Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | INJÚRIA HONRA E CONSIDERAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Constitui entendimento consolidado na jurisprudência o de que para aquilatar se certa expressão, imputação de factos ou juízo de valor, tem dignidade penal, em termos de integrar o crime de injúria, há que tomar em consideração o contexto em que o agente atuou, as razões que o levaram a agir e a maior ou menor adequação social do seu comportamento. II - Assim, se, por exemplo, num contexto de desentendimento ou de intensa conflituosidade antecedente ou contemporânea aos factos, a expressão “cabrão” proferida pelo agente, tem uma carga pejorativa, sendo adequada a atingir a honra e consideração do visado a quem foi dirigida. Outras situações existem em que a mesma expressão “cabrão”, é proferida, em tom de brincadeira, no âmbito de relação de confiança e camaradagem, com o outro, caso em que estará destituída de qualquer conotação negativa, carecendo de reprovação ético-social, não sendo ofensiva da honra ou consideração do visado. III - No caso dos autos, as expressões “vigarista” e “velho d´um cabrão”, dirigidas pela arguida ao assistente, nas concretas circunstâncias e contexto em que o foram – estando em causa uma questão de partilha/divisão de bens entre os filhos do assistente, sendo um deles, à época da ocorrência dos factos, namorado da arguida e não aceitando esta os moldes em que o assistente pretendia proceder a tal partilha/divisão de bens, acusando-o de querer enganar/prejudicar o filho, seu namorado, rebelando-se a arguida contra o assistente, adotando atitudes intimidatórias, procurando contatá-lo, através de telefonemas, insistentes, dirigindo-lhe “ameaças de morte” e, chegando mesmo, a agredi-lo fisicamente – revelam-se idóneas a lesar a honra e consideração do assistente, integrando a tipicidade objetiva do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 2. FUNDAMENTAÇÃO * 2.2. Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa ter presente o teor da sentença recorrida, nos segmentos relevantes para o efeito e que se passam a transcrever:«(…) II - FUNDAMENTAÇÃO 1. FACTOS PROVADOS Da produção da prova e da discussão da causa o Tribunal considerou provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de maio de 2019, cerca das 21h00, pelo telefone, quando o ofendido BB se encontrava na sua casa, em ..., a arguida, dirigindo-se àquele, disse: «(…) vou aí e puxe-lhe fogo à casa!» e «Hei de queimar-lhe tudo e você há de morrer lá junto à casa também». 2. No mesmo local, no dia 03-08-2019, a arguida empurrou com as mãos o ofendido BB. 3. Nesse mesmo dia, na Santa Casa da Misericórdia em ..., a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB e disse-lhe «Eu mato-o! Há de morrer junto à casa!» 4. Em consequência de tais agressões, o ofendido BB sofreu as seguintes lesões: equimoses em evolução na face anterior, terço distal, da coxa com 5x1cm, que lhe determinaram 5 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. 5. A arguida bem sabia que ao agir do modo descrito provocaria no ofendido BB lesões e dores físicas, o que quis e fez. 6. Em razão da seriedade e conteúdo daquelas expressões e por acreditar que a arguida seria capaz de as concretizar, sentiu o ofendido BB medo e inquietação, temendo pela sua vida. 7. A arguida agiu com o propósito de causar medo e inquietação em BB. 8. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal. 9. Na ocasião referida em 1), na referida chamada telefónica que o assistente recebeu da arguida, esta disse-lhe, a propósito de umas divisões de bens entre os filhos daquele, que «queria enganar o filho», referindo-se ao CC e, no mesmo contexto, dirigiu-lhe, em tom ameaçador, a seguinte expressão: «vigarista», tendo o assistente desligado a chamada. 10. Depois dessa data e antes da referida em 2), a arguida insistiu, por várias vezes, no contacto telefónico com o assistente, umas vezes utilizando o mesmo número de telefone outras utilizando um outro número de telefone, sendo que numa ocasião em que este atendeu o telefone, a arguida proferiu a seguinte expressão: «então não sabes quem é, velho d’um cabrão?», tendo o assistente desligado de imediato. 11. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2), na sequência do ali narrado, a arguida, dirigindo-se ao assistente, disse as seguintes palavras: «dê cá a chaves seu velho, para eu mandar fazer a chave no centro comercial». 12. Nesse seguimento, procurando evitar o conflito, o assistente dirigiu-se para o exterior da residência e a arguida, dirigindo-se àquele, disse as seguintes palavras: «seu velho d’um cabrão». 13. Após, o assistente entra na sua viatura e dirige-se para o Lar da Santa Misericórdia de ..., onde a esposa se encontra internada, sendo que apesar de lho ter pedido, o segurança não conseguiu impedir a entrada da arguida nas instalações, tendo esta atuado conforme descrito no n.º 3). 14. Ao proferir as expressões acima descritas, a arguida quis ofender a honra e consideração pessoal do assistente, que conseguiu. 15. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pretendendo proferir as expressões acima referidas bem sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração pessoal do assistente. 16. A arguida tem os seguintes antecedentes criminais averbados ao seu registo criminal: a) Por sentença proferida em 13-04-2021 e transitada em julgado em 13-05-2021, foi o arguido condenado pela prática, em 14-07-2019, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal, na pena única de 140 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros). 17. Em consequência necessária e direta das expressões descritas em 1) e 3) que a arguida dirigiu ao assistente, este sentiu medo e inquietação, por pensar que a arguida poderia concretizar aquelas ameaças, pelo tom de seriedade e agressividade e pelas circunstâncias com que as proferiu. 18. Bem como teve receio de ficar sozinho em casa, tendo procurado, por várias vezes, a companhia do seu filho DD. 19. E, nos meses subsequentes à data referida em 2), teve pesadelos à noite, sempre com receio que a arguida concretizasse as ameaças. 20. Em consequência necessária e direta das ofensas ao seu corpo descritas em 3), além das lesões descritas em 4), sentiu dores fortes, que persistiram vários dias, incomodando-o no seu dia-a-dia, no andar e movimentação do braço, tendo tomado medicação para as dores. 21. O assistente sempre foi pessoa respeitada e considerada em ..., sendo reconhecido como pessoa educada e de bem. 22. Com as condutas da arguida acima descritas o assistente sentiu-se incomodado e até deprimido. 23. A conduta da arguida no episódio descrito em 3), por ter ocorrido num local público e à vista de várias pessoas, muito entristeceu e incomodou o assistente. * 2. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, não se provou que: A. Na ocasião referida em 3), além do ali descrito, a arguida proferiu a seguintes expressão, dirigida ao assistente: «Há de morrer junto à casa!» B. Além do referido em 11), nesse mesmo circunstancialismo, a arguida apodou o assistente de «mouco». C. Em consequência necessária e direta das expressões descritas em 1) e 3) que a arguida dirigiu ao assistente, este deslocou-se menos vezes à rua; evitou andar sozinho e procurou andar acompanhado do seu filho DD. D. As dores de que o assistente padeceu, em consequência necessária e direta das ofensas ao seu corpo descritas em 3), impediram-no de ter um sono reparador, já que persistiam à noite, quando se voltava na cama. * Tendo presente que o objeto do processo se fixa com a dedução da acusação (pública e/ou particular), deve ter-se como não escrita a alegação de imputações genéricas, vagas e/ou conclusivas, que não estejam minimamente concretizadas, por não permitirem um real e efetivo exercício do direito de defesa e o acesso a um processo equitativo (artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, aplicável no ordenamento jurídico por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Ademais, os restantes factos alegados na acusação pública, na acusação particular e/ou no pedido de indemnização civil não especificamente dados como provados ou não provados, ou são a repetição ou negação de outros já dados como provados na sua formulação positiva, ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivações), genéricos, ou ainda irrelevantes para a decisão. Mais se salienta que a exclusão dos factos alegados na acusação particular que não tenham a virtualidade de, em abstrato, ser subsumível no crime natureza particular imputado à assistente e/ou que, em abstrato, integrem a prática de crime(s) de natureza pública ou semipública deve, de igual modo, ter-se como não escrita, desde logo ou por implicar uma alteração substancial/não substancial dos factos ou a sua qualificação, nos termos do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, ou por não ter sido, como tal, recebida/rejeitada de harmonia com o estabelecido no artigo 284.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. * 3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO O Tribunal estribou a sua convicção na análise critica da prova produzida em sede de audiência de julgamento e discussão, bem como da carreada para os autos, atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório, tudo devidamente articulado com juízos de normalidade e de experiência comum, salientando-se que a arguida não compareceu à audiência de discussão e julgamento, apesar de regularmente convocada, não tendo justificado a sua falta. Concretizemos então. Para julgar demonstrada a factualidade descrita nos n.ºs 1), 9) e 10), o Tribunal alicerçou-se nas declarações do assistente BB, que explicou o sucedido de harmonia com o que se julgou assente, tendo merecido inteira credibilidade uma vez que evidenciou um discurso simples, escorreito, objetivo e coerente, sendo que, apesar da sua posição processual, em nada se revelou apaixonado ou exacerbado. Ademais, importa salientar que a descrição quanto às condutas e postura da arguida descritas pelo arguido a propósito desta matéria é absolutamente coerente com a restante factualidade objeto destes autos, desta feita, e como veremos, sendo corroborado por outras testemunhas. Assim, BB explicou que conheceu a arguida, então namorada do CC, na páscoa de 2019, tudo tendo corrido com normalidade. Porém, e quanto ao móbil da atuação da arguida, referiu que tem, além daquela em que vive, duas outras casas e, bem assim, dois filhos; por isso, ainda em vida, queria deixar uma casa a cada um; para tanto mandou avaliá-las e apurou-se que uma valia € 200.000,00 e outra € 100.000,00; por acordo entre os filhos, ficou combinado que a primeira ficaria para o seu filho DD e a segunda para o CC, acrescido de € 50.000,00. Ora, sucede que, um dia, o CC lhe ligou a dizer que que se o irmão ficava com a casa avaliada em € 200.000,00 então devia receber € 100.000,00 para o compensar pela diferença; o assistente explicou-lhe que não, sob pena de ser o irmão a ficar prejudicado (a aritmética é simples: € 200.000,00 + € 100.000,00 = € 300.000,00 /2 = € 150.000,00; ou seja, o filho que fica com a casa mais valiosa fica beneficiado em € 50.000,00, corresponde ao prejuízo daquele que fica com a casa menos valiosa). Neste seguimento, a arguida, então namorada deste seu CC, ligou-lhe e dirigiu-lhe, nesse contexto, as expressões referidas em 1) e 9). Este contexto, relacionado com a divisão de bens, permite melhor compreender as concretas expressões ali referidas e a razão para que a arguida lhes tenha lançado mão, credibilizando a narração do assistente. Atento ao concreto conteúdo das expressões descritas em 1), e uma vez que a arguida insistia em continuar a ligar-lhe, nomeadamente de outros números, proferindo expressões de idêntico jaez e, para o que nos importa, apodando-o de «velho d’um cabrão», explicou o assistente que quando o CC lhe ligou a informar que no dia de aniversário da sua mulher, em 03 de agosto, iria visitá-lo acompanhado da namorada, a aqui arguida, decidiu, por receio, mudar a fechadura da porta de sua casa, em .... Aliás, de forma absolutamente coerente e lógica, o assistente explicou que se a arguida era tão agressiva pelo telefone, receava que fosse pior pessoalmente. A circunstância de o pai ter mudado as fechaduras de casa foi confirmada pelas testemunhas DD e CC, seus filhos, que de forma simples o aludiram, tendo ambos referido que o pai lhes disse que o fez por causa da arguida e de alguma coisa que ela lhe teria dito. Ou seja, credibilizando o relato do assistente quanto ao conteúdo das chamadas de telefone em apreço, veja-se que o receio deste se exterioriza num comportamento objetivamente observado pelas aludidas testemunhas, traduzido na mudança da fechadura, obstaculizando o acesso daquela à sua casa. Ora, a arguida não compareceu no julgamento, pelo que não nos apresentou qualquer versão que permita infirmar o raciocínio acima esgrimido. Ademais, a circunstância de apenas se poder contactar com o conhecimento pessoal e direto do assistente quanto ao conteúdo daquela chamada em não prejudica a demonstração da factualidade em disputa, atento às características das declarações do assistente e, como já se disse, porque a narrativa deste é perfeitamente enquadrável nas condutas da arguida infra apreciadas e consonantes com a aventada necessidade de alterar a fechadura de casa. Portanto, ainda que só contemos com as declarações do assistente, não restam quaisquer dúvidas sobre a realidade dos factos. Para julgar demonstrada a factualidade descrita nos n.ºs 2), 3), 4), 11), 12) e 13), bem como indemonstrada a inserta em A) e B), o Tribunal respaldou-se nas declarações do assistente e no depoimento das oito testemunhas ouvidas em Tribunal, sendo que a razão de ciência destas reside na circunstância de terem assistido, pelo menos em parte, ao ocorrido no Lar ali identificado, ainda que em momentos e lugar distintos, sendo que a análise conjugada dos seus depoimentos se harmonizam perfeitamente com o descrito por BB e, por sua vez, mostrando-se em consonância com a convicção traduzida na factualidade assente. O que concretizamos nos seguintes termos: O assistente BB descreveu – no mesmo um discurso simples, escorreito, objetivo e coerente – o ocorrido em perfeita harmonia com o que se assentou – não tendo aludido à expressão referida em B) –; esclareceu que, como mudou a fechadura da porta de sua casa, a arguida lhe pediu, lançando mão do vocabulário referido em 11) e 12), as chaves de casa para fazer a cópia e que, ato contínuo, lhe desferiu um empurrão no ombro esquerdo; por receio do que a arguida lhe pudesse fazer no recato da casa, foi para a rua e dirigiu-se, nesse seguimento, para o Lar onde a mulher estava, para evitar que a arguida entrasse naquelas instalações, uma vez que esta insistia que queria ir lá, inicialmente com o pretexto de lhe levar flores pelo seu aniversário, e, nesta altura, porque lhe queria ir dizer que estava a roubar o CC; o assistente referiu, uma vez nas instalações da Santa Casa da Misericórdia ..., pediu ao porteiro que não deixasse entrar a assistente, mas, a dado passo, já esta ali se encontrava e lhe desferiu pontapés no braço e perna direitos, por mais do que uma vez, ainda no exterior das instalações e reiterou esse comportamento, já no átrio do Lar; mais referiu que a arguida lhe dirigiu a expressão referida em 3), mas não a aludida em A); EE, cuja razão de ciência decorre de ser Encarregada do dito Lar e se encontrar nas sobreditas instalações à data dos factos, referiu, de forma simples e coerente, que se apercebeu de grande confusão e barulho, tendo visto um casal, em que a senhora estava aos gritos e desorientada e o senhor a tentava acalmar, tendo-a chamado a atenção de que não podia fazer barulho; acabaram por sai daquele edifício, mas, face à conduta, segui-os e constatou que se dirigiam para o Edifício onde funciona o Lar já identificado, pelo que ligou para lá dando conta de que a dita senhora se dirigia para lá; dirigiu-se ao Lar e viu a arguida dirigir-se a BB, a desferir-lhe um empurrão e dizendo-lhe alguma coisa como que tinha dois filhos e se estava a esquecer daquele e que tinha que lhe dar o que é dele por direito; depois, abandonou aquelas instalações e regressou aos eu posto de trabalho; FF, cuja razão de ciência é idêntica à da anterior testemunha, referiu, de forma objetiva e escorreita, que estava no edifício onde funciona o Lar ... quando ouviu gritos e se deslocou à janela, tendo visto o Sr. BB ser pontapeado nas pernas pela arguida; tendo descido, viu uma colega tentar separar a arguida do assistente; afastou-se para chamar GG e quando regressou estavam já no átrio do Lar tendo vista a arguida tentar, por mais do que uma vez, atingir fisicamente o assistente, o que não logrou porque as pessoas presentes se colocavam no meio, enquanto lhe dizia expressões que não soube precisar mas relacionadas com roubar e com dinheiro; DD, filho do assistente, referiu, de forma simples e objetiva, que após o almoço com o pai, com o irmão e com a arguida foi para casa e que, nessa ocasião, recebeu uma chamada de GG a dar conta de que o pai tinha sido agredido pela namorada do irmão; deslocou-se ao lar, tendo ainda presenciado a arguida apodar o pai de «ladrão» e a dizer-lhe que estava a roubar o CC; HH, enfermeiro do Lar ..., explicou, de forma clara e coerente, que estava no seu gabinete quando ouviu gritos no átrio e deslocou-se àquele local tendo visto a arguida «descompensada» a tentar agredir o assistente com pontapés, o que não logrou conseguir graças à intervenção de terceiros ali presentes, tendo-o apodado de «cabrão», entre outros; GG, enfermeira e diretora técnica da Santa Casa da Misericórdia ..., relatou que recebeu uma chamada da encarregada dando conta de que havia uma pessoa nas instalações que estava a agredir e insultar o assistente, tendo ligado para a GNR e ao filho daquele, DD; quando chegou ao local, estavam no átrio a arguida, CC, a GNR, o assistente e entre outras pessoas; recorda que a arguida o acusava de roubo e falava de dinheiro, assim como que continuava a tentar agredir o assistente, o que não consumou porque as pessoas presentes o evitaram; II, que à data dos factos trabalhava na portaria da Santa Casa da Misericórdia ..., explicou, num discurso simples e claro, que o S., BB chegou a perguntar se as instalações tinham segurança e, logo de seguida, chegou a arguida, alterada, que começou a discutir com o assistente e, de seguida, lhe desferiu pontapés, que se recorde, nas pernas, sendo que aquele tentava evitar ser atingido; JJ, cuja razão de ciência decorre de se encontrar nas instalações daquele Lar, como visitante, descreveu que foi atraída pelo barulho que ouviu no rés-do-chão do edifício, tendo ido espreitar; uma vez naquele local, viu o assistente, a arguida e o filho mais novo daquele (note-se que a testemunha conhece o assistente e família, por ser natural de ..., daí que identifique as pessoas), bem como uma funcionária do lar; em tal contexto, refere que ouviu a arguida gritar com o Sr. BB diversas expressões como «velho tonto» e «ladrão», assim como lhe disse que o matava ou, melhor dizendo, «eu mato-te», assim como tentava atingi-lo com pontapés; CC, filho do assistente e, à data, namorado da arguida, começou por esclarecer que sofreu uma depressão, o que teve grande impacto ao nível da memória; com interesse, explicou que a arguida pretendia ir falar com a sua mãe ao lar e o pai não queria; uma vez no lar, ainda no exterior, a arguida desferiu murros e pontapés no pai, que não sabe onde o atingiram, tendo-os separado logo; nesse seguimento, a arguida «entrou em modo louca pelo lar»; apontou como móbil (em consonância com os restantes depoimentos, nomeadamente, aqueles que relatam que a arguida apodou o assistente de ladrão). Ora, da análise concatenada de cada um dos preditos depoimentos, que se apresentam como peças de um puzzle que, conjuntamente, se nos oferecem o quadro geral do ocorrido, é imperioso concluir pela demonstração integral da matéria em discussão. Além dos depoimentos sobreditos, o Tribunal respaldou-se, ainda, no teor objetivo do auto de notícia, fls. 3 a 6, no que concerne à identificação das circunstâncias espácio-temporais (sendo certo que, mesmo quanto a estas, nenhumas dúvidas se suscitam, face à prova carreada), bem como no teor do auto de visionamento de vídeo e extração de fotogramas a fls. 63 a 98, cuja visualização é absolutamente esclarecedor quanto à dinâmica dos factos, sendo manifesto, pela mera análise dos fotogramas, que a arguida entrou nas instalações da ... (cf. v.g. fls. 65) e, ainda na rampa de (conforme BB explicou), atingiu o assistente com pontapés, enquanto a testemunha CC tentava segurá-la (cf. v.g. fls. 67 e 68); que chegaram outras pessoas ao local (cf. v.g. fls. 69); que quer BB quer a arguida entram nas instalações do Lar (cf. v.g. fls. 72 e 73); que a arguida se dirige ao assistente (cf. v.g. 74), que o atinge (além das tentativas relatadas pela maioria das testemunhas) com pontapés (cf. v.g. fls. 75), que persiste na tentativa de investir sobre o assistente (cf. v.g. fls. 76). Concretamente, é igualmente imperioso concluir que o móbil da atuação da arguida reside na aventada divisão de bens que o assistente quis fazer ainda em vida e, na verdade, na inabilidade da arguida para o cálculo aritmético acima referido. No que tange às lesões descritas em 4), o Tribunal respaldou, mais concretamente, no teor do relatório da avaliação do dano corporal em direito penal, a fls. 102 a 103-v. A prova da factualidade descrita no n.º 5), 6), 7), 8), 14) e 15) decorre da normalidade das coisas, tendo presente a demais prova produzida, sendo certo que nada revela que os acontecimentos não tenham decorrido dentro da referida normalidade, razão pela qual a afirmação da consciência da ilicitude da conduta desenvolvida pelo arguido e a verificação dos demais elementos subjetivos, decorrem do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, uma vez que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, discorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum. Para dar como provados os antecedentes criminais, ínsitos no facto n.º 16), o Tribunal atendeu ao certificado de registo criminal do arguido junto aos autos sob a ref.ª eletrónica n.º ...31. Para julgar demonstrada a factualidade inserta nos n.ºs 17) a 24), bem como indemonstrada a inserta em C) e D), atinentes às consequências da atuação da arguida no estado anímico do assistente e, bem assim, os fenómenos dolorosos que lhe importou, o Tribunal respaldou-se no teor das declarações do assistente, descreveu as lesões padecidas em consequência da conduta da arguida, bem como os padecimentos físicos e emocionais, o que além de se afigurar consentâneo com as regras de experiência comum, se mostra corroborado pelos depoimentos das referidas testemunhas DD, GG e JJ, cuja razão de ciência, para o efeito, reside também na circunstância de serem filho e conhecidos daquele, respetivamente, destacando-se que nenhuma das pessoas ouvidas, nomeadamente o assistente, referiu a matéria inserta em C) e D), razão pela qual foi julgada indemonstrada. É, pois, esta a nossa convicção. * 4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO Face à matéria de facto dada como provada, importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta da arguida, por forma a determinar se aquela preenche, ou não, os elementos dos tipos de ilícito que lhe vem imputado. * 4.1.1. Do crime de ofensa à integridade física À arguida é imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo o artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal. Prevê tal normativo que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. O crime de ofensa à integridade física simples é o tipo legal paradigmático das disposições penais que tutelam o bem jurídico da integridade física, a partir do qual se constroem as restantes disposições penais que tutelam o mesmo bem jurídico relativas a formas graves, agravadas, qualificadas, privilegiadas ou por negligência de ofensa àquele bem jurídico, similarmente ao que acontece relativamente às disposições que tutelam o bem jurídico vida. Inserido no capitulo subordinado à epigrafe «Dos crimes contra a integridade física», o direito à integridade física é um direito constitucionalmente consagrado (artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa) que visa tutelar qualquer ofensa do corpo ou da saúde, entendendo-se a primeira como toda a alteração ou perturbação da integridade corporal, de bem estar físico ou da morfologia do organismo ou, nas palavras de PAULA RIBEIRO DA FARIA (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 205), todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante, e a segunda como toda a alteração ou perturbação do normal funcionamento do organismo (vide MAIA GONÇALVES, in Código Penal Português - Anotado e Comentado, Almedina, 2008, pág. 562). Está em causa um crime de dano, no respeitante ao bem jurídico, uma vez que este, efetivamente, sofre uma lesão; e de resultado, quanto ao objeto de ação, uma vez que a consumação se traduz na produção de um resultado, consequência da atividade do agente. O bem jurídico protegido pelo tipo legal em causa é a integridade física da pessoa humana, constituindo os seus elementos típicos, a produção de uma ação que, por qualquer modo, cause, como consequência direta e necessária, uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18.02.1987 e do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 21/01/2009, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. O elemento objetivo do tipo traduz-se no ataque ou ofensa ao corpo ou saúde de terceiros, vivos. Entende-se por corpo quaisquer órgãos e membros implantados ou ligados à pessoa física; já a saúde compreende quer a física quer a psíquica. Conforme PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, não é imperativo, para integrar o elemento objetivo do tipo, que a ofensa importe dor ou mal-estar corporal, incapacidade para o trabalho, ferida ou marca física (Código Penal Anotado: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª Edição, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015, pág. 556). Todavia, o mesmo autor entende que a ofensa ou ataque tem que assumir um grau mínimo de gravidade, aferido à luz de um critério de razoabilidade social, não devendo integrar o ilícito em apreço quando se trate de obrigar a vacinação pública obrigatória ou os exames físicos a arguidos em processo penal, entre outros (obra citada, pág. 556.). Nesta senda, por ofensa corporal entende-se todo o mau trato que prejudica o bem-estar físico de modo não insignificante, integrando o elemento típico todas as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, lesões dessa mesma substância, alterações físicas ou perturbações de funções físicas – Eser, Maiwald e Trechsel citados por Paula Ribeiro Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 1999, Coimbra Editora, págs. 205 – 206 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 29/03/2006, disponível in www.dgsi.pt. O crime de ofensas à integridade física pode ser cometido por omissão, se sob o omitente impender um dever de garante. Ademais, trata-se de um crime de execução livre, ou seja, que pode ser perpetrado por qualquer meio. No que tange ao elemento subjetivo, o crime pode ser cometido com qualquer forma de dolo, previstas no artigo 14.º do Código Penal. Age com dolo do tipo o agente que tenha o conhecimento e a vontade de realização da ação típica, ou seja, o dolo desdobra-se em dois elementos, o cognitivo e o volitivo. O elemento cognitivo do dolo consiste no conhecimento de todas as circunstâncias do facto, dele resultando que o agente tomou uma decisão em consciência pela violação ou não do bem jurídico que a norma em causa proteja. Face à factualidade dada como provada e não provada, apreciemos se a conduta do arguido se subsume, ou não, ao tipo de ilícito acabado de descrever. In casu, resultou demonstrado que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos n.ºs 1) e 3), a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB, causando-lhe as seguintes lesões equimoses em evolução na face anterior, terço distal, da coxa com 5x1cm, que lhe determinaram 5 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. Donde, e aqui chegados, é imperioso concluir que a conduta da arguida preencheu integralmente os elementos objetivos da incriminação que lhe é imputada no libelo acusatório, porquanto a atuação supra descrita traduz, precisamente, a ofensa no corpo e saúde na pessoa de BB por si protagonizada. De igual modo, provou-se que a arguida bem sabia que ao agir do modo descrito provocaria no ofendido BB lesões e dores físicas, o que quis e conseguiu, bem como que agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal O predito importa a verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, do tipo subjetivo do crime de ofensa à integridade física matricial, na modalidade de dolo direto. Atento à factualidade assente, não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude ou culpa da arguida. Donde, e concluindo, constata-se que a conduta de AA abarca todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que deverá ser condenada. * 4.1.2. Do crime de ameaça agravado: À arguida é, ainda, imputada a prática de dois crimes de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal. Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, que comete o crime de ameaça quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. O bem jurídico protegido com a incriminação em análise é a liberdade de ação e de decisão; a paz jurídica individual. Como salienta Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 348 e 349, as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afetam naturalmente, a paz individual que é a condição de uma verdadeira liberdade, e, por essa via, tolhem verdadeiramente a sua liberdade de ação, fazendo-a evitar, ou tomar, certos comportamentos com receio de que quem fez a ameaça a cumpra. São elementos integradores da tipicidade objetiva do crime de ameaça: (i) a existência de uma ameaça, consistente na promessa da prática futura de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor do ameaçado; (ii) a adequação dessa mesma ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido; e (iii) que a concretização do mal prometido esteja ou, pelo menos, pareça justificadamente estar aos olhos do ameaçado, na dependência da vontade do agente. Neste conspecto, o crime de ameaça é um crime de execução livre, podendo a ação de ameaçar revestir qualquer forma – escrita, oral, gestual, etc. – deste que apta a transmitir a ameaça ao destinatário. Contudo, só existirá ameaça típica quando o mal ameaçado, isto é, o objeto da ameaça, configurar em si mesmo um facto ilícito típico cujo objeto de proteção, por sua vez, seja um dos bens jurídicos que o artigo 153.º taxativamente enumera. Com a reforma do Código Penal de 1995, o crime de ameaça deixou de configurar um crime de resultado ou de dano, passando a consubstanciar um crime de perigo concreto, exigindo-se apenas, para a sua consumação, que a ameaça seja suscetível de afetar a liberdade de determinação de outrem e que, na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que efetivamente o provoque ou afete a liberdade de ação ou de determinação. Tal adequação deve ser aferida à luz de um critério objetivo-individual (cf. Taipa de Carvalho, in ob cit, pág. 348): objetivo no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem revelar as características psicomentais da pessoa ameaçada (relevância das subcapacidades do ameaçado). No fundo, podemos dizer que também nesta vertente individual se trata inegavelmente de um critério objetivo, só que referido às circunstâncias particulares do ameaçado (por ex., menoridade, deficiência mental) que objetivamente o tornam mais suscetível de se deixar intimidar pela ameaça. Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, o crime de ameaça exige uma atuação dolosa. Este dolo, no entanto, basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, intenção de concretizá-la. Ou seja, o dolo exigido reconduz-se, tão-somente, à intenção de, através da ameaça, limitar a liberdade de ação ou a paz individual do ofendido e à consciência de que a conduta desenvolvida é adequada a esse efeito Por sua vez, dispõe o artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal que quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados por meio de ameaça com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º (…). Neste normativo, como se pode constatar, o legislador estabeleceu uma agravação da pena abstratamente aplicável ao crime de ameaça. A ratio legis desta agravação consiste na razoável consideração legislativa de que há, no geral dos casos, uma proporção direta entre a gravidade do crime objeto de ameaça e a perturbação da paz individual e da liberdade de determinação do ameaçado: quanto mais grave aquele maior a perturbação. Este comando normativo prevê, portanto, um crime de ameaça agravado pela gravidade do crime ameaçado, devendo acentuar-se, porém, que os bens jurídicos cuja promessa de agressão constitui o seu objeto são precisamente os mesmos que se referem no artigo 153.º, residindo a sua especificidade tão-só no facto de que a moldura penal abstrata prevista para os respetivos crimes ser superior a três anos de prisão. Como é bom de ver, a questão que, desde logo, se coloca no processo de subsunção jurídica de uma certa conduta no tipo legal da ameaça agravada, é a de determinar qual o crime que constitui o objeto dessa ameaça, qual o crime, em particular, que constitui o mal prometido. A este nível a primeira ideia que se aponta é a de apelar ao teor literal da expressão ameaçadora (se esta for escrita ou oral), para aferir se o arguido especificou o crime que ameaçou cometer contra o ofendido. Alicerçando-nos das considerações teóricas formuladas, baixemos aos autos. In casu, demonstrou-se que, em data não concretamente apurada, mas situada no mês de maio de 2019, cerca das 21h00, pelo telefone, quando o ofendido BB se encontrava na sua casa, em ..., a arguida, dirigindo-se àquele, disse: «(…) vou aí e puxe-lhe fogo à casa!» e «Hei de queimar-lhe tudo e você há de morrer lá junto à casa também» - cf. n.º 1) da matéria assente. Mais se provou que no dia 03-08-2019 na ... em ..., a arguida desferiu inúmeros pontapés na coxa direita e no braço direito do ofendido BB e disse-lhe «Eu mato-o!» - cf. n.º 3) da matéria assente. Se analisarmos a matéria de facto provada, concluímos que tais expressões foram proferidas pela arguida com o único fito de provocar medo e inquietação no ora assistente BB, fazendo com que este temesse pela sua integridade física e pela própria vida. E apelando à perceção de um homem médio colocado na situação de BB, dúvidas não restam que, pela forma e contexto em que as mesmas foram proferidas, que as mesmas tinham a virtualidade/ eram aptas a que aquele pudesse temer pela sua integridade física e pela sua vida – sendo inequívoco o sentido das expressões proferidas pela arguida. Ora, tendo em conta as considerações teóricas acima referidas, havemos de considerar que com a sua conduta, na estrita medida da sua atuação, a arguida preencheu, por duas vezes, os elementos objetivos do tipo de ilícito de ameaça agravada, uma vez que prometeu ao assistente BB a prática futura contra si de um crime contra a vida e a integridade física, cuja a moldura penal abstrata para a primeira das promessas é superior a 3 anos (cf. artigo 131.º do Código Penal); sendo que tal ameaça seria adequada a provocar um sentimento de insegurança e de intranquilidade na liberdade de movimentos de KK (cf. ainda os factos n.º 5) e 6) dado como demonstrado); estando a concretização do mal prometido (independentemente da sua efetiva concretização pelo arguido), na dependência da vontade da arguida. Mais se demonstrou que em razão da seriedade e conteúdo daquelas expressões e por acreditar que a arguida seria capaz de as concretizar, sentiu o ofendido BB medo e inquietação, temendo pela sua vida, bem como que a arguida agiu com o propósito de causar medo e inquietação em BB, agindo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal. O predito importa a verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo e, portanto, do tipo subjetivo do crime que vem imputado à arguida, na modalidade de dolo direto. Atento à factualidade assente, não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude ou culpa da arguida. Consequentemente, a arguida AA deverá ser condenada pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal. * 4.1.3. Do crime de injúria: Finalmente, à arguida é imputada a prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal. Dispõe o artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. O bem jurídico tutelado por esta norma incriminadora é a dignidade individual, latente no respeito pela honra e consideração que são devidas a qualquer cidadão, cuja deferência será maior se a vítima for uma das pessoas referidas na referida alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal, no exercício de funções ou por causa delas. Como ensina José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 602 ss., a conceção de honra que se coaduna com a legislação portuguesa, mais precisamente com o artigo 181.º, do Código Penal, consiste numa conceção dual, em que a conceção normativa de honra (cujo ponto de partida é um momento da personalidade do indivíduo (…), um bem que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa) é temperada com uma dimensão fáctica (que será uma alteração empiricamente comprovável de certos elementos de factos, de ordem psicológica ou social). Assim, a honra será vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. A este propósito, escrevem Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2.º vol., 3ª edição, Edit. Rei dos Livros, a pág. 469, que a honra é a dignidade subjetiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui e que consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objetiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão, concluindo aqueles autores que o artigo 181.º, do Código Penal protege ambos os valores e que, em conjunto, serão entendidos como honra em sentido amplo. Como salientam Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2.º vol., 3.ª edição, pág. 494, uma das características da injúria é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou ato é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre. Sendo certo que o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado (cf. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 630). Refira-se, no entanto, que nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham, quando lançados sobre terceiros, cabem na previsão da norma contida no n.º 1 do artigo 180.º do Código Penal, porquanto aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena – cf.: Beleza dos Santos, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92, pág. 168. Quanto ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, o tipo legal exige o dolo em qualquer das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual, mas não o chamado dolo específico, consistente na intenção específica de ofender (animus diffamandi vel injuriandi), como sinónimo de o fim ou motivo do agente ser um elemento requerido pelo tipo subjetivo, a ponto de tal intenção ser excluída quando o fim ou motivo visados fossem de outra natureza: o fim de narrar, ensinar, corrigir, brincar, segundo a teoria dos diversos animi: animus narrandi, docendi, corigendi, jocandi. Essa teoria está hoje completamente ultrapassada, defendendo-se doutrinária e jurisprudencialmente que o elemento subjetivo se basta com o chamado dolo genérico: a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural e a “sã opinião da generalidade das pessoas de bem – cfr.: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Abril de 2009, pelo colendo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível in www.dgsi.pt. Assim, não é necessário que tais expressões atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a suscetibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano – cf. Faria e Costa, in ob. cit. e Beleza dos Santos, in Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167/168. Conquanto e porque tem relevância para o caso em apreço, prevê o artigo 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal que se nos casos previstos nos artigos 181.º (…) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (…) as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. Nesta asserção, a maior densidade da norma incriminadora ora enunciada prende-se com a maior gravidade objetiva da conduta pela sua abrangência na difusão da imputação. Volvamos, então, ao caso sub iudice. Do manancial fáctico provado resultou que a arguida, na ocasião descrita em 1), a propósito de umas divisões de bens entre os filhos daquele, a arguida disse ao assistente que este «queria enganar o filho», referindo-se ao CC e, no mesmo contexto, dirigiu-lhe a seguinte expressão: «vigarista», tendo o assistente desligado a chamada. Provou-se, de igual modo, que depois dessa data e antes da referida em 2), a arguida insistiu, por várias vezes, no contacto telefónico com o assistente, umas vezes utilizando o mesmo número de telefone outras utilizando um outro número de telefone, sendo que numa ocasião em que este atendeu o telefone, a arguida proferiu, além do mais, a seguinte expressão: «velho d’um cabrão?», tendo o assistente desligado de imediato. Finalmente, ficou provado que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 2), na sequência descrito em 11), o assistente dirigiu-se para o exterior da residência e a arguida, dirigindo-se àquele, disse as seguintes palavras: «seu velho d’um cabrão». Neste passo, com o auspício de nos abstermos de considerações subjetivas acerca das sobreditas expressões, recorremos ao dicionário online Priberam para indagar o significados daquelas concretas palavras (https://dicionario.priberam.org/cabr%C3%A3o e https://dicionario.priberam.org/vigarista, consultados online em 13-11-2022), do qual consta o seguinte: «cabrão»:1. Macho da cabra. = bode, cabro;2. [Popular] Cabra grande;3. [Popular] Criança que berra muito. = berrão,4. [Calão,Depreciativo] Indivíduo que consente ou ignora ser alvo de traição amorosa ou conjuga = chifrudo, corno, cornudo;5. [Calão,depreciativo] Pessoa muito desprezível, de má índole ou sem carácter. = sacana; «vigarista»: 1. Que denota vigarice. 2. Diz-se do indivíduo que engana os mais incautos, servindo-se do conto-do-vigário para lhes tirar dinheiro. = burlão. 3. Diz-se do indivíduo que visa enganar outros por meios ardilosos ou de má-fé.= intrujão, trapaceiro. Donde, lançando mão dos referidos conceitos e da definição atribuída pela generalidade das pessoas, é manifesto que, com as sobreditas expressões, a arguida exprimiu um juízo negativo sobre o assistente e quis significar que o assistente era desprezível, sem carácter e maldizê-lo, bem como que era trapaceiro ou burlão ou que visava enganar terceiros (o filho) de má-fé, sendo que aquelas expressões contêm um nítido teor e carga pejorativa, encerrando um significado que vai muito além da mera grosseria, como se infere do seu significado a que acima nos referimos. Com efeito, estas palavras dirigidas pela arguida ao assistente são objetiva e subjetivamente, injuriosas, consubstanciando-se numa manifestação, que lhe comportou ofensa, ultraje e insulto, não podendo confundir-se, assim, com a simples indelicadeza ou falta de educação, porque, ao invés, foram capazes de ofender a honra e consideração daquele. Nesta conformidade, aqui chegados é forçoso concluir pela verificação dos elementos objetivos do crime de injúria. No que tange ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo-ilícito, resultou provado que ao proferir as sobreditas expressões, a arguida a arguida quis ofender a honra e consideração pessoal do assistente, que conseguiu, bem como que agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pretendendo proferir as expressões acima referidas bem sabendo que com tal conduta ofendia a honra e consideração pessoal do assistente – cf. n.ºs 14) e 15) da matéria assente. Donde, resultam igualmente demonstrados factos subsumíveis aos elementos subjetivos do crime de injúria acima enunciados. Atendendo à factualidade provada inexistem causas de justificação que excluam a ilicitude (quer gerais quer as previstas especificamente no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal), nem causas de desculpação que excluam a culpa do arguido. Nestes termos, com a conduta supra descrita, a arguida AA preencheu, então, os elementos objetivos e subjetivos de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, devendo condenada em conformidade. * 4.2. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DO CRIME Uma vez apurada a responsabilidade criminal da arguida, cumpre determinar a espécie e medida da pena a aplicar-lhe. * 4.2.1. Da determinação da medida concreta da pena O crime de ofensa à integridade física simples encontra-se previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e é punido com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias. O crime de ameaça agravada encontra-se previsto pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal e é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena até 240 dias. O crime de injúria, previsto pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa de 120 dias, sendo que tais penas são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando praticado modalidade de publicidade e calúnia, na vertente que releva no caso dos autos, atento ao consagrado no artigo 183.º, n.º 1, do referido Código. Tendo por certo que as referidas penas de prisão têm como mínimo 1 mês, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, e a pena de multa 10 dias, de harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 1, do mesmo código Porquanto a cada um dos crime em apreço é aplicável, alternativamente, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 70.º do Código Penal, deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição (cf. ainda o artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa). Ora, as finalidades da punição encontram-se consagradas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, que prevê que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Da norma acabada de citar resulta que a pena, no Direito Penal português, tem uma finalidade preventiva, a saber: geral positiva (ou de integração) e negativa (ou de intimidação); e especial positiva (de reinserção social) e negativa (tendente à neutralização da conduta do agente). Nas palavras de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, a necessidade de proteção de bens jurídicos consiste «na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida, tutela esta que se traduz na ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa» [«Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas – Editorial Notícias, 1993 pág. 228]. As exigências prevenção geral positivas encontram-se relacionadas com a necessidade de fazer operar um reforço quer da consciencialização quanto à relevância do bem jurídico tutelado, quer da confiança da comunidade quanto à tutela daqueles bens jurídicos e à validade da norma violada. Já pela prevenção especial positiva tem-se em vista a ressocialização e reintegração do agente na sociedade. Assim, na escolha da pena, o Tribunal deve partir dos propósitos de prevenção especial, encontrando-se limitado pelas considerações atinentes à prevenção geral, impondo-se aferir se, in casu, a pena não privativa da liberdade é suportada pela comunidade jurídica e satisfaz as exigências de defesa do ordenamento jurídico. No caso vertente, estando em causa a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, entende-se que são elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a frequência deste tipo atos de violência exercida contra a integridade física das pessoas, que vem provocando grande alarme social e fortes sentimentos de insegurança na comunidade. De igual modo, no que tange aos crimes de injúria consideramos que as necessidades e exigências de prevenção geral são elevadas, uma vez que o crime de injúria tutela, em última análise, o valor do respeito pela dignidade da pessoa humana, na vertente da honra de outrem. Por fim, no que concerne aos crimes de ameaça agravada, reportando-nos ao reforço da consciência jurídica comunitária e ao sentimento de segurança face à violação da norma, entendo que as necessidades e exigências de prevenção geral são, igualmente, elevadas, uma vez que o crime de ameaça tutela a liberdade intrínseca de movimentos do sujeito passivo da incriminação que, em última análise, é um valor próprio e subjacente à própria dignidade da pessoa humana. No que diz respeito às necessidades de prevenção especial positiva, havemos de considerar em desfavor da arguida a circunstância de ter antecedentes criminais também de semelhante natureza averbados ao seu certificado de registo criminal. Não obstante, impor-se-á salientar que os factos apreciados nestes autos foram todos praticados em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação já sofrida pela arguida. Deste modo, não podemos inferir que as condenações anteriores sofridas pela arguida não lhe serviram de suficiente advertência contra a prática de crimes de natureza similar à que está em causa nestes autos, porquanto à data dos factos pelos quais será agora condenada ainda não tinha sofrido qualquer solene advertência incidente sobre a ilicitude das suas condutas, donde que não se poderá afirmar que as penas já sofridas não se mostraram suficientes a afastar a arguida de voltar a delinquir. Acresce que não poderemos olvidar que a arguida faltou injustificadamente à audiência de discussão e julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, manifestando, por essa via, um ostensivo desinteresse pela sorte dos presentes autos, aliás, que poderiam culminar – como culminarão – na sua condenação jurídico criminal, sendo, por conseguinte, impossível indagar de algum arrependimento e/ou interiorização do desvalor das suas condutas. Aliás, o que determinou a impossibilidade de caracterizarmos a sua situação vivencial familiar, profissional e social. Não obstante o exposto, consideramos que, in casu, inexistem, pois, especiais exigências de prevenção especial que justifiquem a imposição à arguida de uma pena privativa de liberdade. Tornando-se imperioso concluir que é possível fazer um juízo de prognose positiva, no sentido de que a pena de multa realizará de forma adequada as finalidades da punição de proteção da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e de interiorização, pela arguida, do desvalor das suas condutas e subsequente ressocialização daquela, pelo que se opta pelas referidas penas. * Escolhido tipo de penas a aplicar à arguida, cumpre determinar a sua medida concreta, ou seja, o número de dias de multa, tendo por referência as respetivas molduras penais abstratamente aplicáveis para cada crime, a culpa do agente (limite inultrapassável) e as exigências de prevenção que se façam sentir, não olvidando que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente – cf. artigos 47.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do Código Penal. Devem ainda ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as descritas no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal. Já no que no respeita ao quantitativo diário, versa o n.º 2 do artigo 47.º, do Código Penal, o qual determina que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre os € 5,00 e € 500,00, a determinar tendo por referência a situação económica e financeira, bem como encargos pessoais do condenado. Na determinação do quantum, o Tribunal ter presente que a pena de multa deve ser apta a representar uma censura do facto e também uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, mas deve ainda ser assegurado ao condenado o nível existencial mínimo, considerando as suas condições socioeconómicas. Baixemos, então, ao caso sub judice. No que respeita ao grau de ilicitude do crime de ofensa à integridade física, o Tribunal considera-o acima do grau médio, com base, desde logo, ao tipo de agressão e ao meio empregado para a perpetrar, uma vez que aquele utilizou apenas a força física e o seu corpo, que não manifesta uma idoneidade lesiva que se afigure especialmente expressiva, porém incrementado pelas características da vítima, uma vez que se trata de pessoa fisicamente mais frágil e menos ágil, o que determina menor habilidade para se defender, bem como pela incessante vontade da arguida em atuar no modo descrito, como respinga dos factos assentes, uma vez que a mesma atingiu o assistente por várias vezes. Quanto ao grau de ilicitude dos crimes de injúria, atento o teor e significado das expressões que a arguida dirigiu ao assistente, consideramo-lo moderado. Já no que respeita ao crime de ameaça, consideramos que o grau de ilicitude é elevado, com base no mal prometido pela arguida – contra a própria vida do assistente, ou seja, correspondente ao bem jurídico tutelado mais fortemente pelo Código Penal -, ainda incrementadas pela circunstância de revelarem um grau de pormenor expressivo, o que, conjugado com o contexto em que são proferidas (a propósito da divisão de bens, nomeadamente, de prédios de habitação do assistente), exponencia a credibilização, pelo destinatário, de tais promessas. Quanto às consequências da prática do crime de ofensa à integridade física ora em discussão, como sejam as lesões descritas em 4), consideramo-las pouco expressivas. No entanto, sendo transversal a todos os factos, aquelas são incrementadas quando considerado os padecimentos emocionais sofridos pelo assistente que se assentaram. No mais, in casu, é absolutamente imperioso considerar o móbil de toda a atuação da arguida, conforme respinga de toda a descrição dos acontecimentos, nomeadamente, no que tange às palavras proferidas pela mesma: a divisão de bens aflorada em 9) (que, veja-se, se reporta à data indicada em 1), sendo o mote para o restante), sendo que a arguida não era, sequer, visada pela referida divisão de bens, mas, outrossim, o seu namorado. É, na verdade, a ganância da arguida que espoleta a sua atuação, sendo que se reporta, inclusivamente, a bens sobre os quais não tinha quaisquer direitos ou legitimas aspirações. Por isso, neste passo, a censura da arguida é ainda maior. O que, ademais, é incrementado por ter atuado debaixo de móbil em três ocasiões distintas (em duas chamadas telefónicas ocorridas entre maio de 2019 e o dia 03-08-2019 e na ocasião referida em 2). Apurado nos termos expendidos, que a arguida agiu, em todas as suas condutas, com dolo direto, havemos de concluir que o fez na sua forma mais intensa, uma vez agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei penal. Quanto às necessidades de prevenção especial positiva e geral positiva, remetemo-nos para o que oportunamente discorremos em sede de escolha da pena. Em face do exposto, entendo justo, adequado e suficiente condenar a arguida na pena de 85 dias de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 115 dias de multa por cada um dos crimes de ameaça agravada e na pena de 80 dias de multa pela prática de cada um dos crimes de injúria. Na determinação do quantitativo diário das sobreditas penas de multa, uma vez que não se produziu prova referente às condições socioeconómicas do arguido, o Tribunal nortear-se-á, na ausência de outros elementos, por critérios de razoabilidade e pelas regras da experiência comum, tendo como referência o valor do salário mínimo nacional (que, atualmente, ascende a € 705,00), bem como as despesas comuns a qualquer economia familiar. Assim, afigura-se equilibrada a fixação do quantitativo diário das penas de multa em € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos). Sopesando, assim, todas as referidas circunstâncias, entende-se justo e adequado condenar a arguida AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal na pena, por cada um, de 115 dias de multa, à taxa diária de € 6,50 e pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal na pena, por cada um, de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50. * 4.2.2. Do cúmulo jurídico: Determinadas as penas concretas que cabem a cada um dos crimes praticados pela arguida AA, importa proceder à determinação da pena única do concurso de acordo com o artigo 77.º do Código Penal. Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do mesmo código, cujo seu máximo corresponderá à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, que quanto à pena de multa não poderá ultrapassar os 900 dias e quanto à pena de prisão não poderá ultrapassar 25 anos, e o mínimo fixar-se-á na mais alta das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No caso sub judice, para a arguida essa moldura abstrata de concurso das penas de multa fixar-se-á no seu mínimo em 115 dias multa e o máximo em 555 dias de multa. Com efeito, como prescreve o artigo 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Desta forma, esta ponderação deverá centrar-se na ideia da “gravidade do ilícito global” que os factos em apreço ofereçam, bem como refletir a resposta à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade – Figueiredo Dias, in Direito Penal Português..., ob cit, pág. 291, §421. De acordo com os apontados critérios, e tendo em conta a gravidade dos ilícitos perpetrados pela arguida e a sua personalidade, afigura-se-nos adequado, fixar a pena única de concurso das penas de multa em 320 (trezentos e vinte) dias, com a aplicação de um quantitativo diário de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), nos termos atrás definidos. Face ao exposto, deve a arguida AA ser condenada pela prática, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e de dois crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal na pena única de 320 (trezentos e cinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 2.080,00 (dois mil e oitenta euros). Assim se decidirá. (…).» 2.3. Conhecimento do mérito do recurso 2.2.2. Da medida da penas Fátima Bernardes Fernando Pina Beatriz Marques Borges [1] Neste sentido, cf. Ac. desta RE de 05/12/2017, proc. 51/15.0GTSTR.E1, in www.dgsi.pt. [2] Cf., por todos, na doutrina, Simas Santos e Leal-Henrique, in Código Penal Anotado, vol. III, Rei dos Livros, 4ª edição, págs. 604 e 605; José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 602 a 607, e, na jurisprudência, Ac. da RE de 10/05/2016, proc. 163/13.5GBELV.E1, in www.dgsi.pt e Ac. da RL de 19/01/2016, in CJ, 2016, II, págs. 114 a 116. [3] Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acórdãos da RE de 10/05/2016, proc. 163/13.5GBELV.E1 e de 14/03/2023, proc. 18/22.2GCCUB.E1, da RC de 10/07/2014, proc. 1205/13.0GBAGD.C1 e da RG de 09/11/2020, proc. 349/17.3GCVNF.G1 , in www.dgsi.pt. [4] Cf. Ac. da RG de 30/06/2014, processo 377/13.8GCBRG.G1, in www.dgsi.pt. [5] In ob. cit., pág. 623. [6] Cf., entre outros, Ac. da RP de 19/09/2012, proc. 726/10.0TAVNF.P1 e Ac. da RG de 24/05/2021, proc. 294/19.8PABCL.G1, in www.dgsi.pt [7] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 215. |