Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
335/19.9GHSTC.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: INJÚRIA
HONRA E CONSIDERAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Constitui entendimento consolidado na jurisprudência o de que para aquilatar se certa expressão, imputação de factos ou juízo de valor, tem dignidade penal, em termos de integrar o crime de injúria, há que tomar em consideração o contexto em que o agente atuou, as razões que o levaram a agir e a maior ou menor adequação social do seu comportamento.
II - Assim, se, por exemplo, num contexto de desentendimento ou de intensa conflituosidade antecedente ou contemporânea aos factos, a expressão “cabrão” proferida pelo agente, tem uma carga pejorativa, sendo adequada a atingir a honra e consideração do visado a quem foi dirigida. Outras situações existem em que a mesma expressão “cabrão”, é proferida, em tom de brincadeira, no âmbito de relação de confiança e camaradagem, com o outro, caso em que estará destituída de qualquer conotação negativa, carecendo de reprovação ético-social, não sendo ofensiva da honra ou consideração do visado.
III - No caso dos autos, as expressões “vigarista” e “velho d´um cabrão”, dirigidas pela arguida ao assistente, nas concretas circunstâncias e contexto em que o foram – estando em causa uma questão de partilha/divisão de bens entre os filhos do assistente, sendo um deles, à época da ocorrência dos factos, namorado da arguida e não aceitando esta os moldes em que o assistente pretendia proceder a tal partilha/divisão de bens, acusando-o de querer enganar/prejudicar o filho, seu namorado, rebelando-se a arguida contra o assistente, adotando atitudes intimidatórias, procurando contatá-lo, através de telefonemas, insistentes, dirigindo-lhe “ameaças de morte” e, chegando mesmo, a agredi-lo fisicamente – revelam-se idóneas a lesar a honra e consideração do assistente, integrando a tipicidade objetiva do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, com a intervenção do tribunal singular, n.º 335/19.9GHSTC, do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foi submetida a julgamento a arguida AA, melhor identificada nos autos, acusada, pelo Ministério Público, da prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal e de dois crimes de ameaça agravados, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
1.2. O ofendido BB constituiu-se assistente nos autos e deduziu acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal, tendo o Ministério Público acompanhado essa acusação.
1.3. Deduziu também o ofendido pedido cível contra a arguida/demandada, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de €1.100,00 (mil e cem), a título de indemnização, por danos não patrimoniais sofridos.
1.4. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento – na ausência da arguida, que estando devidamente notificada, não compareceu –, no decurso da qual, finda a produção da prova, o Tribunal procedeu à comunicação à arguida – na pessoa da il. defensora oficiosa –, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação particular, em termos de serem suscetíveis de integrar a prática de mais dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal. Perante tal comunicação, a arguida nada requereu.
1.5. Foi proferida sentença, em 17/11/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, decido:
a) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
b) Condenar a arguida AA pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa, por cada um, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
c) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
d) Condenar a arguida AA pelos crimes referidos em a), b) e c) na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 2.080,00 (dois mil e oitenta euros);
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado por BB e, consequentemente, condenar a demandada AA no pagamento da quantia de 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados deste a o trânsito em julgado da presente sentença até seu integral e efetivo pagamento;
f) Condenar a arguida no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça inicial;
g) Sem custas civis – cf. 4.º, n.º 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais.
(...).»
1.6. Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso apresentada, as conclusões que se passam a transcrever:
«1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pela Mt Juiz ... do Juízo Local Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca ... que condenou a arguida, ora recorrente, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa; de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º nº 1 e 155º nº 1 al a) do Código Penal, na pena de 115 (cento e quinze) dias de multa por cada um e de três crimes de injuria , p. e p. pelo artigo 181º nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa (por cada um?), todos à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos).
2 - Efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares, foi a recorrente condenada na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de 2.080,00 € (dois mil e oitenta euros).
3 - A arguida/demandada foi ainda condenada no pagamento de uma indemnização ao ofendido/assistente, a título de danos não patrimoniais, no montante de 750 € (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde o transito em julgado da sentença até integral e efectivo pagamento e nas custas processuais criminais.
4 - O motivo da discordância com o teor da decisão recorrida, com a qual não a arguida se conforma, diz unicamente respeito à sua condenação pela prática de 3 crimes de injuria, à medida das penas parcelares aplicadas aos referidos crimes e à pena única que lhe foi aplicada em resultado do cúmulo jurídico realizado.
5 - A arguida vinha acusada da prática de um crime de injuria; o tribunal “a quo” entendeu proceder à alteração da qualificação jurídica constante da acusação particular, foi dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal e, a final, a arguida foi condenada pela prática de 3 crimes de injurias pelos factos que foram dados como provados descritos nos nºs 9, 10, 11 e 12.
6 - Dispõe o artigo 181º do Código Penal, que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias ”.
7 - O preenchimento do tipo de injuria apenas se verifica quando as palavras em causa devam considerar-se lesivas da honra ou consideração do visado, nas circunstâncias concretas em que foram proferidas, conforme entendimento corrente na jurisprudência.
8 - Ora, no concreto condicionalismo em que foi dirigido a BB, o vocábulo “vigarista” não deixa de ser compreensível como um modo de a arguida manifestar o seu desagrado, fazer valer o seu descontentamento, não revestindo, salvo melhor opinião, de uma carga ofensiva perante o homem médio .
9 - É preciso ter presente que o vocábulo/expressão foi proferido no calor de uma discussão telefónica entre a arguida e o assistente a respeito de uma divisão de bens, na qual a arguida entendeu defender os interesses do namorado, CC, filho do assistente.
10 - Não foi ouvido por terceiros.
11 - Quanto à expressão “velho dum cabrão” que a arguida terá dirigido em duas ocasiões (factos provados 10 e 12) também em privado, ao abordar o assistente, é certamente uma expressão desrespeitosa, indelicada, grosseira para com o visado, mas que não põe em causa o carácter, o bom nome ou reputação do ofendido.
12 - Assim sendo, entendemos que em qualquer das três situações (factos provados 9, 10 e 11 – 12) não se mostram preenchidos todos os elementos do tipo do crime de injuria e que a arguida deve ser absolvida da prática dos referidos 3 crimes, mantendo-se o teor da douta sentença recorrida quanto aos demais crimes pelos quais foi condenada (um crime de ofensa à integridade física simples e dois crimes de ameaça qualificada), quanto ao pedido cível e às custas criminais.
13 - Deverá ,de seguida, ser realizado novo cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida, nos termos do art. 77º do Código Penal, e temos por adequado que, neste caso (o da absolvição da arguida dos três crimes de injuria), a pena única não exceda 160 dias de multa à razão diária dos já fixados 6,50 €.
14 - Sem conceder, mas por mera cautela de patrocínio, caso V. Exas. assim não entendam, afigura-se evidente que as penas parcelares aplicadas à arguida quanto a estes 3 crimes de injuria (80 dias de multa por cada um dos crimes), numa moldura penal que estabelece um máximo de 120 dias , são manifestamente excessivas, injustificadas e desproporcionais à gravidade dos factos, à culpa da arguida e às exigências de prevenção geral e especial.
15 - Razão pela qual também não se conforma com o decidido na douta sentença recorrida a este respeito, por entender que as penas parcelares aplicadas foram excessivamente severas e ultrapassam a medida da culpa..
Consequentemente, também não concorda com a pena única que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico por a considerar excessivamente gravosa .
16 - No que concerne à determinação concreta da pena, dispõe o art. 47º nº 1 do Código Penal que a pena de multa é fixada em dias, tendo em conta os critérios do nº 1 do art. 71º do mesmo diploma legal, sendo o limite mínimo 10 e o máximo 120 dias para o crime de injuria (art. 181º nº 1 do Código Penal).
17 - A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção do crime, mas considerando também o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior ao facto e a posterior a esta e a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no acto.
18 - O grau de ilicitude dos crimes de injuria foi considerado “moderado” (pág. 28 da douta sentença recorrida) pela Mt juiz “a quo”.
19 - Não podemos deixar de discordar desse entendimento. Com efeito, parece-nos que, “pelo que foi dito e o modo como foi dito”, o grau de ilicitude e de culpa é reduzido.
20 - A arguida não apresenta antecedentes criminais por factos desta natureza.
21 - Perante os factos provados (9 a 12) e as circunstâncias em que ocorreram, a pena de multa fixada em 80 dias, por cada um dos crimes de injuria, mostra-se exagerada numa moldura penal que prevê para este crime o máximo de 120 dias .
22 - Afigurando-se que não deverá ultrapassar 45 dias por cada um dos crimes em que, eventualmente, a arguida venha a ser condenada.
23 -A pena única aplicada em cúmulo jurídico também deverá ser reduzida, não devendo exceder, em caso algum, os 240 dias de multa.
24 - Foram violadas e incorrectamente interpretadas as seguintes normas jurídicas: artigos 181º nº 1, 40º, 70º, 71º e 77º, todos do Código Penal.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida no sentido de absolver a arguida da prática de três crimes de injuria, mantendo-se as demais condenações e fazendo-se novo cúmulo jurídico das penas aplicadas.
Caso assim se não entenda e se considere que a arguida praticou algum crime de injuria, deverá(ão) à(s) pena(s) parcelar(es) aplicadas ser substancialmente reduzidas, realizando-se, também neste caso, novo cúmulo jurídico das penas.
Assim se fará justiça.»
1.7. O recurso foi regularmente admitido.
1.8. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pugnando para que seja negado provimento ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. Analisada a matéria de facto provada, verifica-se que as expressões proferidas pela arguida são objectiva e subjectivamente ofensivas da honra e consideração devida ao assistente, não podendo confundir-se, assim, com a simples indelicadeza ou falta de educação.
2. Atendendo à matéria fáctica provada, não merece críticas a condenação da arguida como autora material de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do C.P..
3. De acordo com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do C.P., a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização, deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa, nos termos do seu n.º 2.
4. No caso sub judice, na graduação das penas, atendeu-se ao estabelecido no artigo 71.º do C.P., atentando-se, desde logo, ao moderado grau de ilicitude, no que concerne aos crimes de injúria.
5. De salientar que a culpa da arguida se mostra acentuada, a merecer mediana censura ética jurídica, atento o móbil de toda a sua actuação (divisão de bens de que não era, sequer, visada), sendo que agiu com dolo intenso, na sua forma mais grave, o dolo directo.
6. Além de que, são elevadas as necessidades de prevenção geral, atento o valor do respeito pela dignidade da pessoa humana, na vertente da honra de outrem que o crime de injúria tutela.
7. Face ao exposto, em especial as considerações atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade das penas, afigura-se-nos que as penas concretamente aplicadas pelo Tribunal recorrido satisfazem as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, não se revelando a questionada quantificação de todo desproporcionada e mostrando-se a peticionada redução das mesmas insustentável.
8. Em obediência aos critérios plasmados no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. e sopesando globalmente todo o exposto, na medida em que reflectem a personalidade da arguida, consideramos também ajustada a fixação da pena única de multa em 320 (trezentos e vinte) dias.
9. Pelo que, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo subsumiu correctamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.
Desta sorte, por não procederem as conclusões da motivação da recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso.
Assim, V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA».
1.9. Subidos os autos a este Tribunal, a Exm.ª Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, acompanhando a resposta oferecida pelo MP, na 1.ª instância.
1.10. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.11. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, o Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cf. artigo 428º do CPP).
As conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. artigo 412º do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pela arguida/recorrente da motivação de recurso que apresentou, são suscitadas as seguintes questões:
- Erro na subsunção dos factos provados aos três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do CP, por que foi condenada;
- Medida das penas parcelares e da pena única.

*
2.2. Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter presente o teor da sentença recorrida, nos segmentos relevantes para o efeito e que se passam a transcrever:
«(…)
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS PROVADOS
Da produção da prova e da discussão da causa o Tribunal considerou provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de maio de 2019, cerca das 21h00, pelo telefone, quando o ofendido BB se encontrava na sua casa, em ..., a arguida, dirigindo-se àquele, disse: «(…) vou aí e puxe-lhe fogo à casa!» e «Hei de queimar-lhe tudo e você há de morrer lá junto à casa também».
2. No mesmo local, no dia 03-08-2019, a arguida empurrou com as mãos o ofendido BB.
3. Nesse mesmo dia, na Santa Casa da Misericórdia em ..., a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB e disse-lhe «Eu mato-o! Há de morrer junto à casa!»
4. Em consequência de tais agressões, o ofendido BB sofreu as seguintes lesões: equimoses em evolução na face anterior, terço distal, da coxa com 5x1cm, que lhe determinaram 5 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.
5. A arguida bem sabia que ao agir do modo descrito provocaria no ofendido BB lesões e dores físicas, o que quis e fez.
6. Em razão da seriedade e conteúdo daquelas expressões e por acreditar que a arguida seria capaz de as concretizar, sentiu o ofendido BB medo e inquietação, temendo pela sua vida.
7. A arguida agiu com o propósito de causar medo e inquietação em BB.
8. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
9. Na ocasião referida em 1), na referida chamada telefónica que o assistente recebeu da arguida, esta disse-lhe, a propósito de umas divisões de bens entre os filhos daquele, que «queria enganar o filho», referindo-se ao CC e, no mesmo contexto, dirigiu-lhe, em tom ameaçador, a seguinte expressão: «vigarista», tendo o assistente desligado a chamada.
10. Depois dessa data e antes da referida em 2), a arguida insistiu, por várias vezes, no contacto telefónico com o assistente, umas vezes utilizando o mesmo número de telefone outras utilizando um outro número de telefone, sendo que numa ocasião em que este atendeu o telefone, a arguida proferiu a seguinte expressão: «então não sabes quem é, velho d’um cabrão?», tendo o assistente desligado de imediato.
11. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2), na sequência do ali narrado, a arguida, dirigindo-se ao assistente, disse as seguintes palavras: «dê cá a chaves seu velho, para eu mandar fazer a chave no centro comercial».
12. Nesse seguimento, procurando evitar o conflito, o assistente dirigiu-se para o exterior da residência e a arguida, dirigindo-se àquele, disse as seguintes palavras: «seu velho d’um cabrão».
13. Após, o assistente entra na sua viatura e dirige-se para o Lar da Santa Misericórdia de ..., onde a esposa se encontra internada, sendo que apesar de lho ter pedido, o segurança não conseguiu impedir a entrada da arguida nas instalações, tendo esta atuado conforme descrito no n.º 3).
14. Ao proferir as expressões acima descritas, a arguida quis ofender a honra e consideração pessoal do assistente, que conseguiu.
15. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pretendendo proferir as expressões acima referidas bem sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração pessoal do assistente.
16. A arguida tem os seguintes antecedentes criminais averbados ao seu registo criminal:
a) Por sentença proferida em 13-04-2021 e transitada em julgado em 13-05-2021, foi o arguido condenado pela prática, em 14-07-2019, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal, na pena única de 140 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).
17. Em consequência necessária e direta das expressões descritas em 1) e 3) que a arguida dirigiu ao assistente, este sentiu medo e inquietação, por pensar que a arguida poderia concretizar aquelas ameaças, pelo tom de seriedade e agressividade e pelas circunstâncias com que as proferiu.
18. Bem como teve receio de ficar sozinho em casa, tendo procurado, por várias vezes, a companhia do seu filho DD.
19. E, nos meses subsequentes à data referida em 2), teve pesadelos à noite, sempre com receio que a arguida concretizasse as ameaças.
20. Em consequência necessária e direta das ofensas ao seu corpo descritas em 3), além das lesões descritas em 4), sentiu dores fortes, que persistiram vários dias, incomodando-o no seu dia-a-dia, no andar e movimentação do braço, tendo tomado medicação para as dores.
21. O assistente sempre foi pessoa respeitada e considerada em ..., sendo reconhecido como pessoa educada e de bem.
22. Com as condutas da arguida acima descritas o assistente sentiu-se incomodado e até deprimido.
23. A conduta da arguida no episódio descrito em 3), por ter ocorrido num local público e à vista de várias pessoas, muito entristeceu e incomodou o assistente.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, não se provou que:
A. Na ocasião referida em 3), além do ali descrito, a arguida proferiu a seguintes expressão, dirigida ao assistente: «Há de morrer junto à casa!»
B. Além do referido em 11), nesse mesmo circunstancialismo, a arguida apodou o assistente de «mouco».
C. Em consequência necessária e direta das expressões descritas em 1) e 3) que a arguida dirigiu ao assistente, este deslocou-se menos vezes à rua; evitou andar sozinho e procurou andar acompanhado do seu filho DD.
D. As dores de que o assistente padeceu, em consequência necessária e direta das ofensas ao seu corpo descritas em 3), impediram-no de ter um sono reparador, já que persistiam à noite, quando se voltava na cama.
*
Tendo presente que o objeto do processo se fixa com a dedução da acusação (pública e/ou particular), deve ter-se como não escrita a alegação de imputações genéricas, vagas e/ou conclusivas, que não estejam minimamente concretizadas, por não permitirem um real e efetivo exercício do direito de defesa e o acesso a um processo equitativo (artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, aplicável no ordenamento jurídico por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Ademais, os restantes factos alegados na acusação pública, na acusação particular e/ou no pedido de indemnização civil não especificamente dados como provados ou não provados, ou são a repetição ou negação de outros já dados como provados na sua formulação positiva, ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivações), genéricos, ou ainda irrelevantes para a decisão.
Mais se salienta que a exclusão dos factos alegados na acusação particular que não tenham a virtualidade de, em abstrato, ser subsumível no crime natureza particular imputado à assistente e/ou que, em abstrato, integrem a prática de crime(s) de natureza pública ou semipública deve, de igual modo, ter-se como não escrita, desde logo ou por implicar uma alteração substancial/não substancial dos factos ou a sua qualificação, nos termos do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, ou por não ter sido, como tal, recebida/rejeitada de harmonia com o estabelecido no artigo 284.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
*
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal estribou a sua convicção na análise critica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e discussão, bem como da carreada para os autos, atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório, tudo devidamente articulado com juízos de normalidade e de experiência comum, salientando-se que a arguida não compareceu à audiência de discussão e julgamento, apesar de regularmente convocada, não tendo justificado a sua falta.
Concretizemos então.
Para julgar demonstrada a factualidade descrita nos n.ºs 1), 9) e 10), o Tribunal alicerçou-se nas declarações do assistente BB, que explicou o sucedido de harmonia com o que se julgou assente, tendo merecido inteira credibilidade uma vez que evidenciou um discurso simples, escorreito, objetivo e coerente, sendo que, apesar da sua posição processual, em nada se revelou apaixonado ou exacerbado.
Ademais, importa salientar que a descrição quanto às condutas e postura da arguida descritas pelo arguido a propósito desta matéria é absolutamente coerente com a restante factualidade objeto destes autos, desta feita, e como veremos, sendo corroborado por outras testemunhas.
Assim, BB explicou que conheceu a arguida, então namorada do CC, na páscoa de 2019, tudo tendo corrido com normalidade. Porém, e quanto ao móbil da atuação da arguida, referiu que tem, além daquela em que vive, duas outras casas e, bem assim, dois filhos; por isso, ainda em vida, queria deixar uma casa a cada um; para tanto mandou avaliá-las e apurou-se que uma valia € 200.000,00 e outra € 100.000,00; por acordo entre os filhos, ficou combinado que a primeira ficaria para o seu filho DD e a segunda para o CC, acrescido de € 50.000,00. Ora, sucede que, um dia, o CC lhe ligou a dizer que que se o irmão ficava com a casa avaliada em € 200.000,00 então devia receber € 100.000,00 para o compensar pela diferença; o assistente explicou-lhe que não, sob pena de ser o irmão a ficar prejudicado (a aritmética é simples: € 200.000,00 + € 100.000,00 = € 300.000,00 /2 = € 150.000,00; ou seja, o filho que fica com a casa mais valiosa fica beneficiado em € 50.000,00, corresponde ao prejuízo daquele que fica com a casa menos valiosa).
Neste seguimento, a arguida, então namorada deste seu CC, ligou-lhe e dirigiu-lhe, nesse contexto, as expressões referidas em 1) e 9).
Este contexto, relacionado com a divisão de bens, permite melhor compreender as concretas expressões ali referidas e a razão para que a arguida lhes tenha lançado mão, credibilizando a narração do assistente.
Atento ao concreto conteúdo das expressões descritas em 1), e uma vez que a arguida insistia em continuar a ligar-lhe, nomeadamente de outros números, proferindo expressões de idêntico jaez e, para o que nos importa, apodando-o de «velho d’um cabrão», explicou o assistente que quando o CC lhe ligou a informar que no dia de aniversário da sua mulher, em 03 de agosto, iria visitá-lo acompanhado da namorada, a aqui arguida, decidiu, por receio, mudar a fechadura da porta de sua casa, em .... Aliás, de forma absolutamente coerente e lógica, o assistente explicou que se a arguida era tão agressiva pelo telefone, receava que fosse pior pessoalmente.
A circunstância de o pai ter mudado as fechaduras de casa foi confirmada pelas testemunhas DD e CC, seus filhos, que de forma simples o aludiram, tendo ambos referido que o pai lhes disse que o fez por causa da arguida e de alguma coisa que ela lhe teria dito.
Ou seja, credibilizando o relato do assistente quanto ao conteúdo das chamadas de telefone em apreço, veja-se que o receio deste se exterioriza num comportamento objetivamente observado pelas aludidas testemunhas, traduzido na mudança da fechadura, obstaculizando o acesso daquela à sua casa.
Ora, a arguida não compareceu no julgamento, pelo que não nos apresentou qualquer versão que permita infirmar o raciocínio acima esgrimido. Ademais, a circunstância de apenas se poder contactar com o conhecimento pessoal e direto do assistente quanto ao conteúdo daquela chamada em não prejudica a demonstração da factualidade em disputa, atento às características das declarações do assistente e, como já se disse, porque a narrativa deste é perfeitamente enquadrável nas condutas da arguida infra apreciadas e consonantes com a aventada necessidade de alterar a fechadura de casa.
Portanto, ainda que só contemos com as declarações do assistente, não restam quaisquer dúvidas sobre a realidade dos factos.
Para julgar demonstrada a factualidade descrita nos n.ºs 2), 3), 4), 11), 12) e 13), bem como indemonstrada a inserta em A) e B), o Tribunal respaldou-se nas declarações do assistente e no depoimento das oito testemunhas ouvidas em Tribunal, sendo que a razão de ciência destas reside na circunstância de terem assistido, pelo menos em parte, ao ocorrido no Lar ali identificado, ainda que em momentos e lugar distintos, sendo que a análise conjugada dos seus depoimentos se harmonizam perfeitamente com o descrito por BB e, por sua vez, mostrando-se em consonância com a convicção traduzida na factualidade assente.
O que concretizamos nos seguintes termos:
 O assistente BB descreveu – no mesmo um discurso simples, escorreito, objetivo e coerente – o ocorrido em perfeita harmonia com o que se assentou – não tendo aludido à expressão referida em B) –; esclareceu que, como mudou a fechadura da porta de sua casa, a arguida lhe pediu, lançando mão do vocabulário referido em 11) e 12), as chaves de casa para fazer a cópia e que, ato contínuo, lhe desferiu um empurrão no ombro esquerdo; por receio do que a arguida lhe pudesse fazer no recato da casa, foi para a rua e dirigiu-se, nesse seguimento, para o Lar onde a mulher estava, para evitar que a arguida entrasse naquelas instalações, uma vez que esta insistia que queria ir lá, inicialmente com o pretexto de lhe levar flores pelo seu aniversário, e, nesta altura, porque lhe queria ir dizer que estava a roubar o CC; o assistente referiu, uma vez nas instalações da Santa Casa da Misericórdia ..., pediu ao porteiro que não deixasse entrar a assistente, mas, a dado passo, já esta ali se encontrava e lhe desferiu pontapés no braço e perna direitos, por mais do que uma vez, ainda no exterior das instalações e reiterou esse comportamento, já no átrio do Lar; mais referiu que a arguida lhe dirigiu a expressão referida em 3), mas não a aludida em A);
 EE, cuja razão de ciência decorre de ser Encarregada do dito Lar e se encontrar nas sobreditas instalações à data dos factos, referiu, de forma simples e coerente, que se apercebeu de grande confusão e barulho, tendo visto um casal, em que a senhora estava aos gritos e desorientada e o senhor a tentava acalmar, tendo-a chamado a atenção de que não podia fazer barulho; acabaram por sai daquele edifício, mas, face à conduta, segui-os e constatou que se dirigiam para o Edifício onde funciona o Lar já identificado, pelo que ligou para lá dando conta de que a dita senhora se dirigia para lá; dirigiu-se ao Lar e viu a arguida dirigir-se a BB, a desferir-lhe um empurrão e dizendo-lhe alguma coisa como que tinha dois filhos e se estava a esquecer daquele e que tinha que lhe dar o que é dele por direito; depois, abandonou aquelas instalações e regressou aos eu posto de trabalho;
 FF, cuja razão de ciência é idêntica à da anterior testemunha, referiu, de forma objetiva e escorreita, que estava no edifício onde funciona o Lar ... quando ouviu gritos e se deslocou à janela, tendo visto o Sr. BB ser pontapeado nas pernas pela arguida; tendo descido, viu uma colega tentar separar a arguida do assistente; afastou-se para chamar GG e quando regressou estavam já no átrio do Lar tendo vista a arguida tentar, por mais do que uma vez, atingir fisicamente o assistente, o que não logrou porque as pessoas presentes se colocavam no meio, enquanto lhe dizia expressões que não soube precisar mas relacionadas com roubar e com dinheiro;
 DD, filho do assistente, referiu, de forma simples e objetiva, que após o almoço com o pai, com o irmão e com a arguida foi para casa e que, nessa ocasião, recebeu uma chamada de GG a dar conta de que o pai tinha sido agredido pela namorada do irmão; deslocou-se ao lar, tendo ainda presenciado a arguida apodar o pai de «ladrão» e a dizer-lhe que estava a roubar o CC;
 HH, enfermeiro do Lar ..., explicou, de forma clara e coerente, que estava no seu gabinete quando ouviu gritos no átrio e deslocou-se àquele local tendo visto a arguida «descompensada» a tentar agredir o assistente com pontapés, o que não logrou conseguir graças à intervenção de terceiros ali presentes, tendo-o apodado de «cabrão», entre outros;
 GG, enfermeira e diretora técnica da Santa Casa da Misericórdia ..., relatou que recebeu uma chamada da encarregada dando conta de que havia uma pessoa nas instalações que estava a agredir e insultar o assistente, tendo ligado para a GNR e ao filho daquele, DD; quando chegou ao local, estavam no átrio a arguida, CC, a GNR, o assistente e entre outras pessoas; recorda que a arguida o acusava de roubo e falava de dinheiro, assim como que continuava a tentar agredir o assistente, o que não consumou porque as pessoas presentes o evitaram;
 II, que à data dos factos trabalhava na portaria da Santa Casa da Misericórdia ..., explicou, num discurso simples e claro, que o S., BB chegou a perguntar se as instalações tinham segurança e, logo de seguida, chegou a arguida, alterada, que começou a discutir com o assistente e, de seguida, lhe desferiu pontapés, que se recorde, nas pernas, sendo que aquele tentava evitar ser atingido;
 JJ, cuja razão de ciência decorre de se encontrar nas instalações daquele Lar, como visitante, descreveu que foi atraída pelo barulho que ouviu no rés-do-chão do edifício, tendo ido espreitar; uma vez naquele local, viu o assistente, a arguida e o filho mais novo daquele (note-se que a testemunha conhece o assistente e família, por ser natural de ..., daí que identifique as pessoas), bem como uma funcionária do lar; em tal contexto, refere que ouviu a arguida gritar com o Sr. BB diversas expressões como «velho tonto» e «ladrão», assim como lhe disse que o matava ou, melhor dizendo, «eu mato-te», assim como tentava atingi-lo com pontapés;
 CC, filho do assistente e, à data, namorado da arguida, começou por esclarecer que sofreu uma depressão, o que teve grande impacto ao nível da memória; com interesse, explicou que a arguida pretendia ir falar com a sua mãe ao lar e o pai não queria; uma vez no lar, ainda no exterior, a arguida desferiu murros e pontapés no pai, que não sabe onde o atingiram, tendo-os separado logo; nesse seguimento, a arguida «entrou em modo louca pelo lar»; apontou como móbil (em consonância com os restantes depoimentos, nomeadamente, aqueles que relatam que a arguida apodou o assistente de ladrão).
Ora, da análise concatenada de cada um dos preditos depoimentos, que se apresentam como peças de um puzzle que, conjuntamente, se nos oferecem o quadro geral do ocorrido, é imperioso concluir pela demonstração integral da matéria em discussão.
Além dos depoimentos sobreditos, o Tribunal respaldou-se, ainda, no teor objetivo do auto de notícia, fls. 3 a 6, no que concerne à identificação das circunstâncias espácio-temporais (sendo certo que, mesmo quanto a estas, nenhumas dúvidas se suscitam, face à prova carreada), bem como no teor do auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas a fls. 63 a 98, cuja visualização é absolutamente esclarecedor quanto à dinâmica dos factos, sendo manifesto, pela mera análise dos fotogramas, que a arguida entrou nas instalações da ... (cf. v.g. fls. 65) e, ainda na rampa de (conforme BB explicou), atingiu o assistente com pontapés, enquanto a testemunha CC tentava segurá-la (cf. v.g. fls. 67 e 68); que chegaram outras pessoas ao local (cf. v.g. fls. 69); que quer BB quer a arguida entram nas instalações do Lar (cf. v.g. fls. 72 e 73); que a arguida se dirige ao assistente (cf. v.g. 74), que o atinge (além das tentativas relatadas pela maioria das testemunhas) com pontapés (cf. v.g. fls. 75), que persiste na tentativa de investir sobre o assistente (cf. v.g. fls. 76).
Concretamente, é igualmente imperioso concluir que o móbil da atuação da arguida reside na aventada divisão de bens que o assistente quis fazer ainda em vida e, na verdade, na inabilidade da arguida para o cálculo aritmético acima referido.
No que tange às lesões descritas em 4), o Tribunal respaldou, mais concretamente, no teor do relatório da avaliação do dano corporal em direito penal, a fls. 102 a 103-v.
A prova da factualidade descrita no n.º 5), 6), 7), 8), 14) e 15) decorre da normalidade das coisas, tendo presente a demais prova produzida, sendo certo que nada revela que os acontecimentos não tenham decorrido dentro da referida normalidade, razão pela qual a afirmação da consciência da ilicitude da conduta desenvolvida pelo arguido e a verificação dos demais elementos subjetivos, decorrem do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, uma vez que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, discorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Para dar como provados os antecedentes criminais, ínsitos no facto n.º 16), o Tribunal atendeu ao certificado de registo criminal do arguido junto aos autos sob a ref.ª eletrónica n.º ...31.
Para julgar demonstrada a factualidade inserta nos n.ºs 17) a 24), bem como indemonstrada a inserta em C) e D), atinentes às consequências da atuação da arguida no estado anímico do assistente e, bem assim, os fenómenos dolorosos que lhe importou, o Tribunal respaldou-se no teor das declarações do assistente, descreveu as lesões padecidas em consequência da conduta da arguida, bem como os padecimentos físicos e emocionais, o que além de se afigurar consentâneo com as regras de experiência comum, se mostra corroborado pelos depoimentos das referidas testemunhas DD, GG e JJ, cuja razão de ciência, para o efeito, reside também na circunstância de serem filho e conhecidos daquele, respetivamente, destacando-se que nenhuma das pessoas ouvidas, nomeadamente o assistente, referiu a matéria inserta em C) e D), razão pela qual foi julgada indemonstrada.
É, pois, esta a nossa convicção.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Face à matéria de facto dada como provada, importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta da arguida, por forma a determinar se aquela preenche, ou não, os elementos dos tipos de ilícito que lhe vem imputado.
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4.1.1. Do crime de ofensa à integridade física
À arguida é imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo o artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
Prevê tal normativo que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
O crime de ofensa à integridade física simples é o tipo legal paradigmático das disposições penais que tutelam o bem jurídico da integridade física, a partir do qual se constroem as restantes disposições penais que tutelam o mesmo bem jurídico relativas a formas graves, agravadas, qualificadas, privilegiadas ou por negligência de ofensa àquele bem jurídico, similarmente ao que acontece relativamente às disposições que tutelam o bem jurídico vida.
Inserido no capitulo subordinado à epigrafe «Dos crimes contra a integridade física», o direito à integridade física é um direito constitucionalmente consagrado (artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa) que visa tutelar qualquer ofensa do corpo ou da saúde, entendendo-se a primeira como toda a alteração ou perturbação da integridade corporal, de bem estar físico ou da morfologia do organismo ou, nas palavras de PAULA RIBEIRO DA FARIA (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 205), todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante, e a segunda como toda a alteração ou perturbação do normal funcionamento do organismo (vide MAIA GONÇALVES, in Código Penal Português - Anotado e Comentado, Almedina, 2008, pág. 562).
Está em causa um crime de dano, no respeitante ao bem jurídico, uma vez que este, efetivamente, sofre uma lesão; e de resultado, quanto ao objeto de ação, uma vez que a consumação se traduz na produção de um resultado, consequência da atividade do agente.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal em causa é a integridade física da pessoa humana, constituindo os seus elementos típicos, a produção de uma ação que, por qualquer modo, cause, como consequência direta e necessária, uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18.02.1987 e do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21/01/2009, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
O elemento objetivo do tipo traduz-se no ataque ou ofensa ao corpo ou saúde de terceiros, vivos. Entende-se por corpo quaisquer órgãos e membros implantados ou ligados à pessoa física; já a saúde compreende quer a física quer a psíquica.
Conforme PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, não é imperativo, para integrar o elemento objetivo do tipo, que a ofensa importe dor ou mal-estar corporal, incapacidade para o trabalho, ferida ou marca física (Código Penal Anotado: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Edição, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015, pág. 556). Todavia, o mesmo autor entende que a ofensa ou ataque tem que assumir um grau mínimo de gravidade, aferido à luz de um critério de razoabilidade social, não devendo integrar o ilícito em apreço quando se trate de obrigar a vacinação pública obrigatória ou os exames físicos a arguidos em processo penal, entre outros (obra citada, pág. 556.).
Nesta senda, por ofensa corporal entende-se todo o mau trato que prejudica o bem-estar físico de modo não insignificante, integrando o elemento típico todas as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, lesões dessa mesma substância, alterações físicas ou perturbações de funções físicas – Eser, Maiwald e Trechsel citados por Paula Ribeiro Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 1999, Coimbra Editora, págs. 205 – 206 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 29/03/2006, disponível in www.dgsi.pt.
O crime de ofensas à integridade física pode ser cometido por omissão, se sob o omitente impender um dever de garante.
Ademais, trata-se de um crime de execução livre, ou seja, que pode ser perpetrado por qualquer meio.
No que tange ao elemento subjetivo, o crime pode ser cometido com qualquer forma de dolo, previstas no artigo 14.º do Código Penal. Age com dolo do tipo o agente que tenha o conhecimento e a vontade de realização da ação típica, ou seja, o dolo desdobra-se em dois elementos, o cognitivo e o volitivo. O elemento cognitivo do dolo consiste no conhecimento de todas as circunstâncias do facto, dele resultando que o agente tomou uma decisão em consciência pela violação ou não do bem jurídico que a norma em causa proteja.
Face à factualidade dada como provada e não provada, apreciemos se a conduta do arguido se subsume, ou não, ao tipo de ilícito acabado de descrever.
In casu, resultou demonstrado que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos n.ºs 1) e 3), a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB, causando-lhe as seguintes lesões equimoses em evolução na face anterior, terço distal, da coxa com 5x1cm, que lhe determinaram 5 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.
Donde, e aqui chegados, é imperioso concluir que a conduta da arguida preencheu integralmente os elementos objetivos da incriminação que lhe é imputada no libelo acusatório, porquanto a atuação supra descrita traduz, precisamente, a ofensa no corpo e saúde na pessoa de BB por si protagonizada.
De igual modo, provou-se que a arguida bem sabia que ao agir do modo descrito provocaria no ofendido BB lesões e dores físicas, o que quis e conseguiu, bem como que agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal O predito importa a verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, do tipo subjetivo do crime de ofensa à integridade física matricial, na modalidade de dolo direto.
Atento à factualidade assente, não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude ou culpa da arguida.
Donde, e concluindo, constata-se que a conduta de AA abarca todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que deverá ser condenada.
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4.1.2. Do crime de ameaça agravado:
À arguida é, ainda, imputada a prática de dois crimes de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, que comete o crime de ameaça quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
O bem jurídico protegido com a incriminação em análise é a liberdade de ação e de decisão; a paz jurídica individual. Como salienta Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 348 e 349, as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afetam naturalmente, a paz individual que é a condição de uma verdadeira liberdade, e, por essa via, tolhem verdadeiramente a sua liberdade de ação, fazendo-a evitar, ou tomar, certos comportamentos com receio de que quem fez a ameaça a cumpra.
São elementos integradores da tipicidade objetiva do crime de ameaça: (i) a existência de uma ameaça, consistente na promessa da prática futura de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor do ameaçado; (ii) a adequação dessa mesma ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido; e (iii) que a concretização do mal prometido esteja ou, pelo menos, pareça justificadamente estar aos olhos do ameaçado, na dependência da vontade do agente.
Neste conspecto, o crime de ameaça é um crime de execução livre, podendo a ação de ameaçar revestir qualquer forma – escrita, oral, gestual, etc. – deste que apta a transmitir a ameaça ao destinatário. Contudo, só existirá ameaça típica quando o mal ameaçado, isto é, o objeto da ameaça, configurar em si mesmo um facto ilícito típico cujo objeto de proteção, por sua vez, seja um dos bens jurídicos que o artigo 153.º taxativamente enumera.
Com a reforma do Código Penal de 1995, o crime de ameaça deixou de configurar um crime de resultado ou de dano, passando a consubstanciar um crime de perigo concreto, exigindo-se apenas, para a sua consumação, que a ameaça seja suscetível de afetar a liberdade de determinação de outrem e que, na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que efetivamente o provoque ou afete a liberdade de ação ou de determinação.
Tal adequação deve ser aferida à luz de um critério objetivo-individual (cf. Taipa de Carvalho, in ob cit, pág. 348): objetivo no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem revelar as características psicomentais da pessoa ameaçada (relevância das subcapacidades do ameaçado). No fundo, podemos dizer que também nesta vertente individual se trata inegavelmente de um critério objetivo, só que referido às circunstâncias particulares do ameaçado (por ex., menoridade, deficiência mental) que objetivamente o tornam mais suscetível de se deixar intimidar pela ameaça.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, o crime de ameaça exige uma atuação dolosa. Este dolo, no entanto, basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, intenção de concretizá-la. Ou seja, o dolo exigido reconduz-se, tão-somente, à intenção de, através da ameaça, limitar a liberdade de ação ou a paz individual do ofendido e à consciência de que a conduta desenvolvida é adequada a esse efeito Por sua vez, dispõe o artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal que quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados por meio de ameaça com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º (…).
Neste normativo, como se pode constatar, o legislador estabeleceu uma agravação da pena abstratamente aplicável ao crime de ameaça.
A ratio legis desta agravação consiste na razoável consideração legislativa de que há, no geral dos casos, uma proporção direta entre a gravidade do crime objeto de ameaça e a perturbação da paz individual e da liberdade de determinação do ameaçado: quanto mais grave aquele maior a perturbação.
Este comando normativo prevê, portanto, um crime de ameaça agravado pela gravidade do crime ameaçado, devendo acentuar-se, porém, que os bens jurídicos cuja promessa de agressão constitui o seu objeto são precisamente os mesmos que se referem no artigo 153.º, residindo a sua especificidade tão-só no facto de que a moldura penal abstrata prevista para os respetivos crimes ser superior a três anos de prisão.
Como é bom de ver, a questão que, desde logo, se coloca no processo de subsunção jurídica de uma certa conduta no tipo legal da ameaça agravada, é a de determinar qual o crime que constitui o objeto dessa ameaça, qual o crime, em particular, que constitui o mal prometido.
A este nível a primeira ideia que se aponta é a de apelar ao teor literal da expressão ameaçadora (se esta for escrita ou oral), para aferir se o arguido especificou o crime que ameaçou cometer contra o ofendido.
Alicerçando-nos das considerações teóricas formuladas, baixemos aos autos.
In casu, demonstrou-se que, em data não concretamente apurada, mas situada no mês de maio de 2019, cerca das 21h00, pelo telefone, quando o ofendido BB se encontrava na sua casa, em ..., a arguida, dirigindo-se àquele, disse: «(…) vou aí e puxe-lhe fogo à casa!» e «Hei de queimar-lhe tudo e você há de morrer lá junto à casa também» - cf. n.º 1) da matéria assente.
Mais se provou que no dia 03-08-2019 na ... em ..., a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB e disse-lhe «Eu mato-o!» - cf. n.º 3) da matéria assente.
Se analisarmos a matéria de facto provada, concluímos que tais expressões foram proferidas pela arguida com o único fito de provocar medo e inquietação no ora assistente BB, fazendo com que este temesse pela sua integridade física e pela própria vida.
E apelando à perceção de um homem médio colocado na situação de BB, dúvidas não restam que, pela forma e contexto em que as mesmas foram proferidas, que as mesmas tinham a virtualidade/ eram aptas a que aquele pudesse temer pela sua integridade física e pela sua vida – sendo inequívoco o sentido das expressões proferidas pela arguida.
Ora, tendo em conta as considerações teóricas acima referidas, havemos de considerar que com a sua conduta, na estrita medida da sua atuação, a arguida preencheu, por duas vezes, os elementos objetivos do tipo de ilícito de ameaça agravada, uma vez que prometeu ao assistente BB a prática futura contra si de um crime contra a vida e a integridade física, cuja a moldura penal abstrata para a primeira das promessas é superior a 3 anos (cf. artigo 131.º do Código Penal); sendo que tal ameaça seria adequada a provocar um sentimento de insegurança e de intranquilidade na liberdade de movimentos de KK (cf. ainda os factos n.º 5) e 6) dado como demonstrado); estando a concretização do mal prometido (independentemente da sua efetiva concretização pelo arguido), na dependência da vontade da arguida.
Mais se demonstrou que em razão da seriedade e conteúdo daquelas expressões e por acreditar que a arguida seria capaz de as concretizar, sentiu o ofendido BB medo e inquietação, temendo pela sua vida, bem como que a arguida agiu com o propósito de causar medo e inquietação em BB, agindo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
O predito importa a verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, do tipo subjetivo do crime que vem imputado à arguida, na modalidade de dolo direto.
Atento à factualidade assente, não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude ou culpa da arguida.
Consequentemente, a arguida AA deverá ser condenada pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal.
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4.1.3. Do crime de injúria:
Finalmente, à arguida é imputada a prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
Dispõe o artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
O bem jurídico tutelado por esta norma incriminadora é a dignidade individual, latente no respeito pela honra e consideração que são devidas a qualquer cidadão, cuja deferência será maior se a vítima for uma das pessoas referidas na referida alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal, no exercício de funções ou por causa delas.
Como ensina José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 602 ss., a conceção de honra que se coaduna com a legislação portuguesa, mais precisamente com o artigo 181.º, do Código Penal, consiste numa conceção dual, em que a conceção normativa de honra (cujo ponto de partida é um momento da personalidade do indivíduo (…), um bem que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa) é temperada com uma dimensão fáctica (que será uma alteração empiricamente comprovável de certos elementos de factos, de ordem psicológica ou social). Assim, a honra será vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
A este propósito, escrevem Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2.º vol., 3ª edição, Edit. Rei dos Livros, a pág. 469, que a honra é a dignidade subjetiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui e que consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objetiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão, concluindo aqueles autores que o artigo 181.º, do Código Penal protege ambos os valores e que, em conjunto, serão entendidos como honra em sentido amplo.
Como salientam Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2.º vol., 3.ª edição, pág. 494, uma das características da injúria é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou ato é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre.
Sendo certo que o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado (cf. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 630).
Refira-se, no entanto, que nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham, quando lançados sobre terceiros, cabem na previsão da norma contida no n.º 1 do artigo 180.º do Código Penal, porquanto aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena – cf.: Beleza dos Santos, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92, pág. 168.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, o tipo legal exige o dolo em qualquer das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual, mas não o chamado dolo específico, consistente na intenção específica de ofender (animus diffamandi vel injuriandi), como sinónimo de o fim ou motivo do agente ser um elemento requerido pelo tipo subjetivo, a ponto de tal intenção ser excluída quando o fim ou motivo visados fossem de outra natureza: o fim de narrar, ensinar, corrigir, brincar, segundo a teoria dos diversos animi: animus narrandi, docendi, corigendi, jocandi. Essa teoria está hoje completamente ultrapassada, defendendo-se doutrinária e jurisprudencialmente que o elemento subjetivo se basta com o chamado dolo genérico: a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural e a “sã opinião da generalidade das pessoas de bem – cfr.: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Abril de 2009, pelo colendo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível in www.dgsi.pt.
Assim, não é necessário que tais expressões atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a suscetibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano – cf. Faria e Costa, in ob. cit. e Beleza dos Santos, in Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168.
Conquanto e porque tem relevância para o caso em apreço, prevê o artigo 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal que se nos casos previstos nos artigos 181.º (…) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (…) as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Nesta asserção, a maior densidade da norma incriminadora ora enunciada prende-se com a maior gravidade objetiva da conduta pela sua abrangência na difusão da imputação.
Volvamos, então, ao caso sub iudice.
Do manancial fáctico provado resultou que a arguida, na ocasião descrita em 1), a propósito de umas divisões de bens entre os filhos daquele, a arguida disse ao assistente que este «queria enganar o filho», referindo-se ao CC e, no mesmo contexto, dirigiu-lhe a seguinte expressão: «vigarista», tendo o assistente desligado a chamada.
Provou-se, de igual modo, que depois dessa data e antes da referida em 2), a arguida insistiu, por várias vezes, no contacto telefónico com o assistente, umas vezes utilizando o mesmo número de telefone outras utilizando um outro número de telefone, sendo que numa ocasião em que este atendeu o telefone, a arguida proferiu, além do mais, a seguinte expressão: «velho d’um cabrão?», tendo o assistente desligado de imediato.
Finalmente, ficou provado que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2), na sequência descrito em 11), o assistente dirigiu-se para o exterior da residência e a arguida, dirigindo-se àquele, disse as seguintes palavras: «seu velho d’um cabrão».
Neste passo, com o auspício de nos abstermos de considerações subjetivas acerca das sobreditas expressões, recorremos ao dicionário online Priberam para indagar o significados daquelas concretas palavras (https://dicionario.priberam.org/cabr%C3%A3o e https://dicionario.priberam.org/vigarista, consultados online em 13-11-2022), do qual consta o seguinte:
«cabrão»:1. Macho da cabra. = bode, cabro;2. [Popular] Cabra grande;3. [Popular] Criança que berra muito. = berrão,4. [Calão,Depreciativo] Indivíduo que consente ou ignora ser alvo de traição amorosa ou conjuga = chifrudo, corno, cornudo;5. [Calão,depreciativo] Pessoa muito desprezível, de má índole ou sem carácter. = sacana;
«vigarista»: 1. Que denota vigarice. 2. Diz-se do indivíduo que engana os mais incautos, servindo-se do conto-do-vigário para lhes tirar dinheiro. = burlão. 3. Diz-se do indivíduo que visa enganar outros por meios ardilosos ou de má-fé.= intrujão, trapaceiro.
Donde, lançando mão dos referidos conceitos e da definição atribuída pela generalidade das pessoas, é manifesto que, com as sobreditas expressões, a arguida exprimiu um juízo negativo sobre o assistente e quis significar que o assistente era desprezível, sem carácter e maldizê-lo, bem como que era trapaceiro ou burlão ou que visava enganar terceiros (o filho) de má-fé, sendo que aquelas expressões contêm um nítido teor e carga pejorativa, encerrando um significado que vai muito além da mera grosseria, como se infere do seu significado a que acima nos referimos.
Com efeito, estas palavras dirigidas pela arguida ao assistente são objetiva e subjetivamente, injuriosas, consubstanciando-se numa manifestação, que lhe comportou ofensa, ultraje e insulto, não podendo confundir-se, assim, com a simples indelicadeza ou falta de educação, porque, ao invés, foram capazes de ofender a honra e consideração daquele.
Nesta conformidade, aqui chegados é forçoso concluir pela verificação dos elementos objetivos do crime de injúria.
No que tange ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo-ilícito, resultou provado que ao proferir as sobreditas expressões, a arguida a arguida quis ofender a honra e consideração pessoal do assistente, que conseguiu, bem como que agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pretendendo proferir as expressões acima referidas bem sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração pessoal do assistente – cf. n.ºs 14) e 15) da matéria assente.
Donde, resultam igualmente demonstrados factos subsumíveis aos elementos subjetivos do crime de injúria acima enunciados.
Atendendo à factualidade provada inexistem causas de justificação que excluam a ilicitude (quer gerais quer as previstas especificamente no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal), nem causas de desculpação que excluam a culpa do arguido.
Nestes termos, com a conduta supra descrita, a arguida AA preencheu, então, os elementos objetivos e subjetivos de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, devendo condenada em conformidade.
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4.2. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DO CRIME
Uma vez apurada a responsabilidade criminal da arguida, cumpre determinar a espécie e medida da pena a aplicar-lhe.
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4.2.1. Da determinação da medida concreta da pena
O crime de ofensa à integridade física simples encontra-se previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e é punido com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias.
O crime de ameaça agravada encontra-se previsto pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal e é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena até 240 dias.
O crime de injúria, previsto pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa de 120 dias, sendo que tais penas são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando praticado modalidade de publicidade e calúnia, na vertente que releva no caso dos autos, atento ao consagrado no artigo 183.º, n.º 1, do referido Código.
Tendo por certo que as referidas penas de prisão têm como mínimo 1 mês, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, e a pena de multa 10 dias, de harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 1, do mesmo código Porquanto a cada um dos crime em apreço é aplicável, alternativamente, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 70.º do Código Penal, deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição (cf. ainda o artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa).
Ora, as finalidades da punição encontram-se consagradas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, que prevê que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Da norma acabada de citar resulta que a pena, no Direito Penal português, tem uma finalidade preventiva, a saber: geral positiva (ou de integração) e negativa (ou de intimidação); e especial positiva (de reinserção social) e negativa (tendente à neutralização da conduta do agente).
Nas palavras de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, a necessidade de proteção de bens jurídicos consiste «na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida, tutela esta que se traduz na ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa» [«Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas – Editorial Notícias, 1993 pág. 228].
As exigências prevenção geral positivas encontram-se relacionadas com a necessidade de fazer operar um reforço quer da consciencialização quanto à relevância do bem jurídico tutelado, quer da confiança da comunidade quanto à tutela daqueles bens jurídicos e à validade da norma violada. Já pela prevenção especial positiva tem-se em vista a ressocialização e reintegração do agente na sociedade.
Assim, na escolha da pena, o Tribunal deve partir dos propósitos de prevenção especial, encontrando-se limitado pelas considerações atinentes à prevenção geral, impondo-se aferir se, in casu, a pena não privativa da liberdade é suportada pela comunidade jurídica e satisfaz as exigências de defesa do ordenamento jurídico.
No caso vertente, estando em causa a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, entende-se que são elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a frequência deste tipo atos de violência exercida contra a integridade física das pessoas, que vem provocando grande alarme social e fortes sentimentos de insegurança na comunidade.
De igual modo, no que tange aos crimes de injúria consideramos que as necessidades e exigências de prevenção geral são elevadas, uma vez que o crime de injúria tutela, em última análise, o valor do respeito pela dignidade da pessoa humana, na vertente da honra de outrem.
Por fim, no que concerne aos crimes de ameaça agravada, reportando-nos ao reforço da consciência jurídica comunitária e ao sentimento de segurança face à violação da norma, entendo que as necessidades e exigências de prevenção geral são, igualmente, elevadas, uma vez que o crime de ameaça tutela a liberdade intrínseca de movimentos do sujeito passivo da incriminação que, em última análise, é um valor próprio e subjacente à própria dignidade da pessoa humana.
No que diz respeito às necessidades de prevenção especial positiva, havemos de considerar em desfavor da arguida a circunstância de ter antecedentes criminais também de semelhante natureza averbados ao seu certificado de registo criminal. Não obstante, impor-se-á salientar que os factos apreciados nestes autos foram todos praticados em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação já sofrida pela arguida. Deste modo, não podemos inferir que as condenações anteriores sofridas pela arguida não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crimes de natureza similar à que está em causa nestes autos, porquanto à data dos factos pelos quais será agora condenada ainda não tinha sofrido qualquer solene advertência incidente sobre a ilicitude das suas condutas, donde que não se poderá afirmar que as penas já sofridas não se mostraram suficientes a afastar a arguida de voltar a delinquir.
Acresce que não poderemos olvidar que a arguida faltou injustificadamente à audiência de discussão e julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, manifestando, por essa via, um ostensivo desinteresse pela sorte dos presentes autos, aliás, que poderiam culminar – como culminarão – na sua condenação jurídico criminal, sendo, por conseguinte, impossível indagar de algum arrependimento e/ou interiorização do desvalor das suas condutas. Aliás, o que determinou a impossibilidade de caracterizarmos a sua situação vivencial familiar, profissional e social.
Não obstante o exposto, consideramos que, in casu, inexistem, pois, especiais exigências de prevenção especial que justifiquem a imposição à arguida de uma pena privativa de liberdade.
Tornando-se imperioso concluir que é possível fazer um juízo de prognose positiva, no sentido de que a pena de multa realizará de forma adequada as finalidades da punição de proteção da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e de interiorização, pela arguida, do desvalor das suas condutas e subsequente ressocialização daquela, pelo que se opta pelas referidas penas.
*
Escolhido tipo de penas a aplicar à arguida, cumpre determinar a sua medida concreta, ou seja, o número de dias de multa, tendo por referência as respetivas molduras penais abstratamente aplicáveis para cada crime, a culpa do agente (limite inultrapassável) e as exigências de prevenção que se façam sentir, não olvidando que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente – cf. artigos 47.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do Código Penal.
Devem ainda ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as descritas no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
Já no que no respeita ao quantitativo diário, versa o n.º 2 do artigo 47.º, do Código Penal, o qual determina que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre os € 5,00 e € 500,00, a determinar tendo por referência a situação económica e financeira, bem como encargos pessoais do condenado.
Na determinação do quantum, o Tribunal ter presente que a pena de multa deve ser apta a representar uma censura do facto e também uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, mas deve ainda ser assegurado ao condenado o nível existencial mínimo, considerando as suas condições socioeconómicas.
Baixemos, então, ao caso sub judice.
No que respeita ao grau de ilicitude do crime de ofensa à integridade física, o Tribunal considera-o acima do grau médio, com base, desde logo, ao tipo de agressão e ao meio empregado para a perpetrar, uma vez que aquele utilizou apenas a força física e o seu corpo, que não manifesta uma idoneidade lesiva que se afigure especialmente expressiva, porém incrementado pelas características da vítima, uma vez que se trata de pessoa fisicamente mais frágil e menos ágil, o que determina menor habilidade para se defender, bem como pela incessante vontade da arguida em atuar no modo descrito, como respinga dos factos assentes, uma vez que a mesma atingiu o assistente por várias vezes.
Quanto ao grau de ilicitude dos crimes de injúria, atento o teor e significado das expressões que a arguida dirigiu ao assistente, consideramo-lo moderado.
Já no que respeita ao crime de ameaça, consideramos que o grau de ilicitude é elevado, com base no mal prometido pela arguida – contra a própria vida do assistente, ou seja, correspondente ao bem jurídico tutelado mais fortemente pelo Código Penal -, ainda incrementadas pela circunstância de revelarem um grau de pormenor expressivo, o que, conjugado com o contexto em que são proferidas (a propósito da divisão de bens, nomeadamente, de prédios de habitação do assistente), exponencia a credibilização, pelo destinatário, de tais promessas.
Quanto às consequências da prática do crime de ofensa à integridade física ora em discussão, como sejam as lesões descritas em 4), consideramo-las pouco expressivas. No entanto, sendo transversal a todos os factos, aquelas são incrementadas quando considerado os padecimentos emocionais sofridos pelo assistente que se assentaram.
No mais, in casu, é absolutamente imperioso considerar o móbil de toda a atuação da arguida, conforme respinga de toda a descrição dos acontecimentos, nomeadamente, no que tange às palavras proferidas pela mesma: a divisão de bens aflorada em 9) (que, veja-se, se reporta à data indicada em 1), sendo o mote para o restante), sendo que a arguida não era, sequer, visada pela referida divisão de bens, mas, outrossim, o seu namorado. É, na verdade, a ganância da arguida que espoleta a sua atuação, sendo que se reporta, inclusivamente, a bens sobre os quais não tinha quaisquer direitos ou legitimas aspirações. Por isso, neste passo, a censura da arguida é ainda maior. O que, ademais, é incrementado por ter atuado debaixo de móbil em três ocasiões distintas (em duas chamadas telefónicas ocorridas entre maio de 2019 e o dia 03-08-2019 e na ocasião referida em 2).
Apurado nos termos expendidos, que a arguida agiu, em todas as suas condutas, com dolo direto, havemos de concluir que o fez na sua forma mais intensa, uma vez agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei penal.
Quanto às necessidades de prevenção especial positiva e geral positiva, remetemo-nos para o que oportunamente discorremos em sede de escolha da pena.
Em face do exposto, entendo justo, adequado e suficiente condenar a arguida na pena de 85 dias de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 115 dias de multa por cada um dos crimes de ameaça agravada e na pena de 80 dias de multa pela prática de cada um dos crimes de injúria.
Na determinação do quantitativo diário das sobreditas penas de multa, uma vez que não se produziu prova referente às condições socioeconómicas do arguido, o Tribunal nortear-se-á, na ausência de outros elementos, por critérios de razoabilidade e pelas regras da experiência comum, tendo como referência o valor do salário mínimo nacional (que, atualmente, ascende a € 705,00), bem como as despesas comuns a qualquer economia familiar.
Assim, afigura-se equilibrada a fixação do quantitativo diário das penas de multa em € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).
Sopesando, assim, todas as referidas circunstâncias, entende-se justo e adequado condenar a arguida AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal na pena, por cada um, de 115 dias de multa, à taxa diária de € 6,50 e pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal na pena, por cada um, de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50.
*
4.2.2. Do cúmulo jurídico:
Determinadas as penas concretas que cabem a cada um dos crimes praticados pela arguida AA, importa proceder à determinação da pena única do concurso de acordo com o artigo 77.º do Código Penal.
Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do mesmo código, cujo seu máximo corresponderá à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, que quanto à pena de multa não poderá ultrapassar os 900 dias e quanto à pena de prisão não poderá ultrapassar 25 anos, e o mínimo fixar-se-á na mais alta das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
No caso sub judice, para a arguida essa moldura abstrata de concurso das penas de multa fixar-se-á no seu mínimo em 115 dias multa e o máximo em 555 dias de multa.
Com efeito, como prescreve o artigo 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Desta forma, esta ponderação deverá centrar-se na ideia da “gravidade do ilícito global” que os factos em apreço ofereçam, bem como refletir a resposta à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade – Figueiredo Dias, in Direito Penal Português..., ob cit, pág. 291, §421.
De acordo com os apontados critérios, e tendo em conta a gravidade dos ilícitos perpetrados pela arguida e a sua personalidade, afigura-se-nos adequado, fixar a pena única de concurso das penas de multa em 320 (trezentos e vinte) dias, com a aplicação de um quantitativo diário de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), nos termos atrás definidos.
Face ao exposto, deve a arguida AA ser condenada pela prática, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e de dois crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal na pena única de 320 (trezentos e cinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 2.080,00 (dois mil e oitenta euros).
Assim se decidirá.
(…).»

2.3. Conhecimento do mérito do recurso
O objeto do recurso em apreciação versa exclusivamente sobre matéria de direito.
Analisada a sentença recorrida, não se vislumbra que a mesma enferme de qualquer dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do artigo 410º, n.º 2, do CPP – quais sejam: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova –, nem que ocorra qualquer nulidade de que este Tribunal ad quem devesse conhecer oficiosamente.
A propósito da matéria de facto dada como provada, na sentença recorrida, da mesma não constam quaisquer factos relativos às condições pessoais e situação económica da arguida, consignando-se, em sede de fundamentação de direito, na escolha da pena e na opção feita pela pena de multa, que: «a arguida faltou injustificadamente à audiência de discussão e julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, manifestando, por essa via, um ostensivo desinteresse pela sorte dos presentes autos, (...) o que determinou a impossibilidade de caracterizarmos a sua situação vivencial familiar, profissional e social.».
A questão que se coloca é se, na concreta situação dos autos, o Tribunal a quo devia ter diligenciado pela obtenção de elementos que o habilitassem a ponderar sobre as condições pessoais da arguida/recorrente, designadamente, solicitando a elaboração de relatório social, nos termos do disposto no artigo 370º, n 1, do CPP.
Como é sabido, as condições pessoais e a situação económica do arguido, constituem um dos elementos a que o julgador deverá atender na determinação da medida concreta da pena (cf. artigo 71º, n.º 2, al. d), do Código Penal).
As condições pessoais, conjuntamente com a ponderação da conduta do arguido anterior e posterior à prática do crime por que é condenado (cf. artigo 71º, nº. 2, al. e), do Código Penal), revelam-se decisivas, decisivos, desde logo, para a formulação do juízo acerca das exigências de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir (cf. artigo 71º, nº. 1, do Código Penal).
Já a situação económica do arguido releva, fundamentalmente, no que respeita ao montante diário da pena de multa a fixar.
Sucede que, no caso sub judice, a arguida/recorrente tendo prestado TIR nos autos (cf. fls. 135) e notificada que foi, por via postal simples, com prova de depósito, na morada que indicou no TIR – ..., n.º ..., ..., ... –, das datas designadas para julgamento, faltou injustificadamente à audiência de julgamento.
A notificação expedida para indicada morada, foi devolvida com a menção “Não vive nesta morada” e “Já não reside nesta morada” (cf. fls. 210, 211, 212, 234 e 236 dos autos).
A arguida veio a ser notificada da sentença recorrida, por contato pessoal, na seguinte morada: “...”, ..., ..., ... ... (cf. fls. 265 e 266 dos autos).
Assim, tendo a arguida deixado de residir na morada que indicou no TIR, sem que comunicasse aos autos a sua nova residência, incumprindo, desse modo, a obrigação a que estava adstrita decorrente do TIR (cf. artigo 196º, n.º 3, al. b), do CPP), não estava o Tribunal a quo obrigado a diligenciar pelo apuramento das suas condições pessoais e situação económica.
Donde, entendermos que, na concreta situação configurada dos autos, a omissão do tribunal em diligenciar pelo apuramento de factos relativos às condições pessoais e situação económica da arguida, designadamente, através da elaboração de relatório social, não integra o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP[1].
Posto isto, passamos a apreciar e decidir das questões suscitadas no recurso.
Vejamos, então:
2.3.1. Do erro de subsunção:
Alega a arguida/recorrente que as suas condutas, ao dirigir ao assistente as expressões “vigarista” e “velho d´um cabrão”, não integram o crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal.
Neste enfoque, defende a recorrente que a expressão “vigarista”, considerando as concretas circunstâncias em que foi proferida – no calor de uma discussão telefónica, a respeito de uma divisão de bens, na qual entendeu defender os interesses do namorado, filho do assistente, sendo um modo de manifestar o seu desagrado, fazer valer o seu descontentamento – não reveste uma carga ofensiva perante o homem médio e no concernente à expressão “velho d´um cabrão”, sendo desrespeitosa, indelicada, grosseira para o visado, não põe em causa o caráter, o bom nome e a reputação do ofendido.
Entende, assim, a recorrente que as referenciadas expressões que dirigiu ao assistente não preenchem a tipicidade objetiva do crime de injúria, do artigo 181º, do CP, pelo que se impõe a sua absolvição da prática dos três crimes de injúria pelos quais foi condenada na sentença recorrida.
O Ministério Público e o assistente pronunciam-se no sentido de se mostrarem preenchidos os elementos típicos do crime de injúria, pugnado pela manutenção da condenação da arguida/recorrente, nos termos decididos na sentença recorrida.
Apreciando:
Por forma a evitar repetições e merendo-nos concordância as considerações jurídicas tecidas na sentença recorrida, acerca do crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, nº. 1, do CP, dão-se as mesmas aqui por reproduzidas.
Reiteram-se, todavia, os seguintes aspetos:
Tal como decorre do disposto no artigo 181º, n.º 1, do Código Penal, para o preenchimento do tipo objetivo do crime de injúria exige-se a imputação a outrem, mesmo sob a forma de suspeita, de factos que sejam ofensivos da honra ou consideração do visado ou que o agente dirija ao visado, palavras cujo significado tenha essa carga ofensiva.
Sendo múltiplas as conceções e distinções que vem sendo traçadas pela doutrina, a propósito da honra e da consideração, ainda, assim, de uma forma, mais ou menos, consensual, vem sendo considerado que a honra constitui o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a retidão, isto é a dignidade subjetiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objetiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública[2].
Constitui entendimento consolidado na jurisprudência o de que para aquilatar se certa expressão, imputação de factos ou juízo de valor, tem dignidade penal, em termos de integrar o crime de injúria, há que tomar em consideração o contexto em que o agente atuou, as razões que o levaram a agir e a maior ou menor adequação social do seu comportamento[3].
Dito de outro modo, para se aferir do preenchimento da tipicidade objetiva do crime de injúria não nos poderemos «limitar à valoração isolada e objetiva das expressões proferidas, exigindo-se que as mesmas sejam apreciadas em função do circunstancialismo de tempo, de modo e de lugar em que foram proferidas, tendo ainda em conta as realidades relacionadas com o contexto sociocultural e a maior ou menor adequação social do comportamento[4].».
Como referem Simas Santos e Leal-Henriques[5] «No crime em análise não se protege, pois, a suscetibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas.
Uma das características da injúria é a sua relatividade, o que quer dizer que o caráter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre.
Daí que só em cada caso concreto se possa afirmar se há ou não comportamento delituoso.».
Do acabado de expor, decorre que determinada expressão, à luz dos padrões médios de valoração social, poderá ou não ser idónea a atingir a honra ou a consideração da pessoa a quem foi dirigida, dependendo do contexto e circunstancialismo em que foi proferida pelo agente.
Assim, se, por exemplo, num contexto de desentendimento ou de intensa conflituosidade antecedente ou contemporânea aos factos, a expressão “cabrão” proferida pelo agente, tem uma carga pejorativa, sendo adequada a atingir a honra e consideração do visado a quem foi dirigida. Outras situações existem em que a mesma expressão “cabrão”, é proferida, em tom de brincadeira, no âmbito de relação de confiança e camaradagem, com o outro, caso em que estará destituída de qualquer conotação negativa, carecendo de reprovação ético-social, não sendo ofensiva da honra ou consideração do visado.
Relativamente ao tipo subjetivo do crime de injúria, constitui entendimento uniforme da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que para o seu preenchimento não é exigível o dolo específico (animus injuriandi), bastando apenas o dolo genérico em qualquer das suas formas; direto necessário ou eventual (artigo 14º do CP).
Neste quadro, no caso vertente, salvo o devido respeito por entendimento contrário, defendido pela recorrente, merece-nos concordância a posição adotada pelo Tribunal a quo, ao considerar serem as expressões “vigarista” e “velho d´um cabrão”, dirigidas pela arguida/recorrente ao assistente BB, nas concretas circunstâncias e contexto em que o foram – estando em causa uma questão de partilha/divisão de bens entre os filhos do assistente, sendo um deles, à época da ocorrência dos factos, namorado da arguida e não aceitando esta os moldes em que o assistente pretendia proceder a tal partilha/divisão de bens, acusando-o de querer enganar/prejudicar o filho, seu namorado, rebelando-se a arguida contra o assistente, adotando atitudes intimidatórias, procurando contatá-lo, através de telefonemas, insistentes, dirigindo-lhe “ameaças de morte” e, chegando mesmo, a agredi-lo fisicamente, conforme resultou provado – revelam-se, de forma objetiva, idóneas a lesar a honra e consideração do assistente, nos termos sobreditos.
Efetivamente, conforme se refere na sentença recorrida, ao proferir as expressões em apreço, a arguida exprimiu um juízo negativo sobre o assistente, querendo significar que o mesmo «era desprezível, sem carácter e maldizê-lo, bem como que era trapaceiro ou burlão ou que visava enganar terceiros (o filho) de má-fé, sendo que aquelas expressões contêm um nítido teor e carga pejorativa, encerrando um significado que vai muito além da mera grosseria (...), simples indelicadeza ou falta de educação.».
De notar que o exemplo trazido à colação pela recorrente em apoio do entendimento por si preconizado, respeitante a um debate televisivo, entre dois líderes de partidos adversários, na corrida às eleições presidenciais de 2021, onde um deles apodou o outro de “vigarista”, reporta-se a situação e contexto totalmente distintos daqueles em causa nos presentes autos, constituindo entendimento jurisprudencial maioritário serem mais amplos os limites da crítica admissível relativamente a quem exerce cargo ou função de natureza política[6].
Em suma, as expressões “vigarista” e “velho d´um cabrão”, dirigidas pela arguida ao assistente, no contexto em que foram proferidas – exteriorizando a arguida, namorada de um dos filhos do assistente, que este último estava a enganar/prejudicar aquele na partilha/divisão de bens a realizar –, consubstanciam uma forma adequada e apta a insultar e ofender na sua honra e consideração o assistente, integrando a tipicidade objetiva do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal.
Assim sendo, tendo a arguida/recorrente atuado com dolo, preenchendo também o tipo subjetivo do crime de injúria, não existindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, tem de manter-se a sua condenação, pela prática, de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal, conforme decidido na sentença recorrida.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

2.2.2. Da medida da penas
Sustenta a recorrente serem as penas parcelares em que foi condenada, por cada um dos três crimes de injúria, fixadas em 80 (oitenta) dias, manifestamente excessivas e desproporcionais, tendo em conta a gravidade dos factos, o seu grau de culpa e
as exigências de prevenção geral e especial, sendo, consequentemente, a pena única que lhe foi aplicada, em cúmulo jurídico, 320 (trezentos e vinte) dias, excessivamente gravosa.

Defende a recorrente que sendo reduzido o grau de ilicitude dos factos e da sua culpa, na ausência de antecedentes criminais por ilícitos desta natureza e as circunstâncias em que os factos ocorreram, a pena de multa não deverá ultrapassar os 45 (quarenta e cinco) dias, por cada um dos três crimes de injúria e a pena única, resultante do cúmulo jurídico, não deverá exceder os 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.
O Ministério Público e o assistente pugnam pela manutenção da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas, por entenderem que se mostram justas e adequadas às finalidades da punição.
Vejamos:
No tocante às penas parcelares, a recorrente apenas se insurge quanto às respeitantes aos três crimes de injúria, fixadas em 80 (oitenta) dias.
Tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de multa, a moldura penal abstrata aplicável ao crime de injúria, é de 10 a 120 dias (cf. artigo 181º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do CP).
A concretização da pena, dentro da correspondente moldura legal, obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 40º do CP, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (n.º 1) e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
E em conformidade com o estatuído no artigo 70º do C.P. a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e nessa determinação o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias elencadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[7], sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do art.º 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a determinação da medida concreta da pena de multa aplicada à ora recorrente, por cada um dos três crimes de injúria praticados:
«(...), no que tange aos crimes de injúria consideramos que as necessidades e exigências de prevenção geral são elevadas, uma vez que o crime de injúria tutela, em última análise, o valor do respeito pela dignidade da pessoa humana, na vertente da honra de outrem.
(...)
No que diz respeito às necessidades de prevenção especial positiva, havemos de considerar em desfavor da arguida a circunstância de ter antecedentes criminais também de semelhante natureza averbados ao seu certificado de registo criminal. Não obstante, impor-se-á salientar que os factos apreciados nestes autos foram todos praticados em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação já sofrida pela arguida. Deste modo, não podemos inferir que as condenações anteriores sofridas pela arguida não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crimes de natureza similar à que está em causa nestes autos, porquanto à data dos factos pelos quais será agora condenada ainda não tinha sofrido qualquer solene advertência incidente sobre a ilicitude das suas condutas, donde que não se poderá afirmar que as penas já sofridas não se mostraram suficientes a afastar a arguida de voltar a delinquir.
(...)
Quanto ao grau de ilicitude dos crimes de injúria, atento o teor e significado das expressões que a arguida dirigiu ao assistente, consideramo-lo moderado.
(...)
No mais, in casu, é absolutamente imperioso considerar o móbil de toda a atuação da arguida, conforme respinga de toda a descrição dos acontecimentos, nomeadamente, no que tange às palavras proferidas pela mesma: a divisão de bens aflorada em 9) (que, veja-se, se reporta à data indicada em 1), sendo o mote para o restante), sendo que a arguida não era, sequer, visada pela referida divisão de bens, mas, outrossim, o seu namorado. É, na verdade, a ganância da arguida que espoleta a sua atuação, sendo que se reporta, inclusivamente, a bens sobre os quais não tinha quaisquer direitos ou legitimas aspirações. Por isso, neste passo, a censura da arguida é ainda maior. O que, ademais, é incrementado por ter atuado debaixo de móbil em três ocasiões distintas (em duas chamadas telefónicas ocorridas entre maio de 2019 e o dia 03-08-2019 e na ocasião referida em 2).
Apurado nos termos expendidos, que a arguida agiu, em todas as suas condutas, com dolo direto, havemos de concluir que o fez na sua forma mais intensa, uma vez agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei penal.
Quanto às necessidades de prevenção especial positiva e geral positiva, remetemo-nos para o que oportunamente discorremos em sede de escolha da pena.
Em face do exposto, entendo justo, adequado e suficiente condenar a arguida (...) na pena de 80 dias de multa pela prática de cada um dos crimes de injúria.»
Entendemos ter o Tribunal a quo ponderado, devidamente, os elementos a que atendeu, na determinação da medida concreta da pena a aplicar à arguida/recorrente, designadamente, o grau de ilicitude dos factos – tendo em conta as concretas expressões dirigidas pela arguida ao assistente, o contexto em que ocorreram e a repercussão que tiveram no estado emocional do assistente, pessoa idosa, com 84 anos, à data dos factos –, a intensidade do dolo – direto – com que a arguida atuou.
No tocante às exigências de prevenção geral, as mesmas mostram-se muito elevadas, dada a frequência com que vêm sendo praticados crimes de injúria, em contexto de conflituosidade, despoletado pelas mais diversas razões, designadamente, por questões relacionadas com interesses patrimoniais.
Em relação às exigências de prevenção especial, revelam-se medianamente acentuadas, já que, embora não registando antecedentes criminais à data do cometimento dos factos, os traços da sua personalidade, refletidos na prática dos factos, evidenciando, além do mais, ser impulsiva e ter dificuldade de autocontrole, constituem um facto de risco de reiteração da condutas idênticas.
Por todo o exposto, na ponderação de todas as enunciadas circunstâncias, entendemos que a medida concreta da pena de multa aplicada à arguida/recorrente, por cada um dos três crimes de injúria, fixada em 80 (oitenta) dias, dentro da moldura penal abstrata que lhe corresponde, situando-se no respetivo ponto médio, revela-se ajustada e perfeitamente adequada às necessidades de prevenção que no caso de fazem sentir, nos termos sobreditos, não ultrapassando a medida culpa da arguida. Não existe, por isso, fundamento para a redução do quantum das referenciadas penas parcelares, fixado na 1.ª instância.
Relativamente à medida da pena única de multa, resultante do cúmulo jurídico efetuado, fixada em 320 (trezentos e vinte) dias, aplicada, pelo Tribunal a quo, à arguida/recorrente, considerando a moldura abstrata aplicável (sendo o respetivo limite mínimo de 115 dias e o limite máximo de 555 dias) e ponderando a gravidade do ilícito global (que se revela medianamente acentuado, tendo em conta, designadamente, as lesões sofridas pelo ofendido/assistente, em consequência da ofensa à integridade física que o arguida/recorrente lhe infligiu e o quadro emocional pelo mesmo vivenciado, em resultado dessa agressão, bem como das “ameaças de morte” e das injúrias, que lhe foram dirigidas pela arguida, tendo o assistente 84 anos de idade, à data dos factos) e a sua relacionação com a personalidade da arguida/recorrente (que denota traços de agressividade, impulsividade e dificuldade de autocontrole), entendemos que aquela pena (fixada um pouco abaixo da metade da moldura penal aplicável) se mostra justa e adequada, não nos merecendo, por isso, censura.
No que tange ao quantitativo diário da multa fixado na sentença recorrida, em €6,50, a recorrente não a põe em causa, pelo que, é de manter.
Entendemos, pois, que não houve violação, pelo Tribunal a quo, das normas legais invocadas pela recorrente e dos critérios que presidem à determinação da medida concreta das penas aplicadas.
Nesta conformidade, decide-se manter as penas parcelares e a pena única aplicadas à arguida/recorrente, na sentença recorrida.
Improcede, por conseguinte, também este segmento do recurso.
O recurso é, pois, julgado improcedente.

3. DECISÃO
Pelo exposto e em conformidade, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (cf. artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Notifique.
Évora, 09 de maio de 2023


Fátima Bernardes
Fernando Pina
Beatriz Marques Borges
_________________________________________
[1] Neste sentido, cf. Ac. desta RE de 05/12/2017, proc. 51/15.0GTSTR.E1, in www.dgsi.pt.
[2] Cf., por todos, na doutrina, Simas Santos e Leal-Henrique, in Código Penal Anotado, vol. III, Rei dos Livros, 4ª edição, págs. 604 e 605; José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 602 a 607, e, na jurisprudência, Ac. da RE de 10/05/2016, proc. 163/13.5GBELV.E1, in www.dgsi.pt e Ac. da RL de 19/01/2016, in CJ, 2016, II, págs. 114 a 116.
[3] Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acórdãos da RE de 10/05/2016, proc. 163/13.5GBELV.E1 e de 14/03/2023, proc. 18/22.2GCCUB.E1, da RC de 10/07/2014, proc. 1205/13.0GBAGD.C1 e da RG de 09/11/2020, proc. 349/17.3GCVNF.G1 , in www.dgsi.pt.
[4] Cf. Ac. da RG de 30/06/2014, processo 377/13.8GCBRG.G1, in www.dgsi.pt.
[5] In ob. cit., pág. 623.
[6] Cf., entre outros, Ac. da RP de 19/09/2012, proc. 726/10.0TAVNF.P1 e Ac. da RG de 24/05/2021, proc. 294/19.8PABCL.G1, in www.dgsi.pt
[7] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 215.