Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
25802/15.0YIPRT
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: FALTA DE CONTESTAÇÃO
COMINAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - Atento o disposto no artigo 2.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, da falta de contestação não se retira um imediato efeito cominatório pleno, cumprindo ao juiz apreciar e extrair as necessárias consequências jurídicas da existência evidente, manifesta, ou ostensiva, de excepções dilatórias ou da manifesta improcedência do pedido.
II - A manifesta improcedência do pedido a que o diploma em referência alude, «reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor» ou ainda à interpretação que dela seja feita por jurisprudência fixada, significando que seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais.
III - O pedido de pagamento de uma quantia relativa a fornecimento de bebidas, não é evidentemente ilegal por tal fornecimento ter sido efectuado há mais de vinte anos, já que a excepção peremptória de prescrição é um benefício que o devedor pode ou não invocar.
IV - Atento o disposto no regime substantivo quanto à necessidade de invocação da prescrição pelo beneficiário, o conhecimento oficioso desta excepção peremptória está vedado ao julgador.
VI - Consequentemente, não existe qualquer nulidade por omissão de pronúncia a este respeito na decisão recorrida que, em face da falta de contestação, conferiu força executiva ao requerimento inicial.
VII - Tendo oportunamente sido dada ao requerido a possibilidade de se pronunciar, sendo notificado das legais cominações para o não cumprimento do determinado, e sendo a decisão recorrida a mera aplicação daquelas, estamos perante um caso de manifesta desnecessidade da notificação para o exercício do contraditório previamente àquela decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[3]:

I – RELATÓRIO
1. AA veio requerer procedimento especial de injunção ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, contra BB, pedindo a notificação do Requerido para proceder ao pagamento da importância de € 2.729,32 (dois mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de € 7.246,85 (sete mil, duzentos e quarenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de juros de mora vencidos.

2. Regularmente notificado e advertido do prazo de contestação e cominação aplicável, o Requerido veio no decurso do prazo de oposição juntar aos autos instrumento de oposição no qual invocou, para o que ora importa, ser manifesto, no que diz respeito ao suposto fornecimento de bebidas entre Abril e Maio de 1993, que à data da propositura em juízo do presente procedimento injuntivo já haviam decorrido mais de vinte anos sobre o alegado fornecimento, pelo que, sendo o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, nos termos e ao abrigo do artigo 309.º do Código Civil[4], concluiu que a situação em apreço constitui uma excepção peremptória, nos termos e ao abrigo dos artigos 571.º, 576.º, n.º3 e 579.º todos do Código de Processo Civil[5], a qual é de conhecimento oficioso, importando a sua absolvição do pedido, o que requereu.

3. Como o requerido apenas fez prova do pagamento da taxa de justiça, por auto liquidação, nos montantes de € 91,80 e € 112,20, foi determinada a respectiva notificação para proceder ao pagamento devido, ao abrigo do disposto no artigo 570.º, n.º 3, do CPC e posteriormente, como o Requerido respondeu invocando não compreender a notificação, atento o valor da acção e a redução da taxa mercê da tramitação electrónica dos autos, foi proferido despacho em 24-06-2015, esclarecendo qual o valor da acção e a razão pela qual não existia a redução a que o mesmo aludiu, nada mais tendo sido aduzido pelo requerido que, não obstante, não efectuou qualquer pagamento adicional. Após, foi proferido despacho determinando a notificação do Réu para liquidar e pagar a taxa de justiça e sanções a que se referem os números 3 e 5 do mencionado artigo 570.º.
O réu foi notificado deste despacho e na notificação anterior constava expressamente o seguinte segmento: «Efectuado esse pagamento, deverá juntar o respectivo documento comprovativo ao processo distribuído no tribunal acima identificado, pois, se o não fizer, a peça em que apresentou oposição será desentranhada do processo, não produzindo qualquer efeito (artigo 20.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro)».
Não tendo o requerido efectuado qualquer outro pagamento para além do indicado, ao abrigo do disposto no n.º 6 do referido artigo 570.º, foi então determinado o desentranhamento da oposição, e seguidamente foi proferido despacho conferindo força executiva ao requerimento inicial.

4. Inconformado com esta decisão, veio o requerido interpor o presente Recurso de Apelação, formulando as seguintes conclusões:
«A.- No âmbito do presente recurso, da sentença foi requerido o pedido de Apoio Judiciário, na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça, como se alcança dos respectivos documentos juntos como docs. 1 e 2, cujo o teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B.- Nulidade da Sentença
1.- Em sede de oposição à injunção, em especial nos ponto n.º 3 a 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
2.- O ora recorrente alegou por excepção a verificação de uma excepção peremptória - prescrição geral constante do artigo 309.° do C.Civil;
3.- Não tendo a douta sentença, conforme se encontra vinculada nos termos e ao abrigo do artigo 579.º do N.C.P.Civil, tomado conhecimento e se pronunciado sob alegada excepção peremptória;
4.- Tal omissão constitui:
4.1.- Para além da violação do princípio do contraditório constante do artigo 3.º, n.º 3 do N-C.P.Civil;
4.2.- A verificação de uma nulidade constante do artigo 615.º,n.º 1 d) do N.C.P.Civil;
C. Devendo a douta sentença ser considerada nula com os seus legais efeitos, e substituída por outra, que venha nos termos e ao abrigo do artigo 579.° do N.C.P.Civil, tomar conhecimento sob alegada excepção da prescrição constante do artigo 309.° do C.Civil».

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. No despacho em que admitiu o recurso, reparando despacho anterior por constatar o supra referido em A) das Conclusões, o Mm.º Juiz pronunciou-se relativamente à arguida nulidade, considerando que «não se vislumbra que na sentença em crise tenha sido cometida qualquer nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que se consigna para efeito do disposto no artigo 617.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo código, sendo que quanto à alegada omissão de pronúncia não se considera dever proceder porquanto, em face da decisão de desentranhamento da oposição (fls. 22 verso), a eventual exceção perentória não poderia ser apreciada (artigo 579.°, do Código de Processo Civil), porquanto a prescrição não poderá ser conhecida oficiosamente (artigos 303.° e 309.°, do Código Civil e artigo 2.°, do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro)».

7. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar no presente recurso de apelação consiste em saber se se verifica a invocada nulidade por omissão de pronúncia, que assenta no pressuposto que melhor se extrai do corpo das alegações, de que o Juiz devia ter conhecido a invocada excepção de prescrição.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
A factualidade a considerar para a decisão da questão em apreço nos autos, é a supra referida no relatório.
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III.2. – De direito
Como vimos, o Réu não recorreu do despacho proferido pelo Mm.º Juiz que determinou o desentranhamento da oposição deduzida, devendo consequentemente considerar-se restringido o objecto do recurso, nos termos do artigo 635.º, n.º 5, do CPC, ao segmento decisório não abrangido pelos efeitos do julgado, isto é, no caso vertente, à decisão que conferiu força executiva ao requerimento inicial de injunção.
Assim, a primeira nota que se impõe referir é a de que, as conclusões das alegações em que o Réu se refere à invocação da excepção de prescrição que efectuou no requerimento em que deduziu oposição à injunção, se mostram absolutamente deslocadas porquanto foi determinado o respectivo desentranhamento, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido deduzida.
Portanto, quanto às alegações do presente recurso, devemos pronunciar-nos apenas quanto aos segmentos que o Recorrente refere nestes termos:
«A douta sentença ao não tomar conhecimento da alegada excepção peremptória, para além de constituir uma violação do princípio do contraditório constante do artigo 3.°, n.º 3 do N.C.P.Civil; (…) enferma da nulidade constante do artigo 615.º,n.º 1 aI. d) do N.C.P.Civil, já que, conforme já se alegou, por força do artigo 579.º do C.P.Civil, a douta sentença, estava obrigada ao conhecimento da alegada excepção peremptória».
Que dizer?
Antes de mais, enquadrando o caso em apreço, cumpre desde logo afirmar que não podemos olvidar a particularidade de nos encontrarmos perante um procedimento simplificado destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000€, que segue a forma de processo especial prevista no artigo 1.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro[6] e respectivo anexo, de acordo com cujos n.ºs 1 e 2, “na petição, o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos”, sendo o réu “citado para contestar no prazo de 15 dias”.
Para o caso de falta de contestação, rege o artigo 2.º, de cujos termos resulta que “o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente”.
De facto, tendo a figura da injunção sido instituída pelo DL n.º 404/93, de 10 de Dezembro, com o escopo de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo, proclamando o legislador logo no preâmbulo do referido diploma a necessidade de um «significativo esforço de adequação dos trâmites processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou diminuição da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que hão-de informar a nova legislação processual civil», a questão que se suscita no caso em apreço é a de saber se o juiz conferiu força executiva ao requerimento inicial, sem conhecer de questão cujo conhecimento a lei lhe impunha.
Atento o disposto no artigo 2.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, ocorrendo a falta de contestação - e no caso vertente tudo se passa como tal, já que foi determinado o respectivo desentranhamento -, o juiz só não confere força executiva ao requerimento inicial, se ocorrerem, de forma evidente, excepções dilatórias ou o pedido seja manifestamente improcedente.
Significa esta formulação legal que no regime vigente da falta de contestação não se retira um imediato efeito cominatório pleno, cumprindo ao juiz apreciar e extrair as necessárias consequências jurídicas da existência evidente, manifesta, ou ostensiva, de excepções dilatórias ou da manifesta improcedência do pedido[7].
Ora, pretende o Réu que as alegadas dívidas cujo pagamento foi peticionado pelo autor se encontram prescritas por força do disposto no artigo 309.º do Código Civil, por já haverem decorrido mais de 20 anos sobre a data dos invocados fornecimentos pelo autor.
Como é sabido - e o próprio recorrente o refere -, a prescrição é uma excepção peremptória, que importa a absolvição total ou parcial do pedido, consistindo na invocação de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), diferentemente do que acontece com as excepções dilatórias que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Assim, nos termos do regime previsto para o sobredito processo especial, a lei apenas impõe ao juiz que conheça das excepções dilatórias, e se estas ocorrerem de forma evidente. Como tal, o juiz não estava obrigado a conhecer de qualquer excepção peremptória, ainda que manifesta.
Mas, mesmo olhando para o regime legal previsto no artigo 578.º do CPC que o Recorrente pretende haver sido violado pelo Juiz, a conclusão não será diferente.
De facto, enquanto para as excepções dilatórias exemplificativamente elencadas nas diversas alíneas do artigo 577.º do CPC, a regra prevista no artigo 578.º do CPC é a do respectivo conhecimento oficioso, já no tocante às excepções peremptórias, de acordo com o preceituado no artigo 579.º do CPC, o tribunal só conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
Significa esta formulação legal que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cujos factos consubstanciadores tenham sido oportunamente alegados, e as mesmas não sejam configuradas pela lei substantiva como verdadeiros direitos potestativos, inteiramente dependentes da vontade do interessado[8].
Assim, para aquilatar se a prescrição é ou não de conhecimento oficioso, há que encontrar a resposta no regime substantivo, a qual é evidente no caso por ter expressa previsão legal.
De facto, conforme é sabido, a prescrição confere a quem dela possa tirar benefício a possibilidade de impedir o exercício do direito invocado, visando no fundo sancionar a inércia do seu titular em virtude do não exercício do respectivo direito por determinado prazo, clarificando as situações jurídicas por forma a conferir estabilidade aos direitos das partes[9].
Por isso, completado o prazo de prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, aproveitando a prescrição a todos os que dela possam tirar benefício, e só sendo admissível renunciar a este benefício depois de decorrido o prazo prescricional (artigos 301.º, 302.º, e 304.º, n.º 1, todos do CC).
Mas, precisamente porque de um benefício concedido ao sujeito passivo se trata, nada impede que a prestação seja por este realizada para cumprimento de uma obrigação prescrita, quer de forma espontânea quer coercivamente.
Desta sorte, nos termos do artigo 304.º, n.º 2, do CC, não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente pelo devedor em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que a mesma tenha sido satisfeita com ignorância da prescrição, e o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, necessitando a mesma, para ser eficaz, de ser invocada judicial ou extrajudicialmente, por via do que se mostra expressamente previsto no artigo 303.º, n.º 1, do CC.
Nestes termos, é evidente que os citados preceitos da lei substantiva tornam a invocação da prescrição dependente da vontade do interessado, razão por que, o tribunal não pode conhecer oficiosamente desta excepção peremptória. É o que claramente decorre da conjugação dos artigos 303.º, n.º 1 do CC e 597.º do CPC.
Assim sendo, podemos seguramente concluir que mercê do disposto no regime substantivo quanto à necessidade de invocação da prescrição e à impossibilidade do suprimento, de ofício, do seu não aproveitamento pelo beneficiário, o conhecimento oficioso desta excepção peremptória está vedado ao julgador.
Deste modo, não podemos deixar de afirmar desde já que é absolutamente certo o entendimento do Mm.º Juiz de que não existe qualquer nulidade por omissão de pronúncia a este respeito na decisão recorrida.
Vejamos agora se o caso dos autos se enquadra na segunda parte do preceituado no citado artigo do referido diploma, ou seja, se o pedido formulado pelo autor é manifestamente improcedente.
Como vimos, o autor, na petição, deve expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão. Porém, esta exposição sucinta não significa que o autor possa formular o seu pedido sem alegar os factos constitutivos do direito invocado e que consubstanciam a causa de pedir porquanto o diploma em apreço não dispensa o requerente do procedimento de injunção de invocar no respectivo requerimento, os factos materiais que concretamente integram a respectiva causa de pedir. O que faz é permitir que a sua narração se possa fazer em termos sucintos.
Efectivamente, “[a] lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão. Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização da matéria de facto em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva. A invocação dos factos integrantes da causa de pedir que a lei exige não se conforma, como é natural, com a mera afirmação conclusiva de facto ou fáctico-jurídica. Assim, não satisfaz à exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir a mera referência à celebração de contratos, porque os factos em que eles se desenvolvem são, naturalmente, as declarações negociais convergentes das partes”[10].
E quanto a este regime vale ainda a pena lembrar que o requerente do procedimento se encontra formalmente condicionado por ter que expor a sua pretensão e respectivos fundamentos no impresso próprio para o efeito, previsto no artigo 5.º da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, logo, bastante mais limitado quanto ao espaço de que dispõe para enunciar toda a materialidade.
Apreciando agora o caso dos autos à luz destes ensinamentos e dos preceitos legais aplicáveis, temos que o autor apresentou o requerimento inicial no Balcão Nacional de Injunções, invocando, no local próprio Notificação para pagamento ou oposição.
O requerente acima identificado apresentou no Balcão Nacional de Injunções um requerimento de injunção - de cujo teor o requerido foi oportuna e devidamente notificado -, solicitando que lhe seja pago o montante de € 9976.17, correspondente à quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, sendo o capital de € 2.729.32, e os juros de mora de € 7.246.85, sendo a seguinte a exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
«O requerente celebrou com o requerido um contrato de prestação de serviços, referente ao fornecimento de bebidas para um estabelecimento comercial do qual este se apresentava como proprietário.
O requerente sempre negociou directamente com o requerido, sendo este quem lhe fazia as encomendas das bebidas e efectuava os respectivos pagamentos.
Entre Abril e Maio de 1993 o requerente forneceu as bebidas solicitadas pelo requerido, mas este nunca pagou o respectivo valo, totalizando esse valor € 2.829, 32 (dois mil oitocentos e vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos).
No dia 5 de Fevereiro de 2008, o requerido entregou ao requerente a quantia de € 100, 00 (cem euros) para pagamento parcial daquela dívida».
Portanto, no caso dos autos, tendo o requerente alegado os factos essenciais quanto ao contrato de prestação de serviços, invocando ser o mesmo referente ao fornecimento de bebidas para um estabelecimento do qual o requerido se apresentava como proprietário, especificando ser este quem lhe fazia as encomendas e os pagamentos respectivos, nunca o requerimento inicial apresentado nestes termos poderia ser manifestamente improcedente, conclusão que é válida, quer para o procedimento de injunção quer ainda se estivéssemos ab initio perante uma acção comum.
Efectivamente, a manifesta improcedência do pedido a que o diploma em referência alude, «reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor» ou ainda à interpretação que dela seja feita por jurisprudência fixada[11], significando que tal improcedência seja «evidente, patente, notória, pública» ou, como afirma a jurisprudência, «ostensiva, indiscutível, irrefutável, unânime, incontroversa, isenta de dúvidas», ou, noutra formulação, quando seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais[12]. Tal não é manifestamente o caso dos autos: o pedido de pagamento de uma quantia relativa a fornecimento de bebidas, não é evidentemente ilegal por tal fornecimento ter sido efectuado há mais de vinte anos, já que a prescrição é um benefício que o devedor pode ou não invocar, não obstando, nos termos sobreditos, o simples decurso do prazo prescricional ao exercício do direito, a não ser que a excepção seja validamente invocada, e não foi.
Nestes termos, também não se verifica manifesta improcedência do pedido, que determinasse a intervenção oficiosa do juiz, razão pela qual não se verifica a arguida nulidade por omissão de pronúncia, em qualquer uma das vertentes de análise do regime legal vigente.
Efectivamente, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, tem integral correspondência com a previsão anteriormente constante no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, mantendo-se consequentemente válidas todas as considerações que já se encontravam sedimentadas a respeito da respectiva interpretação.
Dispõe o referido preceito legal que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[13].
É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o anteriormente preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, e agora vertido no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo[14].
Vistos estes ensinamentos e volvendo ao caso dos autos, tendo a oposição em que a excepção de prescrição foi invocada pelo réu sido desentranhada, estando legalmente vedada ao juiz a possibilidade do seu conhecimento oficioso, não sendo manifesta a improcedência do pedido, e sendo linear concluir que a nulidade por omissão de pronúncia a que alude agora o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por referência ao artigo 608.º, n.º 2, está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução, ou aquelas que sejam de conhecimento oficioso, é manifesto que tal não ocorre no presente caso em que o Mm.º Juiz se limitou, em cumprimento do disposto no artigo 2.º do DL n.º DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, a atribuir força executiva ao requerimento inicial, por não se verificarem qualquer uma das situações cujo conhecimento a lei lhe impunha, caso resultassem dos autos, o que não acontece na situação vertente.
Desta sorte, a arguida nulidade por omissão de pronúncia quanto à excepção de prescrição não se verifica em qualquer uma das sobreditas perspectivas de análise.
Cumpre finalmente apreciar a existência da invocada violação do princípio do contraditório que, aliás, deve dizer-se, o Recorrente, não concretiza.
Ora, o princípio do contraditório vertido no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e postulado pelo direito a um processo equitativo que decorre do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é um princípio basilar que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, salvos os casos de manifesta desnecessidade.
Efectivamente, “[e]ste princípio é hoje entendido como a garantia dada à parte de participação efectiva na evolução da instância, tendo a possibilidade de influenciar todas as decisões e desenvolvimentos processuais com repercussão no objecto da causa”.
Aplicando estes ensinamentos ao caso dos autos, temos então que, imediatamente após ter determinado o desentranhamento da contestação, o Mm.º Juiz proferiu decisão a atribuir força executiva ao requerimento inicial, sem que previamente tivesse ouvido o Réu a este respeito. Violou por este motivo o princípio do contraditório? Entendemos que não e a justificação resulta desde logo das ressalvas da lei e do desenvolvimento dos autos.
Efectivamente, como decorre do relatório supra, o ora Recorrente foi sempre notificado quer das consequências da falta de oposição, quer das decorrentes da falta de pagamento da quantia devida, designadamente tendo sido notificado para juntar o respectivo documento comprovativo do pagamento ao processo, «pois, se o não fizer, a peça em que apresentou oposição será desentranhada do processo, não produzindo qualquer efeito».
Assim, não tendo o Recorrente procedido à junção do comprovativo de tal pagamento, não podia desconhecer que a consequência seria a sobredita.
Acresce que o Recorrente, que se encontra devidamente representado por Ilustre Advogado, também não podia desconhecer as consequências legalmente previstas para a falta de contestação, tanto mais que foi também expressamente notificado com a cominação legal, nem que a excepção de prescrição não é de conhecimento oficioso, já que tal decorre também de expressa previsão legal.
Nestes termos, decorrendo a atribuição da força executiva ao requerimento inicial da falta de contestação, caso não se verifiquem as sobreditas situações evidentes de existência de uma excepção dilatória ou de manifesta improcedência do pedido, e não tendo o requerido - apesar de devidamente notificado para o efeito, com as legais cominações -, procedido à junção aos autos de documento comprovativo do pagamento devido - mesmo depois de ter sido esclarecido por despacho proferido nos autos e que também lhe foi notificado, da razão por que tal assim era considerado pelo tribunal -, não podia desconhecer que esta seria a necessária e legal decisão final, nada se vislumbrando que pudesse dizer que mudasse tal sentido decisório porque o mesmo resulta expressamente da lei, conforme o mesmo estava devidamente advertido.
Desta sorte, estamos perante um caso de manifesta desnecessidade da notificação prévia para o exercício do contraditório, porquanto foi oportunamente dada ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar e de saber as legais cominações para o não cumprimento do determinado, sendo a decisão recorrida a mera aplicação das mesmas.
Pelo exposto, concluindo-se pela desnecessidade do contraditório prévio à prolação da decisão recorrida, a notificação para o efeito ao ora Recorrente consubstanciaria a prática de acto inútil, que a lei considera não ser lícito realizar no processo, atento o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC.
Improcedem, consequentemente, todas as conclusões do presente recurso.
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III.3. - Síntese conclusiva
I - Atento o disposto no artigo 2.º do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, da falta de contestação não se retira um imediato efeito cominatório pleno, cumprindo ao juiz apreciar e extrair as necessárias consequências jurídicas da existência evidente, manifesta, ou ostensiva, de excepções dilatórias ou da manifesta improcedência do pedido.
II - A manifesta improcedência do pedido a que o diploma em referência alude, «reconduz-se aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor» ou ainda à interpretação que dela seja feita por jurisprudência fixada, significando que seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais.
III - O pedido de pagamento de uma quantia relativa a fornecimento de bebidas, não é evidentemente ilegal por tal fornecimento ter sido efectuado há mais de vinte anos, já que a excepção peremptória de prescrição é um benefício que o devedor pode ou não invocar.
IV - Atento o disposto no regime substantivo quanto à necessidade de invocação da prescrição pelo beneficiário, o conhecimento oficioso desta excepção peremptória está vedado ao julgador.
VI - Consequentemente, não existe qualquer nulidade por omissão de pronúncia a este respeito na decisão recorrida que, em face da falta de contestação, conferiu força executiva ao requerimento inicial.
VII - Tendo oportunamente sido dada ao requerido a possibilidade de se pronunciar, sendo notificado das legais cominações para o não cumprimento do determinado, e sendo a decisão recorrida a mera aplicação daquelas, estamos perante um caso de manifesta desnecessidade da notificação para o exercício do contraditório previamente àquela decisão.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelo Réu, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Réu, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que para efeitos de recurso lhe foi concedido.
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Évora, 30 de Junho de 2016


Albertina Pedroso [15]


Elisabete Valente


Bernardo Domingos







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[1] Distribuído à ora Relatora em 14-06-2016
[2] Instância Local Loulé, Secção Cível, Juiz 2
[3] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Elisabete Valente;
2.º Adjunto: Bernardo Domingos.
[4] Doravante abreviadamente designado CC.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC.
[6] Com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: DL n.º 383/99, de 23/09; DL n.º 183/2000, de 10/08; DL n.º 323/2001, de 17/12; DL n.º 32/2003, de 17/02; DL n.º 38/2003, de 08/03; DL n.º 324/2003, de 27/12; DL n.º 107/2005, de 01/07; Lei n.º 14/2006, de 26/04; DL n.º 303/2007, de 24/08; e Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, não relevando neste caso as alterações inseridas pelo DL n.º 34/2008, de 26/02 e pelo DL n.º 226/2008, de 20/11.
[7] Cfr. Acórdão do TRC de 02-03-2010, proferido no processo 682/07.2YXLSB.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Almedina 2004, pág. 419.
[9] Cfr. exemplificativamente, Acórdãos do STJ de 01-10-2015, Revista n.º 193/06.3TBSRQ.L1.S1 - 7.ª Secção e de 22-10-2015, Revista n.º 273/13.9IHLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, este com o seguinte sumário: I - O decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde; antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício (art. 304.º, n.º 1, do CC). II - Diversamente, o decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate; a caducidade não tem por fundamento primeiro a protecção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos.
[10] Cfr. Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina 2008, págs. 76 e 77.
[11] Cfr. Acórdão TRC de 09-02-2010, proferido no processo 4993/09.4T2AGD.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. citado Acórdão do TRC de 02-03-2010.
[13] Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por José Alberto dos Reis que a propósito do correspondente normativo afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Mais recentemente, cfr. no mesmo sentido, Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.
[15] Texto elaborado e revisto pela Relatora.