Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
55/11.2GDSTC.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como o primeiro meio de obtenção da prova utilizado, quando - e apenas nesta hipótese - o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo Ministério Público, que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos os elementos probatórios aptos à descoberta da verdade.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - Relatório

Por acórdão de 14 de Julho de 2014 proferido no processo comum colectivo com o número mencionado da Comarca do Alentejo Litoral, a acusação foi julgada parcialmente procedente por provada e em consequência deliberou-se:
A) Absolver o arguido WLC relativamente à acusação de um crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203° n° 1, e 204°, n'' 2 aI. c), com referência ao art. 202°, alínea d), todos do C. Penal;
B) Absolver o arguido WLC relativamente à acusação pela prática de, como autor material, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 860, n? 1 aI. d), da Lei n° 5/2006, de 23/02 (com as alterações introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, lei nº 26/2010, de 30 de Agosto e pela Lei n" 1212011, de 27 de Abril);
C) Condenar o arguido WLC na pena de 5 ( cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão pela prática, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21°, n° 1 do DL nº 15/93, de 22-1, por referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal;
D) Condenar o arguido LCH na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25° n° 1 aI. a), com referência ao art. 21° nº 1, ambos do DL n° 15/93, de 22-1, por referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, ilícito para o qual se convola a inicial acusação de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. directamente pelo art. 21° n° 1, ambos do DL nº I5/93, de 22-1, de 22 de Janeiro.
E) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos de 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido LCH pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, sendo a suspensão acompanhada do regime de prova que assentará num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
F) Condenar o arguido FAMS na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime' de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. ep. Pelo art. 25° n° I aI. a), com referência ao art. 21° n° I, ambos do DI n° 15/93, de 22-1, por referência à tabela I -C, anexa àquele diploma legal, ilícito para o qual se convola a inicial acusação de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. directamente pelo art. 21° n° 1, ambos do DI nOI5/93, de 22-1, de 22 de Janeiro.
G) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos de prisão aplicada ao arguido FAMS pelo período de 2 (dois) anos, sendo a suspensão acompanhada do regime de prova que assentará num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
H) Condenar o arguido RMB na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25° nº 1 al. a), com referência ao art. 21° n° 1, ambos do DI n° 15/93, de 22-1, por referência à tabela I -C, anexa àquele diploma legal, ilícito para o qual se convola a inicial acusação de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. directamente pelo art. 21° n° 1, ambos do DI nOI5/93, de 22-1, de 22 de Janeiro.
I) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos de prisão aplicada ao arguido RMB pelo período de 2 (dois) anos, sendo a suspensão acompanhada do regime de prova que assentará num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social:
J) Condenar o arguido RMF na pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21° n° 1 do DL n? 15/93, de 22-1" por referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal.
K) Suspender a execução da pena de 5 ( cinco) anos de prisão aplicada ao arguido RMF pelo período de 5 (cincos) anos, sendo a suspensão acompanhada do regime de prova que assentará num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
L) Condenar o arguido JAVM na pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 2F n" 1 do DL n° 15/93, de 22-1,. por referência à tabela l-C, anexa àquele diploma legal.M) Suspender a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido JAVM pelo período de 5 (cincos) anos, sendo a suspensão acompanhada do regime de prova que assentará num plano de reinserção social que será executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
N) a S) ( ... )

Por despacho proferido na sessão de audiência de 14 de Julho, o tribunal indeferiu o requerimento de RMF, em que se arguiu a nulidade das escutas.
Inconformado o arguido RMF interpôs recurso deste despacho interlocutório, bem como do acórdão final.
Relativamente ao recurso do despacho interlocutório, o arguido concluiu a motivação do seguinte modo:
"I- Não se conforma com a decisão de indeferimento do requerimento de nulidade das intercepções telefónicas a si realizadas, por entender que as intercepções telefónicas em causa são nulas;
II- Entre a intercepção telefónica ao arguido SH, em 19/05/2012 e com base na qual se obtiveram os números 968822056 e 968958279 e o requerimento de intercepção telefónica dos referidos números, do ora recorrente, não existiram quaisquer diligências, de qualquer natureza;III- A inexistência de quaisquer diligências, de natureza adicional, complementar ou outra, foi confirmada em sede de audiência de julgamento por VG, a única testemunha que se referiu à investigação realizada ao ora recorrente;
IV - Os fundamentos da primeira decisão judicial que autoriza as intercepções telefónicas ao arguido RMF, ora recorrente, são os mesmos fundamentos que serviram, ipis verbis, para todas as autorizações judiciais subsequentes e relativas ao referido arguido, pelo que as nulidades das primeiras intercepções telefónicas importa, pelos mesmos motivos, a nulidade das demais;
V - O tribunal na decisão sobre a requerida intercepção, não analisa fundamentadamente se estão cumpridos os pressupostos para, do ponto de vista da qualidade da pessoa, proceder às intercepções, o que constitui violação do n° 4 do art. 1870 do CPPenal e é causa de nulidade absoluta e insanável, dado estar em causa a preterição de um pressuposto substancial das escutas telefónicas;
Vl- Tinha o tribunal a obrigação de fundamentar tal decisão, em especial enquadrando nas várias hipóteses do mencionado preceito o caso que tinha sub judice. Ao não tê-lo feito, como é evidente que não fez, foi violado um dos pressupostos fundamentais das intercepções telefónicas - o da qualidade da pessoa.
VII - Para fundamentar o carácter da proporcionalidade e subsidiariedade das escutas, decide o Tribunal que" a utilização deste meio é essencial às investigações, não existindo nenhuma outra diligência que assegure a descoberta da verdade material e seja menos lesiva dos interesses e direitos fundamentais em causa"; retira Tribunal tal conclusão única e exclusivamente das intercepções telefónicas já existentes nos autos, considerando ainda que o recurso às mesmas é o único meio de se obter informações relevantes para a obtenção da prova (local, método de transporte e abrangência).
VIII- Ou seja, em relação ao arguido RMF, ora recorrente, não foi feita qualquer diligência que antecedesse as escutas telefónicas, designadamente com recurso a qualquer outro meio de obtenção de prova; partiu-se, de imediato, para a intercepção das chamadas telefónicas;
IX- As intercepções telefónicas são o meio de obtenção de prova mais intrusivo na esfera jurídica dos cidadãos, porquanto são susceptíveis de expor toda a vida destes à comunidade, sem o conhecimento dos visados; daí que a Lei exija o integral e escrupuloso cumprimento e verificação de todos os seus requisitos e pressupostos de admissibilidade;
X- ln casu, ocorre uma violação clara dos pressupostos da excepcionalidade e subsidiariedade, porquanto ambos remetem a utilização de tal meio de obtenção da prova para os casos em que, com recurso a outros meios, tal prova seja impossível ou muito difícil de obter, sendo em todo o caso indispensável para a descoberta da verdade;
XI- Ao contrário do que consta da decisão recorrida, o facto de ser um crime de actividade não exclui a ponderação e utilização de qualquer um dos meios de obtenção da prova constantes do CPPenal.
XII- Ao contrário do que consta da decisão recorrida, a decisão sobre a nulidade das intercepções telefónicas não pode basear-se no que veio a revelar o processo posteriormenteà decisão que as ordenou, pois que é no momento desta que os respectivos pressupostos têm que verificar-se;
XIII- O Tribunal a quo contradiz-se nos seus próprios termos na decisão recorrida, pois que considera que "nunca logrou obter através dessas vigilâncias comprovação dos atos de venda", ao mesmo tempo que, na decisão final, utiliza como fundamento para a prova da matéria de facto fotografias retiradas em vigilância ao arguido;
XIV- Sempre teria, pelo menos, que justificar-se o recurso a tal meio de obtenção da prova com a tentativa, frustrada mas efectiva, de identificar o então suspeito, e com recurso a qualquer um dos outros meios, relacioná-lo com o tráfico de estupefacientes.
XV-Tal tentativa não existiu nos presentes autos, pelo que a mesma não poderia ­mas deveria caso tivesse existido - servir de fundamento à decisão que ordenou as referidas escutas;
XVI- Não foram observados os pressupostos substantivos da admissão das escutas telefónicas, o que constitui NULIDADE ABSOLUTA insanável e do conhecimento oficioso, nulidade que foi tempestivamente invocada e que mereceu a decisão recorrida.
XVII - Sendo as intercepções telefónicas nulas, como são deve ordenar-se nessa sequência a respectiva destRMBção, não podendo valorar-se enquanto prova de qualquer facto;
XVIII- Ao ter decidido como decidiu, a decisão recorrida violou o art. 1870 do CPPenal, pelo que deve revogar-se e substituir-se por outra que declare a nulidade das intercepções telefónicas efectuadas ao arguido e ora recorrente através dos números 968822056 e 968958279, com todas as legais consequências.
Nestes termos e nos demais de Direito, que V's Ex.ts suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida e declarando­se a nulidade das intercepções telefónicas efectuadas ao arguido RMF, com todos os efeitos legais".

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
"1- Vem o arguido interpor recurso do despacho datado de 14/07/2014, exarado na acta da audiência de julgamento reportado aos presentes autos, pelo qual o Tribunal Colectivo indeferiu a por si arguida nulidade das escutas telefónicas autorizadas pelo JIC.
2- Invocando para tanto o recorrente que tal decisão do JIC foi ilegal, porque ferida de nulidade insanável, já que não analisa de forma fundamentada se estão reunidos os pressupostos para, sob o ponto de vista da qualidade da pessoa, se poder proceder às intercepções.
3- Bem como que, para fundamentar o carácter de proporcionalidade e subsidiariedade das escutas, decidiu o tribunal que tal meio era essencial às investigações e inexistia outra diligência que assegurasse a descoberta da verdade material e menos lesiva dos interesses e direitos fundamentais.
4- E ainda o facto de ser um crime de actividade não exclui a utilização de um qualquer outro meio de prova, pelo que não foram observados os pressupostos substantivos da admissão das escutas telefónicas, o que constitui nulidade absoluta.
5- Todavia, contrariamente ao alegado, no requerimento do MOPO com vista à autorização das escutas, deixa-se expressamente consignada a qualidade do sujeito como suspeito e os factos que fundamentam tal qualidade.
6- Tendo sido com base nele que o JIC proferiu a sua decisão, deixando na mesma consignado que " .... 0 recurso às intercepções telefónicas é, no presente momento, o único meio de obter informações relevantes para a obtenção da prova, nomeadamente com vista a identificar o local onde os suspeitos planeiam adquirir os produtos estupefacientes ... ".
7- Pelo que ressalta à evidência que não assiste qualquer fundamento ao recorrente, quando alega a não invocação do sujeito ... !
8- O mesmo se dizendo, face aos fundamentos expressos em ambas as decisões judiciais, quanto à inviabilidade do recurso a outros meios ou diligências probatórias.
9- Pelo que deverá negar-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão recorrida.
Todavia, al alto critério, Vas Exªs decidirão Justiça".

O arguido concluiu a motivação do recurso do acórdão final do seguinte modo:
“I - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal que, para além do mais, condenou o recorrente a pena de cinco anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, pena cuja execução foi suspensa pelo período de cinco anos, bem como declarou perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido e identificado no auto de fls. 1409, condenações com as quais o recorrente não se conforma, no que respeita à matéria de facto e à matéria de Direito;
II - O julgamento da matéria de facto quanto ao recorrente teve como fundamento o depoimento da testemunha FL e o auto de apreensão, fotografias e transcrição das intercepções telefónicas;
III - Considerando a prova produzida, grande parte dos factos que foram considerados como provados resultam de ilações do Tribunal que não têm qualquer fundamento na prova;
IV - As intercepções telefónicas efectuadas ao arguido são nulas, conforme se decidirá no recurso interposto e que se encontra igualmente pendente, pelo que da nulidade das escutas advirá a não prova de grande parte dos factos considerados como provados, designadamente a alegada data de início e fim do tráfico, o local do tráfico e a utilização de telemóveis, cujo número alegadamente o recorrente fornecia aos compradores e por essa via combinava as quantidades e os locais onde procedia à venda, deslocando-se posteriormente ao local combinado;
V - Quanto à prova testemunhal, inexistiu qualquer outra prova testemunhal para além de FL;
VI - De acordo com a única prova testemunhal produzida, o único facto que se poderá dar como provado é que o recorrente vendeu haxixe a FL, cerca de duas vezes por mês, ao longo de cerca de três meses, vendendo € 20,00 de cada vez, na rua, junto ao seu local de trabalho; o que equivale a dizer que apenas durante cerca de três meses o recorrente vendeu cerca de € 120,00 de haxixe a FL;
VII - Das fotografias constantes dos autos não resulta a prova de qualquer acto de tráfico;
VIII - Não foi produzida qualquer prova acerca da proveniência do dinheiro que foi apreendido ao arguido e ora recorrente, pelo que não pode o Tribunal a quo efectuar ilações sem sustentação fáctica;
IX - Inexistindo prova da origem da quantia apreendida, como não existiu, tem a mesma que ser restituída ao arguido e ora recorrente, por não se ter provado que constituía o produto da actividade de tráfico;
X - A matéria de facto deverá ser, assim, alterada em conformidade, designadamente dando-se como não provados os aspectos supra referidos nos factos 3, 4, 5, 12 e 14 de "Factos Provados";
XI - Considerando as alterações à matéria de facto, o recorrente deverá ser condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pela alínea a) do artigo 25.0 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro;
XII - A ilicitude da conduta do recorrente é susceptível de ser considerada "consideravelmente diminuída", atendendo a todas as circunstâncias dos autos e até às próprias condições sociais do arguido, que claramente revelam ser "uma pessoa de bem";
XIII - Valendo na determinação a medida da pena as mesmas considerações que foram efectuadas para os demais arguidos a quem foi aplicada pena de prisão por tráfico de menor gravidade, também ao recorrente deverá ser aplicada uma pena de prisão de dois anos, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sendo a suspensão acompanhada de regime de prova que assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social;
XIV - Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, designadamente, os artigos 40.°, n.os 1 e 2 e 71.°, n." 1 e 2, ambos do Código Penal, bem como o artigo 25.° do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro;
XV - Deve, pois, revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por decisão que julgue a matéria de facto de acordo com o que acima se expôs e aplique o Direito igualmente como se concluiu, com todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos mais de Direito, que v.as Ex.ts doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-se por outro que julgue a matéria de facto de acordo com o que acima se expôs e aplique o Direito igualmente como se concluiu, com todos os efeitos legais. Assim farão Vªs Ex.ªs JUSTIÇA".

Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concordante com o do Digno Procurador junto do Tribunal da 1ª Instância.
Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPPenal, o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Fundamentação

2.1 - O teor do despacho interlocutório é o seguinte: A fls. 310/313 o Ministério Público efectuou a seguinte promoção:
“(… )
V - Promoção de intercepções telefónicas a novos números de telemóveis:
Resulta ainda dos autos que o suspeito Saíde, nome pelo qual é tratado por um dos seus "clientes", é de nacionalidade marroquina, e que o mesmo mantém contactos com outros indivíduos que se dedicam à venda de estupefacientes, os quais têm os seguintes contactos:
(. .. )
- 968958279 e 968822056, utilizado por um indivíduo de nome "RMF".
Deste modo, perante os elementos até ao momento recolhidos, os quais permitem indiciar que estes indivíduos se dedicam à prática deste tipo de ilícito - tráfico de estupefacientes -, torna-se imprescindível para a descoberta da verdade dos factos e para a recolha de prova, sendo que os resultados probatários dificilmente se conseguiriam por outro meio, que se proceda à intercepção e gravação das comunicações realizadas através dos cartões utilizados pelos suspeitos acima referidos.
A proposta de diligência de investigação pelo OPC é pertinente e útil para o esclarecimento dos factos.
Nestes termos promovo que:
a) Ao abrigo do preceituado nos artigos 18. ~ n. °2, 26. ~ n. °1, 32. ~ n. °4, e 34. ~ n.s 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, 187. ~ n. °1, ai. o b), 189 e 269. ~ ai. "e), todos do c.P.Penal e ainda 1. ~ n. °1, alínea a) e 6. ° da Lei n °5/2002, de 11 de Janeiro,por referência aos artigos 21. ~ 23.°, 24. ~ alínea h, e 28. ~ todos do DL n. °15/93, de 22 de Janeiro que se determine e autorize a realização de escutas telefónicas, através da intercepção das conversas efectuadas relativamente aos utilizadores dos números de contactos telefónicos a seguir indicados:
-968958279 e 968822056, utilizado pelo suspeito RMF.

Sobre tal promoção, o Mmº Juiz de Instrução Criminal proferiu o despacho que consta de fls. 316 a 319, com o seguinte teor:
Fls. 310 a 313 (Ponto V) - O Digno Magistrado do Ministério Público veio, na sequência das lides investigatórias encetadas nos autos, requerer:
- A intercepção e gravação, por 30 (trinta) dias, das conversações e comunicações telefónicas efetuadas de e para os telemóveis com os n.rs 965446390, 965530588, 968958279,968822056,917193259 e aos cartões associados ao IMEI n. °354341041713560 e dos cartões que venham a ser usados nos respetivos IMEJ's, bem como que sejam
solicitadas as respectivas facturas detalhadas, identificação on line da localização celular, registo de trace back e identificação dos titulares ou, tratando-se de cartões pré-pagos, indicação dos carregamentos dos mesmos, com especificação de data, hora e ATM em que correram.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos persentes autos de inquérito investiga-se a prática de factos passíveis de integrar um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º n.° 1 do DL n. °15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Estatui o art.° 187º n.°1 do Código de Processo Penal que" 1 - A interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução, mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes (. …)
b) Relativos a tráfico de estupefacientes(..,)
Mais dispõe o n. °4 da invocada disposição legal que "A interceção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra: a)suspeito ou arguido (...)
Reportando-se o ilícito ora sob investigação ao "catálogo" legal inscrito no artigo 187. ° do Código de Processo Penal, importa concluir pela inexistência de óbice à autorização pretendida.
Também se verifica estar preenchido o requisito vertido no n. ° 4 do citado artigo 187~ no que tange às pessoas relativamente às quais podem ser autorizadas interceções telefónicas.
Por fim, cumpre aferir se, mediante critérios de proporcionalidade e subsidiariedade, esta diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade material ou
para a prova.
Com efeito, nos termos prevenidos nos nºs 1 e 4 do artigo 34° da Constituição da República Portuguesa, o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, sendo proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
As restrições estão assim autorizadas apenas em processo criminal e estão igualmente sob reserva de lei (artigo 18.° nºs 2 e 3), só podendo ser decididas por um juiz (artigo 32.° n. ° 4).
Por outras palavras, e perante estes princípios, importa aferir se a utilização deste meio é essencial às investigações, não existindo nenhuma outra diligência que assegure a descoberta da verdade material e seja menos lesiva dos interesses e direitos fundamentais em causa?
Somos de crer que sim.
Na realidade, os elementos probatórios carreados para os autos evidenciam uma plataforma de tráfico de produtos estupefacientes, tendo por destino o consumidor final, no âmbito da qual os ora suspeitos assumirão papel decisivo.
Tendo os números acima indicados apurados por força das lides investigatórias encetadas nos autos.
Considerando os elementos probatórios já recolhidos nos autos e a promoção que antecede, e ponderando-se os valores e princípios aflorados supra, somos de crer que as diligências requeridas se poderão revelar de grande interesse e utilidade para a descoberta da verdade dos factos e para a recolha de prova, uma vez que se suspeita que os telemóveis indicados supra poderão ser utilizados com vista à planificação das actividades criminosas relacionadas com o tráfico de estupefacientes.
Ademais, afigura-se-nos que o recurso às interceções telefónicas é, no presente momento, o único meio de se obter informações relevantes para a obtenção de prova, nomeadamente com vista a identificar o local onde os suspeitos planeiam adquirir os produtos estupefacientes, o respectivo método de transporte, os locais de destino e de trânsito, e bem assim, da abrangência de pessoas co-envolvidas, ou seja, configura, na acepção legal do artigo 187.º n.°1 do Código de Processo Penal, meio de obtenção de prova que de outra forma seria extremamente ou impossível obter.
Face ao exposto, e nos termos dos artigos 187º n.°1, alínea b), n.°4 e n.°6, 188, 189, 190 e 269º n. °1, alínea e), todos do Código de Processo Penal:
- Autorizo, durante o prazo máximo de 30 (trinta) dias, a intervenção e a gravaçâo de todas as conversações ou comunicações telefónicas efectuadas ou recebidas através dos telemóveis com os nºs 965446390, 965530588, 968958279, 968822056, 917193259 e aos cartões associados ao IMEI nº 354341041713560 e dos cartões que venham a ser usados nos respectivos IMEJ's, bem como que sejam solicitadas as respectivas facturas detalhadas, identificação on line da localização celular, registo de trace back e identificação dos titulares ou, tratando-se de cartões pré-pagos, indicação dos carregamentos dos mesmos, com especificação de data, hora e ATM em que ocorreram (. . .)"


No essencial são dois os pressupostos da arguida nulidade:
- falta de menção da qualidade atribuída ao visado nas escutas: suspeito ou arguido;
- violação dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade por se avançar para as escutas sem recorrer a outro tipo de diligências.
No que respeita à qualidade do visado, o realce que fizemos da transcrição do despacho demonstra explicitamente que no mesmo se atribui aos visados das escutas a qualidade de suspeitos. Mas diremos mesmo que, ainda que não o fizesse explicitamente, a remissão que faz aos fundamentos da promoção, onde como o arguido reconhece, era feita clara menção à condição de suspeito, ficava bem patente em que qualidade era o mesmo considerado.
No que respeita à alegada violação dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade conclui-se igualmente pela sua inexistência. Todos sabemos que se fossem efectuadas as diligências propostas pelo arguido: identificação do arguido, revistas, buscas, apreensões, vigilâncias, obtenção de testemunhos, ficava logo prejudicada toda a investigação pois que o crime de tráfico é um crime de actividade. Por outro lado, os autos encarregaram-se de demonstrar que bem assistia razão no despacho proferido ao considerar as escutas elemento essencial à investigação pois apesar das várias vigilâncias efectuadas, antes do início das escutas, mesmo já propriamente o arguido RMF, nunca se logrou obter através dessas vigilâncias comprovação de atos de venda. Inquirições de testemunhas? Quais? Identificação do arguido? Para quê? Para ele se desvincular de todas as condutas que o pudessem comprometer? E depois, o que é que se apurou através das escutas anteriores?
Não foi que as combinações das transacções de estupefacientes eram feitas através dos telefonemas? Foi. Então e assim sendo as escutas não constituíam elemento essencial à investigação? Claro que sim. Bem andou assim o M.O Juiz de Instrução que autorizou as escutas e no seu despacho efectuou adequada fundamentação do seu despacho, incluindo a ponderação dos aludidos pressupostos de proporcionalidade e subsidiariedade.
Face ao exposto indefere-se a aludida arguição de nulidade, por manifesta improcedência

O acórdão condenatório
Factos Provados
1. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido no decorrer da noite de 2 para 3 de Novembro de 2011, pessoa(s) cuja identidade não se logrou apurar, partiu(ram) a porta de entrada do estabelecimento comercial denominado "(….)", sito na Avenida (….), n° (….), em (…..), explorado por AM, nele entrou(ram), tendo retirado e transportado consigo:
a) Um televisor de marca "Telefunken Sagahd" de cor preto, com o número 3261B16PVR, com o número de série 6632058000308, com o respectivo comando, no valor de € 385;
b) uma máquina de tabaco, que continha no seu interior:
- 34 maços de tabaco, de marca "Malboro", no valor de € 136,
- 30 maços de tabaco, de marca "Malboro Gold", no valor de € 120,
- 30 maços de tabaco, de marca "Malboro Intense", no valor de € 114,
- 28 maços de tabaco, de marca "SG Gigante soft", no valor de € 112,
- 32 maços de tabaco, de marca "SG Filtro", no valor de € 124,80,
- 76 maços de tabaco, de marca "SG Ventil", no valor de € 296,40,
- 30 maços de tabaco, de marca "SG Ventil Mini Box", no valor de € 117 €,
- 32 maços de tabaco, de marca "Chestefield Blue", no valor de € 112 €,
- 28 maços de tabaco, de marca "Chestefield Red", no valor de € 98,
- 32 maços de tabaco, de marca "Ritz Black", no valor de € 112,
- 27 maços de tabaco, de marca "Coronas", no valor de € 94,50,
- 30 maços de tabaco, de marca "Carne I", no valor de € 111,
- 30 maços de tabaco, de marca "Winston, no valor de € 105
- 34 maços de tabaco, de marca "JPS Blackl", no valor de € 119 €,
- € 91,96 em numerário,
c) quatro máquinas de brindes;
c) quatro máquinas de brindes;
d) uma mala de cabedal, de cor preta, com código de abertura, contendo no seu interior vários documentos, no valor de € 100,00;
2. Até meados do mês de Dezembro de 2012, os arguidos WLC, LCH, FAMS e RMB dedicaram-se à venda de canábis divididas em placas individuais, a preços que variavam, consoante o peso e a qualidade, entre os € 5 (cinco euros) e os € 20 (vinte euros) a diversos toxicodependentes na área desta comarca, nomeadamente em Alvalade do Sado, Santiago do Cacém e Sines.
3. Até à mesma altura, os arguidos JAVM e RMF dedicaram-se à venda de canábis mas na região do Algarve.
4. Essas actividades foram mantidas pelo arguido WLC pelo menos desde meados de 2011, pelo arguido LCH pelo menos desde Abril de 2012, pelo arguido RMB desde Maio de 2012, pelos arguidos FAMS e RMF pelo menos desde Junho de 2012.
5. No âmbito e em execução dessa actividade, os arguidos, para além do contacto directo e para mais facilmente iludirem o controlo policial no seu contacto com os compradores utilizavam telemóveis cujos números lhes forneciam e por essa via combinavam as quantidades e os locais onde procediam à sua venda, deslocando-.se após contactos aos sítios que previamente acordavam;
6. No decorrer dos mandados de busca, cuja operação foi realizada no dia 22 de Março de 2012 foi apreendido no interior da residência de WLC, sita no n° 21 da Rua Vasco da Gama, em Alvalade do Sado:
a) Na cozinha:
- um televisor led, de marca "Telefunken Sagahd", de cor preto, com o n" 3261B16PVR, com o número de série 6632058000308, com o respectivo comando, que se encontrava em cima de um armário;
- um saco de plástico com trinta saquetas de plástico que se encontravam no interior de
uma gaveta de um armário;
- um x-acto de cor vermelho e preto que se encontrava em cima de uma mesa;
b) no seu quarto:
- uma saqueta de plástico contendo no seu interior um anel de ouro amarelo com uma imitação de pedra valiosa e com orifícios onde deveriam estar outras pedras, dois corações em ouro e parte de um cordão de ouro, que se encontravam em cima da mesa de cabeceira;
- 50,497 gramas de canábis (resina) com 6,2% de grau de pureza, equivalente a 63 doses individuais diárias, acondicionado no interior de uma saqueta, que se encontrava em cima da cómoda;
- no parapeito da janela, tinha:
- um cartucho, de marca "Fosso 32", de cor preto, calibre 12, n° 7,5-
-dezassete munições de salva, de marca "G.F.L.", de prateado, de 8mn, já deflagradas;
- duas munições de salva, de calibre 7,62 mn;
- uma munição de calibre 7,62 mn;
- duas munições de calibre desconhecido;
- duas munições de calibre 7,65 mn;
- duas munições de salva, de calibre 32, e
Uma munição de calibre 38 - 357 Magnum. b) No quintal da casa:
- uma tesoura de cortar ferro, de marca "KMT", de cor de laranja;
- um rolo de plástico aderente, de cor preto;
- uma caixa de plástico de cor de laranja com tampa de cor verde, transformada em estufa, equipada com duas lâmpadas e fio de ligação à corrente e dividida/forrada em película de alumínio, e
- duas plantas de canábis com cerca de 30 centímetros e altura e com 17 gramas de peso.
7. Tinha o arguido WLC na sua posse dum pequeno pedaço de canábis (resina) com o peso líquido de 2,957 gramas, com 5,3% de grau de pureza, equivalente a 3 doses médias individuais diárias;
8. Pelas 07h 45 m do dia 16 de Abril de 2012, no terminal rodoviário de Santiago do Cacém foi efectuada uma revista ao arguido LCH, que tinha no interior de uma mochila de transporte de máquina fotográfica, de cor cinzenta, 9 saquetas de canábis com o peso liquido total de 6,630 gramas, com 11,5% grau de pureza, equivalente a 16 doses médias individuais diárias;
9. No decorrer do cumprimento de novos mandados de busca, cuja operação foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2012 à residência de WLC, sita na Rua (…), nº (…), em (….) foi-lhe apreendido, na cozinha:
- um telemóvel, de marca "Samsung", modelo "X3", de cor preta, com o IMEI 353410/041776469/4, contendo o cartão afecto à rede "Vodafone" com o n" 9129909904, que se encontrava sob intercepção (alvo 50871M);
- um carregador, de marca "Nokia", de cor preto;
- um- um telemóvel, de marca "Nokia", modelo "X3", de cor preta e vermelha, com o IMEI 3255704305729, contendo o cartão afecto à rede "TMN, que se encontrava sob intercepção (alvo 53235040), e
- um carregador marca "Samsung", de cor preto;
10. No decorrer do cumprimento d mandados de busca, cuja operação, cuja operação foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2012 à residência de LCH, sita na Rua (…), nº (…), em (…), foi-lhe apreendido:
- um telemóvel, de marca "Nokia", modelo "X 2", de cor preta, com o IMEI 357 391 047 O 16, contendo o cartão n° 91 2626516
-seis plantas de canabis com 80 cms de altura com o peso liquido total de 139,450 gramas, com 9,1% de grau de pureza equivalente a 255 doses médias individuais diárias;
11. No decorrer do cumprimento de novos mandados de busca, cuja operação foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2012 à residência de FAMS, sita na Rua (….), nº (….), em (….), foi-lhe apreendido:
- um telemóvel, de marca "LG", de cor preto, com o IMEI 351755-04-217124-3, contendo no seu interior um cartão com o n° 915535274, com o respectivo carregador;
- um telemóvel, de marca "LG", modelo "X3", de cor preto, com o IMEI 359036033077810, contendo no seu interior um cartão com o n° 917193259, o qual se encontrava sob intercepção (alvo 51284M), e
- um telemóvel, de marca "Huawei", de cor cinzento, com o IMEI 357510035972139, com o respectivo carregador e que se encontrava sob intercepção (alvo 2P0751E);
12. No decorrer do cumprimento de mandados de busca, cuja operação foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2012 à residência de RMF, sita na Rua (….), lote (…), (….), Urbanização (….), em Albufeira, foi-lhe apreendido no quarto:
- no interior de uma bolsa um saco de plástico com cinco (5) bolotas e meia de canábis, com o peso liquido total de 50,430 gramas com 26,1% de grau de pureza, equivalente a 264 doses médias individuais diárias;
- um envelope com 3 notas de € 50, 97 notas de € 20, 101 notas de € 10, 44 notas e € 5, no montante total de 3.320,00 (três mil trezentos e vinte euros) e
- um telemóvel, de marca "Samsung", com o IMBI 35955790407860917, que continha no seu interior um cartão com o n° 965231923;
13. No decorrer do cumprimento de mandados de busca, cuja operação foi realizada no dia 17 de Dezembro de 2012 à residência de JAVM, sita na Rua (….), nº (….), em Olhão, foi-lhe apreendido - um telemóvel, de marca "Nokia, modelo "300", com o IMBI 351964053831097, contendo no seu interior um cartão com o nº 910391523;
14. Com excepção das munições e da tesoura de cortar ferro apreendidas ao arguido WLC, do telemóvel LG com o n° 915535274, apreendido ao arguido FAMS, e do telemóvel apreendido ao arguido RMF, todos os objectos e quantias monetárias apreendidos aos arguidos constituíram produto da actividade de venda de produtos de natureza estupefaciente ou foram utilizados para a concretização daquela actuação;
15. Todos os arguidos conheciam as características dos produtos estupefacientes que detinham e comercializavam e, do mesmo modo, não ignoravam que a respectiva compra detenção e venda lhes estava legalmente vedada:
16. Quiseram com a actividade de venda de drogas, fazer distribuir substâncias estupefacientes por um número indeterminado de pessoas e obter, por essa via, compensações monetárias e outras formas de lucro que sabiam estar-lhe vedado;
17. Tinha ainda o arguido WLC perfeito conhecimento da natureza e características das munições acima descritas.
18. Todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a s suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.

( ...)
Do Enquadramento Social e Familiar do arguido RMF
44.À data dos factos o arguido RMF integrava e integra o agregado de origem paterna reconstituído, abrangente do pai e madrasta. Não obstante a separação parental dos pais aos 6 anos de idade, tendo o arguido e o seu irmão ficado sob a égide da mãe até aos 14 anos de idade, passando depois a integrar o agregado paterno, a dinâmica intrafamiliar surge caracterizada como afectivamente próxima e assente em valores de solidariedade, partilha e responsabilidade, contexto actualmente vigente;
45. Frequentava o curso superior de Educação Física e Desporto cuja licenciatura viria a terminar em Julho do corrente ano, complementada posteriormente com uma pós graduação em Personal Training (136 horas) promovido pela Manz Produções em parceria com a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
46.Anteriormente e após a conclusão do 12°ano integrou o serviço militar como voluntário entre Novembro de 2007 e maio de 2009 e posteriormente o curso de agente da TGNR, o qual viria a abandonar pouco depois por factores motivacionais;
47. Em termos laborais/ocupacionais constata-se desde, há cerca de 4 anos, um percurso investido, ainda que intercalado com actividades curriculares formativas, tendo desenvolvido funções de vigilância e segurança, sub-gerente de loja comercial e em época balnear como nadados salvador, actividades que lhe têm permitido alguma autonomia económica, não obstante o continuado suporte de rectaguarda dos pais;
48. Actualmente encontra-se laboralmente activo, detendo um contrato de prestação de serviços de aulas desportivas, por um ano, junto da Casa do Povo de São Bartolomeu de Messines, e, complementarmente, como personal trainer num ginásio em Montenegro, contexto este valorado pelo arguido como manifestamente gratificante e possível de assegurar a sua subsistência;
49. Por outro lado, o arguido tem procurado de uma forma activa tomar parte em actividades pró-sociais e de pertença ligando-se a grupos de integração social, primordialmente associações de solidariedade social a título de voluntariado, sendo globalmente referenciado como pessoa idónea e solidária;
50. É referenciado como responsável em termos profissionais e assertivo ao nível do relacionamento interpessoal, não havendo quaisquer indicadores de comportamentos desajustados ou de risco.
51. Assume crenças adequadas e precisas quanto a comportamentos socialmente desajustados bem como uma atitude crítica e respeito pelos bens jurídicos em causa no âmbito do presente processo, tendendo, contudo, a legitimar o desvio comportamental, face a necessidades/ambições pessoais;
52. A situação jurídico-penal tem sido vivenciada com acentuada apreensão pelo arguido e respectivos pais, quer em termos da sua imagem pessoal e social, quer das consequências no seu processo de integração sócio laboral futura;
53. Apresenta adequada consciência crítica e responsabilidade pessoal.

II.2 Factos não provados
1 a 3( ... )
4. Todos os arguidos iniciaram a actividade de venda de estupefacientes pelo menos em meados de 2011;
5. Os arguidos tinham como seus principais fornecedores cidadãos de nacionalidade marroquina residentes no Algarve, nomeadamente o arguido SH, a quem principalmente adquiriam grandes quantidades de canábis para posterior revenda nos locais onde viviam.
6. (…)

Motivação
(…)
Arguido RMF:
As apreensões efectuadas em casa do arguido RMF mostram-se comprovadas pelos autos de apreensão de fls. 1406 e 1409 e fotografias de fls. 140711408. O peso e a natureza do estupefaciente apreendido mostram-se confirmados pelo relatório de exame toxicológico de fls. 1548.
Ao nível da prova testemunhal apenas a testemunha FL confirmou que o arguido RMF lhe vendia haxixe, referindo que lhe comprou cerca de duas vezes por mês ao longo de cerca de três meses, comprando € 20,00 de cada vez, na rua, junto ao seu local de trabalho (um bar de Albufeira, onde se conheceram).
Mas esse é apenas um dos elementos que evidenciam os factos imputados ao arguido.
Na verdade, a grande quantidade de dinheiro apreendido, incluindo grande quantidade de notas de baixo valor, conjugada com as referências que resultam das escutas telefónicas -e à própria quantidade de estupefaciente apreendida - cinco bolotas de canábis com o peso de 50 gramas - por parte dum indivíduo que, de acordo com as testemunhas que ele próprio arrolou, não era consumidor, são, face às regras da experiência comum claramente demonstrativas da existência duma actividade de tráfico de estupefacientes.
Não nos merece qualquer credibilidade as referências feitas por algumas testemunhas arroladas pelo arguido, sobretudo pela testemunha JAVMF, seu pai, à actividade de nadador salvador desenvolvida pelo arguido no sentido de se poder afirmar que seria daí que advinha esse dinheiro. Não pomos em causa o desenvolvimento da actividade. O que não aceitamos é que o arguido recebesse o seu salário em notas de pequeno valor e que a fosse guardar num envelope em casa, para mais quando, como confirmou o pai, até era titular de conta bancária e quando a apreensão das mesmas é feita no mês de Dezembro, o que implicaria que aí tivesse guardado esse dinheiro ao longo de vários meses já que as funções de nadador salvador são exercidas no Verão! Aliás, não pouco qualquer das testemunhas ouvidas afirmou que alguma vez tivesse presenciado o pagamento de nadador salvador ao arguido, quer para confirmar como teria sido efectuado esse pagamento.
As escutas do arguido, mais concretamente aos números 968822056 e 968958279, com que fundamentamos a afirmação anterior, constam de fls. 139/167 e 1681171 do apenso 3, e são, de todos os arguidos, aquelas que são demonstrativas do desenvolvimento duma actividade de tráfico mais intensa, das quais destacamos as sessões nºs 43, 73, 76, 176, 321, 413, 757, 809, 1183, 1186/1187, 1237, 1246, 1308, 1319, 1456, 1900, 1901, 1914, 1915, 1927, 2618, 2638, 2677, 2699, 2712, 2717, 2722, 5975, 6700 e 10203, relativamente às quais nem aqui fazemos transcrições em concreto já que as referências à venda de estupefaciente são abundantes e explícitas e das quais se podem também constatar as menções às zonas onde a actividade era desenvolvida e que as aquisições e vendas respeitam já a quantidades de estupefaciente de maior dimensão e quantias monetárias mais elevadas.
Decorrendo das regras de elementar lógica e experiência comum que o arguido auferiu proveitos com a venda de estupefacientes, até porque ele próprio não os consumia, como
referido, apetece dizer, quase em tom de graça, que, se o dinheiro que estava em casa viesse dos rendimentos de nadador salvador deveríamos concluir que depositou na conta bancária o dinheiro ilicitamente obtido com o tráfico e guardou em casa aquele que era proveniente da actividade laboral lícita !!
Não queira a defesa do arguido tapar o sol com a peneira quando sustenta que um tal entendimento traduz um subjectivismo não motivável e arbitrário. O Tribunal não está impedido de efectuar raciocínios assentes em regras de lógica e experiência comum, desde que as faça assentar nas regras de experiência comum, desde que as faça assentar em elementos objectivos e se caso há em que os juízos assentam em elementos objectivos congruentes e assentam em vários elementos factuais é este. Compreendemos também a preocupação do arguido em arguir a nulidade das escutas telefónicas - questão que já apreciamos - pois as mesmas são um dos elementos factuais decisivos nos quais assentamos o nosso raciocínio. Já temos mais dificuldades em compreender como é que se sustenta que a autorização das escutas viola princípios de excepcionalidade e subsidiariedade por se entender que a prova podia ter sido reunida por outros meios e a final vê-se sustentar que sem as escutas nada se teria conseguido descobrir, para não dizer que sustentou até que mesmo com as escutas nada se descobriu!
( ... )

III - Da Apreciação do Recurso

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458,98).
Perante as conclusões dos recursos as questões a decidir são as seguintes:
1ª - Do despacho interlocutório;
2ª - Da impugnação da matéria de facto (factos 3 a 5, 12 e 14 da matéria provada);
3ª - Do enquadramento jurídico penal dos factos e da medida da pena;

III - 1ª - Do despacho interlocutório;
O arguido RMF interpôs recurso do despacho, que indeferiu a nulidade das intercepções aos telemóveis 968958279 e 968822056, invocando dois fundamentos:
a) O de que no despacho que autorizou as escutas não se faz menção à qualidade da pessoa visada, nomeadamente se é arguido ou suspeito, o que constitui violação do disposto no n° 4 do art. 187° do CPPenal;
b) Que se avançou, de imediato, para as escutas sem recorrer a qualquer outro tipo de diligências e por isso, foram violados os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade.
Quanto ao primeiro fundamento consta do despacho proferido pelo Mmo JIC: "( ... ) os elementos probatórios carreados para os autos evidenciam uma plataforma de tráfico de produtos estupefacientes, tendo por destino o consumidor final do qual os ora suspeitos assumirão papel decisivo" e mais adiante: " o recurso às intercepções telefónicas é, no presente momento, o único meio de se obter informações relevantes para a obtenção de prova, nomeadamente com vista a identificar o local onde os suspeitos planeiam adquirir os produtos estupefacientes ( ... )".
Destes dizeres resulta que se atribui aos visados pelas escutas designadamente aos utilizadores dos telemóveis n''s 968958279 e 968822056 a qualidade de suspeitos.
Mesmo que assim, não se entenda, o que não concebemos, da remissão do despacho recorrido para a promoção do Ministério Público, que requereu a intercepção e gravação das comunicações telefónicas de e para os telemóveis referidos, resulta de forma inequívoca a qualidade de suspeito do RMF.
Quanto ao segundo fundamento, o recorrente invoca a violação dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade por virtude do recurso às escutas telefónicas não ter sido precedido de qualquer outro meio de obtenção de prova, só podendo lançar-se mão daquelas quando através de outros meios seja impossível ou muito difícil de obter a prova, o que não foi feito nos presentes autos.
Não assiste razão ao recorrente. Na verdade, a lei não impõe que primeiramente tenha de se lançar mão de outras diligências de prova e que só pode recorrer-se às escutas telefónicas se aquelas fracassarem. O que o art. 187° n° 1 do CPPenal parte final exige é que haja "razões para crer" que a intercepção e a gravação das intercepções telefónicas se revelará" indispensável para a descoberta da verdade" ou que " a prova seria, de outra forma impossível ou muito difícil de obter", o que remete para um critério de eficácia.
Como diz, face à anterior redacção do preceito, Germano Marques da Silva, ( ... ) a lei portuguesa apenas exige expressamente que haja razões para crer que a diligência se revelará de
grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, não exigindo que existam já indícios do crime, nem que as informações pretendidas possam ser obtidas por outros meios".
Para este autor, que cita Costa Andrade, só não será legítimo o recurso às escutas telefónicas se os resultados probatórios almejados puderem "sem dificuldades particularmente acrescidas, ser alcançados por meios mais benignos de afronta aos direitos fundamentais" (curso de Processo Penal II, 2002, pág 221 e 222).
A Lei 48/2007, de 29.08 dá uma formulação diferente ao critério para determinação da realização de uma escuta telefónica. Antes a Lei previa o critério do "grande interesses para a descoberta da verdade ou para a prova", e actualmente a lei prevê o critério de que a diligência "é indispensável para a descoberta da verdade" ou o de que " a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter". Apesar desta alteração, André Leite Lamas mantém o entendimento de que "«continua a ser possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como o primeiro meio de obtenção da prova utilizado, quando - e apenas nesta hipótese - o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo MP, que ela á a única diligência capaz de fazer carrear para os autos os elementos probatórios aptos à descoberta da verdade. Nessas situações, as escutas são, de idêntica forma, indispensáveis a esse desiderato» (vide artigo com o Título "Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime das escutas telefónicas", em Revista de Ciência Criminal, ano 17, tomo 4, pág. 624).
No caso em análise, forneceram-se ao juiz de instrução dados suficientes para se poder concluir que o recurso às escutas era, não só o mais idóneo, mas também o mais eficaz para a investigação da actividade de tráfico que estaria a ser desenvolvida por um grupo de indivíduos, na medida em que estes combinariam a actividade de tráfico através do telefone.
Assim, sem as intercepções telefónicas aos telemóveis utilizados pelo RMF não seria possível prosseguir a investigação quanto a este arguido, em relação ao qual se desconhecia a identificação e toda a dinâmica da actividade criminosa, em que este estava envolvido.
Não se vislumbra, pois, que tenha sido violado o disposto no art. 187º nº 1 do CPPenal, nem os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade, pelo que se mantém o despacho proferido na sessão da audiência de 14-7-2014.
Improcedem, pois, estes fundamentos do recurso interlocutório.

2ª - Da impugnação da matéria de facto (factos 3 a 5, 12 e 14 da matéria provada).

Os factos nºs 3 a 5 resultam do depoimento da testemunha FL que afirmou que o arguido RMF lhe vendia haxixe, cerca de duas vezes por mês, ao longo de cerca de três meses, e que comprava € 20,00 de cada vez, na rua, junto ao seu local de trabalho, um bar em Albufeira e ainda das intercepções aos telemóveis números 968822056 e 968958279, utilizados por RMF, que se iniciaram em 5 de Junho de 2012, cujas transcrições constam do Apenso III, fls. 139 a 167, que são demonstrativas da actividade de tráfico levado a cabo pelo arguido, já que as referências à venda de estupefacientes são abundantes, bem como aos locais onde a actividade era desenvolvida e as aquisições e vendas dizem respeito a quantidades de estupefacientes e quantias monetárias de algum relevo.
O facto nº 12 resulta dos autos de apreensão de fls. 1406 a 1409 e fotos de fls. 1407/1408. O peso e a natureza do estupefaciente apreendido resulta do relatório de exame toxicológico de fls. 1548.
Quanto á proveniência do dinheiro apreendido ao recorrente, alega este que não foi feita qualquer prova, pelo que não pode o Tribunal concluir que tais quantias eram produto da actividade de venda de produtos de natureza estupefaciente.
É certo que, não há prova directa do facto, mas para além desta, há que ter em conta a prova indiciária, ou indirecta. Desta infere-se, por meio de raciocínio, baseado em regras da experiência, da lógica ou da ciência, o facto probando. A prova reside na inferência do facto conhecido, indício ou facto indiciante, através das regras da lógica e da experiência comum para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova.
Os factos conhecidos são os seguintes:
- No decorrer dos mandados e busca, que foi realizada à residência do recorrente RMF, no dia 17 de Dezembro de 2012 foi-lhe apreendido no quarto um envelope com 3 notas de € 50,97 notas de € 20, 101 notas de € 10,44 notas de € 5, o que perfaz o total de 3.320,00 €;
- O arguido dedicava-se à venda de canábis desde Junho de 2012 até Dezembro de 2012;
- Das intercepções telefónicas que foram efectuadas aos telemóveis por si utilizados resulta que as referências às vendas de estupefacientes são abundantes e as aquisições e vendas de estupefacientes dizem respeito a quantidades de estupefacientes e quantias monetárias de relevo;
- O arguido não consumia estupefacientes.
Destes dados objectivos, em que há uma grande quantidade de notas de baixo valor, em conjugação com a quantidade de estupefaciente apreendida 50,430 gramas de canábis, equivalente a 264 doses médias individuais diárias, com o período durante o qual o arguido se dedicou ao tráfico de estupefacientes de Junho a Dezembro de 2012 e com as escutas telefónicas (vide sessões nºs 43, 73, 176, 321, 413, 757, 809, 1183, 1186/1187, 1237, 1246, 1308, 1319, 1456, 1900, 1901, 1914, 1915, 1927,2618,2638,2677,2699,2712,2717,2722, 5975, 6700 e 10203) em que as referências à venda de estupefacientes são abundantes e que as aquisições e vendas respeitam a quantidades de estupefacientes e quantias monetárias de algum significado a ilação a retirar de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, é que esse dinheiro era proveniente da actividade do tráfico, pelo que não nos merece reparo esta ilação extraída pelo tribunal.

III - 3ª- Do enquadramento jurídico penal dos factos e da medida da pena.

O recorrente alega que tendo em conta as alterações à matéria de facto, deverá ser condenado por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível no art. 25° aI. a) do DL nº 15/93, de 22-1, já que em seu entender, a ilicitude do facto é "consideravelmente diminuída", as suas condições sociais revelam ser "uma pessoa de bem" e a pena deve ser fixada em dois anos de prisão suspensa na sua execução.
Não houve qualquer alteração à matéria de facto, pelas razões referidas, pelo que cai por terra o pressuposto, em que o arguido baseia a alteração da qualificação jurídica, bem como a redução da pena.
O nº 1 do art. 21° do DL 15/93 de 22-1 estabelece que: "quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art° 400, plantas substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos".
Este preceito define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, que integram o elemento objectivo do crime. Este ilícito constitui um crime de perigo comum abstracto ou presumido, uma vez que para a sua consumação não se exige que haja um dano real e efectivo para determinados bens.
«O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública na vertente física e moral), como patenteiam os vocábulos definidores do tipo fundamental - "cultivar", "produzir", "fabricar", "comprar", "vender", "ceder", "oferecer", detiver". O crime em causa não exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou proporcioná-la a outrem, ainda que a título gratuito; basta que o estupefaciente não se destine, na totalidade ao consumo próprio para tal crime estar perfectibilizado» (AC. do STJ de 24/11/99, proc.937/99).
O art° 25° do mesmo diploma dispõe que: " se nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na Tabela IV.
O art. 25° como é entendimento da doutrina e da jurisprudência (cfr. o Ac.STJ in C.J. ano IX, tomo I, pág. 234) constitui um tipo de crime privilegiado, que coloca o acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela ilicitude que está pressuposta no tipo base descrita no art. 21°. Para se aferir da diminuição acentuada da ilicitude há que ter em conta, entre outros, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da actuação, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
«A menor severidade da punição consagrada no art. 25° corresponde a uma menor perigosidade presumida da acção para os bens jurídicos protegidos por tal norma, a saber a saúde e integridade física dos cidadãos, ou mais sinteticamente a saúde pública. Nos termos deste preceito, a diminuição considerável da ilicitude deverá resultar da consideração e apreciação conjunta das circunstâncias, factores ou parâmetros aí enunciados, bem como eventualmente de outros com tal potencialidade, dado que a enumeração de que ali se procede não é taxativa». Neste sentido se pronunciou o Ac. STJ datado de 20/2/97, proferido no processo n° 966/96.
No caso em apreço, e como consta do acórdão recorrido o que corroboramos ao arguido “RMF foram apreendidos 50,430 gramas de Canabis, mas também considerável quantia em dinheiro - € 3.320.00 - dividida sobretudo em notas de € 20, € 10 e € 5,( ... ) que o tribunal pelos motivos já consignados, entende constituir produto da venda desse estupefaciente, evidenciando assim já um considerável volume de vendas. Por outro lado, as escutas relativas a este arguido são, como já referido aquelas que, de entre as efectuadas a todos os arguidos, aquelas que são demonstrativas do desenvolvimento duma actividade de tráfico mais intensa, com referências inequívocas a grande número de actos de venda e que se conjuga e harmoniza com a existência do dinheiro apreendido, situação que se torna mais relevante quando se nota que o período temporal em que foram efectuadas é menor que o dos restantes arguidos, com excepção do arguido JAVM”.
A conduta do arguido RMF não é assim susceptível de integrar uma ilicitude, consideravelmente diminuída, pelo que os factos integram o crime previsto e punido no art° 21°, n" 1 do DL n" 15/93 de 22-1, a que cabe a pena de 4 a 12 anos de prisão.
A pena aplicada de cinco anos suspensa na sua execução mostra-se justa, adequada e proporcional à culpa do arguido, pelo que é de manter na íntegra, pelas razões constantes do acórdão recorrido.

IV - Decisão

Termos em que acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Custas pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em 4 Ucs.
Notifique.

Évora, 17 de Março de 2015

(texto elaborado e revisto pelo relator)

José Maria Martins Simão

Maria Onélia Vicente Neves Madaleno