Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
899/14.3T8FAR.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CASAMENTO NO ESTRANGEIRO
CONEXÃO
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Não existe qualquer conexão pessoal com o território nacional quando a Autora reside na Suíça, o casamento cuja validade se impugna foi celebrado em Gibraltar, com cidadã de nacionalidade marroquina, e os cônjuges faleceram em Atenas.
2 - Pelo que tendo os factos que sustentam a causa de pedir ocorrido em Gibraltar e não sendo conhecido qualquer impedimento para que a acção seja proposta nesse país, são os Tribunais Portugueses incompetentes.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 899/14.3T8FAR.E1 – Apelação – 1ª Secção
Comarca de Faro – Instância Local – Secção Cível J2
Recorrente: (…).
Recorrido: Ministério Público.
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Vem o presente recurso, interposto do despacho que determinou a incompetência internacional do tribunal e cujo teor é o seguinte:
«Nos termos do disposto no artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do CPC, não há lugar a realização de audiência prévia, passando a proferir-se Despacho Saneador.
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(…), de nacionalidade suíça e residente na Suíça, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Incertos, peticionando, em suma:
a) Que a escritura de compra e venda do prédio urbano sito em Vale da (…) – Aljezur, registado na Conservatória do Registo Predial de Aljezur com o número (…), seja rectificada, passando a constar na mesma o estado civil de (…) como divorciado;
b) Que a apresentação n.º (…) de 2006/09/07, relativa ao prédio indicado em a), seja rectificada, passando a constar na mesma estado civil de (…) como divorciado;
c) Que seja dada sem efeito a escritura de habilitação datada de 3 de Setembro de 1997, celebrada no Cartório Notarial de Lagos.
Para sustentar os supra referidos pedidos, alega, a Autora, ser neta de (…), o qual casou no dia 12 de Agosto de 1960 com (…), na cidade de Roanne (Loire), em França.
Que em Setembro de 1973, (…) abandonou o lar conjugal e foi residir para Marrocos, tendo, ainda no estado de casado com … (de quem apenas se veio a divorciar em 16 de Junho de 1988), contraído matrimónio, em 8 de Setembro de 1981 com (…), cidadã marroquina, perante o Oficial de Casamento de Gibraltar.
Em 14 de Dezembro de 1990, (…) adquiriu o prédio referido em a), sito em Vale (…) – Aljezur, tendo declarado na respectiva escritura de compra e venda ser casado com (…).
Mais, alega que (…) faleceu em Atenas, em 4 de Outubro de 1991, e que em 3 de Setembro de 1997 foi celebrada a escritura de habilitação de herdeiros no Cartório Notarial de Lagos, onde foi declarado que (…) era a única herdeira daquele.
Por sua vez, (…) veio a falecer em 8 de Agosto de 2000.
Por ainda ser casado com (…) aquando da celebração do matrimónio com (…), não pode este último produzir quaisquer efeitos, pelo que, à data da sua morte, a aqui Autora era a única e universal herdeira de (…), tendo o mesmo falecido no estado de divorciado de (…).
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Citado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 22.º do CPC, o Ministério Público apresentou Contestação, invocando a incompetência internacional dos tribunais portugueses e, se assim não se entendesse, a incompetência territorial deste tribunal.
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A Autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência das excepções.
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Cumpre apreciar e decidir.
I - Da incompetência absoluta
Nos termos do disposto no artigo 62.º do Código de Processo Civil, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: ‘a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real’.
Atentos os pedidos deduzidos pela Autora, constata-se que apresenta como causa de pedir da presente acção a nulidade do casamento celebrado entre (…) e (…), facto do qual, resultaria que esta seria a única e universal herdeira daquele e que aquando da celebração da escritura de compra e venda relativa ao prédio em causa o mesmo teria o estado civil de divorciado.
No entanto, aquela nulidade ainda não se encontra declarada. Pelo que, constata-se, na verdade, a presente acção versa sobre a (in) validade do mencionado casamento, uma vez que a procedência dos pedidos deduzidos depende da prévia declaração de nulidade daquele.
Analisando o teor da petição inicial, constatamos que a Autora reside na Suíça, o casamento cuja validade se impugna foi celebrado em Gibraltar, com cidadã de nacionalidade marroquina, o (...) faleceu em Atenas e (...) também faleceu em Atenas.
Com efeito, do ponto de vista pessoal não existe qualquer conexão com o território nacional; os factos que sustentam a causa de pedir ocorreram em Gibraltar e não é conhecido qualquer impedimento para que a acção seja proposta naquele país.
O simples facto de existir um bem localizado em Portugal e cá ter sido outorgada a escritura de habilitação de herdeiros por óbito de (…), não é suficiente para se atribuir competência aos nossos tribunais.
Não se verificando quaisquer factores atributivos da competência internacional dos tribunais portugueses previstos no artigo 62.º do CPC, são os mesmos incompetentes para decidir a presente causa.
A infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, que implica a absolvição da instância (artigos 62.º, 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, alínea a), todos do CPC), o que se determina.
Registe e Notifique.
Custas pela Autora (artigo 527.º do CPC)».
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Inconformada, veio a A., interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que considerou procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
B. Com o respeito devido e merecido pelo Tribunal da Comarca de Faro, a Recorrente não pode deixar de deduzir o presente recurso, porquanto considera ter ocorrido erro de julgamento quando o Tribunal considera que “a procedência dos pedidos deduzidos depende da prévia declaração de nulidade daquele [segundo casamento]”.
C. Com efeito, porquanto ficou demonstrado através da prova documental junta aos autos, o casamento de (…) com (…) apenas foi dissolvido em 16 de Junho de 1988, pelo que é indesmentível, ipso facto que, no dia 8 de Setembro de 1981, (…) casou em Gibraltar com (…), quando se encontrava ainda no estado de casado com (…).
D. Ora, nos termos da Section 25 (1) (b) do Matrimonial Causes Act de 1962, legislação aplicável no território de Gibraltar, «A marriage will be void on the grounds that at the time of the marriage either of the parties was already lawfully married», ou seja, um casamento de alguém que ainda esteja casado não produz os seus efeitos à luz da Lei de Gibraltar.
E. Assim sendo, conforme consta do affidavit de Charles James Simpson, junto aos autos: “nos termos da legislação de Gibraltar, na ausência de qualquer outro tribunal com competência que tenha proferido sentença transitada em julgado (ou equivalente) relativamente ao suposto casamento com a Sr.ª (…), o casamento do Sr. (…) com a Sr.ª (…) seria considerado nulo ipso jure (…) a bigamia não só constitui um crime em Gibraltar, como implica que o segundo casamento é automaticamente nulo enquanto o primeiro subsistir. Com efeito, assim resulta do artigo 25.º, n.º 1, b), da Lei de Casamento de 1962 (a MCA), que dispõe que um casamento será nulo quando à data do casamento uma das partes já for legalmente casada.
F. De acordo com a lei de Gibraltar, a consequência é que o casamento será tratado como se nunca tivesse ocorrido, apesar de uma das partes poder dar entrada de um pedido de nulidade do casamento, nos termos do artigo 5º, d), da MCA (…) com o fundamento de que o casamento tinha sido celebrado em Gibraltar e pretenderia uma declaração de posição jurídica, (…) isso não altera o facto de o casamento ser automaticamente nulo e, em conformidade com a lei de Gibraltar, não há necessidade de dar entrada de um pedido de anulação, de forma a determinar esta situação por meio de declaração judicial proferida por um tribunal com competência em Gibraltar” (negrito e sublinhado nossos).
G. Donde que, aplicando-se ao caso o direito gibraltino, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, violando o disposto na Section 25 (1) (b) do Matrimonial Causes Act de 1962, ex vi do artigo 348.º do Código Civil, ao considerar que “a procedência dos pedidos deduzidos depende da prévia declaração de nulidade [daquele segundo casamento, por parte de um tribunal gibraltino].
H. No despacho em apreço, não foi escrita uma linha sobre o regime da nulidade consagrada na Section 25 (1) (b) do Matrimonial Causes Act de 1962 oportunamente invocada.
I. Sucede que, nos termos do artigo 348.º do Código Civil (“CC”):
1. Aquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.
2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.
3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do direito comum português.
J. Como referem a este respeito Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, p. 309 e seg., “Note-se que, quando o artigo 348.º fala na invocação do direito consuetudinário, local ou estrangeiro, não quer referir-se apenas ao direito costumeiro (quer seja local, quer seja estrangeiro), mas sim ao direito consuetudinário, ao direito local e ao direito estrangeiro. Para todos eles vigora, quanto à prova da sua existência e do seu conteúdo, o mesmo regime” (negrito e sublinhado nosso).
K. Como bem salienta Lima Pinheiro, in Direito Internacional Privado, Vol. I, 2001, p. 456 e segs., o Direito estrangeiro é de conhecimento oficioso, sendo de aplicar pelo Tribunal, mesmo que as partes não o invoquem, o direito competente em virtude das normas de conflitos portugueses.
L. Explicando ainda o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 19-04-2005, processo n.º 3706/04 (in www.dgsi.pt) o seguinte:
“Para chegar a esse conhecimento, o tribunal para além da colaboração das partes que nestes autos – há que dizê-lo, sem subterfúgios – foi nenhuma, pois não juntaram aos articulados quaisquer textos legais, poderia servir-se não só de edições dos códigos no caso de direito civil ou mercantil a aplicar, como de obras de doutrina disponíveis nas livrarias, e em última análise, determinada a questão de facto relevante para o efeito, fazer uso dos mecanismos que tem ao seu dispor para o conhecimento do direito estrangeiro, estabelecidos em diversas Convenções Internacionais, designadamente a Convenção Europeia no Campo do Direito Estrangeiro, assinada em Londres em 1968 e aprovada pelo Dec. nº 43/72, de 24 /04, sendo a autoridade receptora e transmissora o Gabinete de Documentação e de Direito Comparado da Procuradoria Geral da República (para mais detalhada exposição, cfr. o CCivil Anotado, de Abílio Neto, 14ª ed., nota 6 ao citado preceito, pág. 331). E só havendo real impossibilidade, devidamente comprovada de determinar o conteúdo de direito estrangeiro, será lícito, se não houver a conexão subsidiária prevista no nº 2 do artº 23º do CCivil, aplicar o direito interno”.
M. Ao não se ter pronunciado sobre questão que deveria apreciar – o regime da nulidade do matrimónio por bigamia à luz do Direito gibraltino –, presumindo imediatamente que a nulidade teria de ser judicialmente declarada, o Tribunal terá, salvo o devido respeito, incorrido na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC, a qual está directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 608.º, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação…”.
N. É uma verdadeira omissão de pronúncia, uma vez que foi silenciada esta questão fundamental – necessidade ou desnecessidade de declaração de nulidade por um Tribunal de Gibraltar, à luz do direito gibraltino, questão que o tribunal deveria conhecer, por força dos disposto nos sobreditos artigos 348.º do Código Civil e 608.º, n.º 2, do CPC.
O. Note-se ainda que, conforme se argumentou oportunamente nos autos, face à nossa ordem jurídica, que consagra a unidade ou exclusividade matrimonial e, por isso, não admite a poliandria nem a poligamia – cfr. artigos 1577.º e 1589.º, n.º 2, do Código Civil –, existe um impedimento dirimente absoluto para obstar a que quem for casado possa contrair novo matrimónio sem que se ache dissolvido, declarado nulo ou anulado o seu casamento anterior, ainda que o assento (ou transcrição) deste não tenha sido lavrado no registo do estado civil.
P. A proibição da poligamia integra a excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública do Estado Português, prevista no artigo 22.º do Código Civil e na al. f) do artigo 980.º do CPC,
Q. Pelo que, em qualquer caso, equacionar que o Direito de Gibraltar admitisse a bigamia de (…) ou que não sanasse aquele conúbio com a invalidade, resultaria numa contradição flagrante e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado Português a entende.
R. Atentas as considerações referidas no articulado das alegações, entende-se que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao declarar-se incompetente para decidir a presente causa, mormente ao recusar-se a reconhecer a invalidade do mencionado casamento de (…) com (…), uma vez que “aquela nulidade ainda não se encontra declarada”.
S. Na verdade, a proibição da bigamia à luz da reserva da ordem pública internacional do Estado Português determinam a impossibilidade legal da existência de dois cônjuges sobrevivos (supérstites) a concorrerem à herança do mesmo autor – o cônjuge bígamo.
T. Entende-se, pois, que o conhecimento por parte de um tribunal português de uma questão de direito sucessório, tendo presente uma situação factual de bigamia, não carece do prévio reconhecimento da nulidade do segundo matrimónio por parte de um tribunal gibraltino,
U. Solução diversa redundaria em violação do disposto no artigo 5º, n.º 3 (poderes de cognição do Tribunal – o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito) e 6.º (dever de gestão processual – cumpre ao juiz providenciar pelo andamento célere do processo, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou dilatório) do CPC, bem como seria contrária à excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública do Estado Português, prevista no artigo 22.º do Código Civil e na al. f) do artigo 980.º do CPC.
V. Assim sendo, deverá ser revogado o despacho em apreço, com os sobreditos fundamentos (violação do disposto no art. 348.º do CCC e 5º, n.º 3, 6º e 608.º, n.º 2, do CPC, e, designadamente, por ser manifestamente inconciliável com a ordem pública do Estado Português.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que considere internacionalmente competente o Tribunal da Comarca de Faro para julgar a causa, assim se fazendo V. Exas., Senhores Desembargadores, o que é de inteira JUSTIÇA!
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Não houve resposta do MP.
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Apreciando a nulidade invocada no recurso o Sr. Juiz, entendeu que não se verificava porquanto, a questão da competência internacional precedia a apreciação do direito substantivo estrangeiro ou nacional.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º, nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil) [2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2, in fine, do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).
Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que as questões suscitadas no recurso, consistem em saber se:
- Ocorre nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- Se há erro na aplicação do direito e, em consequência, o Tribunal da comarca de Faro é internacionalmente competente para conhecer do pleito.
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Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia

A nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d), só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 608º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [3]. O dever imposto no art.º 608º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu, designadamente quanto a pedido reconvencional ou quanto a matérias de excepção) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado [4] ou das excepções invocadas. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, ou matéria de excepção, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [5]. E é por isto mesmo que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos [6] – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes [7] –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra. Do que acaba de dizer-se resulta claro que a nulidade invocada reporta-se a questões de mérito ou de conhecimento oficioso e no caso a questão da competência internacional dos tribunais portugueses, por se tratar de matéria relativa à competência absoluta é do conhecimento oficioso (art.º 577º e 578º do CPC). E o Tribunal não deixou de conhecer de tal questão. Apreciou-a e decidiu-se pela incompetência absoluta.
Se a decisão é correcta ou incorrecta é uma questão de mérito ou demérito da mesma, que pode conduzir à sua revogação, mas nunca será motivo de nulidade. Assim, nesta parte, improcede a apelação.
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Quanto ao acerto da decisão, apesar dos argumentos da apelante, entendemos que a mesma não merece censura e fez uma correcta aplicação das normas legais pertinentes designadamente dos artigos 62.º, 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, al. a), todos do CPC. Efectivamente, na ausência de qualquer tratado internacional que, expressamente atribua competência internacional aos tribunais portugueses para dirimir um conflito como o que é retratado na PI, regem apenas as normas de direito interno designadamente as constantes do Livro I, do Titulo IV e Capítulos I a V do CPC. Diz a apelante que por força do direito Gibraltino o casamento bígamo é nulo e de nenhum efeito e tal nulidade não carece de ser declarada por qualquer autoridade judicial, valendo ipso jure. Também entre nós o regime das nulidades absolutas determina que os actos ou negócios afectados por tal vício, implicam a sua invalidade e esta é invocável a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286 do CC).
A invalidade decorre directamente da lei, mas para ser oposta a terceiros, carece de ser declarada (que não decretada) para estes a poderem conhecer e até contestar, designadamente por não estarem verificados os pressupostos de facto que a determinam. A própria apelante reconhece que o regime legal Gibraltino prevê a possibilidade de o interessado poder obter a declaração judicial da nulidade. Ora era por aí que deveria ter começado e uma vez obtida tal declaração, ela impor-se-ia aos tribunais portugueses.
Não tendo a A. demonstrado que o 2º casamento do bígamo foi declarado nulo e não havendo, na PI, qualquer outro elemento de conexão donde decorra a competência internacional dos tribunais portugueses, mostra-se correcta a decisão recorrida.
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Concluindo

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, em 03 de Dezembro de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo
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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143, nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247, nota 5 e 228, nota 2.
[4] J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228, nota 2.
[5] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319, pág. 199.
[6] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228, nota 2; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646, nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art.º 660º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto, Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515, nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228, pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263, pág. 187.
[7] Vd. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228, nota 2.