Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1928/19.0T8STR-B.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
PENHORA
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, ou não se pronuncie sobre questões que a lei lhe imponha o conhecimento.
II – Não existindo nenhuma norma no CIRE relativa ao vício em que a falta de notificação prevista no artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, se possa traduzir, terá de se recorrer ao disposto sobre tais matérias no Código de Processo Civil.
III – Não se tratando de uma nulidade de conhecimento oficioso, incumbia à parte invocá-la, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil, junto do tribunal onde a mesma foi praticada.
IV – Independentemente de todos os credores poderem ser notificados da lista de créditos elaborada pelo Administrador da Insolvência, o n.º 4 do artigo 129.º do CIRE apenas estabelece tal obrigatoriedade de notificação para os credores que façam parte das três situações aí discriminadas.
V - Nos processos de insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CIRE, o beneficiário da penhora perde o seu direito de preferência relativamente aos credores com garantia real posterior, possuindo apenas regime privilegiado relativamente às custas entretanto pagas, as quais constituem dívidas da massa insolvente, sendo, por isso, pagas nos termos do artigo 172.º, n.º 1, do CIRE.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1928/19.0T8STR-B.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
I - Relatório
No tribunal judicial da comarca de Santarém, nos autos de insolvência de pessoa coletiva n.º 1928/19.0T8STR, a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” veio, nos termos do art. 20.º, n.º 1, als. b) e e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) requerer a declaração de insolvência de “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.”.
Efetuada a regular tramitação, foi proferida sentença, em 30-09-2019, já transitada em julgado, onde foi declarada a insolvência de “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.”.
Em 31-10-2019, a sociedade “(…), Lda.”, na qualidade de credora da insolvente, juntou procuração forense aos autos de insolvência, a favor do Dr. (…), e requereu a consulta aos autos.
Em 04-11-2019, foi concedido ao mandatário da sociedade “(…), Lda.” acesso eletrónico aos autos pelo período de 10 dias.
Em 05-11-2019, a sociedade “(…), Lda.” veio apresentar reclamação de créditos contra a insolvente “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.” no montante de € 132.330,00, acrescido de juros à taxa legal, contados desde 15-02-2015 e até à presente data, no valor de € 24.928,80, e de juros vincendos até integral e efetivo pagamento; e ainda da quantia de € 1.045,78 já suportados pela Reclamante enquanto exequente nos autos de execução n.º 1700/17.1T8ENT, que correu termos no Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 2.
Para o efeito alegou que se encontra penhorada a seu favor a fração autónoma designada pelas letras “AA”, destinada à habitação, do tipo T2, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no Edifício (…), Lote 10, Zona 2 – Vilamoura, freguesia da Quarteira, Concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), registada a aquisição a favor da insolvente pela Ap. (…), de 2014/12/15; sendo a penhora efetuada a seu favor anterior ao registo de quaisquer outros ónus ou encargos que atualmente incidam sobre tal imóvel, pelo que os atos da insolvente, de oneração do imóvel anteriormente penhorado, são, em relação a si, ineficazes, nos termos do art. 819.º do Código Civil.
Alegou ainda que o seu crédito, ora reclamado, deverá obedecer ao estabelecido no art. 140.º do CIRE, incluindo-se nesse crédito o valor das custas e demais despesas processuais pagas pelo Reclamante, enquanto exequente no aludido processo executivo, tudo a ser pago pela massa insolvente.
Concluiu, por fim, que o crédito reclamado, sendo comum, nos termos do art. 47.º, n.º 4, al. c), do CIRE, deverá ser graduado a par dos demais créditos comuns, onde se inclui o crédito da requerente da insolvência, a “Caixa Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL”, uma vez que a hipoteca constituída a favor dessa instituição, em data posterior à penhora, é tida como inexistente, sendo que, apesar da reclamante ficar em situação de igualdade com os demais credores comuns, que não suportaram as custas de uma execução, tem esta credora direito a ser paga das custas despendidas com anterioridade a qualquer crédito, nos termos do artigo 172.º do CIRE.
Juntou aos autos a sentença proferida em 14-02-2017, pela Instrução Central de Santarém, Seção Cível, J4, da Comarca de Santarém, de onde emerge o crédito da insolvente à credora “(…), Lda.”, no montante de € 132.330,84, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento; documento comprovativo das despesas no processo executivo n.º 1700/17.1T8ENT, no montante de € 1.045,78; e requerimento de execução de decisão condenatória interposto pela exequente “(…), Lda.” contra a executada “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.”, em 27-03-2017, no montante de € 132.330,84 a título de capital e de € 6.600,00 a título de juros vencidos.
Em 29-11-2019, o Administrador da Insolvência apresentou o relatório previsto no art. 155.º do CIRE, tendo anexado ao relatório a lista provisória de créditos nos termos do art. 154.º do mesmo Diploma Legal. Em tal lista, o crédito reclamado da sociedade “(…), Lda.”, no montante de € 158.304,58 (€ 132.330,00 + € 24.928,80 + € 1.045,78), constava como comum e o crédito da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, no montante de € 419.673,98 (€ 350.000,00 + € 10.528,77 + € 59.145,21), constava como garantido.
Este relatório e respetivo anexo não foi notificado pelo Administrador da Insolvência à sociedade “(…), Lda.”, mas foi notificado aos credores “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, Estado e Segurança Social, conforme documento de notificação apresentado pelo Administrador da Insolvência em 03-12-2019.
Em 04-12-2019, a credora “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” veio votar favoravelmente o relatório apresentado.
Em 10-12-2019, o Ministério Público, em representação da Administração Tributária, veio manifestar a sua não oposição às propostas formuladas no relatório apresentado.
Em 16-01-2020, foi proferido despacho judicial, onde se fez constar ter-se tido conhecimento do relatório elaborado pelo Administrador de Insolvência nos termos do art. 155.º do CIRE; se dispensou a realização da assembleia de credores; se consignou o encerramento da atividade do estabelecimento da insolvente; e se determinou o prosseguimento dos autos para liquidação.
Em 17-01-2020, tal despacho foi enviado para notificação à reclamante sociedade “(…), Lda.”.
Em 28-01-2020, o Administrador da Insolvência apresentou requerimento, dando início ao processo de reclamação de créditos, onde juntou a lista de credores reconhecidos nos termos do art. 129.º, nºs. 1 e 2, do CIRE; a lista de moradas dos credores e mandatários; e o comprovativo do envio da lista definitiva de créditos aos credores reclamantes e à sociedade insolvente. Fez ainda consignar que “não existem créditos não reconhecidos, nem créditos reconhecidos nos termos do art. 129.º, n.º 4, do CIRE, pelo que, não se procedeu à elaboração da lista nos termos do n.º 3 do art. 129.º do mesmo diploma”.
Na lista definitiva de créditos, o crédito reclamado da sociedade “(…), Lda.”, no montante global de € 158.304,58 (€ 132.330,00 + € 24.928,80 + € 1.045,78), constava como comum e o crédito da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, no montante de € 419.673,98 (€ 350.000,00 + € 10.528,77 + € 59.145,21), constava como garantido.
Conforme documento 3 junto, a lista definitiva de créditos não foi notificada pelo Administrador da Insolvência à sociedade “(…), Lda.”, mas foi notificada aos credores “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, Estado e Segurança Social.
Em 18-05-2020, a sociedade “(…), Lda.” veio juntar aos autos de reclamação de créditos procuração a favor do Dr. (…).
Em 12-07-2020, nestes autos, foi proferida sentença de graduação de créditos, com o seguinte dispositivo:
Nos termos e pelos fundamentos expostos:
A) Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
B) Graduo os créditos verificados na presente sentença nos seguintes termos:
I – para serem pagos pelo produto da venda do bem imóvel apreendido:
1. Em primeiro lugar, o crédito privilegiado do Estado referente ao IMI e AIMI.
2. Em segundo lugar, os créditos garantidos por hipoteca.
3. Em terceiro lugar, os créditos privilegiados do Estado referentes IRC.
4. Em quarto lugar, os créditos comuns.
*
Nos termos do disposto nos artigos 303.º do CIRE, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Em 13-07-2020 foi enviada notificação à credora “(…), Lda.” desta sentença.
Não se conformando com a sentença proferida, em 28-07-2020, a credora “(…), Lda.” recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª- Às nulidades verificadas no processo de insolvência são supletivamente aplicáveis as regras do Código de Processo Civil (vide art. º 17.º do CIRE).
2.ª- Razão pela qual, o facto do AI não ter notificado a Recorrente nos termos do art.º 129º, n.º 4, do CIRE, apesar de ter relacionado o crédito que pela mesma foi reclamado, configura uma concreta violação da lei, logo, uma nulidade processual nos termos do art.º 195. º do CPC, pela violação da formalidade prescrita pelo disposto no art.º 129º, n.º 4, do CIRE.
3.ª- Daí que, a Sentença recorrida, é proferida num contexto de erro, pois o Julgador é informado pelo A. I. que a Lista Definitiva de créditos fora comunicada aos credores reclamantes (sem excepção), quando o não foi na verdade.
4.ª- Impunha-se ao Julgador verificar a falta de notificação de todos os credores e ordenar o cumprimento da formalidade da notificação quanto a este credor em falta, antes de proferir a Sentença de que se recorre, nos termos em que o fez.
5.ª- Porque assim não decidiu, ocorre omissão de pronuncia sobre uma questão que podia e devia conhecer, donde resulta, por um lado, erro de julgamento, por erro nos pressupostos da questão a decidir (regularidade das formalidades) e, por outro lado, a nulidade da sentença por se verificar a preexistência de nulidade insuprível (omissão de formalidade legalmente prevista), que importa na anulação de todo o processado subsequente, tudo em conformidade ao disposto pelo art.º 129º, n.º 4, do CIRE, art.º 195º e 615º , n.º 1, al. d), do CPC.
6.ª- Pelo que deverá ser revogada o douta Sentença aqui objecto de recurso e declarada a nulidade de todo o processado subsequente à junção da relação definitiva de credores pelo A. I., determinando-se a notificação da credora Recorrente nos termos do art.º 129º, n.º 4, do CIRE.
7.ª- Se assim se não entender, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, deverão colher os argumentos que a Recorrente aqui trouxe à colação no que tange à categoria dos créditos reclamados.
8.ª- Ora, o Sr. Administrador e a Meritíssima Juíza a quo na Sentença proferida, ignoraram por completo a analise temporal, emergente do registo predial, quanto ao momento da constituição da hipoteca sobre a fracção apreendida para a massa insolvente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, graduado em primeiro lugar, como credor garantido, com base numa Hipoteca Voluntária (registada sobre o imóvel propriedade da Insolvente, pela Ap. (…) de 2015/10/09), com montante máximo assegurado de € 464.100,00.
9.ª- A Fracção autónoma designada pelas letras “AA”, descrita na Conservatória do registo Predial de Loulé sob o n.º (…), foi penhorada a favor do Recorrente e registada pela AP. (…) de 2017/04/28 que retroage os seus efeitos à data do registo de Providencia Cautelar de Arresto, promovido pela aqui Recorrente – datada de 06/10/2015 (AP. …).
10.ª- A Hipoteca da fração autónoma, a favor do credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL foi apenas em 09/10/2015, data esta posterior ao registo do Arresto a favor da Recorrente (datado de 06/10/2015)
11.ª- A Insolvente, encontra-se já em 09/10/2015 numa situação em que não podia dispor livremente da sua fracção autónoma, nomeadamente onerando-a com penhora, por força do registo de Arresto que sobre a fracção já impendia.
12.ª- Os actos do devedor, aqui insolvente, de disposição ou oneração do bem penhorado, são ineficazes art.º 819º do CC.e como tal inoponivel em relação aos demais credores, nomeadamente, o credor beneficiário de registo de penhora anterior que impedia a constituição de hipoteca.
13.ª- Assim, se o crédito da recorrente é apenas um crédito comum, também o é o crédito da Caixa Agrícola por não poder beneficiar da hipoteca nos moldes em que foi constituída, por ser inoponivel pelo menos a quem beneficiava da penhora anterior e, como tal, deverá ser graduado, a par dos demais créditos comuns.
14.ª- Deste modo, a graduação de créditos, onde se inclui o valor reclamado pela credora Recorrente (…), Lda., deverá obedecer ao estabelecido no Artigo 140º do CIRE, incluindo-se no crédito do Reclamante o valor das custas e demais despesas processuais pagas pelo Reclamante, enquanto exequente que foi no processo 1700/17.1T8ENT, valor esse a ser pago pela massa insolvente, sendo a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, graduada de igual forma como credor comum.
PELO EXPOSTO, Deve sentença recorrida seja revogada, com a nulidade de todo o processado subsequente à junção da relação definitiva dos credores e se assim se não entender, dever-se-á substituir por douto Acórdão que gradue os créditos nos termos constantes das conclusões formuladas
Assim se fazendo JUSTIÇA!
O Ministério Público apresentou contra-alegações, onde pugnou pela procedência do recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida enferma de vício (nulidade do artº 195ºdo CPC) uma vez que enquanto credor a recorrente não foi notificada pelo Sr. Administrador da Insolvência do teor da lista definitiva de credores conforme impõe o artº 129º, nº 4, do CIRE e por isso ficou impossibilitado de, oportunamente, ter impugnado a referida lista de credores.
2. A douta sentença aqui objecto de recurso deve ser revogada e declarada a nulidade de todo o processado subsequente à junção da lista definitiva de credores pelo A. I., determinando-se a notificação da credora, ora recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 129º, n.º 4, do CIRE.
3. E porque também objecto deste recurso a sentença de verificação e graduação de créditos proferida deve considerar a penhora do imóvel da insolvente registada a favor da aqui recorrente pela AP. 2858 de 2017/04/28 que retroage os seus efeitos à data do registo da Providência Cautelar de Arresto, promovido pela aqui recorrente – datada de 06/10/2015 (AP. …).
4. Nestes termos deve a sentença recorrida ser revogada, com a nulidade de todo o processado subsequente à junção da lista definitiva dos credores e se assim se não entender, dever-se-á substituir por douto Acórdão que gradue os créditos da recorrente em conformidade com a lei designadamente ao estabelecido no artº 140º do CIRE.
Assim decidindo estou certo, de que Vªs Exªs farão, JUSTIÇA!
A credora “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.” apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões:
I- Não enferma a sentença de verificação e graduação de créditos de qualquer nulidade ou vicio;
II- Ao contrário do alegado pelo ora recorrente não cometeu o Administrador Judicial nenhum erro técnico que resultasse num vicio da sentença.
III- Alega o ora recorrente que o AI não procedeu à notificação nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 129.º do CIRE.
IV- Contudo, dispõs o n.º 4 do art.º 129.º do CIRE que apenas deverá o AI notificar: “ Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos se que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por cata registada ou por um dos meios previstos nos n.º 2 e 3 do art.º 128.º e tratando-se de credores conhecidos que tenham a sua residência habitual, o domicilio ou a sede estatutária num Estado-Membro diferente daquele em que foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-Membros (…).”
V- O ora recorrente reclamou o seu crédito tendo-o qualificado como comum, atenta a sua natureza;
VI- O Administrador de Insolvência reconheceu o seu crédito como comum.
VII- Ou seja, o crédito reclamado foi reconhecido nos exactos termos em que foi reclamado;
VIII- Tendo sido reconhecido na íntegra o valor reclamado;
IX- Desta forma, o AI cumpriu a letra da lei e, correctamente, não procedeu porque não tinha de o fazer à notificação do credor reclamante.
X- Parece inequívoco que não competia ao AI proceder a qualquer notificação ao credor ora recorrente uma vez que a lei é clara quanto aos requisitos em que se impõe a notificação dos credores.
XI- Da letra da lei é claro e evidente que a notificação ao credor só deveria ser efectuada no caso de o crédito ser reconhecido em termos diversos dos apresentados na reclamação de créditos. Não tendo sido esse o caso.
XII- O regime fixado no n.º 4 do art.º 129.º do CIRE visa a tutela dos credores não reconhecidos e daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem terem sido reclamados ou reconhecidos em termos diferentes do teor da reclamação. Não é o caso.
XIII- Por isso mesmo essa “protecção” não deveria nem poderia ser dada ao recorrente.
XIV- Ademais, o credor reclamante tinha mandatário constituído nos autos quando foi junta aos autos a lista de créditos pelo que poderia electrónicamente proceder à sua consulta e, caso assim entendesse, invocar a nulidade.
XV- Por razões de economia processual e também para evitar a prejudicialidade processual deveria tê-lo feito.
XVI- Por conseguinte, na sequência da correcta aplicação da lei por parte do AI, a sentença de verificação e graduação de créditos não enferma de nenhum vicio ou nulidade.
XVII- Não se cumprido nenhum pressuposto que implique a sua nulidade.
XVIII- Foram cumpridos todos os requisitos formais necessários tendo o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação da lei.
XIX- Alega, ainda, o recorrente que a sociedade insolvente, quando de forma voluntária hipotecou a fracção autónoma à CCAM de (…) não o poderia fazer.
XX- Isto porque sobre o imóvel estava registado um arresto a favor.
XXI- Acontece, porém, que o registo de arresto não significa que o legitimo proprietário do imóvel fique desapossado dos seus direitos de propriedade.
XXII- Os quais se mantêm na sua plenitude.
XXIII- Assim, legitimamente, a sociedade insolvente, em 2015 hipotecou a favor da CCAM de (…) a fração autónoma que consta dos autos.
XXIV- Ao contrário do alegado pelo recorrente o registo de arresto não torna inoponível e ineficazes constituição de hipoteca.
XXV- Apesar de ter sido registado um arresto sobre o imóvel em questão tal facto não veda ao seu proprietário qualquer direito de propriedade sobre o mesmo.
XXVI- Por isso mesmo constituiu hipoteca voluntária a favor da CCAM de (…), CRL.
XXVII- Razão pela qual o crédito desta credora terá se ser garantido. Como aliás foi reconhecido pelo Administrador Judicial.
XXVIII- Ao contrário do alegado pelo ora recorrente não padece de nenhuma nulidade.
XXIX- Não existe nulidade por violação do disposto no n.º 4 do art.º 129.º do CIRE,
XXX- Os atos do insolvente de disposição dos seus bens imóveis, nomeadamente a fração dada de hipoteca, são plenamente válidos e oponíveis a terceiros.
XXXI- Tendo, consequentemente, o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação do direito ao ter proferido a sentença de graduação de créditos nos moldes em que a mesmo foi proferida;
XXXII- Fazendo uma correcta aplicação do Direito.
NESTES TERMOS E NOS DO SEMPRE DOUTO SUPRIMENTO, DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO MANTENDO ESSA DECISÃO.
E ASSIM SE FARÁ A TÃO COSTUMADA…… JUSTIÇA!
Em 24-11-2020, foi junto aos autos certidão da Conservatória do Registo Predial de Loulé, na qual consta, com relevância para o processo, relativamente ao imóvel Duplex n.º 6, acesso pela porta D, destinado a habitação, tipo T2, inscrito na freguesia da Quarteira com o n.º …/20001103 - AA, as seguintes inscrições:
1) Em 06-10-2015 foi registado o procedimento cautelar de arresto a favor da “(…), Lda.”, tendo como sujeito passivo “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.”, para garantia do pagamento da quantia de € 132.330,84, acrescida de juros vencidos e vincendos, conforme AP. (…), de 06-10-2015;
2) Em 09-10-2015 foi registada hipoteca voluntária a favor da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, tendo como sujeito passivo “(…) – Investimentos Imobiliários, Lda.”, no montante de € 300.000,00 de capital, fixando-se como montante máximo a quantia de € 464.100,00, conforme AP. (…), de 09-10-2015;
3) Em 28-04-2017, o arresto identificado em 1) foi convertido em penhora, conforme AP (…), de 28-04-2017.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Pronunciou-se ainda o tribunal de 1.ª instância sobre a nulidade de omissão de pronúncia invocada nas alegações de recurso, pugnando pelo seu indeferimento.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos e dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; e
2) Alteração da graduação dos créditos.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do presente relatório.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se a sentença recorrida (i) é nula; e (ii) fez uma incorreta graduação dos créditos.
1 – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
No entender da Apelante, o AI, ao não a ter notificado nos termos do art. 129.º, n.º 4, do CIRE, apesar de ter relacionado o crédito por si reclamado, praticou uma nulidade processual, nos termos dos arts. 17.º do CIRE e 195.º do Código de Processo Civil, competindo ao juiz da 1.ª instância proceder à verificação da falta de notificação de todos os credores e ordenar o cumprimento da formalidade da notificação quanto ao credor em falta, antes de proferir sentença, e, ao não atuar desse modo, incorreu em omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, visto não se ter pronunciado sobre uma questão que podia e devia conhecer, implicando tal omissão a nulidade da sentença, por se verificar a preexistência de uma nulidade insuprível, que implica a anulação de todo o processado subsequente.
Concluiu, assim, que deve ser declarada a nulidade de todo o processado subsequente à junção da relação definitiva de credores pelo A.I., determinando-se a notificação da credora Recorrente, nos termos do art. 129.º, n.º 4, do CIRE.
Relativamente à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a juíza da 1.ª instância pronunciou-se no sentido da sua improcedência, invocando, em síntese, que a Apelante confunde nulidade de sentença com nulidade do processo, sendo esta última aquela que pretende invocar, e, relativamente à qual, também não lhe assiste razão, uma vez que o seu crédito foi reconhecido nos exatos termos em que foi reclamado, pelo que inexistia a obrigação de ser notificada nos termos do art. 129.º, n.º 4, do CIRE.
Invocou ainda que, mesmo a ter existido nulidade do processo, a mesma sempre se encontraria sanada aquando da sua invocação, nos termos do art. 199.º do Código de Processo Civil, em virtude de em momento anterior a Apelante ter juntado aos autos procuração
Apreciemos.
Dispõe o art. 17.º, n.º 1, do CIRE, que:
1 - Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.

Dispõe também o art. 129.º, n.º 4, do CIRE, que:
4 - Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 128.º e tratando-se de credores conhecidos que tenham a residência habitual, o domicílio ou a sede estatutária num Estado-membro diferente daquele em foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-membros, o aviso é efetuado, ainda, em conformidade com o artigo 54.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.

Estipula, por sua vez, o art. 195.º do Código de Processo Civil que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.

Estabelece, de igual modo, o art. 196.º do Código de Processo Civil que:
Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.

Consagra ainda o art. 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Determina, por fim, o art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Esta nulidade mostra-se profundamente interligada com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Resulta, assim, das citadas disposições legais que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, ou não se pronuncie sobre questões que a lei lhe imponha o conhecimento.
Porém, não se deve confundir questão com consideração, argumento ou razão, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com exceção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis[2]:
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Cita-se, pela relevância na matéria, o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

No caso em apreço, a Apelante reconhece não ter solicitado a questão, cuja omissão invoca, à apreciação do tribunal da 1.ª instância, entendendo que existiu omissão de pronúncia na sentença sob recurso, por tal questão se reportar a matéria que era do conhecimento oficioso do tribunal e na referida sentença não ter sido tomada qualquer posição sobre tal questão.
A questão em causa reporta-se à notificação prevista no art. 129.º, n.º 4, do CIRE. Não existindo nenhuma norma no CIRE relativa ao vício em que essa falta de notificação se possa traduzir, terá de se recorrer ao disposto sobre tais matérias no Código de Processo Civil.
Das disposições legais previstas sobre vícios processuais no Código de Processo Civil não resulta que a falta de notificação (diferentemente do caso de falta de citação) implique por parte do tribunal o conhecimento oficioso de tal nulidade (art. 196.º do Código de Processo Civil, por relação aos arts. 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º desse Diploma Legal), e, a ser assim, é manifesto inexistir qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo quanto à circunstância de não se ter pronunciado sobre a inexistência de notificação ao Apelante da lista dos credores reconhecidos, elaborada nos termos do art. 129.º, n.º 1, do CIRE.
Na realidade, o que a Apelante invoca é uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença recorrida, sendo diversos os regimes de uma e outra.
As nulidades processuais regem-se, assim, pelo disposto nos arts. 195.º a 199.º do Código de Processo Civil.
Ora, da conjugação dos arts. 195.º e 199.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, resulta, por um lado, que a violação de uma formalidade que a lei prescreva, como alegadamente terá sido o caso, só produz nulidade quando a lei o declare (o que manifestamente não é a situação) ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa; e, por outro, que tais vícios têm de ser invocados pelas partes (não sendo, por isso, de conhecimento oficioso), sendo que, quando a parte estiver presente, no momento em que forem cometidas, até ao ato terminar, e, quando a parte não estiver presente, no prazo de 10 dias (art. 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) a contar do dia em que, depois de cometido o vício, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Veja-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 13-01-2005, no âmbito do processo n.º 04B4031, consultável em www.dgsi.pt:
1. Como decorrência do princípio do contraditório, consagrado, entre outros, no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
2. A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, não constituindo nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, pelo que se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do mesmo diploma).[3]

Na situação presente, competiria à Apelante ter invocado tal nulidade junto do tribunal a quo, e não perante este tribunal, em sede de alegações, pelo que, por não ter sido invocada junto do tribunal a quo, esta questão surge, na realidade, pela primeira vez, nesta sede, sendo que ao tribunal ad quem compete reapreciar questões já apreciadas em sede de 1.ª instância e não questões novas, exceto se se tratar de questões de conhecimento oficioso, o que manifestamente, e como já se referiu, não é o caso.
Veja-se sobre este assunto, o acórdão proferido nesta Relação, em 13-09-2018, no âmbito do processo n.º 104/18.3T8PSR.E1, consultável em www.dgsi.pt, de que se cita parte:
É este o sistema estabelecido pela nossa lei processual civil em matéria de articulação entre a reclamação por nulidade processual e o recurso, usualmente expresso através do aforismo “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Sistema esse que se harmoniza, aliás, com a regra, básica em matéria de recursos ordinários, segundo a qual estes têm como função o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, não suscitadas neste último, embora sem prejuízo do conhecimento, pelo tribunal ad quem, das questões que o devam ser oficiosamente – cfr. o disposto nos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC.

Cita-se ainda, por relevante, o sumário constante deste mesmo acórdão:
O meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu.

Ora, não tendo a Apelante feito uso do meio legalmente correto para reagir contra o alegado vício, encontra-se este tribunal impedido de apreciar a invocada nulidade processual, fazendo notar, porém, que, segundo o disposto no n.º 4 do art. 129.º do CIRE, não se mostra estabelecida sequer a obrigatoriedade de notificação de todos os credores, mas apenas dos credores que se encontrem nas três situações aí discriminadas, sendo que, nos termos das alegações formuladas pela Apelante, não decorre sequer por qual das situações se considera abrangida.
Pelo exposto, por se tratar de matéria que este tribunal não pode conhecer, nos termos dos arts. 195.º e 199.º do Código de Processo Civil, não apreciaremos a questão relacionada com a nulidade processual.
2 – Alteração da graduação dos créditos
No entender da Apelante, é incorreta a graduação de créditos constante da sentença sob recurso, por ignorar as inscrições ínsitas no registo predial, designadamente que, em data anterior ao do registo de hipoteca voluntária a favor da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, foi registado a favor da Apelante um arresto, o qual, posteriormente, veio a ser convertido em penhora, retroagindo esta à data do registo do arresto, pelo que a insolvente, quando efetuou a hipoteca sobre aquele mesmo imóvel a favor da referida “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, já não podia dispor livremente desse imóvel, visto que, nos termos do art. 819.º do Código Civil, os atos de disposição ou oneração do bem penhorado são ineficazes perante o beneficiário da penhora.
Concluiu, assim, que se o crédito da Apelante é comum também o crédito da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, por não beneficiar da hipoteca nos moldes em que foi constituída, sendo inoponível a quem beneficia de penhora anterior, deverá ser graduado a par dos demais créditos comuns.
Por fim, requereu que o valor das custas e demais despesas processuais pagas pela Apelante, enquanto exequente no processo n.º 1700/17.1T8ENT, nos termos do art. 140.º do CIRE, deva ser pago pela massa insolvente.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 140.º, n.º 3, do CIRE, que:
3 - Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.

Na realidade, e apesar de assistir razão à argumentação da Apelante, relativamente à circunstância de (i) a penhora retroagir à data do arresto (n.º 2 do art. 822.º do Código Civil); e (ii) o exequente adquirir com a penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (como é o caso dos autos); importa não esquecer que esta regra apenas opera quando não haja lei especial a dispor diferentemente (n.º 1 do art. 822.º do Código Civil), sendo que o processo de insolvência é exatamente um dos casos em que a lei dispõe de forma diferente, conforme n.º 3 do art. 140.º do CIRE.
Assim, nos processos de insolvência, como é o caso dos autos, o beneficiário da penhora perde o seu direito de preferência relativamente aos credores com garantia real posterior. Apenas possui regime privilegiado relativamente às custas entretanto pagas, as quais constituem dívidas da massa insolvente, sendo, por isso, pagas nos termos do art. 172.º, n.º 1, do CIRE.
Conforme bem refere Luís Carvalho Fernandes e João Labareda em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado[4]:
A regra do n.º 3 afasta a aplicação dos arts. 686.º - quanto à hipoteca judicial – e 822.º do C. Civ. – relativo à penhora. A circunstância de as custas entretanto pagas pelo autor ou exequente serem consideradas dívidas da massa insolvente e beneficiarem de um regime privilegiado de pagamento visa compensar o credor pela perda dos privilégios que a penhora e a hipoteca judicial normalmente lhe concederiam, aliviando-o das despesas judiciais feitas para a defesa dos seus interesses e que lhe serão atempadamente restituídas.

Sobre esta matéria, cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 10-07-2018, no âmbito do processo n.º 3128/17.4T8VNF-G.G1[5]:
I - As garantias especiais das obrigações, sejam elas de natureza pessoal (como a fiança ou o aval) ou real (v. g. o penhor ou a hipoteca) são acessórios do crédito, acompanham-no desde a sua constituição.
II - A penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (Capítulo VI do Código Civil), mas sim no Capítulo VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) Secção III (Realização coactiva da prestação).
III - A penhora não é, em sentido rigoroso, uma garantia do crédito. É apenas o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.
IV - Não sendo, tal como a configuramos, uma garantia real do crédito, consistindo a penhora numa apreensão do bem por acto de autoridade pública e sua consequente relativa indisponibilidade, os actos do devedor, de disposição ou oneração do bem penhorado, são ineficazes art.º 819º do CC.
V - A preferência resultante da penhora vale apenas no âmbito da execução (limitada ao processo) em relação a outros créditos igualmente comuns, para efeitos dos pagamentos a efectuar, quando, havendo mais do que uma execução onde o mesmo bem tenha sido penhorado, os credores com penhoras posteriores ali reclamem os seus créditos (art.º 788º, nº 5, do CPC).
VI - A inoponibilidade de garantias reais posteriormente constituídas, decorre naturalmente dos efeitos da penhora (indisponibilidade do bem colocado sob a alçada pública ou ineficácia dessa disposição ou oneração posterior à penhora).
VII - Declarada a insolvência do executado, os bens penhorados ou apreendidos em qualquer processo são apreendidos para a massa insolvente (artºs 36º, nº 1, al. g), 46º e 149º do CIRE) e o exequente terá de reclamar o seu crédito na insolvência (artºs 90º e 128º do CIRE). A graduação dos créditos obedecerá ao estabelecido no art.º 140º nº 2 do CIRE, o qual, mesmo para quem perfilhe o entendimento de que a penhora é uma garantia real, estabelece, no seu nº 3: – «Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente». Como já antes e há muitos anos o estabeleciam disposições equivalentes do Código de Processo Civil de 1961 (artºs. 1235º, nº3 e 1315ª) ou do CPEREF (art.º 200º, nº 2).
VIII - Assim, o crédito da recorrente é apenas um crédito comum (art.º 47º, nº 4, al. c), do CIRE) e como tal deverá ser graduado, a par dos demais créditos comuns.
IX - A apelante fica em situação de igualdade com os demais credores comuns, que não suportaram as custas de uma execução, pois que estas, sendo dívidas da massa insolvente, são pagas com anterioridade a qualquer crédito (art.º 172º do CIRE).

Do que acima se explanou, decorre, por um lado, ser de manter a graduação de créditos constante da sentença recorrida; e, por outro, ser de alteração a homologação da lista de credores reconhecidos nos seus exatos termos, uma vez que, relativamente ao Apelante, foi integrado no montante devido, a título de crédito comum, a quantia referente a custas pagas pelo Apelante no processo executivo n.º 1700/17.1T8ENT, sendo que tais custas terão que ser retiradas do montante relativo ao crédito comum e passar a integrar as dívidas da massa insolvente, a ser pagas nos termos do art. 172.º, n.º 1, do CIRE.
Assim, o crédito da Apelante “(…), Lda.”, a ser pago em último lugar, na qualidade de crédito comum, é no montante de € 157.258,80, integrando o valor de € 1.045,78 as dívidas da massa insolvente, devendo este último ser pago nos termos do art. 172.º, n.º 1, do CIRE.
Pelo exposto, e quanto a este ponto, procede parcialmente a pretensão da Apelante.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterar a sentença recorrida no seu ponto A), o qual passa a ter a seguinte redação:
1) A) Homologar a lista de credores reconhecidos, elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, com a seguinte alteração, quanto ao credor “(…), Lda.”:
- o montante do crédito comum é de € 157.258,80, constituindo a quantia de € 1.045,78 dívida da massa insolvente, a ser paga nos termos do art. 172.º, n.º 1, do CIRE.
2) No demais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante “(…), Lda.” e pela Apelada “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), C.R.L.”, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.
Évora, 14 de janeiro de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
[3] Ainda que os artigos aí mencionados se reportem à anterior versão do Código de Processo Civil, os fundamentos invocados mantêm-se válidos.
[4] 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 545.
[5] Consultável em www.dgsi.pt.