeada gerente, em sua substituição, …, filha do casal formado por este sócio e pela também sócia…;
21. Em 04.12.2013, foi registada a alienação das quotas dos sócios … e …, na … Montijo, Lda., a uma sociedade da qual é sócia maioritária e única gerente a referida filha …;
22. A Ré tem ao seu serviço 11 trabalhadores, ali se compreendendo o gerente … (este, em alguns dias, também exerce funções de recepcionista), a sócia …, com as funções de responsável administrativa, uma trabalhadora com as funções de caixa, dois trabalhadores com as funções de recepcionista, cinco mecânicos e um trabalhador com as funções de prospector de vendas (este último admitido em 08.05.2013, sendo filho dos sócios supra referidos);
23. Todos estes postos de trabalho estavam ocupados por outros trabalhadores quando o A. se apresentou ao trabalho após 15.10.2012, excepto o de prospector de vendas, para o qual foi admitido em 08.05.2013 o já referido filho dos sócios da Ré;
24. A sócia e responsável administrativa, …, é auxiliada por uma funcionária administrativa da … Montijo, Lda., a testemunha …, o que sucede cerca de uma vez por semana;
25. Quando o estabelecimento da Ré abriu, em Julho de 2009, dispunha de três trabalhadoras com as funções de caixa e de dois recepcionistas;
26. A empregada de caixa recebe os clientes, esclarece dúvidas, factura o material comprado e recebe o preço;
27. Os recepcionistas têm como função receber o cliente, atendê-lo, ouvir as suas pretensões e abrir uma folha de obra da viatura, a qual é entregue a um mecânico que vem buscar a viatura à recepção e a leva para a oficina; atendem ainda todos os clientes que pretendam comprar equipamentos ou peças para os seus veículos automóveis, acompanhando-os à loja, elucidam o cliente, efectuam a venda e fazem a factura;
28. O mecânico analisa a situação, vê se é necessária alguma peça que não haja em stock, consulta informaticamente os fornecedores que têm para fornecer essa peça, analisa o melhor preço, comunica ao cliente e se este estiver interessado, procede à encomenda da peça, acompanha todo o processo de entrega desta, factura-a e executa a reparação;
29. A loja tem em stock diverso material para veículos automóveis ligeiros e motociclos;
30. Os recepcionistas e os mecânicos recepcionam ainda a chegada de mercadoria e movimentam-na, utilizando meios mecânicos (nomeadamente um porta-paletes) quando esta é mais pesada (em especial, algumas baterias, alguns pneus e bidões de óleo de 200 lts., os quais são rolados pelo pavimento ou transportados no porta-paletes);
31. Os recepcionistas e a empregada de caixa procedem, ainda, à limpeza da estantaria;
32. O horário de funcionamento do estabelecimento é das 09.00 às 20.00 horas, de segunda-feira a domingo, encerrando no dia de Páscoa, dia de Natal e dia de Ano Novo;
33. Todos os trabalhadores gozam 2 dias de folga por semana, a qual não pode coincidir com o sábado, dia em que o estabelecimento tem maior procura de clientes e todo o pessoal está ao serviço;
34. O A. está capacitado para fazer os trabalhos de recepcionista e de caixa, embora com limitações nas tarefas mais pesadas e que exijam destreza de ambos os membros superiores;
35. A lesão do A. é no braço esquerdo, sendo ele destro e bem musculado;
36. O A. era mecânico experimentado e conhece bem as peças dos automóveis, podendo, apesar da sua incapacidade, tratar de todo o processo de encomenda e entrega das peças pedidas pelos colegas;
37. O A. também é capaz de atender o público e fornecer e vender as peças solicitadas, cobrando o preço e emitindo as facturas, através dos meios informáticos existentes;
38. O A. é capaz de receber as viaturas para reparação, ouvir as queixas dos clientes, fazer o diagnóstico sumário da avaria e dar directivas e orientações aos colegas da oficina para verificarem e repararem as avarias;
39. O A. também é capaz de efectuar a experimentação e verificação das viaturas, após a sua reparação;
40. O A. nasceu a 14.06.1983.
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Na sentença recorrida consignou-se também não ter ficado provado o seguinte:
- que o estabelecimento do Montijo seja explorado pela Ré;
- que a Ré tenha ao seu serviço 18 trabalhadores;
- que o esteja profundamente humilhado, desgostoso e chocado com o comportamento da Ré e tenha deixado de ser pessoa alegre e jovial;
- que os comportamentos da Ré tenham causado ao A. dor e sofrimento;
- que o A. não possua habilitações literárias que lhe permitam exercer funções no escritório;
- que os travões para veículos ligeiros sejam peças pesadas e o A. não seja capaz de os transportar;
- que o A. não conseguisse, com a formação profissional adequada, desempenhar funções de recepcionista ou de caixa;
- que a Ré não dispusesse de postos de trabalho disponíveis onde pudesse ocupar o A. quando este se apresentou ao serviço após 15.10.2012, compatíveis com a sua capacidade residual.
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – cfr. arts.º 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil (C.P.C.) – são fundamentalmente duas as questões que no caso dos autos vêm suscitadas pela recorrente, sobre as quais esta Relação cumprirá pronunciar-se. São elas:
- a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido;
- a aplicação do direito a essa factualidade, designadamente no que toca à verificação dos pressupostos da caducidade do contrato de trabalho, invocada pela R..
Vejamos então deve, ou não, ser reconhecida razão à apelante, nessas duas vertentes da sua impugnação da sentença recorrida.
(…)
Em face de semelhante panorama processual, e de acordo com as disposições legais que se referiram, não temos dúvidas em concluir pela rejeição da impugnação da decisão de facto, tal como a mesma se acha deduzida, e pela manutenção dessa mesma decisão, tal como foi ela proferida pelo tribunal recorrido.
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Assente que está pois a factualidade relevante, prejudicada fica em larga medida, senão mesmo em toda a sua dimensão, a impugnação da decisão de mérito, cuja procedência assentava, exatamente, na verificação de factos que determinariam o reconhecimento da caducidade do contrato de trabalho.
A tal propósito, importa sublinhar que a caducidade é uma modalidade objetiva de cessação duma relação laboral, que opera independentemente da vontade das partes contratantes. Ao invés do que a apelante vem sustentar na conclusão 2ª da sua alegação de recurso, não se trata aqui de uma ‘faculdade’ que o art.º 343º, al. b), do Código do Trabalho (C.T.) confira à entidade empregadora, e que esta possa acionar de maneira mais ou menos discricionária. A caducidade implica sim a ocorrência de factos que, por si só, acarretem a impossibilidade de subsistência do vínculo de trabalho.
Por outro lado, há também que notar que a lei laboral confere uma especial proteção aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho, designadamente tendo em vista a sua reconversão profissional, e a sua reinserção no mercado de trabalho.
Nesse sentido, sendo um dos deveres do empregador proporcionar ao trabalhador uma adequada formação profissional (art.º 127º, nº 1, al. d), do C.T.), um dos objetivos desta será precisamente a reabilitação profissional do trabalhador com deficiência, em particular daquele cuja incapacidade resulta de acidente de trabalho (art.º 130º, al. d), do mesmo código).
Por sua vez, o art.º 155º da Lei nº 98/2009, de 4/9 (LAT) é bem claro: o empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, sofreu acidente de trabalho de que tenha resultado incapacidade, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respetivo estado (nº 1); a esse trabalhador deve ser assegurada, pelo empregador, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação ou novo emprego (nº 2).
Perante este quadro normativo, e em face duma hipótese idêntica à destes autos, podemos aqui relembrar o que referimos no Ac. desta Relação de 6/1/2009[2], aliás invocado pela própria recorrente na sua alegação, e também relatado pelo ora relator: ‘para fazer operar a caducidade da relação laboral, não bastava à R. alegar verificar-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de a A. continuar a prestar o seu trabalho, … para que havia sido contratada. Impunha-se … que tivesse alegado, e que o tivesse provado em juízo, que lhe era impossível proceder à reconversão profissional da trabalhadora, e de lhe atribuir outras funções compatíveis, designadamente por não dispor na empresa de qualquer posto de trabalho para o efeito. Como elemento fáctico constitutivo do direito a invocar a caducidade do contrato, era sem dúvida à R. que incumbia o ónus de provar essa eventualidade.’
Logo, não estando feita essa prova no caso dos autos, não pode proceder a caducidade invocada pela R. para fazer cessar o vínculo laboral que a ligava ao apelado.
Como bem se disse na sentença recorrida, ‘… da matéria provada resulta que a Ré não logrou cumprir esse desiderato probatório – tanto mais que não ficou provado que no seio da sua estrutura fosse impossível o exercício de outras tarefas compatíveis com a capacidade residual do A.. Com efeito, o Tribunal faz notar que a Ré apenas apresentou o A. a exames de medicina do trabalho em 29.10.2012 e em 03.01.2013, que o declararam apenas inapto temporariamente, não o voltando a apresentar a qualquer outro exame desta natureza, pelo que não logrou apurar que o A. estava efectivamente incapaz, de forma definitiva, para o exercício de quaisquer tarefas na sua estrutura.
Anota-se, ainda, que em 08.05.2013 (logo, já após a alta do trabalhador e o termo do prazo de 60 dias para reavaliação que havia sido solicitado no exame de medicina do trabalho de 03.01.2013), a Ré criou um novo posto de trabalho e admitiu um trabalhador para esse lugar, desprezando a disponibilidade profissional do A. e não avaliando se este era capaz, ou não, de realizar as tarefas inerentes ao novo posto de trabalho.
Ponderando, ainda, que a Ré não realizou quaisquer das acções de reabilitação e reintegração profissional do A., que lhe eram impostas pelo art. 155.º da Lei 98/2009, o Tribunal conclui não estar demonstrada a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do A. prestar o seu trabalho ou de a Ré o receber, motivo pelo qual se declarará a ilicitude do despedimento, por ausência dos pressupostos de caducidade do contrato de trabalho – art. 381.º als. b) e c) do Código do Trabalho.’
Acompanhando a lógica de raciocínio adotada na sentença recorrida, que enquanto tal não foi aliás objeto de impugnação, concluímos também não estar configurada a caducidade da relação contratual que vinculava A. e R..
Improcedem pois, e em suma, todas as conclusões da alegação da apelante.
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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Évora, 15-12-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes
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[1] (...)
[2] In www.dgsi.pt