Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
807/21.5T8EVR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS
ELEMENTO SUBJECTIVO
RESPONSABILIDADE DA PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Nas situações de contraordenações laborais não é de aplicar o disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, visto que existem normas expressas, designadamente os arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a identificar o que deve conter o auto de notícia e qual a notificação que deve ser efetuada ao arguido para, querendo, apresentar a sua defesa.
II – Também não é de aplicar às contraordenações laborais o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2003, visto que o mesmo versa sobre o disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, já não sobre o disposto nos arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
III – O auto de notícia consiste no momento inicial do processo contraordenacional pelo que é natural que, apesar de se ter constatado a existência objetiva da prática de uma contraordenação, se desconheça ainda se existe imputação subjetiva e, na afirmativa, a que título.
IV – Tal decisão sobre a factualidade subjetiva resultará da investigação a efetuar no âmbito do processo contraordenacional e para o qual contribuirá seguramente a defesa da arguida.
V – No direito contraordenacional a imputação de uma contraordenação a uma pessoa coletiva não está dependente da identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito, por ação ou omissão, bastando-se a comprovação do nexo de causalidade entre essa pessoa coletiva e o ato ilícito e desde que não tenha sido efetuada contraprova a excluir essa responsabilidade.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A recorrente “Work Permit – Empresa de Trabalho Temporário e gestão de Recursos Humanos, Lda.” (arguida) veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou uma coima no valor de €4.080,00, pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelos arts. 15.º, nºs. 1, 2 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10-09, e 554.º, n.º 4, al. b) e 556.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho.
O Tribunal de 1.ª instância, realizada a audiência de julgamento, por sentença proferida em 04-01-2022, julgou nos seguintes termos:
Pelo exposto, o tribunal julga totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, e, consequentemente, decide manter a decisão da autoridade administrativa impugnada nos seus precisos termos.
Mais se condena a Recorrente WORK PERMIT – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS, LDA. no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta – cf. artigo 94.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. aplicável ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Notifique a Recorrente, o Ministério Público e a autoridade administrativa da presente sentença.
Deposite.
Inconformada, veio a arguida “Work Permit – Empresa de Trabalho Temporário e gestão de Recursos Humanos, Lda.” interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
I. A recorrente em sede de defesa escrita suscitou diversas nulidades, nomeadamente omissao de formalidades legais e aplicação de coima sem que previamente a recorrente tivesse exercido o contraditório.
II. Do teor da decisao sob recurso no seu Ponto V a mesma é omissa quanto às sobreditas nulidades pelo que torna a decisao nula por omissao de pronuncia, nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais. Na verdade,
III. A decisao sob recurso não cumpre a Lei pelo que se impugna por meio do presente recurso.
IV. Dispõe o art. 50º do DL 433/82 (Regime Geral das Contraordenações e Coimas) que: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.
V. Foi neste sentido que se pronunciou o Assento nº 1/2003, publicado na I Série do Diário da República a 25 de Janeiro de 2003, ao equiparar o auto de notícia emanado pela autoridade administrativa à acusação em processo penal.
VI. O art. 283º n.º 3 do Cód. Proc. Penal contém um elenco do conteúdo obrigatório da acusação, sancionando com nulidade a inobservância de algum deles.
VII. Não constando da acusação, maxime do auto de notícia, todos os elementos referidos no art. 283º do Cód. Proc. Penal, no que aqui releva, a autoridade administrativa gera ab inicio a ausência processual da arguida que, por seu turno, constituiu a nulidade prevista na al. c) do art. 119º do Código do Processo Penal, nulidade essa que a própria lei considera como insanável, pois inquina à partida toda a defesa da arguida.
VIII. O auto de notícia que funda o presente processo de contraordenação, sob recurso, Não determina, nem sequer menciona a que título é que se pune a conduta da arguida (dolo ou negligência), Não contempla a indicação e identificação de eventuais testemunhas, Nem a qualidade dos agentes que presenciaram a alegada infração, Já no que se refere à factualidade imputada à arguida, diga-se, a mesma é falsa, Isto porque se refere nos autos que a arguida não assegurou ao trabalhador as condições se segurança e saude em todos os aspetos do seu trabalho enquanto entidade empregadora.
IX. Resulta da legislação vigente que as condições de trabalho, no caso vertente dos autos, quando estejamos perante uma contratação de trabalho temporário, são da exclusiva responsabilidade da entidade contratante.
X. Mas ainda que tal assim não fosse, a arguida deixou tal matéria devidamente clarificada em sede de contrato de cedencia de trabalhadores, na sua clausula 19ª na qual foi acordado que a empresa utilizadora cumprirá as obrigações que sobre ela impendem nos termos do artº.186º do Código do Trabalho. Tambem no ponto 2 da citada cláusula atribui-se àquela entidade contratante a responsabilidade por assegurar os serviços de segurança e saude no trabalho no ambito da referida cedencia de mao-de-obra.
XI. Mais: ainda no aludido contrato, na sua clausula 4ª refere-se que a entidade contratante tinha de ceder à aqui arguida o manual de procedimentos a adoptar no cumprimento do contrato celebrado entre as partes.
XII. Tambem a utilizadora (clausula 19ª, ponto 10) é responsavel pelos resultados da avaliação de risco e outras que visem assegurar e garantir a segurança de todos os trabalhadores.
XIII. Ainda, assim, a arguida ministrou formação profissional aos seus trabalhadores ao nivel dos cuidados e riscos associados à atividade que iriam desenvolver.
XIV. Sem prejuizo do exposto sempre se dirá que a arguida conhecia as condiçoes de trabalho e segurança dos seus trabalhadores, antes mesmo do inicio da atividade dos seus trabalhadores.
XV. A arguida desencadeou todos os mecanismos tendentes à assegurar o cumprimento da Lei no ambito do contrato celebrado não podendo, como é bom de ver, executar o contrato na medida em que a direçao dos trabalhos está a cargo da entidade contratante e não da entidade cedente da mao-de-obra.
XVI. Porque assim é, inexiste culpa da arguida, pela violação das normas constantes dos autos pelo que deverá esta ser absolvida do que lhe é imputado, com as legais consequencias. (vide acórdão TR de Lisboa de 10.10.2001, Proc.0026574, Ribeiro de Almeida, www.dgsi.pt)
XVII. A decisão administrativa carece da enunciação dos factos que fundamentam a aplicação da coima em que condena a Arguida;
XVIII. A responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva pressupõe forçosamente uma conduta de um seu órgão ou representantes no exercício das suas funções, conduta essa que pode consistir na autoria imediata ou mediata ou na instigação do ilícito contra-ordenacional imputado à arguida, ou ainda na cumplicidade no acto contra-ordenacional;
XIX. Nenhuma pessoa colectiva poderá responder, em bom rigor, pela prática de uma contra-ordenação, devendo ser co-responsabilizados o ou os agentes pessoas singulares que efectivamente praticam a conduta tipificada como contra-ordenação;
XX. Analisada a decisão administrativa e face à factualidade que consta na mesma, forçoso será de concluir que não é suficiente para estribar a autoria da arguida pelos factos imputados nos autos;
XXI. Tal insuficiência resulta de não ter sido averiguado, em sede de instrução do processo, quem foi o agente singular dos factos contra-ordenacionais verificados e em que condições atuou e também a entidade administrativa partir do pressuposto, erróneo, diga-se, de que a pessoa colectiva tem por si capacidade de acção e de culpa;
XXII. Porque esta responsabilidade da pessoa colectiva, in casu, da Recorrente, é uma “responsabilidade reflexa”, no sentido de que requer uma conduta de uma pessoa singular que atue como órgão ou em representação da arguida;
XXIII. Dos factos nem sequer resulta se a recorrente agiu com dolo ou negligencia, o que por si só influenciará a pena a aplicar a final;
XXIV. Em face deste facto dado como provado na decisão administrativa, forçoso será de concluir que é impossível que a Arguida – pessoa colectiva – tenha agido com dolo, sendo certo que a expressão dolo é conclusiva e conceito de direito;
XXV. Tal insuficiência constante da decisão administrativa, por si só, determina a improcedência da imputação contra-ordenacional, atenta a nulidade que se verifica com a falta de enunciação dos factos que fundamentam a aplicação da coima em que condena a Arguida/Recorrente;
XXVI. A decisão recorrida violou os artigos 50º Dec. Lei 433/82; 119º e 283º do CPP e 186º do CT.
XXVII. Na cedência ocasional, a sua demonstração depende, essencialmente, da alegação e prova de factos que demonstrem a existência de uma cedência de trabalhadores, recaindo o ónus dessa alegação e prova sobre os autores na medida em que vieram invocar direitos que decorrem da alegada cedência ilícita da prestação da sua actividade, nomeadamente, o direito de opção previsto no art. 329º do Código do Trabalho.
XXVIII. O que caracteriza a cedência ocasional é a transferência do trabalhador do quadro de pessoal próprio de uma empresa, à qual está ligado por um contrato de trabalho, para uma outra empresa que o utiliza, beneficiando da prestação da sua actividade, para o efeito exercendo sobre ele os poderes de autoridade e direção e fiscalização próprios da entidade empregadora artº.s 324 e 327 do CT/20
XXIX. Ora, da matéria de facto apurada é possível concluir, que os trabalhadores da recorrente estavam integrados na estrutura organizativa da sua cliente.
XXX. Da conjugação de todos os factos apurados resulta que o contrato celebrado entre a recorrente e a sua cliente era esta ultima quem tinha uma efectiva execução dos trabalhos realizados pelos trabalhadores cedidos, pelo que não lhe poderá ser imputada quaisquer responsabilidades já que todas estas ficaram a cargo da entidade contratante como melhor espelha o próprio contrato celebrado entre aquelas duas entidades.
XXXI. A quem competia ministrar toda a formação necessária para o exercício das funções a que estariam adstritos, cfr. resulta do próprio contrato celebrado entre as partes que se encontra junto aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XXXII. O Regime Jurídico do trabalho temporário passou a estar integrado no actual Código do Trabalho, aprovado pela Lei º 7/2009, de 12/02.
XXXIII. Nos termos do artº 186º, nºs 1 e 6 do C. Trabalho de 2009 cabe à empresa utilizadora o dever de incluir o trabalhador na sua organização dos serviços de higiene, saúde e segurança no trabalho, de lhe assegurar vigilância médica especial, quando exposto a riscos elevados relativos a posto de trabalho particularmente perigosos, e de assegurar ao trabalhador formação suficiente e adequada ao posto de trabalho, tendo em conta a sua qualificação profissional e experiência.
XXXIV. A decisão recorrida deveria ter absolvido a recorrente por ausência de culpa.
Nestes termos, Deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequencia ser lavrado acórdao que revogue a decisão recorrida, absolvendo a recorrente da coima que lhe foi imputada, assim se fazendo, JUSTIÇA!
O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Mmo. Juiz, ao decidir pela improcedência do recurso da decisão da ACT fê-lo na sequência de uma adequada fixação da factualidade – provada e não provada – e de uma correta aplicação da lei ao caso concreto.
2. No que diz respeito, às nulidades por si invocadas pela arguida em sede de impugnação tomou a sentença ora em crise posição sobre as mesmas.
3. No que diz respeito à formação que devia ter sido assegurada ao sinistrado.
4. A contra-ordenação em causa relaciona-se, no essencial, com o incumprimento da obrigação que sobre si impendia de zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade do seu trabalhador (…), em condições de segurança e saúde para o mesmo.
5. O artigo 187.º do Código do Trabalho, sob a epigrafe formação profissional de trabalhador temporário que: 1 - A empresa de trabalho temporário deve assegurar a formação profissional de trabalhador temporário contratado a termo sempre que a duração do contrato, incluindo renovações, ou a soma de contratos de trabalho temporário sucessivos num ano civil seja superior a três meses.”
6. Assim, incumbindo esta obrigação à arguida, decidindo julgar improcedente o recurso da decisão da ACT então apresentado pela aqui recorrente, fê-lo tendo em conta os factos apurados, a lei aplicável e a Justiça que se impõe fazer.
Pelo exposto, Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença com as óbvias consequências.
V. Exas. não deixarão de decidir de acordo com a LEI e a JUSTIÇA
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Admitido o recurso neste tribunal, foi alterado o efeito do mesmo, passando a ser meramente devolutivo.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.
A recorrente não veio responder a tal parecer.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia;
2) Nulidade do auto de notícia;
3) Impugnação da matéria de facto;
4) Entidade responsável pelas condições de segurança e saúde no trabalho em caso de contratação de trabalho temporário; e
5) Insuficiência da matéria de facto para imputar a contraordenação à arguida.
III. Matéria de Facto
A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
A decisão da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Entre a arguida Work Permit – Empresa de trabalho temporário e gestão de recursos humanos, Lda. e a sociedade António Matias – Unipessoal, Lda. foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de utilização de trabalho temporário’, datado de 22 de Março de 2019, mediante o qual as partes declararam que a primeira se obrigava a ceder à segunda trabalhadores temporários, para o exercício das funções inerentes à categoria de trabalhador agrícola indiferenciado, designadamente tendo em vista o descasque de cortiça de falca, rachar lenha para lareiras, rechegas, entre outros, sob a autoridade e direção da segunda, mediante o pagamento de um preço determinado.
2. Entre a arguida e (…), natural da Índia e contribuinte fiscal n.º (…), foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho temporário a termo certo com trabalhador estrangeiro’, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de trabalhador agrícola indiferenciado, a partir de 21 de Março de 2019, mediante o pagamento da quantia de € 600,00, a título de retribuição.
3. No dia 22 de Março de 2019, o trabalhador (…) iniciou a prestação da sua atividade nas instalações da sociedade António Matias, Unipessoal Lda., na sequência do acordo celebrado entre a arguida e esta última empresa.
4. Nesse mesmo dia, por volta das 15h25m, o trabalhador acima identificado, quando se encontrava a operar com uma máquina de descasque de cortiça, propriedade da sociedade António Matias, Unipessoal, Lda., sofreu a amputação de quatro dedos da mão esquerda.
5. O acidente acima descrito ocorreu quando o trabalhador acionou indevidamente o pedal mecânico dessa máquina, enquanto mantinha a mão esquerda ao alcance do órgão móvel da mesma.
6. A máquina de descasque de cortiça acima referida, de marca Moto-Lavra, modelo MDFS-E, não dispunha, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, de proteção coletiva que evitasse o risco de contacto mecânico com o operador, ou seja, que impedisse o acesso às zonas perigoas ou que dispusesse de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas, sendo acionada por meio de um pedal mecânico.
7. A máquina de descasque de cortiça em causa não cumpria os requisitos mínimos de segurança e de saúde previstos na legislação sobre conceção, fabrico e comercialização de equipamentos de trabalho colocados à disposição dos trabalhadores e não dispunha de marcação ‘CE’.
8. A arguida não agiu com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz na organização da prestação de trabalho por parte do seu trabalhador (…), que se encontrava cedido a uma empresa utilizadora de trabalho temporário, não zelando, de forma continuada e permanente, pelo exercício da referida atividade em condições de segurança e saúde para o mesmo.
9. A arguida sabia que a sua conduta é proibida e sancionada por lei contra-ordenacional.
E considerou não provados os seguintes factos:
A. A arguida ministrou formação ao seu trabalhador (…), relativa aos cuidados e riscos associados à atividade que iria desenvolver.
B. O acidente sofrido pelo trabalhador (…) ocorreu na sequência de instruções fornecida ao mesmo pela sociedade António Matias, Unipessoal, Lda., com o desconhecimento e/ou em violação das instruções previamente fornecidas pela arguida.
IV – Enquadramento jurídico
1) Nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia
Considera a recorrente que a decisão administrativa é nula por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou sobre as nulidades que a arguida invocou em sede de defesa escrita, nomeadamente quanto à omissão de formalidades legais e à aplicação de coima sem que previamente a recorrente tivesse exercido o contraditório.
Nos termos conjugados dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, e 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, aplica-se à presente situação o disposto no Código de Processo Penal.
Vejamos, então.
Determina o art. 118.º do Código de Processo Penal que:
1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.

Dispõe ainda o art. 119.º, al. c), do Código de Processo Penal, que:
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
[…]
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;

Regula também o art. 120.º do Código de Processo Penal que:
1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior;
b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória;
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;
c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;
d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.

Por fim, estipula o art. 123.º do Código de Processo Penal que:
1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.

Dos artigos citados, resulta, desde logo, que qualquer violação ou inobservância das normas processuais penais apenas determina a nulidade do ato se tal resultar expressamente da lei, pois, caso contrário, o vício será o da mera irregularidade.
De igual modo, resulta que inexiste qualquer menção expressa à omissão de pronúncia.
Deste modo, a nulidade invocada pela arguida não se reporta a qualquer das normas citadas, antes sim, ao disposto nos arts. 379.º, n.º 1, al. c), e 380.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal.
Estipula o art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, que:
1 - É nula a sentença:
[…]
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Determina o art. 380.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que:
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º

Dispõe, por fim, o art. 97.º do Código de Processo Penal que:
1 - Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
2 - Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.
3 - Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos.
4 - Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
5 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Posto isto, aplicando estes dispositivos à decisão tomada pela ACT, apreciemos.
Analisando a defesa escrita apresentada pela arguida, em sede de processo administrativo, resulta que a mesma veio arguir nulidade insanável, nos termos conjugados dos arts. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, 283.º, n.º 3, e 119.º, al. c), do Código de Processo Penal, por entender que o auto de notícia, que fundamenta o presente processo de contraordenação, não determina, nem sequer menciona, a que título é que pune a conduta da arguida (dolo ou negligência), não contempla a indicação e identificação de eventuais testemunhas, nem a qualidade dos agentes que presenciaram a alegada infração.
Ora, sobre a alegada nulidade, a decisão administrativa pronunciou-se nos seguintes termos:
Alega a arguida a nulidade do auto de notícia, consagrado no Art. 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, nomeadamente pela ausência do elemento objetivo, a identificação das testemunhas e a qualidade dos agentes autuantes.
E dispõe o seguinte o Art. 15.º do RPCOLSS, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro:
Artigo 15.º
Elementos do auto de notícia, da participação e do auto de infração
1. O auto de notícia, a participação e o auto de infração referidos nos artigos anteriores mencionam especificadamente os factos que constituem a contraordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas.
2. Quando o responsável pela contraordenação seja uma pessoa coletiva ou equiparada, indica-se, sempre que possível, a sede da pessoa coletiva e a identificação e a residência dos respetivos gerentes, administradores ou diretores.
3. …

Quanto à ausência do elemento objetivo, refira-se que, primeiramente, nos termos do artigo 550.º do Código do Trabalho, a negligência é sempre punível, constituindo assim norma especial em relação ao preceituado no artigo 8.º do Regime Geraç das Contra-Ordenações; refira-se ainda que não cabe ao agente autuante fazer a imputação dos factos a título de culpa, sob pena de contrariar o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, conforme entendimento tido no Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, de 06 de dezembro de 2017, processo 746/17.4T8LSB.L1-4.
Quanto à identificação de testemunhas, cabe dizer que são eventuais, não havendo nada no auto de notícia que indique ter havido audição de testemunhas, o que não se confunde com as informações que tenham sido apuradas no realizar da visita inspetiva.
Por fim, quanto à omissão da qualidade do agente autuante no auto de notícia, se o mesmo merecer leitura atenta, verifica-se estar presente a identificação e qualidade do mesmo no início do auto – “(…) eu, (…), Inspetora Principal da Autoridade para as Condições do Trabalho (…)”, e sendo assinado o auto de notícia pelo agente autuante, com a indicação da sua qualidade.

Ora, independentemente do acerto da decisão proferida, é inquestionável que a mesma tomou posição sobre a questão invocada pela arguida.
Acresce que a omissão de pronúncia se reporta expressamente à não tomada de decisão sobre determinada questão, já não quanto aos argumentos apresentados. De igual modo, inexiste nulidade por omissão de pronúncia se a decisão for errada ou a sua fundamentação for insuficiente.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 09-02-2012[2]:
III - A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. c) do n.º 1 do art. 379.°), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.

Pelo exposto, improcede a invocada nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia.

2) Nulidade do auto de notícia
Considera a recorrente que o auto de notícia é nulo, nos termos do art. 119.º, al. c), do Código de Processo Penal e 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, ao não cumprir os requisitos impostos pelo art. 283.º, n.º 3, do mesmo Diploma Legal, designadamente ao não identificar a que título a arguida cometeu a referida contraordenação (dolo ou negligência), ao não indicar e identificar eventuais testemunhas e ao não indicar a qualidade dos agentes que presenciaram a alegada contraordenação.
Estipula o art. 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que:
[…]
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) As circunstâncias relevantes para a atenuação especial da pena que deve ser aplicada ao arguido ou para a dispensa da pena em que este deve ser condenado;
d) A indicação das disposições legais aplicáveis;
e) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
f) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
g) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
h) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
i) A data e assinatura.

Dispõe também o art. 13.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:
1 - O auto de notícia e a participação são elaborados pelos inspectores do trabalho ou da segurança social, consoante a natureza das contra-ordenações em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto em legislação especial, há lugar a auto de notícia quando, no exercício das suas funções o inspector do trabalho ou da segurança social, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sujeitas à fiscalização da respectiva autoridade administrativa sancionada com coima.
3 - Consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado nos termos do número anterior enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.
4 - Relativamente às infracções de natureza contra-ordenacional cuja verificação não tenha sido comprovada pessoalmente pelo inspector do trabalho ou da segurança social, há lugar à elaboração de participação instruída com os elementos de prova disponíveis e a indicação de, pelo menos, duas testemunhas e o máximo de cinco, independentemente do número de contra-ordenações em causa.

Regula ainda o art. 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:
1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infracção referidos nos artigos anteriores mencionam especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas.
2 - Quando o responsável pela contra-ordenação seja uma pessoa colectiva ou equiparada, indica-se, sempre que possível, a sede da pessoa colectiva e a identificação e a residência dos respectivos gerentes, administradores ou directores.
3 - No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal.

Estatui, igualmente, o art. 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:
1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infracção são notificados ao arguido, para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima.
2 - Dentro do prazo referido no número anterior, pode o arguido, em alternativa, apresentar resposta escrita ou comparecer pessoalmente para apresentar resposta, devendo juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar ou apresentar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infracção.
3 - Quando tiver praticado três ou mais contra-ordenações a que seja aplicável uma coima única, o arguido pode arrolar até ao máximo de cinco testemunhas por todas as infracções.

Determina, por fim, o art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, que:
Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

Apreciemos.
Em primeiro lugar, importa apurar se a decisão administrativa e, posteriormente, a sentença sob recurso, apreciaram corretamente a invocada nulidade do auto de notícia.
Ora, conforme constava da decisão administrativa supracitada, aplica-se ao auto de notícia da presente contraordenação laboral, não o disposto no art. 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, mas sim, o disposto no citado art. 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09 e, digamos nós, igualmente o art. 17.º da referida Lei.
De qualquer modo, desde já se esclarece que a inexistência dos elementos previstos no n.º 3 do art. 283.º do Código de Processo Penal não implica a nulidade insanável do art. 119.º, al. c), do mesmo Diploma Legal, conforme a arguida parece pretender, mas sim, a nulidade prevista naquele número e artigo, ou seja, a nulidade dependente de arguição, sendo que, no caso das situações previstas nas als. a), b) e c), tais nulidades podem permitir igualmente a rejeição da acusação, nos termos do art. 311.º, n.º 3, do Código de Processo Penal[3].
Atente-se que o próprio acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2003[4] [5], a que a arguida faz menção, consigna que o não fornecimento, no cumprimento do disposto no art. 50.º do Regime Geral das Contraordenações, de todos os elementos necessários ao arguido para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, implica a nulidade desse ato, nulidade essa dependente de arguição, ou seja, nulidade sanável, e não insanável, como a arguida veio defender.
Deste modo, a existir algum vício na comunicação efetuada à arguida, prevista no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10[6], sempre estaríamos perante uma nulidade dependente de arguição, já não de uma nulidade insanável.
No entanto, nas situações de contraordenações laborais, como é o caso presente, não é de aplicar o disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, visto que existem normas expressas, designadamente os arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a identificar o que deve conter o auto de notícia e qual a notificação que deve ser efetuada ao arguido para, querendo, apresentar a sua defesa.
Também não é de aplicar à presente situação o mencionado acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2003, pelo menos de forma direta, visto que o mesmo versa sobre o disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, já não sobre o disposto nos arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
Cita-se a este propósito o acórdão do TRG, proferido em 05-03-2020[7]:
1. O “Assento” do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003, publicado no Diário da República n.º 21/2003, Série I-A, de 25/01/2003, tendo-se pronunciado sobre o art. 50.º – direito de audição e defesa do arguido previamente à aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória – do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, não releva em sede de procedimento por contra-ordenações laborais, posto que o Regime Processual Aplicável às Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, contém norma própria sobre a matéria, concretamente o seu art. 17.º, conjugadamente com o estabelecido no seu art. 15.º sobre os requisitos que deve observar o auto de notícia a notificar ao arguido.

De qualquer modo, a apreciação jurisprudencial relativa às exigências do art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, sempre terá relevância para a apreciação das exigências impostas pelos arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
Passemos, então, à situação concreta.
Quanto ao elemento subjetivo[8] do tipo (dolo ou negligência):
Resulta do art. 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que o auto de notícia deve indicar especificadamente os factos que constituem a contraordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos.
A arguida veio requerer a nulidade do auto de notícia por nele não constar a que título ela praticou a contraordenação, se com dolo ou negligência, ou seja, por do auto de notícia não constarem todos os factos que constituem a contraordenação.
Esta questão, ainda que relacionada com o disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, não é nova nesta Relação, citando-se, a esse propósito, o acórdão proferido em 17-03-2015[9]:
I - A falta de comunicação, na notificação a que alude o artigo 50º do regime geral das contraordenações, de factos relativos ao elemento subjetivo da infração, não é causa de nulidade do processo administrativo. E a esta conclusão não obsta a doutrina fixada pelo S.T.J., no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 (publicado no DR, Série I-A, de 25-01-2003).
II - É suficiente que seja comunicada ao arguido a conduta naturalística, que pode integrar infração ao direito de mera ordenação social, as sanções que lhe são abstratamente cominadas e o respetivo fundamento normativo.

Consignamos, desde já, que subscrevemos tal entendimento, não só quanto ao citado art. 50.º, como também para as contraordenações laborais.
Efetivamente, o facto de no auto de notícia, quando o mesmo é notificado à arguida, quer nos termos do art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, quer nos termos do art. 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, não constar o elemento subjetivo do tipo, tal circunstância não obsta a que lhe estejam a fornecer todos os elementos necessários para que a arguida, naquele momento, fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes, de facto e de direito, relativos à sanção que se lhe pretende aplicar, de forma a que possa exercer um efetivo direito de defesa. Aliás, o auto de notícia dá início ao processo contraordenacional, vindo o mesmo a terminar com a decisão proferida nos termos do art. 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, decisão esta, sim, que passa a valer como acusação, sempre que aja impugnação judicial, conforme expressamente consignado no art. 37.º da citada Lei. Daí que a nulidade prevista no n.º 3 do art. 283.º do Código de Processo Penal será de aplicar à decisão proferida nos termos do art. 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09[10], já não à notificação prevista nos arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09 (e também no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10), pelo que será àquela, e não a esta, que se impõe a existência de factos relativos ao elemento subjetivo do tipo da contraordenação imputada, sob pena de nulidade.
Conforme bem refere o acórdão do TRL, proferido em 08-07-2014[11]:
I - O processo de contra-ordenação no seu início é meramente administrativo e que só se torna judicial se o arguido pretender impugnar a decisão proferida na fase administrativa.
II - Na fase administrativa do processo, nem o auto de notícia, nem a posterior notificação para apresentação da defesa, no domínio da fase administrativa do processo de contra-ordenação equivalem à acusação em processo crime.
III - É a apresentação pelo M.P. ao juiz dos autos provenientes da autoridade administrativa que equivale à acusação. É este o momento em que a autoridade judiciária adquire a notícia do crime.

Tratando-se, assim, o auto de notícia do momento inicial do processo contraordenacional é normal que, apesar de se ter constatado a existência objetiva da prática de uma contraordenação, se desconheça ainda se existe imputação subjetiva e, na afirmativa, a que título. Tal decisão sobre a factualidade subjetiva resultará da investigação a efetuar no âmbito do processo contraordenacional e para o qual contribuirá seguramente a defesa da arguida.
Dir-se-á ainda que, mesmo quanto ao disposto no art. 50.º do DL n.º 433/82, de 27-10, o invocado acórdão de fixação de jurisprudência não contraria esta interpretação, visto que do teor do mesmo não resulta que o elemento subjetivo tenha de constar da notificação efetuada nos termos do citado art. 50.º, não tendo esta questão, na realidade, figurado no acervo das questões decididas nesse acórdão.
Como bem recorda o acórdão desta Relação, proferido em 08-05-2012[12]:
Diga-se antes de mais que as condutas contra-ordenacionais, em si mesmos – e ao contrário das criminais -, são axiologicamente neutras, pelo que a coima representa um “mal” que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, servindo apenas como mera “admonição”, como advertência ou reprimenda com vista à observância de certas proibições ou imposições legais.

Esta é, aliás, a razão fundamental pela qual não existe verdadeira identidade entre o direito contraordenacional e o direito criminal[13].
Assim, e independentemente do vício que o desrespeito pelo disposto nos arts. 15.º e 17.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, possa acarretar (nulidades previstas no art. 283.º, n.º 3 ou no art. 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal ou mera irregularidade prevista no art. 123.º do mesmo Diploma Legal), a inexistência de invocação fáctica no auto de notícia do elemento subjetivo da contraordenação imputada não implica qualquer violação daquelas disposições.
Cita-se, a este propósito, e uma vez mais, o mencionado acórdão do TRG de 05-03-2020:
2. A prévia audição do arguido, nos termos conjugados dos citados arts. 15.º e 17.º do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, não impõe a concretização do elemento subjectivo da contra-ordenação que lhe é imputada.

Pelo exposto, improcede a invocada nulidade do auto de notícia por inexistência de factos relativos ao elemento subjetivo da contraordenação imputada.
Quanto à não indicação e identificação de eventuais testemunhas:
A menção efetuada, no art. 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, à indicação no auto de notícia da identificação e residência de testemunhas, apenas releva se existirem efetivamente testemunhas a indicar. Atente-se que o agente autuante, na qualidade de pessoa que presenciou os factos, é quem normalmente se mostra indicado pelo Ministério Público como testemunha, nos termos do art. 37.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, quando existe impugnação judicial[14], sendo que, na situação em apreço, nem sequer o agente autuante foi inquirido em sede de julgamento, não tendo o Ministério Público indicado qualquer testemunha.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir que a inexistência de indicação de testemunha no auto de notícia, notificado à arguida nos termos do art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, não implica qualquer nulidade desse auto, por não violar o disposto no art. 15.º da mesma Lei.
Quanto à não indicação da qualidade dos agentes que presenciaram a contraordenação
Conforme bem se referiu na decisão administrativa, no início do auto de notícia consta “eu, (…), Inspetora Principal da Autoridade para as Condições do Trabalho” e no fim desse auto, antes da assinatura, consta “A Inspetora Principal”.
E, a ser assim, não é verdadeiro que no auto de notícia, notificado à arguida nos termos do art. 17.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, não constasse a indicação da qualidade da agente que presenciou a contraordenação imputada.
Improcede, desse modo, e sem mais delongas, também neste ponto, a invocada nulidade do auto de notícia.

3) Impugnação da matéria de facto
Veio igualmente a arguida invocar que os factos que constam da decisão administrativa, e que foram dados como provados na sentença sob recurso, é falsa.
Parece, deste modo, que a arguida impugna toda a factualidade dada como assente.
Ora, como já se disse supra, a matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que, nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o tribunal ad quem apenas conhece da matéria de direito, com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Ora, analisada a sentença recorrida, designadamente no que à prova diz respeito, não resulta da mesma qualquer um dos vícios constantes do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, pelo que a invocada impugnação fáctica terá de improceder.

4) Entidade responsável pelas condições de segurança e saúde no trabalho em caso de contratação de trabalho temporário
Considera a arguida que resulta da legislação laboral, designadamente do art. 186.º, nºs. 1 e 6, do Código do Trabalho, que, quando estamos perante uma contratação de trabalho temporário, as condições de trabalho são da exclusiva responsabilidade da entidade contratante, mas, mesmo que assim não fosse, no contrato de cedência de trabalhadores celebrado, a arguida, na sua cláusula 19.ª, acordou que a empresa utilizadora cumpriria as obrigações que sobre ela impedem nos termos do art. 186.º do Código do Trabalho, designadamente a responsabilidade relativa aos serviços de segurança e saúde no trabalho, no âmbito da referida cedência de mão-de-obra.
Considera ainda que, de qualquer modo, a arguida ministrou formação profissional aos seus trabalhadores ao nível dos cuidados e riscos associados à atividade que iriam desenvolver, tendo desencadeado todos os mecanismos tendentes a assegurar o cumprimento da Lei no âmbito do contrato celebrado, não podendo, porém, executar o contrato na medida em que a direção dos trabalhos se encontrava a cargo da entidade contratante e não da entidade cedente da mão-de-obra.
Considera, por fim, que a demonstração da cedência ocasional depende da alegação e prova, por parte dos Autores, dos factos que confirmem a existência de uma cedência de trabalhadores, sendo que aquilo que caracteriza a cedência ocasional é a transferência do trabalhador do quadro de pessoal próprio de uma empresa, à qual está ligado por um contrato de trabalho, para uma outra empresa que o utiliza, beneficiando da prestação da sua atividade, exercendo sobre ele os poderes de autoridade e direção e fiscalização próprios da entidade empregadora, sendo que, da matéria de facto apurada, é possível concluir que os trabalhadores da arguida estavam integrados na estrutura organizativa da sua cliente.
Dispõe o art. 186.º do Código do Trabalho que:
1 - O trabalhador temporário beneficia do mesmo nível de protecção em matéria de segurança e saúde no trabalho que os restantes trabalhadores do utilizador.
2 - Antes da cedência do trabalhador temporário, o utilizador deve informar, por escrito, a empresa de trabalho temporário sobre:
a) Os resultados da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho a que vai ser afecto e, em caso de riscos elevados relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial;
b) As instruções sobre as medidas a adoptar em caso de perigo grave e iminente;
c) As medidas de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação dos trabalhadores em caso de sinistro, assim como os trabalhadores ou serviços encarregados de as pôr em prática;
d) O modo de o médico do trabalho ou o técnico de higiene e segurança da empresa de trabalho temporário aceder a posto de trabalho a ocupar.
3 - A empresa de trabalho temporário deve comunicar ao trabalhador temporário a informação prevista no número anterior, por escrito e antes da sua cedência ao utilizador.
4 - Os exames de saúde de admissão, periódicos e ocasionais são da responsabilidade da empresa de trabalho temporário, incumbindo ao respectivo médico do trabalho a conservação das fichas clínicas.
5 - A empresa de trabalho temporário deve informar o utilizador de que o trabalhador está considerado apto em resultado do exame de saúde, dispõe das qualificações profissionais adequadas e tem a informação referida no n.º 2.
6 - O utilizador deve assegurar ao trabalhador temporário formação suficiente e adequada ao posto de trabalho, tendo em conta a sua qualificação profissional e experiência.
7 - O trabalhador exposto a riscos elevados relativos a posto de trabalho particularmente perigoso deve ter vigilância médica especial, a cargo do utilizador, cujo médico do trabalho deve informar o médico do trabalho da empresa de trabalho temporário sobre eventual contra-indicação.
8 - O utilizador deve comunicar o início da actividade de trabalhador temporário, nos cinco dias úteis subsequentes, aos serviços de segurança e saúde no trabalho, aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho, aos trabalhadores com funções específicas neste domínio e à comissão de trabalhadores.
9 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 7, constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 4, 5 ou 6 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto nos n.os 3 ou 8.

Estipula, por sua vez, o art. 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09, que:
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.
5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.
6 - O empregador deve adotar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua atividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a atividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excecionais e desde que assegurada a proteção adequada.
7 - O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.
8 - O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho.
9 - O empregador deve estabelecer em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação as medidas que devem ser adotadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação, bem como assegurar os contactos necessários com as entidades externas competentes para realizar aquelas operações e as de emergência médica.
10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das atividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de proteção que se torne necessário utilizar.
11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.
12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as ações necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.
13 - Para efeitos do disposto no presente artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador.
14 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 12.
15 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em responsabilidade civil.

Determina, por fim, o art. 16.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09, que:
1 - Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e da saúde.
2 - Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades:
a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário;
b) A empresa cessionária, no caso de trabalhadores em regime de cedência ocasional;
c) A empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços;
d) Nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho.
3 - A empresa utilizadora ou adjudicatária da obra ou do serviço deve assegurar que o exercício sucessivo de atividades por terceiros nas suas instalações ou com os equipamentos utilizados não constituem um risco para a segurança e saúde dos seus trabalhadores ou dos trabalhadores temporários, cedidos ocasionalmente ou de trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços.
4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 2 e 3, sem prejuízo da responsabilidade do empregador.
5 - O dono da obra, empresa ou exploração agrícola e a empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com o dono da obra, empresa ou exploração agrícola, empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelas violações das disposições legais relativas à segurança e saúde dos trabalhadores temporários, dos que lhe forem cedidos ocasionalmente ou dos trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços, cometidas durante o exercício da atividade nas suas instalações, assim como pelo pagamento das respetivas coimas.

Da conjugação dos citados artigos resulta que compete ao empregador, que nas situações de trabalho temporário é a empresa de trabalho temporário, assegurar ao trabalhador as condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (art. 15.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 102/2009, de 10-09), o que, de qualquer modo, não isenta de responsabilidade a empresa utilizadora, que igualmente se mostra obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em regime de trabalho temporário, em idênticas condições de proteção concedidas aos seus restantes trabalhadores (arts. 16.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 102/2009, de 10-09, e 186.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Aliás, se como pretende a arguida, a empresa de trabalho temporário nada tivesse a ver com as condições de segurança e de saúde dos seus trabalhadores, o disposto no art. 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09, ficava desprovido de qualquer conteúdo, como também não faria qualquer sentido o disposto no art. 186.º, n.º 2, do Código do Trabalho (no qual se determina a obrigação da empresa utilizadora de, antes da cedência do trabalhador temporário, informar, por escrito, a empresa de trabalho temporário sobre, designadamente, os resultados da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador temporário inerentes ao posto de trabalho a que vai ser afeto e, em caso de riscos elevados relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a necessidade de qualificação profissional adequada e de vigilância médica especial, bem como as instruções sobre as medidas a adotar em caso de perigo grave e iminente).
De igual modo, a consignação expressa no art. 16.º, n.º 2, da Lei n.º 102/2009, de 10-09, “Não obstante a responsabilidade de cada empregador”, ficaria sem qualquer sentido útil.
Deste modo, e independentemente da responsabilidade que possa vir a ser igualmente assacada à empresa utilizadora, é inquestionável que a empresa de trabalho temporário não cumpriu com as obrigações que sobre ela impediam na qualidade de empregadora, nos termos do citado art. 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09[15].
Dir-se-á ainda que não consta da matéria dada como assente as alegadas condições contratuais estabelecidas no contrato celebrado entre a arguida e a empresa utilizadora (designadamente o conteúdo da cláusula 19.ª do contrato celebrado), pelo que não será tal matéria objeto de qualquer apreciação.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência, nesta parte, da pretensão da arguida.

5) Insuficiência da matéria de facto para imputar a contraordenação à arguida
Considera, por fim, a arguida que não se mostra comprovada a sua culpa, por a atuação ilícita não ser sua, bem como por não constar dos factos dados como assentes quem foi o órgão ou o seu representante que, no exercício das suas funções, atuou ilicitamente, visto que nenhuma pessoa coletiva poderá responder pela prática de uma contraordenação, devendo ser coresponsabilizados os agentes singulares que efetivamente praticaram a conduta tipificada como contraordenação.
Dispõe o art. 7.º do DL n.º 433/82, de 27-10, que:
1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

Dispõe igualmente o art. 550.º do Código do Trabalho que:
A negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível.

Estipula, por fim, o art. 551.º do Código do Trabalho que:
1 - O empregador é o responsável pelas contra-ordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respectivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.
2 - Quando um tipo contra-ordenacional tiver por agente o empregador abrange também a pessoa colectiva, a associação sem personalidade jurídica ou a comissão especial.
3 - Se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores.
4 - O contratante e o dono da obra, empresa ou exploração agrícola, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com o contratante, dono da obra, empresa ou exploração agrícola se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, assim como pelo pagamento das respetivas coimas.

Vejamos.
Ora, para além de na situação em apreço não ser de aplicar o disposto no art. 7.º do DL n.º 433/82, de 27-10, antes sim, o disposto no art. 551.º do Código do Trabalho, sempre se dirá, de qualquer modo, mesmo quanto à primeira disposição legal citada, que, conforme tem sido largamente defendido na jurisprudência portuguesa[16], no direito contraordenacional, a imputação de uma contraordenação a uma pessoa coletiva não está dependente da identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito (por ação ou omissão), bastando-se a comprovação do nexo de causalidade entre essa pessoa coletiva e o ato ilícito, desde que não tenha sido efetuada contraprova a excluir essa responsabilidade.
Na realidade, em face da disposição específica inscrita no Código do Trabalho, bastante mais abrangente do que aquela que ficou a constar no DL n.º 433/82, de 27-10, onde a atuação do trabalhador no exercício das respetivas funções se mostra expressamente consagrada, com maior pertinência se aplica a fundamentação expendida no Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 11/2013[17]:
5. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada.
6. A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal.
7. O artigo 7.º do Regime Geral das Contraordenações adota a responsabilidade autónoma, tal como os regimes especiais em matéria laboral (artigo 551.º do Código do Trabalho), tributária (artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), económica (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro), de valores mobiliários (artigo 401.º do Código dos Valores Mobiliários), de concorrência (artigo 73.º da Lei da Concorrência) e de contraordenações ambientais (artigo 8.º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), pelo que não é necessária a identificação concreta do agente singular que cometeu a infração para que a mesma seja imputável à pessoa coletiva.

Deste modo, e contrariamente ao invocado pela arguida, para que a contraordenação prevista no art. 15.º, nºs. 1, 2 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10-09, lhe possa ser imputada, não é necessário identificar a pessoa física que, em concreto, atuou em sua representação.
Acresce que, nos termos do art. 550.º do Código do Trabalho, em matéria de contraordenações laborais, a negligência é sempre punida.
Apreciada essa primeira questão, importa, então, apurar se, em face dos factos que foram dados como provados, é possível imputar uma atuação culposa à arguida, ou seja, o elemento subjetivo da respetiva contraordenação.
Resultou, então, provado que a máquina de descasque que o trabalhador (…) utilizava no dia em que ocorreu o acidente de trabalho não dispunha de proteção coletiva que evitasse o risco de contacto mecânico com o referido trabalhador, ou seja, que impedisse o acesso às zonas perigosas ou que dispusesse de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas, sendo acionada por meio de um pedal mecânico, não tendo a arguida agido com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz na organização da prestação de trabalho por parte do seu trabalhador (…), que se encontrava cedido a uma empresa utilizadora de trabalho temporário, não zelando, de forma continuada e permanente, pelo exercício da referida atividade em condições de segurança e saúde para o mesmo. Mais se provou que a arguida sabia que a sua conduta é proibida e sancionada por lei contraordenacional.
Na realidade, a arguida, apesar de ter cedido o trabalhador (…) a uma outra empresa não comprovou ter adotado qualquer comportamento, apesar de se encontrar legalmente obrigada a tal, no sentido de averiguar se estavam a ser cumpridas por esta as condições de segurança e de saúde quanto ao mencionado trabalhador, não tendo, por isso, agido com o cuidado a que, enquanto empregadora, estava obrigada e era capaz, ainda que não tenha querido tal resultado ou se conformado com o mesmo, agindo, por isso, negligentemente[18], pelo que efetivamente mostram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo da contraordenação prevista no art. 15.º, nºs. 1, 2 e 14, da Lei n.º 102/2009, de 10-09.
Nesta conformidade, improcede, também aqui, a pretensão da arguida.
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Évora, 09 de junho de 2022
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; Adjunto: Moisés Silva.
[2] No âmbito do processo n.º 131/11.1YFLSB, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Veja-se Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, p. 951.
[4] Proferido pelo STJ, em 28-11-2002, no âmbito do processo n.º 02P467.
[5] Refere-se no seu sumário que: “Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.”
[6] Aplicável à presente situação nos termos do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09.
[7] No âmbito do processo n.º 2481/19.0T8GMR.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] E não “objetivo” como, certamente por lapso, se mostra referido na decisão administrativa supracitada.
[9] No âmbito do processo n.º 80/14.1TBORQ.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Nos termos dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, e 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10.
[11] Veja-se igualmente o acórdão do TRE, proferido em 11-10-2011, no âmbito do processo n.º 892/09.8TBABF.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[12] No âmbito do processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[13] Veja-se o acórdão do TRL, proferido em 06-12-2017, no âmbito do processo n.º 746/17.4T8LSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.
[14] Veja-se neste sentido o acórdão do TRP, proferido em 21-10-2019, no âmbito do processo n.º 10072/18.6T8VNG.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[15] Veja-se, ainda que relativamente à responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 6/2013.
[16] Veja-se os acórdãos do TRL, proferido em 10-04-2018 no âmbito do processo n.º 210/17.1YuSTR.L1-5; proferido em 10-11-2020 no âmbito do processo n.º 3638/18.6T8CSC.L1-5; proferido em 27-06-2019 no âmbito do processo n.º 5840/14.0ECLSB.L1-9; proferido em 12-01-2021 no âmbito do processo n.º 1874/19.7T8TVD.L1-5; proferido em 21-12-2021 no âmbito do processo n.º 1104/17.6Y5LSB.L1-5; do TRC proferido em 13-10-2021 no âmbito do processo n.º 3682/20.3T9LRA.C1; do TRG proferido em 27-01-2020 no âmbito do processo n.º 510/19.6T8FAF.G1; e do TRE, proferido em 11-07-2013 no âmbito do processo n.º 82/12.2YQSTR.E1; e proferido em 26-06-2018 no âmbito do processo n.º 3716/17.9T9STB.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[17] Publicado no DR, 2.ª série, n.º 178, de de 16-09-2013.
[18] Art. 15.º do Código Penal, aplicável nos termos dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, e 32.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10.