Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4918/16.0T8STB-B.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
HONORÁRIOS
DESPESAS JUDICIAIS
CUSTAS DE PARTE
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - O título formado por contratos de mútuo com hipoteca e seus documentos complementares, em que a obrigação assumida pelos mutuários quanto às despesas garantidas se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a conta ou comprovativo da sua realização - carece de uma actividade de prova complementar liminar, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, já que os indicados números têm alcance geral, aplicando-se designadamente a todos aqueles casos em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo.
II - Na espécie, o exequente não apresentou tal prova complementar e a execução prosseguiu, tendo no momento próprio a executada arguido em sede de embargos a duplicação das despesas e impugnado que as contratuais fossem devidas, alegação que permite o conhecimento da exigibilidade da obrigação nesta parte, por não ter sido sanada a sua falta, na contestação apresentada pela exequente.
III - Assim, i) se os valores estimados nos contratos incluem ambos os tipos de despesa e o exequente não indicou nem comprovou qualquer despesa extrajudicial em que tenha incorrido para o cumprimento do contrato; ii) se as despesas prováveis com a execução estão incluídas no cálculo efectuado pela Senhora Agente de execução no auto de penhora; iii) e se as despesas feitas com o processo executivo, incluindo a correspondente a honorários pagos ao mandatário, conforme o Supremo Tribunal de Justiça recentemente decidiu em revista excepcional, «apenas são passíveis de ser compensadas, a título de custas de parte, conforme previsto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais», importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado na sentença recorrida, os contratos de mútuo dados à presente execução pelo Banco exequente, não preenchem, por si só, sem necessidade de outras provas complementares, os requisitos de exequibilidade quanto às despesas peticionadas no requerimento executivo.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 4918/16.0T8STB-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. BB, executada e embargante nos autos de execução supra identificados, tendo sido notificada da sentença proferida em 25-10-2018, que julgou improcedente a oposição à execução que havia deduzido à execução sumária para pagamento da quantia de 149.570,08€ que o exequente CC S.A., actualmente CC S.A., lhe moveu com base em certidão de escritura pública de mútuo com hipoteca, e não se conformando com a mesma, «por ter considerado não existir a duplicação entre as despesas previstas pela agente de execução e as peticionadas pela exequente, duplicação esta que constitui fundamento dos embargos», apresentou o presente recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões[3]:
«III - Impendia sobre a exequente o ónus de provar as despesas que peticiona no requerimento executivo, pois não basta a alegação da existência de despesas para que se conclua que as mesmas ocorreram;
IV - O facto de estar prevista contratualmente a possibilidade de cobrança de valores a título de despesas, não exime a exequente de demonstrar que tais despesas existiram efectivamente, sob pena de enriquecimento sem causa;
V - Para determinar da existência ou não de duplicação de despesas e se as despesas peticionadas são devidas, necessário seria que a exequente alegasse e provasse que as despesas por si cobradas são distintas das despesas prováveis previstas pela agente de execução, bem como que efectivamente teve despesas no valor por si peticionado, o que a exequente não fez;
VI – Acresce que as despesas alegadas não são evidentes, inevitáveis ou absolutamente incontestáveis, pelo que não podem reconhecer-se sem prova;
VII - Em face da ausência de prova por parte da exequente quanto às despesas por si peticionadas, deveriam os embargos ter sido julgados procedentes, ao contrário do decidido;
VIII - Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 342.º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue os embargos totalmente procedentes».

2. O Embargado não apresentou contra-alegações.
3. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão colocada no presente recurso de apelação é a de saber se deve ou não ser revogada a sentença recorrida, que declarou improcedente a oposição à execução, quanto ao valor correspondente a «despesas» que o Banco deu à execução.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Na sentença recorrida considerou-se assente que:
«1. Nos autos de execução com processo sumário n.º 4918/16.0 T8STB (aqui apensos), que deram entrada neste Tribunal a 29.06.2016, e em que é exequente a aqui contestante e executada, a aqui opoente, vem apresentado como título executivo, duas cópias consubstanciadas em acordo de “Mútuo com hipoteca” celebrados por escritura pública, datadas de 15.09.2005[5], entre, no que aqui importa e reportado ao mútuo, CC S.A., DD e a executada no montante de € 103.920,13 euros e € 25.000,00 euros respectivamente (documentos que aqui se consideram reproduzidos);
2. As partes acordaram em que os empréstimos venceriam juros à taxa de juro contratual nominal e inicial de 5,943%, correspondente à Taxa Anual Efectiva de 7,735%, acrescida de um spread de 4%, sendo considerada para efeitos de registo predial a taxa até 10,5%, que em caso de mora é acrescida de 10,5% sendo que em caso de caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações decorrentes do referido contrato, como o pagamento pontual das prestações, as importâncias em dívida, bem como as despesas que lhe acrescessem, tornar-se-iam imediatamente exigíveis, iniciando-se a contagem de juros moratórios, calculados à taxa anual efectiva do contrato, acrescida de 2% (documentos que aqui se consideram reproduzidos);
3. Os empréstimos em causa foram concedidos e as respectivas prestações deixaram de ser pagas a partir de 02.10.2015 e 02.11.2015 respectivamente.
4. Por sentença de habilitação de herdeiros proferida em 21.11.2016 foram habilitados como herdeiros do falecido mutuário DD, a opoente/executada BB, EE e FF.
Da consulta dos autos de execução[6] decorre ainda, com interesse para a decisão do objecto do recurso, que:
5. Por escritura pública outorgada em 15.04.2009, o Banco Exequente celebrou ainda com os Executados, um contrato de mútuo com hipoteca pelo qual emprestou aos Executados, a quantia de € 45.500,00 euros, que igualmente foi concedido e cujas prestações deixaram de ser pagas a partir de 02.11.2015.
6. No requerimento executivo, na parte referente à liquidação da obrigação, consta como «Valor Líquido: 137.601,49€; «Valor dependente de simples cálculo aritmético»: 4.991,78€; e «valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético»: 6.976,81€, num total de 149.570,08€. Na descrição das parcelas a exequente aduz que «o valor de € 149.570,08 corresponde ao valor incobrado dos referidos contratos, acrescido de juros de mora vencidos desde a data do último pagamento ate à presente data, calculados às taxas de 4,072%, 4,572% e 6,986% sobre as verbas de capital de € 78.181,32, € 19.089,61 e € 40.330,56, respectivamente, e juros que nesta data ascendem a € 4.991,78, bem como o montante de € 6.976,81 devido a título de despesas».
7. Em cada uma das escrituras públicas relativas a cada um dos contratos de mútuo com hipoteca consta exarado «Que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco mutuante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, em qualquer processo, e que para efeitos de registo são computadas» em respectivamente 4.156,81€, 1.000,00€, e 1.820,00€, «por esta mesma escritura constituem hipoteca …».
8. Nas AP 11 e 12, de 29-06-2005, correspondentes ao registo das hipotecas voluntárias respeitantes aos contratos indicados em 1., e na AP. 8428 de 07-04-2009, concernente ao contrato referido em 5. consta que a garantia de empréstimo abrange as despesas, nos montantes indicados em 7..
9. Nos documentos complementares anexos a cada uma das escrituras referidas em 1. constam cláusulas com o seguinte teor: «Correrão por conta do(s) mutuário(s) e serão por el(s) pagas, em conformidade com a conta apresentada pelo Banco mutuante, conta que aqui se refere para os devidos efeitos, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo as de advogados e solicitadores, que aquele haja de fazer para segurança e cobrança do seu crédito, bem como todas as demais despesas que resultarem da celebração e execução deste contrato.
A presente hipoteca é constituída em garantia da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos, contados à taxa estabelecida, e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tenha de fazer no caso de ir a juízo para assegurar o seu crédito e acessórios em qualquer processo».
10. No documento complementar anexo à escritura referida em 5. constam cláusulas que admitem a imediata autorização de cobrança de despesas, de acordo com o tarifário em vigor, e ainda a cláusula 8.ª, com o seguinte teor «Todos os documentos, qualquer que seja a sua natureza, que se encontrem em conexão com o presente contrato, nomeadamente os comprovativos do pagamento de despesas, são para todos os efeitos e designadamente para os efeitos do disposto no artigo 50.º do Código de Processo Civil, considerados partes integrantes do presente contrato».
11. Por cartas datadas de 23 de Maio de 2016, dirigidas pelo exequente a BB e aos Herdeiros de DD, o Banco exequente informou, relativamente a cada um dos contratos que o mesmo «foi Denunciado tendo paralelamente já sido dadas instruções para se proceder à cobrança da dívida através do recurso a uma acção judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise.
De acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas».
12. No auto de penhora lavrado pela Senhora Agente de Execução em 29-07-2016 e junto aos autos em 01-08-2016, no número 8 respeitante ao «Limite da penhora» consta como valor da dívida exequenda, a quantia de 149.570,08€ e quanto a despesas prováveis, o montante de 7.478,50€, no total de 157.048,58€.
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III.2. - O mérito do recurso
Conforme decorre das respectivas alegações, a Recorrente apela, no segmento objecto do recurso, com os fundamentos que já havia invocado em primeira instância, restringindo a sua oposição por embargos à execução quanto à quantia de 6.976,81€ e juros que sobre a mesma incidam, manifestando a sua dissidência circunscrita a que «a Sra. Agente de Execução não discrimina, nem justifica, a que se referem as despesas prováveis a que atribui o valor de € 7.478,50, sendo que de acordo com o que consta do requerimento executivo, a quantia de € 149.570,08 inclui já despesas judiciais e extrajudiciais, no valor total de € 6.976,81, correspondendo € 4.156,81, € 1.000,00 e € 1.820,00 a cada uma das operações.
Encontra-se, pois, manifestamente duplicada a quantia de € 6.976,81, não sendo a executada obrigada ao seu pagamento.
Sem conceder, a exequente peticiona o pagamento da referida quantia de € 6.976,81, correspondendo € 4.156,81, € 1.000,00 e € 1.820,00 a cada uma das operações, sem qualquer discriminação.
Ora, desconhece a executada se a exequente teve despesas efectivas de tal valor até à data da instauração da execução, sendo que por cautela de patrocínio desde já impugna a sua existência».
Por seu turno, o Recorrido defendeu na contestação apresentada que o valor de 7.478,50€ corresponde a 5% do valor da acção executiva, ou seja, às despesas prováveis relacionadas com a nota de despesas e honorários da Agente de Execução, e em nada estão relacionadas com as despesas judiciais e extrajudiciais indicadas no requerimento executivo, não existindo qualquer duplicação.
Na sentença recorrida, afirmou-se «quanto às despesas previsíveis da execução constante do auto de penhora datado de 29.07.2016. Dispõe o art.º 735º nº 1, do CPC, que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução.
No vertente, considerando o valor da execução (€ 149.570,08 euros) superior a quatro vezes a alçada do tribunal da relação e a percentagem aplicada (5%), daí resulta que o montante das despesas prováveis fixado pela Sra. Agente de Execução, ascende provisoriamente a € 7.478,50 euros, a imputar na nota discriminativa de despesas e honorários a elaborar por esta última».
Assim é, de facto.
Seguidamente, concluiu-se «não há, por isso, qualquer duplicação entres estas despesas e as peticionadas pelo exequente no requerimento executivo as quais constam expressamente das cláusulas 12ª e 9ª dos documentos complementares anexos aos mútuos. (…)
Assim, a matéria alegada pela opoente/executada desde logo não constitui fundamento suficiente de oposição à execução, na medida em que da mesma não se retira acordo ou vinculação do banco exequente no sentido da revogação, ou suspensão das cláusulas contratuais que estipulam a exigibilidade da dívida por mero efeito do não cumprimento de qualquer das obrigações estipuladas na escritura, como é o caso do pagamento das prestações mensais».
Salvo o devido respeito, em face do que consta nos contratos de mútuo com hipoteca e documentos complementares juntos pelo Banco Exequente e da posição expressa pelas partes nos articulados, no caso concreto não sufragamos este entendimento, aliás parcialmente dissonante com a afirmação genérica acima efectuada pelo julgador no sentido de que «não sendo o título sentença ou decisão arbitral, como é o caso, pode o executado invocar qualquer defesa que lhe seja permitido deduzir em processo de declaração, por via de impugnação ou de excepção. Nomeadamente pode invocar qualquer facto ou circunstância que afecte, quer a força e validade do título, quer a existência ou dimensão da obrigação exequenda, tendo em conta, neste caso, as limitações inerentes à força probatória do título».
Vejamos.
É consabido que a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos (artigo 45.º, n.º 1, do CPC em vigor ao tempo da formação dos títulos), não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos.
O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo”[7]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[8].
Ora, a eficácia que a lei reconhece aos documentos que podem servir de base ao processo executivo tem sofrido modificações mercê das sucessivas alterações legislativas, relevando para o caso dos autos a que ocorreu com a entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013 do novo Código de Processo Civil cujo artigo 703.º eliminou os documentos particulares do elenco dos títulos executivos, mormente quando conjugado com o artigo 6.º, n.º 3 da Lei nº 41/2013, se interpretado no sentido de se aplicar o novo regime aos documentos particulares anteriormente dotados de exequibilidade pela al. c), do n.º 1 do artigo 46.º, do anterior CPC.
Tendo sido controvertida a questão de saber se o indicado preceito se aplicava aos documentos particulares celebrados anteriormente à entrada em vigor do NCPC - o mesmo é dizer se os mesmos mantinham a força de título executivo que à data da sua celebração a lei lhes conferia -, a discussão desta questão perdeu entretanto utilidade porquanto o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a mesma, veio no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015[9], declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).
Assim, não havendo dúvida - nem para a embargante -, de que os contratos de mútuo “dados” à execução constituem título executivo, a questão colocada nos autos circunscreve-se à de saber se o montante peticionado a título de despesas pelo Exequente, preenche os necessários requisitos para a sua exigibilidade.
Entendeu-se na sentença recorrida que «inexistindo o referido acordo, ou a outro título, vinculação do exequente a não exigir a totalidade da dívida, sem necessidade de mais considerações, tal determina a improcedência da oposição à execução», olvidando-se que a executada havia expressamente impugnado o montante que, a título de despesas, foi dado à execução.
Ora, conforme se sumariou a respeito do ónus da prova, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2011[10], «o ónus da prova dos factos invocados como fundamento da oposição à execução rege-se inteiramente pelas regras gerais estabelecidas, desde logo, no artigo 342º do CC, cabendo ao executado que deduz oposição a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que, mediante defesa por exceção, opõe à pretensão do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, impugnados pelo executado, em termos de abalar a força probatória de primeira aparência que dimanava do título executivo».
Aplicando o que vimos de dizer ao caso em apreço, verificamos que o Banco exequente beneficia da força probatória de primeira aparência relativamente à exequibilidade das despesas judiciais e extrajudiciais que constam nas acima indicadas cláusulas contratuais, até ao limite constante do registo.
Porém, a executada impugnou aquele valor, em suma, porque as despesas prováveis já se encontram calculadas pela Senhora Agente de Execução, e desconhece quaisquer outras despesas que hajam sido realizadas pelo Banco.
E a esta impugnação que contrapôs o exequente?
Que não havia duplicação entre as despesas prováveis calculadas na execução e as decorrentes das cláusulas contratuais, aduzindo que «estas despesas dizem respeito a valores já desembolsados pelo Embargado para efeitos de recuperação do seu crédito, como sejam diligências próprias, bem como de pagamento de honorários e outras despesas em que possa incorrer no âmbito da acção executiva, designadamente despesas relacionadas com a obtenção e entrada do incidente de habilitação de herdeiros ou outros incidentes a que os presentes autos possam dar origem. Como tal, as despesas peticionadas no âmbito do requerimento executivo encontram-se contratualmente previstas na cláusula 9.ª do documento complementar anexo à escritura dos contratos celebrados entre embargante e embargado».
No caso vertente, será assim?
Como antedito, toda a execução tem por base um título executivo, o qual determina a forma de processo, o fim da execução e estabelece os seus limites objectivos e subjectivos, de harmonia com o actualmente disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CPC. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva[11].
Ora, o que resulta da análise e interpretação dos contratos de mútuo e documentos complementares que titulam a assumpção por parte dos mutuários da obrigação de pagarem as despesas judiciais e extrajudicias havidas pela mutuante em caso de incumprimento?
Que os mesmos se obrigaram e garantiram por via da hipoteca constituída, o pagamento de despesas devidas em cada um dos contratos até ao montante constante dos empréstimos acordados com garantia de hipoteca levada ao registo predial. Mas tal obrigação assumida pelos mutuários no caso em apreço independe da prova da realização das despesas pelo mutuante?
Afigura-se-nos que não.
Em primeiro lugar, por não estarmos perante obrigação líquida, conforme o próprio Banco Exequente assume no próprio requerimento executivo, indicando estas quantias como NÃO estando dependentes de simples cálculo aritmético.
Nas palavras de AMÂNCIO FERREIRA[12] «é ilíquida, para efeitos de execução, a obrigação cujo quantitativo não se encontra ainda determinado (…)», dando como exemplo desta modalidade de iliquidez precisamente «a obrigação de custear as despesas judiciais e os honorários de advogado, estipulada no contrato de mútuo, constante de escritura pública, para o caso de incumprimento, quando o seu montante não se encontra fixado».
Poderia objectar-se que aquela afirmação da exequente foi efectuada porque aquele valor das decorre dos contratos naqueles precisos montantes e, nessa perspectiva, não estão dependentes de cálculo e são líquidas.
Mas basta atentarmos no teor das cláusulas contratuais, mormente as referidas nos pontos 9. e 10. da matéria de facto, para concluirmos que não é assim, como as mesmas evidenciam, ao referir-se às despesas judiciais e extrajudiciais a realizar caso o Banco tenha que recorrer a juízo para a cobrança, as quais correrão por conta do(s) mutuário(s) e serão por ele(s) pagas, em conformidade com a conta apresentada pelo Banco mutuante, ou noutra formulação, como a ainda mais clara, decorrente da cláusula 8.ª, do último contrato de mútuo, da qual expressamente resulta que «os comprovativos do pagamento de despesas, são para todos os efeitos e designadamente para os efeitos do disposto no artigo 50.º do Código de Processo Civil, considerados partes integrantes do presente contrato».
Ou seja, apesar de haver um montante de despesas fixado pelas partes em caso de incumprimento dos contratos de mútuo decorre do teor destes que se trata de despesas prováveis a realizar em caso de necessidade de recurso a juízo, e que o mutuante quis que tal valor provável fosse garantido por hipoteca, assim fazendo constar no registo predial que se encontram garantidas as despesas no valor indicado. Mas no caso em apreço o valor fixado para efeitos da garantia hipotecária das despesas realizadas até aos montantes registados, não se confunde com a liquidez para efeitos da acção executiva dessa obrigação garantida. Não obstante, o Exequente limitou-se no requerimento executivo a pedir o montante que havia estimado aquando da celebração de cada um dos contratos e de harmonia com o seu valor.
Ora, por não estarmos perante despesas líquidas, para efeitos de execução, em face da interpretação das cláusulas de cada um dos contratos, o Banco Exequente sempre teria que especificar no requerimento inicial os valores que considerava compreendidos na prestação devida a título de despesas e concluir por um pedido líquido (artigo 716.º, n.º 1, do CPC). É certo que o pedido formulado corresponde ao valor contratual garantido a título de despesas. Porém, não decorre da interpretação dos contratos que tal valor seja o devido se não houver comprovativo da sua realização pelo exequente. Assim, a especificação no requerimento inicial, em face da obrigação contratual assumida, devia espelhar a conta de despesas apresentada aos executados ou os comprovativos da sua realização, v.g. os extractos de conta que o evidenciassem ou mesmo da carta de interpelação extrajudicial para pagamento, com as quantias discriminadas.
Na realidade, trata-se da necessidade de prova complementar do título, porquanto, conforme ensina LEBRE DE FREITAS[13] «a certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda têm de se verificar antes de serem ordenadas as providências executivas», pelo que, «quando a certeza e a exigibilidade, não resultando do título, tiverem resultado de diligências anteriores à propositura da ação executiva, há que provar no processo executivo que tal aconteceu».
Em casos como o presente, em que a obrigação assumida pelos mutuários se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a comprovada realização de despesas - é necessária uma actividade de prova complementar liminar do título, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, já que - como aduz o citado autor -, os indicados números têm alcance geral, aplicando-se designadamente a todos aqueles casos em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo.
Na espécie, o exequente não apresentou tal prova complementar e a execução prosseguiu, tendo no momento próprio a executada arguido em sede de embargos a duplicação das despesas e impugnado que as contratuais fossem devidas, alegação que permite o conhecimento da exigibilidade da obrigação nesta parte, por não ter sido sanada a sua falta, na contestação apresentada pela exequente.
Ora, nas cartas de interpelação remetidas aos executados o Banco exequente refere-se apenas às despesas extrajudiciais, mas não as quantifica. Já na própria contestação indica que naquele valor estariam, por exemplo, incluídas as despesas decorrentes do incidente de habilitação. Relembramos que no contrato estavam garantidas comprovadas despesas judiciais e extrajudicias.
Assim, i) se os valores estimados nos contratos incluem ambos os tipos de despesa e o exequente não indicou nem comprovou qualquer despesa extrajudicial em que tenha incorrido para o cumprimento do contrato; ii) se as despesas prováveis com a execução estão incluídas no cálculo efectuado pela Senhora Agente de execução no auto de penhora; iii) e se as despesas feitas com o processo executivo, incluindo a correspondente a honorários pagos ao mandatário, conforme o Supremo Tribunal de Justiça recentemente decidiu em revista excepcional, «apenas são passíveis de ser compensadas, a título de custas de parte, conforme previsto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais»[14], importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado na sentença recorrida, os contratos de mútuo dados à presente execução pelo Banco exequente, não preenchem, por si só, sem necessidade de outras provas complementares, os requisitos de exequibilidade quanto às despesas peticionadas no requerimento executivo.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, a apelação procede.
Vencido, o Recorrido, suportará as custas devidas em ambas as instâncias, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, sendo na apelação na exclusiva vertente das custas de parte, a saber: reembolso de taxa de justiça e compensação por gasto com honorários de mandatário[15].
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III.3. Síntese conclusiva:
I - O título formado por contratos de mútuo com hipoteca e seus documentos complementares, em que a obrigação assumida pelos mutuários quanto às despesas garantidas se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a conta ou comprovativo da sua realização - carece de uma actividade de prova complementar liminar, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, já que os indicados números têm alcance geral, aplicando-se designadamente a todos aqueles casos em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo.
II - Na espécie, o exequente não apresentou tal prova complementar e a execução prosseguiu, tendo no momento próprio a executada arguido em sede de embargos a duplicação das despesas e impugnado que as contratuais fossem devidas, alegação que permite o conhecimento da exigibilidade da obrigação nesta parte, por não ter sido sanada a sua falta, na contestação apresentada pela exequente.
III - Assim, i) se os valores estimados nos contratos incluem ambos os tipos de despesa e o exequente não indicou nem comprovou qualquer despesa extrajudicial em que tenha incorrido para o cumprimento do contrato; ii) se as despesas prováveis com a execução estão incluídas no cálculo efectuado pela Senhora Agente de execução no auto de penhora; iii) e se as despesas feitas com o processo executivo, incluindo a correspondente a honorários pagos ao mandatário, conforme o Supremo Tribunal de Justiça recentemente decidiu em revista excepcional, «apenas são passíveis de ser compensadas, a título de custas de parte, conforme previsto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais», importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado na sentença recorrida, os contratos de mútuo dados à presente execução pelo Banco exequente, não preenchem, por si só, sem necessidade de outras provas complementares, os requisitos de exequibilidade quanto às despesas peticionadas no requerimento executivo.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação na revogação da sentença recorrida, julgando procedentes os deduzidos embargos à execução, quanto à quantia de 6.976,81€ (seis mil, novecentos e setenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), e juros que sobre a mesma incidam.
Custas pelo Apelado em ambas as instâncias.
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Évora, 28 de Março de 2019
Albertina Pedroso [16]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Que se restringem às necessárias para a compreensão do objecto do recurso.
[4] Doravante abreviadamente CPC.
[5] E não 14.05.2009, como, por lapso consta na sentença recorrida.
[6] Cujo seguimento electrónico a ora relatora solicitou ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
[7] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda.
[8] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[9] O pedido de declaração da inconstitucionalidade da norma foi formulado pelo Ministério Público pela circunstância de a mesma já ter sido julgada inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, em pelo menos três casos concretos: Acórdãos n.ºs 847/2014 (1.ª secção) e 161/2015 (3.ª secção), e ainda pela Decisão Sumária n.º 130/2015 (1.ª secção).
[10] Proferido no processo n.º 2971/07.7TBAGD-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr., por exemplo, MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., págs. 60 e ss.; e ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, Vol. I, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 174.
[12] Obra citada, págs. 118 e 119.
[13] In A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7.ª edição, Coimbra, 2017, págs. 112 e 113.
[14] Cfr. o Acórdão do STJ de 15-01-2019, tirado em revista excepcional no processo n.º 5792/15.0TBALM.L1.S2, onde a questão é aprofundadamente tratada.
[15] Cfr. SALVADOR DA COSTA, no recente comentário ao Acórdão deste Tribunal da Relação de 02.10.2018, publicado no Blog do IPPC no dia 25.01.2019, com o título: “Condenação no pagamento de custas da parte vencida a final”.
[16] Texto elaborado e revisto pela Relatora.