Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6144/10.3TXLSB-R.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A ausência do libertado condicionalmente para o estrangeiro para aí trabalhar e residir, sem autorização do tribunal de execução das penas, desrespeitando os deveres que lhe haviam sido impostos na decisão que lhe concedeu a liberdade condicional de ter residência fixa em local determinado em Lisboa e de comparecer nos serviços de reinserção social, constitui violação culposa, grosseira e repetida (no sentido de duradoura) dos referidos deveres.

II - Assim sendo, nos termos dos artºs 64º, nº 1 e 56º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, deve ser-lhe revogada a liberdade condicional, sendo certo ainda que não se verificam quaisquer circunstâncias que, eventualmente, pudessem levar à conclusão de que o mesmo, ainda assim, entretanto se tinha inserido socialmente de modo satisfatório.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM O COLECTIVO DA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO

No âmbito do processo em referência, oriundo do tribunal de execução das penas de Évora, foi proferido despacho determinando a revogação da liberdade condicional anteriormente concedida a HR.

Não se tendo conformado com tal decisão, dela recorreu o mesmo, tendo terminado a motivação de recurso com a seguintes conclusões:

“I-Por douta Decisão. com conclusão de 06-09-2019. o Tribunal a quo decidiu revogar a liberdade condicional concedida ao recorrente. tendo em conta a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes - nos termos e para os efeitos do art.º 56 ex vi artº 64. ambos do CP.

Embora respeitável a douta decisão,

II-O recorrente não considera. de per si. que esse incumprimento possa acarretar automaticamente a revogação da sua liberdade condicional sem se ponderar e considerar a possibilidade de - ainda assim - subsistir um juízo de prognose favorável.

III-Face a um incumprimento culposo das condições impostas na decisão que concedeu a liberdade condicional, o Tribunal a quo tem de ponderar se a revogação constitui a única forma de conseguir as finalidades da punição. ponderação que. entende o recorrente. não foi feita pelo menos adequadamente - pelo Tribunal a quo.

IV-Constituindo a revogação da liberdade condicional e o consequente cumprimento da pena de prisão. a medida mais radical, esta opção só deve ser exercida quanto outra não conseguir tal fim.

V-O facto de se ter ausentado do território nacional sem dar conhecimento e, consequentemente, sem autorização do Tribunal, muito pouco tempo depois da sua libertação condicional, embora gravosa, não justifica a revogação da liberdade condiciona, sob pena de em vez de se salvaguardar a ressocialização, contribuir definitivamente para o percurso delituoso do Recorrente.

Em todo o caso,

VI-Na sua audição de fls. 21 dos autos. invocou os motivos da sua ida para o Reino Unido nas suas declarações:

- Por causa de estar desempregado à altura,
- Face às dificuldades de arranjar trabalho e por ter proposta de trabalho, ter decidido ir para Inglaterra onde ficou em casa de uma tia sua, posteriormente, na localidade de Oldham - conforme é do mesmo modo referido no relatório da DGRS junto aos autos

VII-O que de facto acontece, tendo trabalhado na Company Name, AR.R.C.H. com o n.º de telefone 07827---, apesar do Tribunal a quo não ter dado como provado - conforme resulta no relatório da DGRS a pág.3/4
Assim,

IX--A própria DGRS tomou conhecimento:
3. Da morada exacta onde o recluso se encontrava a residir - Palm Street. Oldham Lancashire OL4 2DX ENGLAND;

4. Do seu local de trabalho- conforme pág ¾ do referido relatório

X-Não obstante ter deixado de comparecer na DGR, o recorrente, assim que lhe foi concedida a Liberdade Condicional, a 23/06/2014, aceitou a sua tutela, onde se apresentou na competente equipa técnica por duas ocasiões, tendo sido a última ocasião em 22/08/2014 - conforme teor do artigo 4 dos factos provados da Decisão que se recorre

XI- O Tribunal a quo não teceu nenhum comentário quanto à Clausula B) da douta Sentença de 04/06/2019, de concessão da Liberdade Condicional

“Manter boa conduta e dedicar-se, com assiduidade, a uma actividade profissional honesta ou a outra actividade que legitimamente lhe for indicada pelos Serviços de Reinserção Social”

XII--O que de facto se veio a verificar, mantendo boa conduta com uma vida estável em Inglaterra, junto da sua companheira e filha (matriculada na escola), onde permaneceu 1 ano e 6 meses, dedicando-se a uma atividade profissional- conforme audição do recorrente, junto aos autos a fJs. 21.

O que,
Na sua modesta opinião, e salvo sempre o respeito por opinião contrária,

XIII--Ainda permite ponderar e a considerar que ainda é possível elaborar um juízo de prognose favorável, dado que,

Ainda que o Recorrente tinha cumprido nova pena de prisão efetiva de 2 anos e 3 meses, no âmbito do NUIPC --/124JELSB, que correu os seus termos no J2 da Instância Local Criminal de Cascais - por crime praticado em 18/01/2012 - ou seja, antes de ter sido concedida a Liberdade Condicional (a 23/06/2014) que agora foi revogada pelo Tribunal a quo

- Em 07/02/2019, o recluso cessou o regime de segurança onde permanecer cerca de 1 na, e foi transferido do EP de Monsanto para o EP de Pinheiro da Cruz, onde permanece em regime comum;

- Desde a data da transferência para o EP de Pinheiro da Cruz, não regista nenhum castigo disciplinar;

- Não consume produto estupefaciente há cerca de 2 anos e 6 meses; - conforme Sentença de indeferimento da Liberdade Condicional de 05/06/2019, proferida no Apenso K dos autos - conforme douta Sentença que aqui se junta como Doc. nº 1 e se dá por integralmente por reproduzida, para todos os legais e devidos efeitos

- Desde que saiu em Liberdade Condicional. nos termos do NUIPC ---/04.5PBOER, a 23/06/2014. não voltou a cometer nenhum crime - conforme CRC junto aos autos,

- À data em que foi ouvido - 24/05/2018,

Conta com o apoio dos pais, da companheira e da filha, com quem pretende residir assim que for restituído à liberdade - conforme o Auto das suas declarações prestadas a fls. 195 do Apenso K dos autos

Tem possibilidade de colocação laboral, a fim de desemprenhar as funções de servente na empresa Amplo e Moderno, Lda, caso seja concedida a Liberdade Condicional - conforme Declaração da respetiva entidade, junto a fls. 167 do Apenso K dos autos

Desse modo,

XIV --Não obstante o recluso,
- Não ter comunicado ao TEP a ausência da sua residência e, dessa forma, não ter a devida autorização do douto Tribunal,

- Ter deixado de comparecer às entrevistas na competente equipa técnica da DGRS, após duas presenças,

XV-Não frustrou irremediavelmente as expectativas inerentes à concessão da liberdade condicional e que assentam na convicção de que o libertado está em condições de não voltar a delinquir

XVI--O recorrente, no decurso da Liberdade Condicional fez o seu caminho, esteve reintegrado socialmente em Inglaterra, com a sua companheira e filha, onde trabalhava e sustendando-se.

XVII--Após a sua saída do EP de Pinheiro da Cruz, em 18/08/2019, o recorrente,
- Vive com a sua companheira e filha, na ….,Monte da Caparica, e

- Trabalha como técnico de som e de iluminação desde Setembro do presente ano - conforme declaração devidamente devidamente autenticada - que aqui se junta como Doc. nº 2

IX-Pelo que a revogação da liberdade condicional seria, neste momento da sua vida, completamente despropositada e traduzir-se-ia numa violência com graves consequências para o Recorrente, a todos os níveis, nomeadamente psicológicos.
Em todo o caso

XX--Não se depreende que o recorrente tenha infringido, de forma grosseira e repetida, as condições impostas, até pelo facto de,

- A DGRS foi informada da mudança de residência do recluso e, de igual modo, do seu local de trabalho (tendo sido comunicada a sua nova morada e o contacto e local de trabalho - conforme suas declarações e relatório da DGRS

XXI-Nem voltou a cometer nenhum crime desde que saiu em Liberdade Condicional a 23/06/2014, pois o último crime data de 18/01/2012, nos termos do NUIPC --/12.4JELSB, que correu os seus termos no J2 do Tribunal de Instância Criminal de Cascais- conforme CRC que aqui se junta como Doc. nº. 3

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E POR VIA DELE, SER REVOGADO A DOUTA DECISÃO COM CONCLUSÃO DE 06-09-2019 E, CONSEQUENTEMENTE NÃO SER REVOGADO A LIBERDADE CONDICIONAL CONCEDIDA AO RECORRENTE,. com introdução de exigências acrescidas no plano de reinserção - nos termos e para os efeitos da al c) do artº 55, ex vi artº 64, ambos do CP”

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A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a sua resposta com as seguintes conclusões:

1 - HR beneficiou da concessão de liberdade condicional (obrigatória), tendo sido libertado em 23-6-2014 aos 5/6 do somatório das penas que lhe foram impostas, encontrando-se então em execução a pena de 8 anos e 9 meses de prisão aplicada no processo no ---/04.5PBOER, pela prática de sete crimes de roubo (dois deles qualificados), um crime de coacção na forma tentada, um crime de furto de uso de veículo e de um crime de detenção de arma proibida.

2 - No decurso do período da liberdade condicional, e após duas comparências nos serviços da DGRSP, a última das quais ocorrida em 22-8-2014, o condenado alterou a morada que lhe foi fixada sem a necessária autorização do TEP e colocou-se intencionalmente em situação de paradeiro desconhecido e incontactável, assim inviabilizando culposamente o acompanhamento da liberdade condicional.

3 - Violou, pois, de forma manifesta e culposa as obrigações/regras de conduta que condicionavam a sua libertação antecipada, revelando desta maneira que as finalidades que estavam na base da sua concessão, em particular as exigências de prevenção especial não foram por meio dela alcançadas.

4 - Consequentemente, bem andou o Tribunal "a quo" ao ordenar a revogação da liberdade condicional, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.

Nesta conformidade e sem necessidade de maiores considerações, deverão V.ªs Ex.ªs negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, assim sendo feita justiça.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se nos fundamentos alegados na resposta apresentada na 1ª instância.

Foi cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P..
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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar nos presentes autos é a de se saber se estão, ou não, reunidos os requisitos necessários para ser decretada a revogação da liberdade condicional.

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A decisão recorrida é do seguinte teor (na parte que nos interessa):

“Da documentação junta aos autos (designadamente certidão de fls. 2 e seguintes e declarações do recluso a Fls. 21) e ainda do teor da informação de fls. 204/205 do Apenso K, resultam provados os seguintes factos com relevância para a causa:

1 - Na sentença que o colocou em liberdade condicional, e para vigorarem durante o período da mesma, foram impostas a HR, entre outras, as obrigações de: a) Fixar residência no Bairro do Armador…., Marvila, Lisboa, morada que não poderia alterar nem dela se ausentar por período superior a 5 dias sem prévia autorização do Tribunal de Execução de Penas; b) Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social competentes, apresentando-se aos técnicos que o iriam acompanhar sempre que convocado, prestando informação solicitada e seguindo orientações transmitidas;

2 - O período de liberdade condicional decorria desde 23/6/2014 (data da libertação do condenado, coincidente com os 5/6 da pena que cumpria), até 8/3/2016;

3 - O condenado cumpria a pena de 8 anos e 9 meses de prisão pela prática dos crimes de roubo (7, dois deles qualificados), coacção na forma tentada, furto de uso de veículo e detenção de arma proibida, conforme decisão proferida no Proc. ---/04.5PBOER da Secção Criminal (Juiz 22) da Instância Central de Lisboa;

4 - Após libertação condicional, o condenado apenas se apresentou junto da equipa dos serviços de reinserção social competente nos dias 31/7/2014 e 22/8/2014, tendo-se ausentado para Inglaterra (Palm Street, Oldham, Lancanshire OL4 2 DX) em Setembro desse ano, para aí trabalhar, local onde passou a viver, sem cuidar de requerer previamente junto do Tribunal de Execução das Penas a alteração de morada;

5 - Também desde então não voltou a contactar os serviços de reinserção social, que souberam da deslocação do condenado para Inglaterra através de contacto telefónico estabelecido com a sua namorada;

6 - O condenado não podia deixar de saber que se encontrava em curso a liberdade condicional concedida e que com o seu comportamento estava a colocar em crise tal liberdade.
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Não está provado que pela equipa de acompanhamento dos serviços de reinserção social tenha sido informado ao condenado que este se poderia ausentar para Inglaterra, bastando que indicasse a morada que ali iria ter, informação que depois seria remetida ao tribunal.
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A factualidade não provada resulta de total ausência de prova nesse sentido, pois que, apesar de o alegar, o condenado não apresentou qualquer meio de prova que o comprovasse.

Acresce que tal versão resulta mesmo contraditada face ao teor do relatório dos serviços de reinserção social junto, de onde se extrai claramente que a deslocação do condenado para Inglaterra surge com surpresa no acompanhamento que se fazia.

X
Isto posto, verificamos que, se logo de início o condenado ainda cumpriu com o que lhe fora imposto, meses depois deixou de o fazer, ausentando-se da morada que lhe havia sido fixada sem qualquer autorização por parte do tribunal, passando a fazer a sua vida conforme a sua vontade, como se em plena liberdade se encontrasse, desprezando o determinado pelo Tribunal de Execução das Penas, e que se mostrava de relevância fundamental no processo da sua reinserção social.

Demonstrou, com esta sua atitude, vontade de se furtar à acção da justiça e ao controlo por parte do tribunal pois que, bem sabendo da pendência dos presentes autos, nunca mais se preocupou com a sua situação.

O condenado revelou, assim, que as finalidades de prevenção, sobretudo especial, que estiveram na base da concessão da liberdade condicional se não verificaram em concreto, não tendo evidenciado qualquer vontade em colaborar com as instituições incumbidas de o apoiar e supervisionar no seu processo de reintegração, desvinculando-se perante a justiça e desinteressando-se da sua situação no âmbito dos presentes autos.

Ainda que seja certo o que refere - que se manteve a trabalhar em Inglaterra, país onde se reinseriu - tal nunca justificaria a sua atitude, pois que corria a execução de uma pena de prisão em regime de liberdade condicional, do que o condenado estava ciente, do que se desresponsabilizou pouco depois de ter saído da prisão.

A sua ausência para outro país, não autorizada [sendo certo que sequer o condenado coloca a hipótese de o Tribunal de Execução das Penas não lhe autorizar essa mesma alteração de morada], inviabilizou totalmente o controlo e acompanhamento impostos e necessários para efeitos de cumprimento da pena em liberdade condicional, e que também eram pressuposto desta.

Compreender de outra forma o sucedido seria destituir de conteúdo grande parte do que a liberdade condicional concedida significada, o que se não concebe.

Do sucedido se retira, pois, que HR não foi merecedor da liberdade condicional concedida, impondo-se, a nosso ver, a sua revogação, atitude esta reclamada pela finalidade última da execução da pena de prisão, ou seja, a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes (cfr. artºs 43 e 56, este ex vi artº 64, todos do Código Penal).

DECISÃO
Pelo exposto, revogo a liberdade condicional concedida a HR e, consequentemente, determino a execução da pena de prisão na parte não cumprida, imposta no Proc. ---/04.5PBOER da Secção Criminal (Juiz 22) da Instância Central de Lisboa.”
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Resulta do que dispõe o artº 64º, nº 1, do Cód. Penal que é aplicável à liberdade condicional o disposto no nº 1 do artº 56º do mesmo Código, o que significa que as razões que podem levar à revogação da liberdade condicional são as mesmas das que podem levar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Temos, portanto, que, nos termos das indicadas disposições legais, a liberdade condicional é revogada (na parte que agora nos interessa) se o anteriormente libertado condicionalmente, infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos na decisão que concedeu a liberdade condicional.

Trata-se, pois, no caso em apreço de analisar se o recorrente infringiu grosseira ou (ou e não e, conforme se refere na conclusão XX da motivação do recurso) repetidamente os deveres ou regras que lhe foram impostos.

Antes disso, importa referir que embora de forma algo confusa e “tímida” o recorrente parece por em causa a matéria considerada provada pelo tribunal, designadamente no que diz respeito à informação que terá sido dada pelo recorrente quanto à sua nova morada em Inglaterra, aludindo mesmo à al. c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., nos pontos 10 e 15 do corpo da motivação, embora nas conclusões (e são estas que delimitam o conhecimento por parte deste tribunal) nenhuma alusão faça a essa questão.

Sendo, porém, o invocado vício de erro notório na apreciação da prova de conhecimento oficioso, sempre se dirá que não se vislumbra a sua verificação no caso concreto.

Para que tal acontecesse era necessário que resultasse da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que o tribunal recorrido de forma grosseira, evidente, para um cidadão comum, deu como provado/não provado determinado facto em clara oposição com a prova produzida.

No dizer do Ac. do S.T.J. de 9/7/98 “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro dado facto positivo ou negativo.”

Ora, nada disto ocorre no caso em apreço: a tribunal recorrido explicitou bem porque razão deu como provado que o recorrente se ausentou para Inglaterra sem ter dado conhecimento prévio de tal ausência e porque deu como não provado que o recorrente tenha sido informado pelos serviços de reinserção social de que se poderia ausentar para o estrangeiro, desde que indicasse a morada.

Não há, pois, qualquer discrepância, evidente, ou não, entre a prova produzida e o que se considerou provado e não provado, pelo que inexiste erro notório na apreciação da prova.

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Posto isto, vejamos a questão de fundo:

Abstendo-nos de repetir aqui na íntegra a matéria de facto relevante que o tribunal recorrido considerou verificada, há que reter apenas o seguinte:

- o recorrente foi colocado em liberdade condicional em 23/6/14, por ter cumprido 5/6 da pena de 8 anos e 9 meses de prisão;
- a liberdade condicional terminaria em 8/3/2016;
- o recorrente ficou com a obrigação de i) fixar residência em local determinado em Lisboa e ii) ser seguido pelos serviços de reinserção social, apresentando-se aos técnicos sempre que para tal convocado;
- o recorrente apenas se apresentou nos serviços de reinserção social em 31/7/2014 e 22/8/2014;
- em Setembro de 2014 o recorrente ausentou-se para Inglaterra para aí trabalhar, local onde passou a viver, sem cuidar de requerer previamente junto do Tribunal de Execução das Penas a alteração de morada.

Ora, resulta do exposto, que o recorrente se desinteressou completamente da situação condicional em que se encontrava.

É tão simples como isto: cerca de 3 meses depois de ter sido colocado em liberdade condicional, ausentou-se para o estrangeiro, sem autorização de quem quer que fosse, sem ter dado conhecimento a quem quer que fosse, enfim, desprezando completamente as obrigações a que estava sujeito.

E mais: o arguido só regressou a Portugal porque, conforme resulta dos autos, foi detido no âmbito de um mandado de detenção europeu (cfr. fls. 17) a fim de cumprir uma pena de prisão de 2 anos e 3 meses relativamente a um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, no âmbito do procº ---/12.4JELSB (factos praticados anteriormente à concessão da liberdade condicional).

No âmbito desse mesmo processo, por decisão proferida em 5/6/2019 foi-lhe negada a liberdade condicional, conforme decisão de fls. 43 e segs, no âmbito da qual se considerou verificado, entre o mais, que enquanto esteve no estabelecimento prisional de Monsanto, o recorrente sofreu 8 punições disciplinares.

Sem se pôr em causa que o recorrente possa ter trabalhado em Inglaterra (pese embora tal circunstância não se tenha considerado provada – repare-se que quando foi ouvido a fls. 22 o arguido não apresentou qualquer tipo de prova do que aí alegou), o que é certo é que desde 18/5/17 a 18/8/19, o recorrente esteve em cumprimento de outra pena.

Não ocorreram pois, quaisquer circunstâncias que, eventualmente, pudessem levar à conclusão de que pese embora o total desrespeito do determinado na decisão que lhe concedeu a liberdade condicional, o recorrente reinseriu-se socialmente.

Ocorreu, assim, infracção culposa (intencionalmente provocada pelo recorrente), grosseira (desde logo porque, entre o mais, a ausência foi para o estrangeiro) e repetida (no sentido de duradoura) dos deveres que foram impostos ao recorrente (neste mesmo sentido: Ac. da Rel. de Lisboa de 3/7/96 - www.dgsi.pt - pelo que bem andou a decisão recorrida ao determinar a revogação da liberdade condicional.
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Em conclusão:

I - A ausência do libertado condicionalmente para o estrangeiro para aí trabalhar e residir, sem autorização do tribunal de execução das penas, desrespeitando os deveres que lhe haviam sido impostos na decisão que lhe concedeu a liberdade condicional de ter residência fixa em local determinado em Lisboa e de comparecer nos serviços de reinserção social, constitui violação culposa, grosseira e repetida (no sentido de duradoura) dos referidos deveres.

II - Assim sendo, nos termos dos artºs 64º, nº 1 e 56º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, deve ser-lhe revogada a liberdade condicional, sendo certo ainda que não se verificam quaisquer circunstâncias que, eventualmente, pudessem levar à conclusão de que o mesmo, ainda assim, entretanto se tinha inserido socialmente de modo satisfatório.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente, confirmando, assim, a decisão recorrida que determinou a revogação da liberdade condicional concedida ao recorrente.

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Atento o seu decaimento, deverá o recorrente suportar 4 UCs de taxa de justiça (cfr. artº 513º, nº 1, do C.P.P. e 8º, nº 9 e tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).

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Évora, 07 de Janeiro de 2020

Nuno Maria Garcia
António Manuel Charneca Condesso