Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
228/13.3TASTR.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONDUTA ÚNICA
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O segmento normativo “de modo reiterado ou não”, introduzido no corpo do nº 1 do artigo 152º do Código Penal pela Reforma Penal de 2007 (Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro), é unívoco no sentido de que pode bastar um só comportamento para a condenação.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, A AA F M M, foi (i) acusado, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de violência doméstica, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 152.º n.os 1 alínea a), 2, 4 e 5, do Código Penal (CP); de par, foi (ii) demandado, por B D N X N M, pela quantia de € 20.000,00 e juros, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes dos factos acusados.

2 – O arguido contestou, cf. fls. 121 e seguintes.

3 – Precedendo audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 13 de Maio de 2014, decidiu nos seguintes termos:

«Com os fundamentos de facto e de direito expostos, o Tribunal decide julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência;

a) Condenar o arguido A AA F DE N M como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º nºs 1 al. a) e 2 do Código Penal, na pena de 03 (três) anos de prisão;

b) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 03 (três) anos;

c) Condenar o arguido A AA F DE N M na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida B D N X N M, com excepção da necessidade de tratarem de assuntos judiciais comuns, com data, hora e local pré determinados, bem como proibição de uso e porte de armas, ambos pelo período de 3 (três) anos, nos termos do n.º 4 do art.º 152.º do Código Penal.

d) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência condenar o arguido/demandado A AA F DE N M, a pagar à queixosa/demandante B D N X N M, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a data de notificação para contestar, até integral pagamento.»

4 – O arguido interpôs recurso daquela sentença.

Pretende ver-se absolvido.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«1. O recorrente impugna o douto Acórdão que o condenou pela prática de violência doméstica, por erro de julgamento;

2. O n.º 4 da Matéria de Facto Provada constante do Acórdão não constitui um facto mas antes uma afirmação genérica, eivada de conceitos de direito, sem relevância penal, não constitui facto que preencha o tipo legal do crime de violência doméstica, deve ser excluído;

3. O “facto” provado constante do n.º 4 da matéria de facto provada não é aceitável por violação do princípio do contraditório e do direito de defesa do arguido, e consequentemente por violação do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa;

4. O ponto n.º 5 da matéria de facto provada no trecho em que refere que “a relação familiar funcionava em função do estado de espírito do arguido, que sempre que por qualquer motivo estava ou ficava de mau humor todo o pretexto constituía fundamento para iniciar uma discussão com a ofendida”, dá como assente uma conduta do arguido descrita de forma vaga, imprecisa, genérica;

5. A imprecisão da matéria de facto provada traduz uma imputação genérica inaceitável e irrelevante;

6. A imprecisão daquela matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório e viola o direito de defesa do arguido consagrado no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa;

7. Deve substituir-se o ponto n.º 5 da matéria de facto provada por outro que se limite a reportar que “desde o casamento até 23 de Novembro de 2012, arguido e ofendida discutiam, discussões que ocorriam de forma não permanente, com uma frequência não concretamente apurada, mas algumas vezes por altura do Natal e das férias grandes de verão”;

8. O ponto n.º 6 da matéria de facto provada dá como assente a frequência de agressões do arguido à ofendida durante as discussões;

9. A acusação pública acusou genericamente que “era frequente” o arguido agredir a ofendida nessas discussões, por presunção;

10. A sentença julgou também genericamente presumindo que havia agressões frequentes quando havia discussões;

11. A decisão violou o princípio do contraditório e direito de defesa do arguido, logo, o disposto no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa;

12. Do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento não se colhe que durante as discussões com a ofendida era frequente o arguido agredi-la física ou verbalmente;

13. As provas que impõem decisão diversa são as declarações da ofendida B, gravadas na sessão do julgamento do dia 17 de Fevereiro de 2014, constantes da gravação audio entre os minutos 44:20 a 44:55 e 48:26 a 49:01;

14. Os factos provados constantes do ponto n.º 6 da Matéria de Facto Provada resultam de depoimentos não concretizados no tempo, omissos quanto ao número de vezes em que ocorreram agressões, quanto à intensidade das mesmas ou resultados;

15. Há erro de julgamento no ponto n.º 6 da Matéria de Facto Provada, pelo que deve este ponto ser substituído por outro que julgue de acordo com a prova produzida, excluindo a referência a que “era frequente o arguido agredir fisicamente a ofendida com empurrões, estalos na face e puxões de cabelos bem como o arguido apelidar a mesma de…”;

16. O arguido alegou na contestação – ponto 6 da contestação e al. aa) da Matéria de Facto não Provada – que depois de 1991 o arguido, a ofendida, os filhos, os sogros dele, amigos do casal e dos filhos, passaram temporadas em Z numa propriedade adquirida pelo casal;

17. Alegou também que durante esses períodos, a relação entre o arguido e a ofendida foi pautada por momentos de grande harmonia, muita cumplicidade, muito amor e auxílio mútuo – ponto 9 da contestação;

18. Estes factos foram julgados não provados, e entende o recorrente que por erro de julgamento uma vez que não foram levadas em conta todas as provas produzidas em julgamento, quer prova documental quer as declarações da ofendida – art. 412.º n.º 2 do CPP;

19. O princípio da livre apreciação da prova não isenta o julgador de decidir de acordo com as regras da experiência comum – art. 127.º do CPP;

20. Os documentos n.os 1 e 2 juntos com a contestação, Registo Diário da Casa do Alentejo, não foram impugnados, foram aceites pela ofendida a por ela confirmada a letra e explicado o teor da sua autoria;

21. Esta prova documental e declarações da ofendida, gravadas em audiência de julgamento do dia 17 de Fevereiro de 2014, entre os minutos 1:27:50 e 1:29:54, demonstram o tipo de relacionamento e a vivência do casal durante anos, à luz da experiência do viver comum dos homens;

22. As provas assim produzidas impõem que os factos constantes das alíneas aa) e cc) da Matéria de Facto não Provada, passem a constar, com o mesmo teor, da matéria de facto provada;

23. As provas produzidas em julgamento, as declarações da ofendida, descritas na sentença na Motivação da Decisão de Facto, são manifestamente insuficientes para que se decida como no ponto 8 da matéria de facto provada se faz, designadamente que quando havia discussões no automóvel era altura em que o arguido tentava abrir a porta dianteira ao mesmo que empurrava a ofendida;

24. Do texto da sentença, na parte respeitante à Motivação da Matéria de Facto Provada, as declarações da ofendida referem um episódio em 2011, outro anterior que não sabe precisar, e um quando estava grávida de cinco meses que também não especifica, prova que não é o bastante para dar como provado o ponto 8 da matéria de facto provada, pelo que a decisão padece de vício – artigo 410.º n.º 2 al. a) do CPP;

25. A decisão proferida quanto aos pontos 13, 16 e 20 da Matéria de Facto Provada não tem suporte factual suficiente nas provas produzidas em audiência de julgamento;

26. Da Motivação da Decisão da Matéria de Facto e síntese das declarações das testemunhas da acusação não há qualquer referência a escoriações sofridas pela ofendida pelo que a palavra escoriações deve ser excluída do ponto 13 da Matéria de Facto Provada;

27. Da Motivação da Decisão da Matéria de Facto, onde constam as declarações das testemunhas em que se baseou o Tribunal para decidir os pontos 16 e 20, quanto à actuação repetida do arguido, quanto ao modo contínuo e reiterado da actuação do arguido, não resultam elementos de prova para dar como provados aqueles pontos, que devem ser excluídos;

28. Existe contradição entre os factos provados nos pontos 16 e 20, quanto à repetição, reiteração e continuidade de comportamento do arguido, elementos integradores do tipo de crime de violência doméstica, e a matéria provada na última parte do ponto 5 da matéria de facto provada;

29. A decisão padece de vício por insuficiência de elementos de prova para a decisão da matéria de facto – art. 410.º n.º 2 al. a) do CPP;

30. A decisão labora em erro na apreciação da prova no que respeita ao depoimento da testemunha U T F Y C ao atribuir-lhe na Decisão Sobre o Exame Crítico das Provas, a confirmação de um facto que a testemunha não afirmou como decorre da Motivação da decisão de Facto constante da douta sentença;

31. O erro notório na apreciação da prova influiu na decisão, designadamente na qualificação jurídica dos actos imputados ao arguido e na medida da pena, o que conduz à nulidade da sentença – art. 410.º n.º 2 al. c) do CPP;

32. O tribunal deu como não provados os factos constantes da al. c) da Matéria de Facto não Provada, mas a sentença serve-se dos mesmos factos não provados para fazer o Enquadramento Jurídico-Penal, transcrevendo-os;

33. A sentença decide sobre o enquadramento jurídico-penal com base em factos não provados, atribuindo ao arguido uma conduta que não teve mas serviu para preencher o tipo objectivo de ilícito do crime de violência doméstica e consequentemente para a condenação do arguido, e até para o agravamento da medida da pena;

34. A sentença está viciada por contradição insanável da fundamentação – art. 410.º n.º 2 al. b) do CPP;

35. O tipo objectivo de ilícito no crime de violência doméstica preenche-se com a acção de infligir maus tratos, entendidos estes como os que pela sua intensidade ou reiteração sejam adequados a afectar a saúde e a dignidade humL;

36. As provas produzidas nos autos, os factos provados, com as alterações que se impõem como anteriormente se disse, não demonstram a prática de actos com intensidade ou reiteração capazes para preencher o tipo legal do crime de violência doméstica impondo-se a absolvição do arguido;

37. A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa – arts. 71.º e 40.º n.º 2 do C. penal;

38. Na determinação da culpa a sentença considerou factos que não se provaram, designadamente o facto constante da al. c) da matéria de facto não provada;

39. A sentença teve em consideração para avaliação do grau de ilicitude da conduta do arguido factos que foram notoriamente apreciados incorrectamente, o depoimento da testemunha U C;

40. A sentença ao decidir por um grau de ilicitude elevado, com base em factos não provados, e outros apreciados incorrectamente, violou o disposto nos arts. 71.º n.os 1 e 2 al. a) e 40.º n.º 2 ambos do C. Penal;

41. Em caso de condenação do arguido, sem contudo conceder, então a pena deve ser fixada no limite mínimo, nessa medida revogando-se a sentença;

42. A sentença condenou o arguido a pagar à ofendida uma indemnização em valor que não respeitou juízos de equidade;

43. A sentença fixou uma indemnização tendo em conta um grau de culpabilidade do arguido elevado, determinado em factos não provados e outros apurados erradamente;

44. A sentença também não teve em consideração os factos provados demonstrativos da situação económica do arguido, designadamente o facto de estar desempregado, sem receber quaisquer subsídios, e ainda ter que pagar as prestações da casa adquirida com recurso a empréstimo bancário;

45. A sentença viola o disposto nos arts. 496.º e 494.º ambos do C. Civil e deve ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido.»

5 – O recurso foi admitido, por despacho de 10 de Julho de 2014.

6 – A Dg.ma Magistrada do Ministério Público no Tribunal a quo respondeu, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1. A descrição de certos factos praticados pelo arguido feita na acusação e acolhida na sentença, alegadamente imprecisa e genérica, não o impediu de exercer cabalmente o contraditório e o direito de defesa na contestação, peça processual na qual não suscitou esta questão.

2. A acusação e, depois, a sentença divisaram factos praticados pelo arguido, localizando-os no espaço e no tempo, os quais tendo sido dados como provados – v.g., pontos 9., 10., 11., 12., 13. da MATÉRIA DE FACTO – seriam, por si só, bastantes para perfectibilizar o tipo de crime por que foi condenado.

3. Os pontos da MATÉRIA DE FACTO PROVADA a que o trecho da motivação do arguido se refere como genéricos e imprecisos ou não revestem nenhuma dessas características, já que a conduta do arguido, ocorrida no período da coabitação, é perfeitamente concretizada – pontos 6., 7. e 8. –, ou não respeitam a elementos essenciais do tipo de crime – pontos 4. e 5. –, dispensando, por conseguinte, descrição mais detalhada.

4. Perscrutada a MATÉRIA DE FACTO PROVADA da sentença sob recurso, não emerge qualquer incerteza quanto aos factos de que o arguido tinha de se defender: os cometidos contra a pessoa de sua mulher, durante o período da coabitação, as mais das vezes na residência do casal. Datas ou locais mais concretos, para além daqueles que foram feitos constar da acusação, por não serem elementos essenciais do crime de violência doméstica, não carecem de alegação na acusação, nem, por conseguinte, de defesa pelo arguido.

5. A sentença recorrida não violou o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

6. O recorrente utiliza uma modalidade de ponderação discricionária da prova ao fazer uma leitura sincopada de alguns elementos de prova, seleccionados de forma conveniente e interessada – mediante a transcrição de uma ínfima parte das extensas declarações da ofendida B, a qual está em contradição com o todo, confirmativo da globalidade dos factos vertidos na acusação, e a junção do “Diário Registo Casa Alentejo” – em lugar de proceder a uma análise objectiva e uma crítica imparcial e contextualizada de toda a prova produzida em julgamento e, designadamente, daquela que foi decisiva para formar a convicção do tribunal, a saber, não só essas declarações, mas também e sobretudo, os depoimentos dos três filhos do casal e as fotografias de fls. 37.

7. Actualmente, o segmento “de modo reiterado ou não” introduzido no corpo da norma do n.º 1 do artigo 152.º do CPenal pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro é unívoco no sentido de que pode bastar só um comportamento para a condenação.

8. No segmento da matéria de facto questionado pelo recorrente, o tribunal a quo seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, sendo que a prova livre tem também como pressupostos valorativos critérios da experiência comum e de normalidade, critérios esses que foram, a meu ver, devidamente observados, inexistindo qualquer violação do artigo 127.º do CPPenal.

9. Da leitura da matéria de facto dada como assente resulta claro ser esta perfeitamente suficiente para imputar o crime de violência doméstica ao arguido A AA F de N M.

10. Não se vislumbra qualquer contradição insanável entre a afirmação de que as ofensas pelo arguido à integridade física e psicológica da demandante, com as dores delas decorrentes, ocorreram repetidamente (pontos 16. e 20. da MATÉRIA DE FACTO PROVADA) e aquela de que se desconhece em concreto qual a cadência dessa repetição (parte final do ponto 5. da MATÉRIA DE FACTO PROVADA).

11. Não pode haver-se como integradora de erro notório na apreciação da prova a menção pelo Mmo. Juiz a quo, em dois trechos da MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO – DA PROVA TESTEMUNHAL E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS, respectivamente – à incerteza e depois à certeza manifestada pela testemunha U T de que a ofendida tinha um olho negro no regresso de uma viagem a Porto Rico, já que tal facto não consta da acusação e, muito menos, foi levado à factualidade assente.

12. Mesmo ignorando no enquadramento jurídico-penal, como deve ignorar-se, a referência à factualidade descrita na alínea c) da MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, não pode deixar de se concluir, face aos factos que ficaram provados, que o crime de violência doméstica se mostra preenchido e que a pena aplicada ao arguido é justa e equilibrada.»

7 – Nesta instância, o Dg.mo Magistrado do Ministério Público, louvado na resposta, é de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso.

8 – Atento o teor das conclusões da motivação recursiva que, afora matérias cujo conhecimento se impõe de ofício, definem e demarcam o objecto do recurso, impõe-se, no caso, fazer exame das seguintes questões (agora alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas): (i) dos vícios da sentença; (ii) do erro do Mm.º Juiz do Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto; (iii) do erro do Mm.º Juiz do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito.


II

9 – Importa, antes de tudo, fazer presente a decisão levada, na instância, sobre a matéria de facto.

Tal seja:

«Da matéria constante da acusação, o tribunal, após a realização de audiência de julgamento, decide julgar provados os seguintes factos:

Da acusação:

1. O arguido, A AA F de N M e B D N X N M são casados um com o outro desde 9 de Outubro de 1976.

2. Dessa união nasceram 3 filhos, todos eles maiores.

3. Aquando do casamento, o casal fixou residência na Rua X em L, mudando-se, posteriormente, para o Largo A M, em V L, onde fixaram a sua casa de morada de família.

4. Desde o início do casamento que o comportamento do arguido para com a ofendida se caracterizou pela violência física, verbal e psíquica.

5. Desde o casamento e até 23 de Novembro de 2012, data em que a ofendida saiu da casa de morada de família, sita no Largo A M, s/n, V L, que a relação familiar funcionava em função do estado de espirito do arguido que, sempre que, por qualquer motivo, estava ou ficava de "mau humor", todo o pretexto constituía fundamento para iniciar uma discussão com a ofendida, as quais ocorriam de forma não permanente, com uma frequência não concretamente apurada, mas algumas vezes por altura do natal e das férias grandes do verão.

6. No decurso de tais discussões era frequente o arguido agredir fisicamente a ofendida, normalmente, com empurrões, estalos na face e puxões de cabelos, bem como apelidar a mesma de "filha da puta", "cabra", "estúpida" e outros impropérios ou, ainda, "inútil", "incompetente", "parasita", ou referindo que a ofendida era um estropício ou, ainda, que tinha parido um monstro, referindo-se ao filho do casal, T M.

7. Era, ainda, vulgar, o arguido no decurso de tais discussões ou sempre que estava exaltado, partir objetos que se encontravam na residência.

8. A maioria dessas discussões e subsequente comportamento do arguido ocorreram ou tiveram o seu início no interior da residência do casal, mas, ocasiões houve em que as discussões ocorreram no interior do veículo automóvel, propriedade dlo casal, altura em que o arguido tentava abrir a porta dianteira do mesmo ao mesmo tempo que empurrava a ofendida, criando nesta a convicção de que pretendia projetá-Ia para fora do veículo em andamento.

9. Quando o casal já residia no Largo A M, em V L, em data não concretamente apurada do verão de 1986, quando a filha, F M, tinha cerca de 8 anos de idade, após o regresso de férias da família, o arguido, incomodado por não ter a chave de casa, arrombou a porta de entrada após o que partiu uma série de objetos que se encontravam no interior da residência.

10. Igualmente em data não concretamente apurada do ano de 1991, o arguido, na sequência de uma discussão com a ofendida, expulsou-a de casa, obrigando-a a ir para a rua com os filhos onde ficaram trajando, apenas, os respetivos pijamas;

11. Igualmente, no dia 23 de Novembro de 2012, entre as 13:00h e as 14:00h, no interior da residência do casal, sita no Largo A M, V L, o arguido e B encetaram uma discussão, no decurso da qual o arguido, dirigindo-se à ofendida, dizia “és uma cabra ... sua estúpida ... tens é falta de porrada nessa tromba ... " ao mesmo tempo que partia os pratos que se encontravam colocados em cima da mesa.

12. A determinada altura da discussão, o arguido agarrou, com força, o braço da ofendida, puxando-o fazendo com que esta embatesse com o seu corpo no armário da cozinha, apenas cessando com tal comportamento por a ofendida ter logrado fugir de casa, solicitando auxilio à sua filha F, também residente no V L.

13. Como consequência do comportamento do arguido, supra descrito, este causou várias lesões no corpo de B, nomeadamente hematomas, escoriações, equimoses e dores nas zonas do corpo atingidas, não tendo, nenhuma delas, sido medicamente avaliadas.

14. E isto porque B, por vergonha, nunca recorreu a um médico ou ao Hospital.

15. Desde o dia 24 de Novembro que o arguido e B se encontram separados, tendo a ofendida saído da residência do casal e ido residir para junto dos filhos.

16. O arguido quis molestar fisicamente B, o que fez, repetidamente, causando-lhe as referidas lesões.

17. Ao proferir as expressões supra descrita, quis o arguido causar-lhe sofrimento e humilhação, o que conseguiu, sabendo que a mesma atingia a honra e consideração pessoal da sua esposa.

18. Ao pretender abrir a porta do veículo automóvel ao mesmo tempo que empurrava a ofendida, o arguido pretendeu transmitir a B que estava na disposição de atentar contra a sua integridade física, com o intuito, concretizado, de a deixar com medo e inquietação, sabendo que nas circunstâncias descritas, tal comportamento era adequado a ser tomado a sério por B, sua esposa.

19. O arguido sabia que B D N X N M era sua esposa.

20. O arguido atuou com o propósito de causar à sua esposa dor física e psicológica, de forma contínua e reiterada, que se traduziu em provocar nela sofrimento, angústia, desalento e medo, não se coibindo de fazê-lo como o fez.

21. Agiu sempre livre, deliberada e conscientemente sabendo proibida e punida por lei a sua conduta.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL

22. Dos atos descritos resultam sentimentos de humilhação, tristeza, ansiedade e medo, tendo provocado grande sofrimento da ora demandante e atingido a sua honra e consideração pessoal.

23. O ora arguido é Engenheiro Agrónomo e como tal é pessoa com instrução superior e ainda é considerado por todos quanto o conhecessem como um intelectual, mercê dos seus gostos literários, das suas opiniões bem formadas e de desempenhar funções de consultor na área das rações para empresas multinacionais.

24. É pois, aos olhos da sociedade em que se insere visto como uma pessoa com idoneidade moral e profissional, de valores, em suma uma pessoa íntegra.

25. Contudo, o arguido atingia a ora lesada no seu mais e profundo âmago, perfurando o seu íntimo de uma tristeza e pavor sem descrição.

26. Tendo assim assumido a lesada a postura defensiva que ser sofrer maus tratos físicos, psicológicos, castigos corporais, privações da liberdade.

27. O poder económico e financeiro sempre exercido pelo arguido sobre o casal.

28. Desde sempre que o arguido foi mestre e senhor das finanças do casal.

29. De tal forma que após a separação do casal nunca deu qualquer pensão de alimentos à mesma,

30. Alegando insuficiência económica.

31. Sendo que o mesmo constituiu a sociedade P Lda. NIPC - 502 849 843, com sede no P.

32. A demandante trabalha precariamente tomando conta de idosos, auferindo o essencial para sobreviver, estando alojada gratuitamente na casa de um familiar.

33. Em todos os seus atos, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem ciente de que, com as suas condutas, violava a lei.

DA CONTESTAÇÃO

34. O casal residiu inicialmente em L, viveram alguns anos em V e por fim fixaram residência no V L.

35. O arguido e a ofendida fizeram frequentes viagens ao estrangeiro sozinhos ou acompanhados pelos filhos por amigos,

36. Quando o filho mais velho, T, fez 32 anos de idade, continuava a viver em casa dos pais, sem rumo de vida, sem ocupação e o arguido exigiu que fosse procurar emprego, que orientasse a vida.

37. O arguido e o filho cortaram relações e a presença do filho em casa, de onde saiu só em Setembro de 2012, provocou uma quebra na relação conjugal.

38. O arguido ficara desempregado e foi estudar para se capacitar para novas actividades, o que a ofendida não aprovou.

39. O arguido possui o curso de regente agrícola passado pela antiga EE de L desde 1978 e em 27 de Julho de 2012 licenciou-se em engenharia Agro-Pecuária na Escola Superior H Coimbra.

40. Trabalhou na empresa E, Ldª, entre Novembro de 1985 e Outubro de 2010.

41. O arguido presenteou a todos e a cada uma das raparigas com dois automóveis e três ao T e ainda uma mota por ter feito o 9º ano de escolaridade.

42. É certo que a ofendida sempre foi uma mãe muito zelosa com os filhos.

43. E quando o pai, depois que o mesmo fez 30 anos de idade começou a dizer-lhe que tinha que procurar emprego, que fazer pela vida.

44. O arguido foi efectivamente angariador de proventos para o casal, apesar de durante cerca de 15 anos a ofendida ter trabalhado como ajudante técnica de farmácia, com carteira profissional e depois durante quatro anos com o seu próprio negócio, na C, que fechou.

45. A ofendida está inclusivamente a trabalhar como dama de companhia de pessoas idosas, em L, de onde aufere rendimentos com que se sustenta.

46. A Sociedade P, Ldª, com sede no V L, foi constituída num tempo em que o arguido fazia vendas que lhe rendiam comissões que deveria facturar, mas desde Abril de 2012 que não tem qualquer rendimento.

47. O arguido constituiu a Sociedade com a ofendida e ainda atribuiu quotas aos filhos, que nunca as pagaram.

DA SITUAÇÃO SOCIAL, ECONÓMICA E FINANCEIRA DO ARGUIDO:

48. O arguido A AA F de N M encontra-se no estado civil de casado, actualmente vive só, em casa própria, da qual paga prestação bancária por crédito à habitação, no valor mensal de € 620,00.

49. O arguido A AA F de N M tem a profissão de engenheiro técnico agrário, mas encontra-se desempregado desde 5/10/2010, não recebendo qualquer tipo de subsídio ou apoio social, vivendo de empréstimos e de algumas reservas pessoais

50. O arguido A AA F de N M é pai de três filhos, com as idades de 37, 35 e 30 anos, respectivamente, os quais, desde Setembro de 2011 que não estão a seu cargo.

51. O arguido A AA F de N M não tem antecedentes criminais.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

O tribunal, após a realização de audiência de julgamento, decidiu julgar não provados, os seguintes factos:

DA ACUSAÇÃO PÚBLICA:

a) O arguido é pessoa descrita como irascível, instável e autoritária.

b) O arguido partia objectos de casa, atirando-os contra a ofendida.

c) Em data e hora não concretamente apurada mas quando a ofendida estava grávida do seu filho, T M, o arguido encetou uma discussão com a ofendida na sequência da qual a empurrou provocando-lhe a queda das escadas que existiam na residência do casal, à data, sita na Rua D, em L.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL:

d) Acrescido pelo facto de tais actos serem reiteradamente praticados à frente de familiares, sendo do conhecimento de todos.

e) e ainda de alguma vizinhança chegada da lesada, que durante anos assistiram aos mesmos, sempre com sentimento de impunidade e altivez do arguido face à lesada.

f) imagem que o arguido cultiva pois sempre foi e continua a ser frequentador de bons restaurantes, cliente habitual da tabacaria onde compra imprensa escrita nacional, internacional e ainda revistas científicas.

g) Pois, o pavor da lesada foi sempre proteger os seus filhos dos acessos de raiva e dos espasmos de fúria com que o lesado frequentemente a presenteava.

h) e ser molestada sexualmente era um mal menor.

i) Sendo que o arguido, ele próprio consciente do absoluto poder que detinha ("upper hand") sobre a lesada, ia fazendo ameaças de molestar fisicamente os filhos se a lesada não cedesse e assim foi perdurando o seu poder.

j) Sendo certo que mesmo isso, não evitava que o arguido sovasse o seu filho quando entendia ser necessário impor mais disciplina.

k) Com a adolescência e posterior maturidade e maioridade dos filhos do casal esse poder diminui até deixar de existir, vendo-se então o arguido na necessidade de obter outra "vantagem" (leverage) sobre a lesada.

l) Na sociedade o arguido detêm uma quota de € 64.844,00 que corresponde a 52% do capital social da empresa cujos destinos sempre foram por si exclusivamente geridos.

m) Essa empresa tem sido um veículo para a titularidade de bens imóveis que são na realidade pertença do casal.

n) Nomeadamente um terreno com 6 hectares na Zona Industrial do P com um pavilhão industrial, que se avalia em cerca de € 650.000.00 (seiscentos e cinquenta mil euros).

o) Sendo que a lesada que toda a vida desempenhou o papel de dona de casa e que teve que abdicar de tudo para o bem estar familiar, para o mesmo não é digna de qualquer sentimento e/ou cuidado moral.

p) O arguido continua a desenvolver indistintamente e com recurso a um familiar solicitador da comarca de L que utiliza como fideicomisso, negócios de consultadoria na sua área, mediando compras e vendas de equipamentos industriais para África, donde retira largos milhares de euros em comissões.

q) Permitindo-lhe assim continuar a fazer a vida que sempre fez.

r) Veja-se que o mesmo, desde a separação do casal que faz sempre as duas refeições diárias, almoço e jantar em bons restaurantes de L.

s) Por sua vez, a lesada que saiu de casa apenas com parcos pertences, negociados com o arguido,

t) Mantendo-se ainda indiviso e por partilhar os bens comuns do casal que além dos bens da dita sociedade, incluem bens no Largo A M, no NN e na Rua MM, todos no V L.

u) E ainda uma propriedade em Z.

v) Tudo está indiviso porque o arguido se recusa sequer a consentir no divórcio, perpetuando-se assim como regente e feitor de todo o património do casal.

w) Mas os abusos morais e psicológicos persistem e a lesada tem vindo a suportar na pele "o preço" de se ter separado do arguido.

DA CONTESTAÇÃO:

x) Nunca, nem no início do casamento, o comportamento do arguido para com a ofendida se caracterizou pela violência física, verbal ou psíquica.

y) As discussões no casal não ocorriam amiúde, menos ainda em épocas festivas ou durante as férias.

z) No Natal e nas férias que o arguido conseguia ter, ia com a ofendida, os filhos e os pais dela para a Madeira, Açores, Marbella e muitas vezes para Vila Nova de Milfontes.

aa) Depois de 1991, o arguido, a ofendida, os filhos, os sogros dele, amigos do casal e dos filhos passavam temporadas em Z, numa propriedade adquirida pelo casal, e todas as semLs tinham um dia só dedicado a eles próprios, para irem almoçar e passear.

bb) Em Agosto e Setembro de 2012 o arguido alugou uma casa no centro de U para passarem férias ele, a ofendida, o sogro, a filha K e o genro R, o neto J, a sobrinha da ofendida, e também por lá passaram a irmã da ofendida com o namorado e a filha M.

cc) Durante todos esses períodos, e foram muitos nos 36 anos que o casal viveu junto, a relação entre o arguido e a ofendida foi pautada por momentos de muita harmonia, muita cumplicidade, muito amor e auxílio mútuo.

dd) Vezes houve em que dirigiam um ao outro palavras menos simpáticas no acalorado de discussões que, como qualquer casal, também tinham, mas logo a seguir faziam as pazes e ainda brincavam com o sucedido.

ee) O arguido não tinha por hábito partir os objectos de casa, ao contrário da ofendida que frequentes vezes o fez, designadamente no dia 23 de Novembro de 2012, como adiante dirá.

ff) Ao contrário do arguido era a ofendida que por ciúmes fazia cenas e provocava discussões, partia a loiça e chegou a agredir fisicamente o marido.

gg) Fê-lo uma durante um jantar perante professores e colegas dele, num convívio na Escola H L, outra num almoço de família em que estavam presentes, entre outros, o genro e os compadres.

hh) De qualquer dessas vezes, sem qualquer razão, sem qualquer discussão, inopinadamente, a ofendida bofeteou o arguido no rosto deixando os presentes, estupefactos e o arguido extremamente vexado.

ii) A ofendida opôs-se, desautorizava constantemente o marido e o ambiente familiar tornou-se pesado nessa altura.

jj) Em 2008, numa discussão que teve com o filho T, que vivia contra a sua vontade em sua casa, sem modo de vida, o arguido, depois de ter sido agredido com três murros e dois pontapés no chão, quis expulsá-lo e a ofendida opôs-se e disse "se ele sair eu também saio".

kk) No sábado que antecedeu o dia 23 de Novembro de 2012 a ofendida fez um ultimato ao arguido dizendo-lhe que tinha que escolher ou ela ou o mestrado.

ll) A ofendida opunha-se a que o arguido fizesse mestrado na Escola Superior Agrária, onde os alunos da turma eram maioritariamente mulheres, dizendo-lhe muitas vezes que não precisava disso para nada.

mm) No dia 23 de Novembro de 2012 próximo das 13:00h o arguido atendia um telefonema de um amigo quando a ofendida começou a gritar para que fosse almoçar e a bater com força a porta que dá acesso às escadas e ao piso do quarto no 1º andar.

nn) Minutos depois a ofendida abriu abruptamente a porta do quarto para trás, entrou e fechou a porta com tanta força que caíram uns livros e uns bibelots das prateleiras.

oo) Ao ver o arguido ao telefone gritou-lhe "tens que vir almoçar, não há nada mais importante na tua vida do que eu, deixa essa merda dos chéchés e vem mas é almoçar".

pp) De seguida atirou o telefone que o arguido segurava ao chão e saiu, voltando a abrir e fechar a porta com força.

qq) O arguido ouviu-a já no r/c da casa, a bater com as portas, ouviu barulho de loiça a partir e desceu para a acalmar porque estava muito enervada, branca, a espumar pelos cantos da boca.

rr) A ofendida havia deitado o prato com o almoço ao chão e havia cacos espalhados pela cozinha.

ss) Depois a ofendida sentou-se no sofá da sala onde permaneceu quase meia hora, mandou mensagens pelo telemóvel e saiu pela porta de trás.

tt) O arguido tem efectivamente o gosto pela leitura e ele e a ofendida deslocavam-¬se amiúde à tabacaria onde ele comprava jornais, revistas científicas ou obras literárias e ela, todas as semLs, as revistas Hola e Gente.

uu) O arguido é uma pessoa de bem, assim é visto por todos os que o conhecem e dentro da porta de casa só passou a ser mal visto quando se viu desempregado, o dinheiro começou a escassear e o arguido passou a exigir maiores cuidados com os gastos.

vv) que deixou caducar por desleixo,

ww) O arguido todos os meses reunia a mulher e os filhos, explicava onde se tinha gastado o dinheiro, donde ele tinha vindo e quanto tinham em poupanças.

xx) A ofendida teve sempre acesso a todas as contas bancárias, usava os cartões Visa para o que queria, fazia gastos astronómicos por mês, às vezes em variadíssimas compras de nenhuma utilidade, só por se tratar de promoções.

yy) Quando o arguido ficou desempregado avisou que os gastos teriam de ser mais comedidos, mas a ofendida não aceitou, divorciou-se dos problemas de dinheiro e não percebeu que depressa as poupanças se esgotaram.

zz) O arguido não alegou insuficiência económica, passou efectivamente a ter falta de dinheiro porque está desempregado, não teve direito a qualquer subsídio de desemprego e não recebeu mais encomendas de projectos.

aaa) Já após a separação o arguido propôs que a ofendida tomasse conta da chamada CC, património do casal, que por estar licenciada para comércio poderia arrendar e daí tirar proveitos, o que ela não aceitou.

bbb) e vive numa casa que faz parte de uma herança indivisa de que também é herdeira.

ccc) O terreno na Zona Industrial do P, pertença da Sociedade, tem 1,5ha e foi avaliado em Maio de 2008 em 143.450,OO€.

ddd) O rigor com as contas e o dinheiro de que a ofendida acusa o arguido, permitiu ao casal adquirir um património considerável, não só as três casas no V L como duas propriedades em Z.

eee) E ainda vários veículos automóveis, inclusivé para os três filhos do casal.

fff) O património está indiviso porque o casal ainda não se entendeu quanto às partilhas e vender bens agora implicaria perder muito dinheiro o que não é aconselhável, uma vez que o casal também tem alguns milhares de euros de dívidas que a ofendida esqueceu que têm de pagar.

ggg) A ofendida diz que o arguido não quer o divórcio para continuar a ser regente e feitor do património do casal e com isto pretende contextualizar os abusos morais e psicológicos que diz suportar na pele por se ter separado do marido.

hhh) Ora, o arguido intentou acção de divórcio no dia 4 de Dezembro de 2013, e quanto à partilha dos bens também já voltou a fazer uma proposta depois de goradas as propostas anteriores feitas de parte a parte, e mesmo os bens da casa, todos os que a ofendida quis, levou-os sem qualquer oposição ou reparo do arguido.

iii) O arguido dedicou à família, à mulher e aos filhos, aos sogros inclusivamente, um grande amor e afeição, proporcionou-lhes uma vida economicamente muito confortável e no trato humano muito gratificante.

jjj) O casal que constituiu com a ofendida teve momentos de desavença e momentos de muita felicidade, como acontece na maioria das famílias, e até passou por alguns muito difíceis de suportar, e que a ofendida descreveu muito bem numa frase que deixou no registo diário da casa do Alentejo, que a família preenchia desde 1990: "Estamos os dois a ficar velhos e cansados, a vida não nos tem sido leve ultimamente, melhores dias virão!"

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A factualidade considerada provada resultou da convicção do tribunal formada a partir do conjunto de toda a prova produzida em audiência de julgamento, havendo que referir:

DAS DECLARAÇÕES:

DA PARTE CÍVEL – B D N X N da M, queixosa e demandante.

Declarou, em síntese que: o primeiro acontecimento de violência foi ainda antes do casamento. Saiu de casa em 24 de Novembro de 2012. Não eram todos os dias de violência verbal. Quando acontecia o arguido dirigia-se a si com as seguintes expressões – que não servia para nada, que era um estropício na vida dele, que apenas servia para ser seu escravo, que era estupida, que era burra, que nem para mulher servia. Quando entrava em casa, pelo bater da porta já sabia se vinha bem ou mal desposto. Se as coisa lhe corriam bem durante o dia, estava bem disposto, se as coisas lhe corriam menos bem, descarregava em casa e em si, uma vez que era a pessoa que estava mais à mão. Dava-lhe empurrões, bofetadas, alguns pontapés, durante as discussões, eram as manifestações de violência doméstica, sobretudo porque não se calava. Violência psíquica pois vivia em função do que podia dizer ou fazer para não destabilizar a situação e isto condicionava a sua vida diária. Isto provocava-lhe ansiedade permanente, desgaste. Havia discussões frequentes, designadamente em alturas em que houvesse um sentimento emocional, Natal, férias, aqui quando tinha de pagar coisas que não lhe apetecia fazer. Chamava-a de “cabra”, “filha da puta” e outros nomes que já não se recorda. Também a chamava de “estupida”, “incompetente”, “parasita”, “monte de merda”, bem como os nomes que constam na acusação. “Pariu um monstro”, dizia-lhe o arguido, referindo-se ao nome do filho T. O arguido partia objectos como armários, pratos, mas apenas lhe arremessou um sapato. Atirar pela porta do carro em andamento – cerca das 9 e tal da noite, em Março de 2011 e outra anterior que não consegue precisar. O carro seguia a 60 km/hora. Via a mão dele a ver se chegava à porta e a empurra-la. Nunca conseguiu pois foram apenas tentativas. Nunca chegou a abrir a porta. Uma delas foi quando estava grávida de 5 meses, na rua D. Saiu para casa de seus pais e voltou por desculpas. Regresso de férias, sabe a situação. Chegaram a casa e não havia chaves para entrar pois as suas chaves estavam com a empregada Idalina. O arguido abriu a porta ao pontapé e no interior partiu qualquer coisa que não se lembra. 1991 – discussão e foi expulsa de casa- não sabe a razão da discussão e foi posta no NNquando moravam na rua MM. Colocou-a nesse largo a si e suas filhas em pijama e o seu filho foi avisar os avós. Foi um terceiro que as levou a L. 23.11.2012 – 13, 14 horas. Já não falavam desde início de novembro. 1.º fim de semL de Novembro deixou de falar com ele e deixaram de dormir juntos. A partir daqui fazia refeições, tratava da roupa e pouco mais. Em 22.11.2012 o arguido disse-lhe que a partir desta data deixava de fazer refeições para ele.

Já tinha ido à APAV várias vezes e deram-lhe indicações para gravar as discussões.

Nesse dia agarrou-a e ofendeu-a. Nunca foi ao hospital pois as marcas que Chegar ao hospital e dizer que era vítima de violência doméstica. Em 24.11.2012 separou-se do arguido por não se sentir em segurança e foi para casa das suas filhas.

Sentia-se nada. Tinha dores físicas, sentia-se vazia. Também lutava contra o seu marido mas este tinha mais força.

Quando ouvia os nomes ditos pelo seu marido, já se sentia bicho ou seja depois da violência estava sempre a esperar de um mimo. Começou a trabalhar aos 16 anos de idade. Sentia-se atingida na sua honra e humilhada. Sentiu pavor, pânico e pensava em defender-se quando ele tentava atirá-la fora do carro. Sentia medo.

As situações não eram constantes. Há intervalos temporais longos sem notícias. As discussões existiam mensalmente e a violência física ocorreram nas situações referidas na acusação e outras que não se recorda. Os acontecimentos acabam por ser pontuais. Houve mais momentos do que aqueles que constam da acusação. Novembro de 2011 a 2012, agredida fisicamente foi só essa. Em 2010 não se recorda. Não apanhava todos os dias. Ele começou a cLlizar a violência para os seua filhos- estes assistiram a alguns actos de violência e muitas vezes intervieram para por termo actos de violência.

Saiu de casa no dia 24 porque passou a ter suporte financeiro dos seus filhos e protecção de segurança. O que a levou a estar em casa era não ter independência financeira. Apesar de ele estar desempregado aparecia dinheiro.

Quanto á violência verbal. Sentiu-se sempre em segundo plano e ele não deixava passar de segundo plano. Em qualquer contrariedade acontecia ofensas verbais com asneiras, o que acontecia com mais frequência que as agressões físicas. Sentia-se rebaixada como pessoa e provocava-lhe abalo. Tem uma sociedade comercial com o seu marido. Anotava num livro as despesas domésticas e o dinheiro que gastava era sempre mal gasto. O arguido dava-lhe dinheiro semLlmente para gastos de casa e assinava um papel em como recebia. Sentia-a condicionada. Dava-lhe € 250,00 por semL para despesas de casa e prestava contas ao final de cada mês e questionava os gastos, os quais questionava e chegou a convencer-se que não sabia gerir as contas.

Vai à APAV desde 2006, data em que o seu neto nasceu. Teve apoio psicológico um ano antes de ir à APAV, por causa de o seu marido andar atrás da sua irmã. Era o seu marido que custeava as contas das festas, pois era a única fonte de rendimento do agregado familiar. Mas quando trabalhava o seu dinheiro também entrava para as despesas do agregado familiar. O seu filho saiu em Setembro e apenas foi agredida em Novembro, ou seja, entre este período não a agrediu fisicamente. Três semLs antes de sair de casa desentendeu-se com o seu marido por ele chegar tarde a casa.

DA PROVA TESTEMUNHAL:

DA(S) TESTEMUNHA(S) DE ACUSAÇÃO E DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL:

1. Depoimento de T N X N M¸ filho do arguido e da demandante, 37 anos, gerente e residente em Lisboa (também testemunha do pedido cível):

Declarou, em síntese, que – Que está de relações pessoais cortadas com o seu pai, arguido, desde 2006. Exteriormente a família era modelo. O marido era o impulsionador da parte económica. A mãe, os avós e tias foram sempre o seu apoio. Em casa viveram sempre, em períodos intermitentes de maior conflitualidade, nem sempre violentos, mas em que a violência esteve de forma regular. Violência verbal mais frequente e violência física nem sempre mas com violência elevada. Por volta dos seus 8 a 10 anos, estava um tio seu em casa e houve um estalo ou empurrão do seu pai à sua mãe e o seu tio teve de intervir para afastar o seu pai. Recorda-se de duas vezes a sua mãe sair de casa para o quintal pedir ajuda aos vizinhos por causa do seu pai. O seu quarto situava-se por baixo do quarto dos seus pais. Muitas vezes, uma dezena de vezes em dez anos, se deslocou ao quarto dos seus pais para intervir em discussões havidas entre eles. Recorda-se do episódio que levou a sua casa a sair de casa. Tinha 17 anos de idade e estava no 12.º ano. O seu pai agrediu-o e a sua mãe saiu de casa e foi para casa de seus avós durante algum tempo. Recorda-se de quatro a cinco episódios de discussões entre os seus pais na cozinha. Interrompeu actos de violência do seu pai para com a sua mãe e se não estivesse naquele local teria havido violência física muito forte. As discussões eram frequentes e o seu pai dirigia à sua mãe nomes injuriosos. Recorda-se que uma noite, quando estava preparado para ir para a cama, quando foi posto na rua de casa com a sua mãe, pelo seu pai, em pijama. Foram transportados por um taxista do V L para casa dos seus avós. Regresso de férias, o seu pai rebentou a porta e partiu objectos de casa. O seu pai dirigia à sua mãe o nome de parasita com frequência e outras como puta cabra arruínas-me a vida, pariste um monstro referindo a si próprio, puta do caralho.

O seu pai trabalhava e a sua mãe também trabalhava numa farmácia. O seu pai foi sempre melhorando a sua situação profissional e a partir de 1990 passou a suportar financeiramente a família. Viveu em casa dos seus pais até 2012. Desde Setembro, Outubro de 2012, ajuda economicamente a sua mãe, dado que o seu pai não ajuda a sua mãe. Trabalhou desde 2004 para empresas em que o seu pai era sócio e gerente. A sua mãe era doméstica por pressão do seu pai. Aos factos de 23 de Novembro de 2012 não assistiu.

Das várias discussões, a sua mãe tinha sempre um papel de tentar ter uma família equilibrada, dado que o pai era ausente porque profissionalmente assim o exigia. A sua mãe teve um negócio próprio, de venda de artigos de decoração, esteve em actividade até 2006. Era a sua mãe que geria o negócio.

Viu a sua mãe no fim de semL seguinte a 23-11-2012 e tinha uns leves hematomas no braço. Falou com a sua mãe sobre esses hematomas e ela disse que foi por causa do seu pai. Foi nesse dia 23 de Novembro a saída de casa da sua mãe. Assistiu a ofensas físicas do seu pai à sua mãe, como agarrões, apertões de pescoço, encurralar contra a parede. Em 2003/2004 durante uma discussão entre os seus pais por causa da empresa não se recorda ter havido agressão física. Não se recorda bem dos factos.

2. Depoimento de G, empregada doméstica, 67 anos, residente em V L

Declarou, em síntese, que – Conhece o arguido e a esposa pois trabalhou para o casal, há cerca de 30 anos. O casal já tinha dois filhos. Trabalha há 50 anos para esta família sempre como empregada doméstica. Para o casal trabalhou cerca de 6 a 8 anos, duas vezes por semL. Está de relações cortadas com o arguido, já há muito tempo, desde há cerca de 30 anos. Nunca assistiu a nada. Tudo era perfeito, à sua frente nada se passou. Nada viu e o que sabe contaram-lhe. A menina (B) tinha vergonha. Sabia algumas coisas pela mãe da menina. Esta também desabafou e dizia que levava tareias.

3. Depoimento de L M N X N M, 30 anos, gerente de contas, residente em Lisboa:

Declarou, em síntese, que – Filha do arguido e da demandante. Está de relações pessoais cortadas com o arguido, seu pai desde 2011, por sua iniciativa. Em 2011 estava em casa de seus pais. Não presenciou nenhum dos factos descritos na acusação, mas recebeu telefonemas da mãe ed gravação das agressões, isto quanto ao dia em que a sua mãe saiu de casa. Recorda-se que, quando regressavam do médico, o seu pai puxou os cabelos à sua mãe, no interior do carro. Também se recorda que na época do Natal e nas férias aconteciam muitas discuss~ões entre o seu pai e a sua mãe. Durante todas as discussões, o seu pai dirigia à sua mãe palavras e expressões como inútil, puta, quero matar-te, vocês são todos inúteis e parasitas. Os factos do Verão de 1896 não se recorda. Em 1991 tinha 7 anos de idade. Recorda-se que chegaram da escola e tinham as malas à porta e a sua mãe disse que iam para casa dos seus avós. Em 23 de Novembro de 2012 não estava em casa e veio de Lisboa por causa da situação. A sua mãe mostro-lhe marcas de agressão na zona lombar e estava perturbada, nervosa. É a filha mais nova do casal. As palavras mais utilizadas pelo seu pai e que dirigia à sua mãe eram inútil e parasita, as quais eram utilizadas também para o seu irmão mais velho, T. Sem saber precisar as datas, assistiu a que os seus irmãos se colocassem entre os seus pais para os separar das agressões. Quando era muito pequena a mãe trabalhava na farmácia e o pai também trabalhava. Quando tinha cerca de 10 anos de idade a mãe deixou a farmácia e o seu pai passou a sustentar a casa. Só tem, recordações de L. É socia da P mas não se recorda do valor da sua quota, mas é igual à dos seus irmãos. Sabe que a sua mãe abriu uma loja mas num período bastante conflituoso. Na altura a sua mãe tinha uma empregada a tempo inteiro. Nada sabe sobre a vida actual do seu pai. A sua mãe saiu de casa por temer que fosse novamente agredida pelo seu pai. Quando a sua mãe saiu de casa não levou nada, mas duas horas depois voltou para levar roupa, produtos de higiene e não levou nada mais da casa, senão alguns móveis. A sua mãe vive em casa do seu avô, pai dela e, quanto ao que sabe, a sua mãe não trabalha. Nas discussões a sua mãe falava em voz alta e colocava-se em defesa física.A sua mãe nunca chamou nenhum nome ao seu pai nem o agrediu. Aconteceram viagens em família alargada, que o seu pai pagou, mas o seu avô também pagou. O seu pai não fazia festas em casa e estava proibida de fazer festas em casa com os seus amigos. Teve dois carros dados pelo seu pai e os irmãos também tiveram cada um o seu carro. A sua mãe teve uma loja mas nada sabe sobre esse assunto.

4. Depoimento de F N X N M, filha do casal:

Declarou, em síntese, que – Não assistiu a nenhuma situação. No dia 23 de Novembro de 2012, pela hora de almoço a sua mãe apareceu em sua casa a pedir para ir a casa dela porque se desentendeu com o pai, com o qual tinha havido uma grande discussão. Foi com a sua mãe a casa e viu a cozinha toda revolvida, o seu pai estava presente e perguntou o que se passou. Não assistiu a nada e do que sabe foi-lhe descrito pelo seu pai. A discussão continuou consigo pelo meio e o seu pai acabou por sair e a sua mãe foi para sua casa. Depois regressaram a casa para arrumar o anexo. A sua mãe abandonou a casa no dia seguinte por causa do tipo de casamento que levava que acabava sempre em violência física. Presente na sua mente, havia discussão em festas como Natal, aniversários. Recentemente assistiu a uma discussão entre os seus pais devido ao facto de a sua mãe não assinar um papel referente a partilhas e, quando chegou ao quaro deles viu o seu pai a puxar os cabelos à sua mãe. Foram postos na rua de casa, quando tinham 12 a 14 anos e foram para casa dos seus avós maternos várias vezes. Houve coisas muito boas mas as más ultrapassaram as boas. Gosto muito do meu pai. Vive próximo da casa de seus pais, apenas separados por uma rua. Os seus pais já não se falavam há cerca de três semLs a contar da data da separação. A sua mãe é que lhe contava o que se passava. Saiu de casa de seus pais em 2003, quando casou. Quando vivia com os seus pais era um casamento de extremos, ou estava tudo muito bem ou estava tudo mal. A sua mãe atava os sapatos ao seu pai, a sua mãe tinha de ter as refeições a horas, senão havia discussão, assunto que era frequente. Numa discussão havia sempre palavrões pelo seu pai. Viu uma vez à noite, depois de uma discussão, ouviu a sua mãe gritar por causa de o seu pai lhe ter batido. Não sabe precisar datas mas estes factos ocorreram várias vezes. Outra vez depois de os seus pais regressarem de uma viagem a Porto Rico, a sua mãe trazia um olho negro. A sua mãe, na altura disse que foi uma queda numa viagem de barco e que alguém lhe terá dado uma cotovelada. Mais tarde a sua mãe disse-lhe que afinal tinha sido o seu pai que lhe bateu no hotel. Esta última vez viu que a sua mãe tinha uma marca negra na nágueda por causa da fechadura do armário onde bateu. A sua mãe dependia economicamente do seu pai, sentia-a pessoa desgastada, cansada. Recorda-se do facto de regresso a casa de férias e quando chegaram não havia chaves de casa e a porta estava trancada. O seu pai arrombou a porta, houve uma discussão grande com a sua mãe e para não lhe bater ele partiu vários objectos de casa. Também se recorda do facto que ocorreu em 1991, uma grande discussão entre os seus pais, com agressões físicas, os seus pais estavam agarrados a agredirem-se, que teve de os separar. Foi no quarto, a sua mãe estava encostada à parede com as mãos à frente para ver se o seu pai não a atingia. O seu pai dava-lhe chapadas ou murros na cara e a sua mãe tentava afastar o seu pai dela. Nessa altura eram postos fora de casa, ou seja, o pai dizia para se irem embora e assim faziam para não haver mais problemas. Foi em Agosto, à hora de jantar, foram postos fora de casa e foram para casa dos seus avós. Ouviu o seu pai chamar à sua mãe os seguintes nomes - parasita, incompetente, inútil estupida, cabra e filha da puta.

Não tem conhecimento de que a sua mãe tenha doença de que depois de uma pancada fique logo com nódoa negra.

DA(S) TESTEMUNHA(S) APENAS DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL:

1. Depoimento de ECI:

Declarou, em síntese, que - No dia 23 de Novembro de 2012, quando estava ao telefone com o arguido, seu amigo, ouviu um estrondo grande. Ouviu gritos de dor, forte, mas não sabe de quem eram, mas era de mulher. Percebeu que se falavam e se falava em voz muito alta, agressiva, forte. Eram cerca das 13 horas.

2. Depoimento de U T F Y C, médico veterinário:

Declarou, em síntese, que – conhece o arguido desde 1986/87 e a sua esposa conheceu mais tarde. Privou com esta família. Chegaram a fazer férias em comum no estrangeiro por duas ou três vezes. Ao longo destes anos conviveram por amizade. Nos últimos tempos houve abrandamento da relação. Almoçavam cerca de 15 em 15 dias. O relacionamento do casal era normal com momentos bons e menos bons. O arguido mimava em demasia os filhos, pois tudo o que pediam, ele dava. A esposa convivia mas era pessoa imprevisível mas instável. Quando tiveram em Porto Rico e o ambiente tornou-se pesado. Quando regressaram da viagem estava tudo excelente. Que saiba não houve agressões. Em casa deles nunca se apercebeu de nada, mas não era visita de todos os dias. Perante essas situações o arguido não dizia mais nada. À sua frente nunca viu o arguido ser desagradável com a sua esposa. O filho passou a ser pesado para o arguido pois já tinha idade e não trabalhava. Depois foi o nascimento do neto com muitos problemas de saúde e deitou o arguido muito abaixo. Quando regressaram de Porto Rico não se recorda se a esposa do arguido trazia um olho negro.

3. Depoimento de RF de N M, irmã do arguido:

Declarou, em síntese, que – tem conhecimento superficial dos factos. Casaram em 76 ou 75 e estão separados desde Novembro de 2012. Em 2005 comprou casa em L e ficou mais próxima do seu irmão. Esteve seis meses em L e tinha contacto frequente mas intermitente. Em 94/95 esteve em Porto Santo de férias com o seu irmão e cunhada. Os pais da sua cunhada iam com frequência de férias com o casal, mas em Porto Santo não. Mostraram-se sempre pessoas com afecto. Entre eles sentia alguma crispação, mas nunca viu nada. Em 2012 a sua cunhada disse-lhe que estava a ir à APAV. Contou-lhe uma cena que terá ocorrido numa ponte de L em que o seu irmão a teria tentado atirar pela ponte. Havia uma grande incoerência pois via a sua cunhada a tratar bem o seu irmão. Arquivou a conversa pois não coincidia com o que via. Ela praticava actos voluntários e não de submissão. Em casa do casal havia uma empregada doméstica. Sempre reconheceu ternura da mulher pelo marido. O seu irmão não era explícito em matéria de ternura com o seu filho, com o neto, com a M, co o T, há muitos naos que não via actos de ternura. O seu irmão, ora arguido, nunca desabafou para si sobre a mulher. A sua cunhada queixou-se que o seu irmão numa das empresas não era bom gestor. O arguido era pessoa presente em casa, pelo menos ao fim da tarde. O seu irmão investia bastante na família. Na família estava o seu irmão de um lado e a sua cunhada e os filhos do outro, do ponto de vista afectivo. Não tem factos. Frequentava a casa de seu irmão quando havia festas. Também passou Natais na casa desta família, onde sentia uma certa crispação. O seu irmão acabava por se retirar por sentir mau estar, mas não sabe explicar objectivamente. Nunca ouviu o seu irmão a chamar nomes à sua cunhada. Verão de 2012, praia do Baleal, não esteve lá. Acha que o seu irmão é emotivo. Depois de casar e quando sentia crispação, o seu irmão retirava-se sempre. Desde a separação comunica apenas com o T e foi resfriando a sua relação com os seus sobrinhos. Desde os 30 anos de idade do T, passou a haver uma crispação latente e permanente. Não questionou o seu irmão sobre a sua cunhada estar a ir à APAV. A rotura do casal deu-se por vontade da B por ela ter saído de casa. A cisão entre a mulher e os filhos do casal não é por ser mau gestor. O filho, desde os seus 20 anos de idade era convidado a fazer-se à vida. O casal transmitiu valores aos filhos. Os seus sobrinhos não são mentirosos. O seu irmão tinha diálogos ternurentos com a mulher.

4. Depoimento de PP, engenheiro técnico agrário, colega do arguido no curso na EE de L:

Declarou, em síntese, que – Conhece a família do arguido com a queixosa. Conhece o arguido desde 73/74. Conhece o casal depois do casamento e frequentou a casa do casal e nunca viu nada que se dessem mal. Achou que eles se davam bem e que eram amigos. Há cerca de 1 ano ou 2, almoçou com o casal no V L. Esteve presente num convívio em 2008, de antigos alunos da EE, o arguido deu uma piada e a mulher não gostou e deu-lhe um toque na cara, deu-lhe uma palmada na cara. O arguido manteve-se sempre calmo. Admite que o arguido tenha ficado envergonhado. Achou sempre que o casal estava bem. Quando nasceu o neto com deficiências, passou a andar triste e também o facto de o filho estar em casa até muito tarde, sem fazer nada e nem procurar trabalho. Nada mais sabe sobre o assunto do filho.

5. Depoimento de BM:

Declarou, em síntese, que – conviveu com o casal numa viagem a Barcelona. Com o arguido tinha uma relação comercial e por isso lidava com ele. Quanto à viagem foi há cerca de 25 anos com o casal e a filha M. Nunca notou qualquer anormalidade no casal. Acha que se davam bem. Há 30 anos que se conhecem e que nunca tiveram qualquer problema. Conhece a empresa do arguido.

6. Depoimento de LLN X, primo direito da demandante:

Declarou, em síntese, que - Havia uma relação próxima com o casal. Em épocas de férias com mais proximidade. Frequentava as festas de família, duas ou três vezes ocorreram em casa deles. Nunca deu por zangas e sempre pensou que se davam bem. Sempre tiveram comportamento normal, nunca deu por nada de infelicidade. Sempre os viu como casal normal. Nunca assistiu a qualquer discussão ou agressão. Não tem conhecimento das causas da separação. O arguido queixava-se sobre o desânimo do filho que com 30 anos ainda estava em casa dos pais. Com a sua prima, esposa do arguido, nunca falou sobre tal assunto.

DA PROVA DOCUMENTAL

Fls 37 - foto

Fls 64 – assento de casamento;

Fls 112 – certificado do registo criminal do arguido, emitido em 20/1/2014.

EXAME CRÍTICO DAS PROVAS

O arguido A AA F de N M não prestou declarações sobre a matéria da acusação, pelo que não temos a sua versão dos factos. Este exercício do direito ao silêncio não pode prejudicar o arguido, mas também não o pode beneficiar.

O depoimento da demandante/queixosa B D N X N da M traduz-se no resumo de acontecimentos ocorridos em datas determinadas e outros em datas não precisas, tendo em conta o período de tempo decorrido na vida do casal composto por si e o arguido A AA F de N M. Foi um depoimento carregado de emoção, sentimento e lamento, mas foi, sobretudo, descritivo e objectivo sobre os vários factos vertidos na acusação. A queixosa definiu com clareza as situações de agressão verbal, física e psicológica exercida pelo arguido, seu marido, ao longo de duas a três décadas de vida em comum. Relatou com convicção os acontecimentos por si vividos, quer na sua casa morada de família, quer no exterior, em que o arguido lhe infligiu ofensas verbais, contra a sua honra e bom nome, as ofensas à sua integridade física contra o seu corpo, bem como as ofensas psicológicas que a foram diminuindo na sua qualidade de mulher, esposa e mãe. Quanto ás ofensas verbais, definiu os nomes e expressões que o arguido, seu marido lhe dirigia no decorrer de discussões, muitas delas sem causa objectiva. Tais nomes e expressões foram confirmadas pelos filhos do casal, T, L M e F. Estas testemunharam alguns momentos em que ouviram o seu pai, ora arguido a dirigir tais palavras e expressões à sua mãe, ora queixosa, a qual pouco ou nada reagia, pois ficava bastante ofendida ao ouvir tais palavras e expressões. Os depoimentos destas testemunhas mostraram-se descritivos, de razoável memória, sendo certo que em algumas situações não conseguiram localizar no tempo, datas em que ocorreram. No entanto foi visível o esforço de memória que exercitaram para deporem com convicção e acerto. É certo que estas testemunhas declararam estarem de relações cortadas com o pai, aqui arguido. Esta situação, segundo o tribunal, não influenciou os respectivos depoimentos, dado que, por um lado, na maioria das situações os depoimentos são coincidentes e, por outro lado, a postura verbal, o esforço de memória e sobretudo a forma independente como depuseram, leva a formar a convicção de que nenhuma destas testemunhas nutriu qualquer intenção de prejudicar o arguido, ou de relatar factos sobre os quais nada sabiam. Contudo, sempre se dirá que parte dos factos relatados foram vividos pelas respectivas testemunhas e outra parte por conhecimento através da sua mãe, aqui queixosa, a qual os confirmou em audiência.

O objecto deste processo, circunscrito à acusação publica, cujos factos foram confirmados pelas declarações da queixosa, esposa do arguido e pelos filhos do casal, é revelador de um caso típico de violência doméstica que ocorre no interior da residência do casal onde apenas residem o conjunto das pessoas que compõem o agregado familiar – marido, mulher e filhos – e uma vivência no exterior onde terceiros, como amigos e conhecidos, apenas observam condutam pacíficas, carinhosas, de respeito mutuo e até de atitudes de casal exemplar. Esta foi a imagem que se procurou construir através dos depoimentos das testemunhas de defesa. Estas foram precisas nos seus depoimentos sobre a pessoa pacífica do arguido e a imagem de boa esposa da queixosa. Contudo sempre foram esclarecendo que o casal tinha momentos bons e momentos maus. Os depoimentos destas testemunhas de defesa incidiram sobre a realidade que algumas partilharam mas que descreveram com um relato em que expressaram dúvidas e dificuldades em justificar determinados factos e momentos da vida do casal. A testemunha E I relatou que num telefonema com ao rguido ouviu gritos de uma mulher, nunca se referindo à queixosa, mas colocando o arguido numa posição de perturbado com grande estrondo e gritos em voz alta. A testemunha U T descreve vivências com o casal em viagens de férias, nas quais não assistiu a qualquer discussão, mas não sabe explicar a afirmação de que a queixosa, ao chegar ao aeroporto de Lisboa na chegada de viagem a Porto Rico, apresentava um olho negro, não tendo sabido dar qualquer explicação para o facto por si confirmado. A testemunha A, irmã do arguido, prestou depoimento com isenção, face à relação que tem com o arguido, revelando o conhecimento que teve dos factos, alguns através da sua própria cunhada, a ora queixosa, os quais se mostram coincidentes, em grande parte com os descritos na acusação, mas nunca questionou o seu irmão sobre as idas da sua cunhada à APAV. Esta testemunha afirmou que os seus sobrinhos não eram pessoas mentirosas, isto para reforçar o seu depoimento quanto aos factos que relatou e que teve conhecimento através dos seus sobrinhos T e M. A testemunha Pedro Palma Lopes descreveu um facto sobre uma alegada agressão da queixosa na pessoa do arguido, numa festa de ex-alunos da EE de L. Este depoimento mostrou-se tão hesitante que o tribunal não o considerou credível, pois a testemunha começou por descrever que a queixosa começou por dar um toque na cara do arguido, seu marido, para, depois de ter havido insistência na pergunta, declarar que lhe deu uma palmada na cara, tendo o arguido se mantido sempre calmo. O depoimento da testemunha JBS assenta no conhecimento do arguido através de relações profissionais e de vigem a Barcelona. Expressou depoimento com claras dúvidas – acha que se davam bem. O depoimento da testemunha LLX prestou depoimento muito reservado, restrito a factos que circunscreve a festas em casa do casal, nas quais nunca assistiu a qualquer facto que pudesse transmitir infelicidade, violência ou mau estar.

Pelo exposto e da conjugação de todos os elementos de prova, designadamente das declarações da demandante/queixosa e dos depoimentos das testemunhas de acusação, filhos do casal, o tribunal forma a convicção de que foi praticado um crime de violência doméstica e que o arguido A AA F de MM foi o seu autor, pelo que deve ser condenado.

Quanto ao pedido de indemnização cível, a matéria de facto dada como provada, resulta das declarações de demandante e, sobretudo, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação (comuns), filhos do casal. Estes revelaram o estado físico, anímico e psicológico em que encontravam a sua mãe após as diversas ocasiões em que ocorriam agressões verbais e físicas praticadas pelo pai, ora arguido.

Quanto à matéria de facto não provada, a qual, na sua maioria, consta da contestação apresentada pelo arguido, resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa, pelas razões já anteriormente expressas e que aqui dou por integralmente reproduzidas.»

10 – Defende o recorrente que a sentença revidenda padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova.

11 – Alega, em abono e em síntese (conclusões 24.ª a 34.ª da motivação do recurso): (i) que as declarações da ofendida, referidas na motivação da decisão sobre a matéria de facto provada, no ponto em que referem um episódio em 2011, outro anterior, que não sabe precisar, e um quando estava grávida de 5 meses, que também não especifica, não são suficientes para dar como provada a matéria como tal arrolada em 8, por isso que a sentença padece do vício prevenido no artigo 410.º n.º 2 alínea a), do CPP; (ii) que o julgamento, como provada, da matéria como tal arrolada em 13, 16 e 20, não tem suporte factual suficiente nas provas produzidas em audiência de julgamento; (iii) que, não havendo qualquer referência a escoriações na motivação da decisão sobre a matéria de facto, tal palavra deve ser excluída do ponto 13 do rol de factos julgados provados; (iv) que devem ser excluídos os pontos 16 e 20 do rol de factos julgados provados, já que da motivação da decisão da matéria de facto não resulta o modo contínuo e reiterado da actuação do arguido; (v) que existe contradição entre os factos arrolados, como provados, em 16 e 20, quanto à reiteração e continuidade do comportamento do arguido, e a matéria, tida como provada, referida como tal na última parte do ponto 5; (vi) que a sentença padece de erro na apreciação da prova [artigo 410.º n.º 2 alínea c), do CPP] no ponto em que atribui à testemunha U C a confirmação de facto que, como decorre da motivação da decisão sobre a matéria de facto, a mesma não afirmou; (vii) que a sentença reporta, em sede de enquadramento jurídico-penal, os factos que alinhou, como não provados, na alínea c) do correspondente rol; e (viii) que a sentença padece do vício de contradição insanável da fundamentação [artigo 410.º n.º 2 alínea b), do CPP] ao atribuir ao arguido uma conduta que não teve.

12 – Importa, antes de mais, ter presente que os vícios da sentença (piáculos de procedimento), tal como prevenidos no artigo 410.º n.º 2, do CPP (resultantes da sentença, a se, ou conjugada com as regras da experiência comum), não podem ser confundidos com os defeitos de julgamento (designadamente com os erros do julgamento da matéria de facto (arguíveis nos termos do disposto no artigo 413.º n.os 3 e 4, do CPP), nem podem ser promiscuídos, maxime, com a divergência entre a convicção própria do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal sedimente sobre os factos, com respeito pelas regras da transparência da fundamentação (artigo 205.º n.º 1, da Lei Fundamental, e artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, estes do CPP) e pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º, do CPP).

13 – Estão em causa, sabidamente, deformidades diversas, ademais com distintas sequelas processuais, seja, no caso dos vícios da sentença, de reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426.º n.º 1, do CPP), seja, no caso de erro de julgamento sobre a matéria de facto, de modificação da decisão revidenda (artigo 431.º, do CPP).

14 – No caso, sem desdouro para a douta argumentação recursiva, o arguido pretexta a verificação de vícios da sentença com fundamento tão apenas em uma divergência relativamente à validação das provas produzidas na audiência de julgamento levada na instância.

15 – Sem embargo, saliente-se, não se vê a pretextada contradição insanável entre a consideração (em 16 e 20 do rol de factos julgados provados) da repetida ocorrência de maus tratos físicos e psicológicos perpetrados pelo arguido sobre a ofendida, e a comprovação (em 5, in fine, do rol de factos julgados provados) de que as discussões entre ambos ocorriam de forma intermitente, com frequência não concretamente apurada, algumas vezes por altura do Natal e nas férias de Verão, pois que se não revela qualquer «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, estre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão» (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em «Recursos Penais», Rei dos Livros, 8.ª edição, Lisboa, 2011, pág. 77).

16 – Por outro lado, não pode ter-se como erro notório na apreciação da prova a referência, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, ao depoimento da testemunha U T, na questão de saber se, no regresso de uma viagem a Porto Rico, a ofendida tinha, ou não, um olho negro, pois que se trata de matéria estranha ao thema probandum, e que, ademais, não foi julgada provada, por isso que a sentença revidenda não revela qualquer «desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência» (AA e ob. cit., pág. 80), no sentido de se ter decidido contra o que se provou ou não provou, ou no sentido de se ter dado como provado o que, de todo, não podia ter acontecido.

17 – De resto, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), há-de conceder-se que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP.

18 – Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

19 – No que pertine ao alegado erro de julgamento em matéria de facto, importa ter presente que a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, não conduz a um novo julgamento nem pode supri-lo.

20 – Na verdade, a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no Tribunal – o modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos.

21 – Pode mesmo dizer-se que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (em muitos casos, v.g., a credibilidade que se concede a um meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais - cfr. I Dias, «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205 e in «Direito Processual Penal», Lições 1988-1989, pp. 135 e segs.

22 – Ensinava o Prof. José Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» - Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 566.

23 – Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.

24 – Nos termos expressamente prevenidos no art. 127.º do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas.

25 – Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal.

26 – O tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida.

27 – Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso.

28 – A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica.

29 – Por outro lado, há que sublinhar, a lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1ª instância apenas ocorre nos termos apontados no artigo 431.º, do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de factos nos termos do artigo 412.º n.º 3, do mesmo diploma.

30 – E, aqui devem ser indicados não (apenas) os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de factos e as concretas provas que impõem decisão diversa.

31 – Por isso, o tribunal de 2.ª instância, apesar de ter poderes de cognição em matéria de facto, não pode sem mais, apreciar quais os meios de prova de que se socorreu o tribunal da 1ª instância para ter dado como provados os factos que veio a dar como provado.

32 – Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa.

33 – No caso, admitindo que o recorrente especificou a factualidade que abonou a respectiva condenação e que, no seu entender, não deveria ter sido julgada provada, em face da inexistência ou insuficiência da prova, e que indicou, como lhe competia, meios de prova que sugeriam decisão diversa da recorrida, certo é que, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º, do CPP), uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal, e outra o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente do respectivo entendimento sobre a valoração da prova, sob pena de se limitar o alegado à mera impugnação da convicção do tribunal recorrido.

34 – O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, que se formule uma outra versão da prova produzida.

35 – Por outro lado, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova.

36 – Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.

37 – E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram Llisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.

38 – Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.

39 – Revertendo ao caso, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, pelas razões que especificadamente detalhou, precedendo a análise crítica dos diversos elementos probatórios, adquiriu a convicção positiva sobre os factos atinentes à culpabilidade do arguido, com abono nas declarações da ofendida, que teve por objectivo e circunstanciado, em boa parte confirmadas pelos depoimentos das testemunhas T, M e K, filhos do casal, e abonadas pelos depoimentos das testemunhas E, U e A, esta irmã do arguido, que corroboraram, em parcelas, as declarações da ofendida.

40 – Ora, em vista da análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo alcançou e exprimiu na decisão recorrida.

41 – E assim, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice.

42 – Com efeito, aquilo que a ofendida e as referenciadas testemunhas, síncrona e sintomaticamente, revelaram sobre a conduta do arguido aporta, como incontornável, a comprovação dos actos delitivos praticados pelo arguido sobre a ofendida.

43 – Tudo para significar que a prova produzida em audiência não apenas consentia, antes impunha a decisão que o Mm.º Juiz do Tribunal recorrido levou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto.

44 – Acresce que a referência (inócua em sede subsuntiva e mesmo em matéria de escolha e medida da pena), a fls. 216 da sentença recorrida, à factualidade estabelecida como não provada em c) do rol de factos julgados não provados, não pode senão ter-se como um erro ou lapso, que o disposto no artigo 380.º n.os 1 alínea b) e 2, do CPP, consente corrigir, devendo ter-se por não escrito, a fls. 216 dos autos, o segmento que refere «Foi o que sucedeu, nomeadamente, em data e hora não concretamente apurada mas quando a ofendida estava grávida do seu filho, T M, o arguido encetou uma discussão com a ofendida na sequência da qual a empurrou provocando-lhe a queda das escadas que existiam na residência do casal, à data sita na Rua D em L».

45 – Em sede subsuntiva, há-de conceder-se que o segmento normativo «de modo reiterado ou não», introduzido no corpo do n.º 1 do artigo 152.º, do CP, pela Reforma Penal de 2007 (Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), «é unívoco no sentido de que pode bastar um só comportamento para a condenação» - cfr., a respeito, por mais significativos, os acórdãos, deste Tribunal da Relação de Évora, de 8 de janeiro de 2013 e de 1 de Outubro de 2013 (Processos 113/10 e 948/11, respectivamente, disponíveis, como os demais citandos, em www.dgsi.pt), e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Maio de 2010 e de 15 de Outubro de 2012 (Processos 1379/07 e 639/08, respectivamente), e vd. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, em «Código Penal – Parte Geral e Especial», Almedina, 2014, pp. 615 e segs., Paulo Pinto de Albuquerque, em «Comentário do Código Penal», Universidade Católica Editora, 2008, pp. 403 e segs., e Américo Taipa de Carvalho, em «Comentário Conimbricense do Código Penal», Parte especial, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pp. 511 e segs.

46 – O arguido tem por violado o disposto nos artigos 71.º n.os 1 e 2 alínea a), e 40.º n.º 2, do CP, na medida em que o tribunal recorrido decidiu «por um grau de ilicitude elevado», pretextando que a pena devia ter sido fixada no limite mínimo.

47 – Importa ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.

48 – Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.

49 – Ora, ressalvado o devido respeito, em face dos factos sedimentados, como provados, na instância, o grau de ilicitude presente na conduta do arguido não pode deixar de ter-se por elevado, relevante, ponderoso, bastando remeter para a comprovada conduta de desconsideração activa do arguido relativamente à integridade física e moral, à dignidade pessoal e relacional, da ofendida, sua mulher, não se vendo razão para a concretização, no mínimo da moldura abstracta, da pena aplicada.

50 – Vale por dizer que, no caso, não se vê que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, ou que haja desconsiderado o comprovado contexto atenuativo relativo à inserção do arguido, por isso que a sentença revidenda não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.

51 – Idêntica consideração vale para o montante estabelecido em sede de reparação indemnizatória, não se vendo que o Tribunal recorrido haja deixado de considerar, designadamente, a condição económico-financeira do arguido em termos de violação dos comandos contidos, maxime, nos artigos 494.º e 496.º, do Código Civil, antes se devendo ter por equitativa e prudencial a quantia que, em tal sede, foi determinada em primeira instância.

52 – Em conclusão, o recurso interposto pelo arguido não pode lograr provimento.

53 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do recorrente em custas, com a taxa de justiça fixada nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.


III

54 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) determinar a correcção da sentença recorrida, dando por não escrito o segmento constante de fls. 216 dos autos, «Foi o que sucedeu, nomeadamente, em data e hora não concretamente apurada mas quando a ofendida estava grávida do seu filho, T M, o arguido encetou uma discussão com a ofendida na sequência da qual a empurrou provocando-lhe a queda das escadas que existiam na residência do casal, à data sita na Rua D em L»; (b) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A AA F M M; (c) condenar o arguido em custas, com a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.

Évora, 20 de Janeiro de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)