Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
| Descritores: | REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS REGIME DE VISITAS OBRIGAÇÃO ALIMENTAR | ||
| Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1 – Em conformidade com o estipulado pelo artigo 9º, nº 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança, cada criança tem o direito de manter relações pessoais e contactos directos regulares com os pais, salvo se tal se mostrar contrário aos seus superiores interesses. 2 – Esse direito, em caso de separação, implica um direito de visitas que se traduz por um lado num poder-dever do progenitor não guardião e por outro numa obrigação daquele que tem a seu cargo a guarda da criança. 3 – Não se comprovando circunstâncias excepcionais que justifiquem a exclusão desses contactos, na regulação das responsabilidades parentais deve ficar previsto o regime de visitas. 4 – Considerando as responsabilidades parentais em matéria de alimentos, a regulação deve estabelecer ainda em concreto as obrigações do progenitor não guardião a esse respeito, fixando nomeadamente pensão de alimentos. 5 – Essa fixação está dependente, naturalmente, da factualidade conhecida quanto às possibilidades económicas de quem haja de prestar os alimentos, para além das necessidades daqueles que os devam receber. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: 1 – RELATÓRIO A recorrente, AA, requereu por apenso ao processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, BB, a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos dois filhos menores do casal, CC, nascido em .../.../2009, e DD, nascido em .../.../2012. Estando pendentes nos Juízos de Família e Menores de Portimão - Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Faro, os dois referidos processos (o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em que é requerente o pai dos menores e requerida a ora recorrente, e o presente apenso de regulação das responsabilidades parentais), e após ter sido frustrada a tentativa de obter acordo entre os progenitores, veio a ser fixado regime provisório quanto às responsabilidades parentais, ao abrigo do artigo 28º do RGPTC. Foi o seguinte o despacho proferido a esse respeito (transcrevemos integralmente): “No mais, quanto à fixação do regime provisório (cfr. art. 28.º do RGPTC), tendo presente a posição do Ministério Público exarada a fls. 83, o enunciado pelas partes a fls. 83 (v.), o conjunto de declarações ouvidas no contexto da diligência documentada a fls. 81 e ss., e, bem assim, a informação de fls. 88 e ss., sendo clara a existência de importante desentendimento entre Autor e Ré no quadro do seu relacionamento, desentendimento esse que se agudizou ao ponto de aquele ter abandonado a casa onde residiam, na companhia dos menores, num quadro em que mais uma vez se invoca a figura da violência doméstica, decide-se fixar o seguinte regime provisório: 1. Exercício das responsabilidades parentais: 1.1. Os menores ficam entregues aos cuidados do pai e com ele residentes. 1.2. O exercício das responsabilidades parentais, relativo aos actos da vida corrente dos menores incumbirá ao progenitor. 1.3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores, serão decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta. 2. Convívios: 2.1. Por ora, em face da tensão verificada no quadro de relacionamento dos pais, que acabou, ao que tudo indica, a envolver os menores (veja-se fls. 89 onde se refere que o pai se colocou entre a mãe e o próprio CC e DD, para evitar que a mesma os agredisse), não se fixam visitas com a progenitora, a qual deve entregar no prazo de 2 dias ao pai os documentos pessoais dos menores e respectivos pertences. 3. Alimentos: 3.1. A mãe contribuirá mensalmente com a quantia de 100 (cem euros) mensais (atenta a sua modesta condição económica no presente momento), para alimentos devidos a cada um dos filhos (num total de 200€ mensais), que deverá entregar ao pai até ao dia 8 de cada mês.” * 2 – A APELAÇÃONão se conformando com o decidido, a mãe dos menores instaurou o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A - O Tribunal a quo proferiu o Despacho ora recorrido que fixou o seguinte regime provisório relativamente ao exercício das responsabilidades parentais dos menores supra referidos: 1. Exercício das responsabilidades parentais: 1.1. Os menores ficam entregues aos cuidados do pai e com ele residentes. 1.2. O exercício das responsabilidades parentais, relativo aos atos da vida corrente dos menores incumbirá ao progenitor. 1.3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores, serão decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta. 2. Convívios: 2.1. Por ora, em face da tensão verificada no quadro de relacionamento dos pais, que acabou, ao que tudo indica, a envolver os menores (veja-se fls. 89 onde se refere que o pai se colocou entre a mãe e o próprio CC e DD, para evitar que a mesma os agredisse), não se fixam visitas com a progenitora, a qual deve entregar no prazo de 2 dias ao pai os documentos pessoais dos menores e respetivos pertences. 3. Alimentos: 3.1. A mãe contribuirá mensalmente com a quantia de 100 € (cem euros) mensais (atenta a sua modesta condição económica no presente momento), para alimentos devidos a cada um dos filhos (num total de 200 € mensais), que deverá entregar ao pai até ao dia 8 de cada mês. B - O Tribunal a quo proferiu o referido Despacho estabelecendo um regime provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais com fundamento na audição dos pais, dos menores, da técnica da CPCJ, promoção do MP, declarações dos mandatários das partes e após a consulta do processo de inquérito n.º 78/22.6GEPTM – DIAP de Portimão. C - O Tribunal a quo tendo em conta as declarações e audições realizadas e restantes elementos de prova consultados deveria ter estabelecido um regime provisório diferente, porque o ora recorrido Despacho contraria e está em oposição com o que se passou e foi declarado nomeadamente pelos menores CC e DD, pela mãe, pai e pela Técnica da CPCJ. D - O Tribunal a quo apenas se fundamentou no que terá lido no processo de inquérito já referido e tão só. E - O Tribunal a quo não se apercebeu que o verdadeiro conflito existente é entre os progenitores e não da Recorrente para com os seus filhos. F - Que o processo de inquérito é tão só apenas isso, um inquérito de averiguações onde vários sujeitos processuais proferem declarações às vezes tão díspares. G - Foi o próprio menor CC que afirmou a mãe nunca lhes ter batido, mas apenas ralhado quando não arrumam o quarto ou deixam as coisas desarrumadas. H - O Tribunal a quo fundou a sua decisão provisória, e em especial no que concerne aos “Convívios”, através do processo de inquérito da alegada violência doméstica, (78/22.6GEPTM), mas esse processo é apenas um processo de averiguações. Não há acusação formulada contra a ora Recorrente, a mãe não constitui perigo algum para os menores. É uma queixa contra queixa dos pais entre si. I - Os episódios de discussão entre os progenitores ocorrem porque o pai, desde que saiu de casa levou os menores consigo, não deixa a Recorrente sequer vê-los, e o Tribunal a quo, com o devido respeito, agravou a situação proibindo as visitas da Recorrente aos seus filhos, proibindo de sequer vê-los. J - A própria técnica da CPCJ referiu que não assistiu a discussões ou brigas entre os pais. K - Também o pai refere que não houve brigas físicas entre eles mas tão-somente discussões. L - O Tribunal a quo cai na contradição de decidir, ainda que provisoriamente, que as questões de particular importância para os menores sejam decididas por ambos os pais, mesmo sabendo que se encontram em conflito latente e ser impossível o contacto a que título for, entre ambos e, para mais com o cancelamento de contactos da mãe com os menores… M - Como poderá a mãe tomar parte dessas decisões de particular importância se inclusive está impedida de ver os filhos. N - Por sua vez a Recorrente referiu que o pai saiu de casa levando os filhos, abandonando a Recorrente, sem trabalho ou outros meios de subsistência, levando o cartão multibanco e retirando todo o dinheiro da conta bancária, fls. 81 e ss. O - Mas mesmo assim, o Tribunal a quo, sabendo que a Recorrente sobrevive da caridade e ajuda da sua família que reside no Reino Unido, estabelece provisoriamente o pagamento de uma pensão de alimentos de 100,00 euros por cada filho. P - Estranhamente o Tribunal a quo não deu importância ao facto de ficarmos sem saber onde residem os menores, com quem e em que condições. Têm casa, que espécie de habitação é? Tem mobília? Q - O Tribunal a quo também não deu importância a quem cuida dos menores durante o dia após as aulas e aos sábados quando o pai está a trabalhar. Ficam sozinhos? Ficam com quem? R - Não poderá o Tribunal a quo aplicar o art.º 24º-A do RGPTC, porque não está provado a existência de violência doméstica, nem os maus tratos a menores. Antes pelo contrário conforme declarações dos menores e do pai destes. S - Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou a Lei. T - O Tribunal a quo, perante a prova alcançada deveria ter estabelecido provisoriamente uma pensão de alimentos simbólica, 25 euros por cada menor, porque ficou provado estar a Recorrente desempregada e sem meios alguns de subsistência até que a sua situação financeira melhorasse e então o valor da mesma fosse revista para mais. U - O Tribunal a quo não só não cumpriu a Lei ao não aplicar o art.º 38º da RGPTC como tomou uma decisão que contraria o provado pelas declarações dos intervenientes, nomeadamente as declarações do pai, dos menores e da Técnica da CPCJ relativamente aos convívios dos menores com a mãe e à pensão de alimentos. Termos em que, e nos mais de direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e, como consequência: 1- Deve ser revogado o douto Despacho provisório ora Recorrido substituindo-se o mesmo por outro provisório onde se declare que os menores visitarão a mãe um dia por semana, ao fim de semana, tomando com ela pelo menos uma refeição; 2- Que o valor da pensão de alimentos a pagar pela mãe será de 25 euros por cada menor.” * 3 – AS CONTRA-ALEGAÇÕES O requerido pai das crianças respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. Termina as suas contra-alegações com as seguintes conclusões: “1 - A douta decisão ora em crise, que fixou provisoriamente o regime das responsabilidades dos menores CC e DD, não merece qualquer reparo. 2 - A decisão foi proferida após o Tribunal “a quo” ter ouvido os pais, ter ouvido as partes, ter ouvido a técnica da CPCJ, ter consultado o processo de inquérito por violência doméstica, e, especialmente, após ter ouvido os próprios menores na conferência. 3 - O Tribunal “a quo” muniu-se primeiramente de toda a informação pertinente para a decisão e, só depois, após cuidada e ponderada análise de todos os elementos e interesses em causa, fixou provisoriamente o regime das responsabilidades parentais. 4 – Trata-se de uma decisão justa, adequada e que salvaguarda o superior interesse dos menores. 5 - O Tribunal a quo bem andou ao ter decidido como decidiu, pelo que deverá a douta decisão proferida ser integralmente mantida, improcedendo o recurso apresentado.” * 4 – CONTRA-ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICOPor seu lado o Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo também que deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o despach recorrido. Diz em suas conclusões o MP: “1.º A recorrente não se conforma com a decisão proferida a título cautelar, que regulou o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores, designadamente, relativamente à não fixação de regime de visitas e ao valor da pensão de alimentos. 2.º Assenta a sua argumentação no facto de o tribunal não ter ponderado todos elementos de prova, tendo dado especial relevo, à existência de um inquérito de violência doméstica contra a progenitora das crianças. 3º Sucede que tal não ocorreu, tendo o tribunal, nos termos do disposto no art. 38º do RGPTC, na ausência de acordo entre os progenitores, decidido provisoriamente em função dos elementos obtidos, declarações prestadas pelos pais, pelos menores, pela técnica da CPCJ, gestora dos processos de promoção e proteção, bem como, dos constantes das certidões extraídas do inquérito que se encontra pendente contra aquela, por alegada prática de crime de violência doméstica (nº 78/22.6GEPTM). 4º No referido inquérito são reportados vários episódios de agressão da mãe das crianças ao pai, na presença dos menores, assim como, a sua agressividade (pelo menos, verbal) para com os filhos, situação que alegadamente levou o pai a sair de casa com os filhos, para os preservar, evitando a sua exposição a episódios de violência familiar. 5º De entre os vários elementos de prova recolhidos, há a destacar as declarações prestadas pelas crianças (em particular, pelo menor CC, de 13 anos), as quais afirmaram não querer ter qualquer contacto com a mãe, por estarem estáveis e organizadas junto do pai, o que não sucedia quando viviam com os pais, por causa dos comportamentos da mãe. 6º Atentos os referidos elementos de prova e as circunstâncias do caso, dúvidas não há que o regime fixado a título provisório, é por ora, o mais adequado a salvaguardar os interesses das crianças, por não estarem reunidas condições para ser fixado qualquer regime de visitas dos menores à mãe, convívios que não só, as crianças não desejam, como não garantem a sua segurança e estabilidade física e emocional, antes se apresentando como nova fonte de perturbação dessa mesma estabilidade e do seu desenvolvimento e bem estar. 7º No que concerne ao montante da pensão de alimentos, fixada em 100,00€ mensais para cada menor, entendemos que também a recorrente falece de razão. 8º Na verdade, ainda que a progenitora se encontre em situação de desemprego, e sem se olvidarem os critérios legais que presidem à sua fixação, o valor da pensão fixada para cada uma das crianças, é de tal modo reduzido, que não dá sequer para assegurar metade das despesas consideradas como o mínimo indispensável e essencial à sobrevivência de uma qualquer criança dessas idades (13 e 10 anos). 9º - Tendo em conta que com aquele valor se pretende garantir pelos menos três refeições diárias, vestir, calçar e custear as despesas médicas e escolares, qualquer valor abaixo daquele montante desonerá-la das suas responsabilidades legais, como colocaria em crise a própria subsistência dos menores, o que de modo algum, salvaguardaria os seus interesses. 10º - Pelo exposto, em nosso entender, deve ser julgado improcedente o recurso, manter-se integralmente o despacho recorrido, por ter decidido de harmonia com os princípios e normas legalmente aplicáveis, não se vislumbrar que seja merecedor de reparo.” * 5 – QUANTO AOS FACTOSOs elementos a considerar para apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório inicial, complementado com o teor das alegações da recorrente, do pai das crianças e do Ministério Público, acima transcritas. Por se afigurar relevante para o efeito, consigna-se ainda, com base em certidão junta aos autos, que o inquérito n.º 78/22.6GEPTM, aludido na decisão sob recurso, terminou por arquivamento, tendo o MP concluído que a matéria ali denunciada seria susceptível de integrar em abstracto a eventual prática por ambos os cônjuges de crimes de violência doméstica p.e p. pelo art. 152º nº 1 al. b) e nº al. a) do Cód. Penal, nas pessoas um do outro, mas que a prova indiciária existente não era bastante para comprovar a verificação desses factos, pelo que não deduzia acusação. * 6 – O OBJECTO DO RECURSO* Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso, tendo em conta as conclusões da recorrente, traduzem-se resumidamente em saber se deve ser mantido o decidido na regulação provisória nos pontos 2 e 3 (convívios e alimentos) ou devem esses pontos ser alterados de acordo com a proposta defendida nas conclusões do recurso. Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC). * 7 – APRECIANDO E DECIDINDO* A) O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, estabelece no seu art. 28º, referindo-se aos processos da jurisdição de menores a que é aplicável, que “em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final”.Assim aconteceu nos presentes autos de regulação das responsabilidades parentais, requeridos pela ora recorrente, em que a pedido do Ministério Público foi fixado um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais em relação às crianças CC, nascido em .../.../2009, e DD, nascido em .../.../2012, filhos do casal formado pela recorrente, AA, e por seu marido BB (entre os quais corre processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge). Vem a propósito realçar que estamos em sede de jurisdição voluntária (cfr. art. 12º do RGPTC), sendo característica essencial destes processos a livre modificabilidade das decisões sempre que circunstâncias supervenientes o justifiquem. Por outro lado, também é característica deste tipo de processos a não sujeição do tribunal a critérios de legalidade estrita, antes se impondo sempre a procura da solução que melhor se possa adequar ao caso concreto em vista dos interesses em jogo (tudo conforme os princípios exarados nos arts. 986º a 988º do Código de Processo Civil em vigor). Assim, as decisões tomadas têm antes do mais que ter em vista o superior interesse da criança, tal como ele se apresenta segundo as circunstâncias conhecidas no momento de decidir, tendo em conta os princípios orientadores constantes do art. 4º do RGPTC, que remete ainda para “os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo”. Desnecessário se torna sublinhar de novo, como ficou dito a propósito da natureza da jurisdição voluntária, que nada impede no futuro que a decisão tomada num determinado momento venha a ser revista e modificada, quando novos dados o exigirem. Tratando-se de regular o poder paternal, mesmo provisoriamente, haverá que não perder de vista o disposto no art. 40º do RGPTC, no qual se estatui além do mais que na sentença que regule as responsabilidades parentais deve o tribunal orientar-se de harmonia com os interesses da criança, devendo nomeadamente determinar a quem fica confiada, aí se fixando a residência daquela, estabelecer o modo como serão exercidas as responsabilidades parentais, e estabelecer um regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, considerando o interesse na manutenção do vínculos afectivos. Haverá ainda que ter em conta as obrigações de alimentos que vinculam ambos os progenitores, devendo definir-se em concreto quais as obrigações a que fica adstrito o progenitor não residente com os menores, fixando-se pensão de alimentos, para o que terá que ter-se presente o disposto no Código Civil a esse respeito (v. g. art. 2004º) Nesta ordem de ideias, o tribunal recorrido ditou a regulação provisória ora impugnada. Assim, começou por determinar que os menores ficam entregues aos cuidados do pai e com ele residentes, o exercício das responsabilidades parentais relativo aos actos da vida corrente dos menores incumbirá ao progenitor, e as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta. Quanto a estas disposições, constantes do ponto 1 da dita regulação, verifica-se que não há contestação no presente recurso, interposto pela progenitora. Consequentemente, e em face do decidido, das posições concordantes do Ministério Público e do pai das crianças, e da não impugnação por parte da mãe, não cuidaremos nesta sede desses aspectos da regulação, cingindo-nos portanto ao objecto do recurso tal como foi delimitado nas respectivas conclusões. A discordância da progenitora não residente com os menores concentra-se, portanto, no disposto no ponto 2 e 3 da regulação em análise, concretamente em matéria de convívio com as crianças e de alimentos a prestar. Estabeleceu quanto a essas matérias a decisão recorrida que: “2.1. Por ora, em face da tensão verificada no quadro de relacionamento dos pais, que acabou, ao que tudo indica, a envolver os menores (veja-se fls. 89 onde se refere que o pai se colocou entre a mãe e o próprio CC e DD, para evitar que a mesma os agredisse), não se fixam visitas com a progenitora, a qual deve entregar no prazo de 2 dias ao pai os documentos pessoais dos menores e respectivos pertences. 3.1. A mãe contribuirá mensalmente com a quantia de 100 (cem euros) mensais (atenta a sua modesta condição económica no presente momento), para alimentos devidos a cada um dos filhos (num total de 200€ mensais), que deverá entregar ao pai até ao dia 8 de cada mês.” * B) Em suma, insurge-se a recorrente contra a regulação em análise visando a ausência de um regime de visitas e convívio entre ela e as crianças e também contra o montante da pensão de alimentos que lhe foi imposta.Quanto à primeira questão, diremos desde já que não é discutível a conveniência, tendo em conta o interesse das crianças, em fomentar o relacionamento destas com ambos os progenitores, designadamente assegurando a manutenção dos vínculos afectivos com o progenitor com quem não residem. Só circunstâncias excepcionais poderiam justificar o afastamento de contactos, como determinado na decisão impugnada. Existe um direito da criança em manter relações pessoais e contactos directos regulares com os pais, salvo se tal se mostrar contrário aos seus superiores interesses, em conformidade com o estipulado pelo artigo 9º, nº 3, da Convenção sobre os Direitos da Criança. Esse direito, em caso de separação, implica um direito de visitas que se traduz por um lado num poder-dever do progenitor não guardião e por outro numa obrigação daquele que tem a seu cargo a guarda da criança. Perante o conteúdo do despacho proferido, constata-se que o fundamento para a exclusão, mesmo provisória, de um regime que garanta a manutenção de contactos regulares entre as crianças e a progenitora residiu essencialmente no conflito existente entre ambos os progenitores. Isso mesmo se depreende da referência à “existência de importante desentendimento entre Autor e Ré no quadro do seu relacionamento, desentendimento esse que se agudizou ao ponto de aquele ter abandonado a casa onde residiam, na companhia dos menores, num quadro em que mais uma vez se invoca a figura da violência doméstica” e às consequências dessa tensão entre os pais, que teria acabado por envolver os próprios menores. Julgamos que as razões apresentadas não são de molde a justificar tão radical exclusão do regime de visitas, que compromete de todo o convívio das crianças com a mãe. O clima de conflitualidade persistente entre os progenitores não é motivo para afastar as crianças de um deles. Pelo contrário, afigura-se que é importante que a regulação acentue o imperativo de assegurar a manutenção dos vínculos entre as crianças e ambos os progenitores, responsabilizando-os pelo adequado cumprimento dos poderes/deveres daí resultantes. A alusão ao processo de inquérito em que a recorrente estaria a ser investigada por violência doméstica contra o pai das crianças parece ter pesado nas considerações expendidas a este respeito; porém, como se constatou, o referido inquérito foi arquivado, por o MP não ter encontrado prova suficiente para imputar a prática dos factos investigados, que se reportavam a ambos os progenitores, que os atribuíam um ao outro. Por conseguinte, dessa matéria, nunca provada, não pode extrair-se a consequência de excluir a progenitora da vida dos filhos. E diga-se que a menção a um incidente em que a recorrente teria manifestado agressividade também em relação aos filhos não se apresenta como bastando para fundamentar tal afastamento. Pelo contrário, entende-se que é função da regulação das responsabilidades parentais (também) promover a aproximação entre a mãe e seus filhos, superando as dificuldades existentes. Nem são aceitáveis outras práticas tendentes à mesma exclusão, como o impedimento de contactos telefónicos entre a recorrente e seus filhos. Em suma, e sem necessidade de mais considerações, julgamos que é procedente a oposição deduzida pela recorrente quanto a este ponto da regulação. Nas conclusões do recurso peticiona a recorrente que seja revogado neste ponto o douto despacho provisório ora recorrido “substituindo-se o mesmo por outro provisório onde se declare que os menores visitarão a mãe um dia por semana, ao fim de semana, tomando com ela pelo menos uma refeição”. Tendo em conta a natureza provisória da regulação em causa, e portanto a necessidade de revisão oportuna da mesma, de acordo com os dados que a experiência possa revelar, acordamos em deferir a pretensão da recorrente nos termos por ela propugnados (que se nos afiguram escassos atenta a finalidade do convívio, mas que aceitamos como expressão das dificuldades enfrentadas pela recorrente na reorganização da sua vida, após a separação conjugal). * C) A recorrente também impugnou o conteúdo do ponto 3 da regulação provisória, referente à pensão de alimentos.Neste ponto ficou consignado que: “A mãe contribuirá mensalmente com a quantia de 100 € (cem euros) mensais (atenta a sua modesta condição económica no presente momento), para alimentos devidos a cada um dos filhos (num total de 200 € mensais), que deverá entregar ao pai até ao dia 8 de cada mês.” A alusão à condição económica da recorrente compreende-se se atentarmos nas alegações dela a esse respeito: diz a recorrente, ao requerer a regulação, que o marido saiu de casa levando os dois filhos, deixando a recorrente sem trabalho ou outros meios de subsistência, levando o cartão multibanco e retirando todo o dinheiro da conta bancária, e ela em consequência sobrevive da caridade e ajuda da sua família que reside no Reino Unido. Apesar disso, a decisão proferida estabelece provisoriamente o pagamento de uma pensão de alimentos de € 100 euros por cada filho, que a recorrente teria que satisfazer. Sublinhe-se que o alegado pela recorrente, e requerente no processo, não é contrariado por nenhum elemento de prova, nem desmentido por nenhum sujeito processual. Ora assim sendo, o despacho proferido a este respeito apresenta-se desprovido de fundamento fáctico, designadamente no que respeita aos rendimentos necessários para que a progenitora cumpra a obrigação imposta. Recordemos que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” - artigo 2004° do Código Civil. Tendo presente esta regra básica, não se compreende o fundamento para a fixação do quantitativo em causa. Não se duvida das necessidades das crianças, agora a viver aos cuidados do pai, nem se pode recusar a responsabilidade da mãe em matéria de alimentos, mas não se descortina onde estão os meios com que ela possa satisfazer a obrigação fixada. A verdade é que a decisão proferida, sem atentar às possibilidades de quem ficava adstrito à obrigação determinada, ignorando o disposto no art. 2004º do Código Civil, constituiu desde o início um caminho apontado para a instauração de execução por dívida de alimentos. E assim aconteceu efectivamente. Corre execução especial por alimentos, intentada pelo progenitor das crianças contra a ora recorrente, mostrando-se até agora infrutíferas todas as diligências para penhora, v. g. por não terem sido encontrados saldos em contas bancárias ou salários a penhorar. Em resumo, julgamos procedente também quanto a este ponto a impugnação deduzida, pelo que deve ser revogado o ponto 3 da regulação provisória em apreço. Tal não significa, porém, que não deva ser fixado um valor, ainda que módico, a título de pensão de alimentos a suportar pela progenitora. Com efeito, como tem sido entendido, o tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que o respectivo progenitor esteja temporariamente desempregado ou se desconheça a concreta situação de vida desse progenitor obrigado a alimentos. Tal como proclama o Acórdão da Relação do Porto de 23-04-2012, no processo n.º 1480/11.4TMPRT.P1, relatado por José Eusébio Almeida, disponível em www.dgsi.pt. “É obrigação judicial a fixação de alimentos a favor do menor, alimentos devidos pelo progenitor com ele não convivente, mesmo que ao obrigado não se conheçam bens, rendimentos ou modo de vida.” Em conclusão, no caso presente também à requerente pode e deve ser imposta uma prestação alimentícia como reflexo mínimo do seu poder/dever paternal, já que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a vivência por forma a que se consigam obter rendimentos. Por outras palavras, nos deveres dos pais quanto ao sustento dos filhos inclui-se também a obrigação de activamente procurar uma atividade profissional geradora de rendimentos. E não está demonstrado, nem isso é alegado pela requerente, que ela não esteja em condições de exercer uma profissão que lhe garanta o rendimento indispensável para assegurar a sua própria sobrevivência e o cumprimento dos seus deveres alimentares. A este propósito, aliás, a recorrente propõe nas suas conclusões que o valor da pensão de alimentos a pagar por ela seja de 25 euros mensais por cada uma das crianças, o que significa iniludivelmente o reconhecimento da sua obrigação nesta matéria. Consequentemente, julgamos que, revogando-se o decidido, deve ser fixado um quantitativo que minimamente represente o cumprimento dessa obrigação. Não podendo esse quantitativo resultar de informação factual fornecida pelos autos sobre as condições económicas da recorrente, mas tendo em conta por um lado a disponibilidade por ela manifestada e por outro a necessidade de estabelecer uma quantia com alguma expressão, atentos os fins a que se destina, entendemos adequado fixar por ora a importância a pagar pela progenitora, atenta a sua situação precária, em €50 euros mensais para cada uma das crianças. Obviamente que, como é próprio da jurisdição voluntária, em que nos movemos, também esse ponto deverá ser objecto de revisão e actualização logo que sejam apurados elementos que justifiquem decisão diferente, devidamente fundamentada, designadamente com base no que se apurar quanto às reais possibilidades económicas da requerente e quanto às necessidades dos alimentandos, tarefa que se remete para o processo que prossegue os seus trâmites na primeira instância. * 8 - DECISÃOPelo que fica dito, julgamos parcialmente procedente a presente apelação e, em consequência, mantendo nos seus precisos termos o ponto 1 da regulação provisória das responsabilidades parentais aqui em apreço, revogamos os pontos 2 e 3 da mesma, os quais passam a ter o seguinte teor: 2 - As crianças visitarão a mãe um dia por semana, ao fim de semana, tomando com ela pelo menos uma refeição. 3 - A mãe contribuirá mensalmente com a quantia de €50 mensais a título de alimentos devidos a cada um dos filhos (num total de €100 mensais), que deverá entregar ao pai até ao dia 8 de cada mês. * Custas do presente recurso a cargo do progenitor, na proporção de 2/3 do que for devido, atento o vencimento do recurso (cfr. art. 527º n.º 1, do CPC) – sendo certo que o 1/3 restante caberia à recorrente mas esta beneficia de apoio judiciário.* Évora, 15 de Junho de 2023* José Lúcio Manuel Bargado Albertina Pedroso (com a declaração de voto que se segue) Declaração de voto: Voto o acórdão, mas fiquei vencida na parte respeitante ao restabelecimento do regime de visitas, por entender que in casu o mesmo devia ser retomado com acompanhamento técnico especializado, numa fase inicial. Com efeito, visando o regime de visitas manter os laços de afetividade com o progenitor não guardião, consabidamente necessários ao crescimento equilibrado das crianças e jovens, na situação em apreço as visitas foram excluídas pela decisão provisória ora revogada, estando mãe e filhos sem contactos desde que o pai saiu de casa juntamente com eles, há quase um ano, em situação de elevada litigiosidade, que os filhos terão presenciado. Atento o lapso de tempo decorrido sem qualquer convívio entre mãe e filhos, tendo presente a idade destes, o CC com 14 anos e o DD com 10 anos, ponderando o facto de – segundo decorre de várias mensagens juntas aos autos, e das declarações prestadas pelo pai à técnica de reinserção social que lavrou o único relatório junto aos autos –, os filhos verbalizarem que não querem estar com a mãe, e atentando ainda que ambos estão a ter acompanhamento psicológico, creio que retomar as visitas com o devido acompanhamento seria a solução que melhor salvaguardaria a proteção dos filhos, num quadro de elevado litígio parental que deu já azo a procedimento criminal. Numa situação como aquela que provisoriamente os autos espelham, os convívios acompanhados constituiriam uma base segura no reatar dos contactos entre os filhos e a mãe, sabido que, por um lado, a presença de uma pessoa estranha constitui um elemento de contenção de eventuais comportamentos menos adequados, e, por outro, uma preciosa ajuda na compreensão e eventual “desmontagem” do que esteja na base da propalada negação dos filhos em estarem com a mãe, ajudando-os a ultrapassar os entraves que possam existir, de modo a que, com o passar do tempo e o amadurecimento próprio da respetiva idade, os filhos possam exercer o seu direito de conviver com ambos os progenitores, minimizando o afastamento que neste período de tempo tem acontecido, caso nada de grave se verifique em desabono da relação da mãe com eles. Por isso que, tudo ponderado, determinaria que o convívio entre mãe e filhos fosse retomado com acompanhamento técnico especializado, numa fase inicial, avaliando-se depois da (des)necessidade da sua continuação. ***** Évora, 15 de junho de 2023(Albertina Pedroso – 2.ª adjunta) |