Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
595/16.7T8STR.E2
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PROPRIETÁRIO
DEVER DE VIGILÂNCIA
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 - O pressuposto da ilicitude que integra a responsabilidade civil extracontratual não prescinde da verificação de alguma situação que traduza a violação de direito de outrem ou de normas destinadas a tutelar interesses alheios.
2 - Resulta do disposto no artº 493º n.º 1 do CC que aquele que estiver em seu poder coisa imóvel, está obrigado a vigiá-la sob pena de poder ser responsabilizado pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte, não sendo necessário um dever específico de vigilância, sendo suficiente que a coisa possa ocasionar danos.
3 - A morte de um menor resultante da queda numa fossa pertença de terceiro só é suscetível de determinar a responsabilidade civil deste terceiro, por omissão de dever de diligência, se o mesmo, relativamente a essa estrutura, não procedeu em conformidade com as regras legalmente impostas para evitar quedas desastrosos no interior da mesma.
4 - Ilide a presunção de culpa a que alude o art.º 493.º do CC, o terceiro que cobre ou tapa totalmente a abertura de fossa existente no seu terreno com uma chapa em ferro, com relevo em xadrez, colocando um bloco de mármore por cima, chapa essa, que tapava totalmente a abertura e era idónea a suportar peso superior a 100kg, em conformidade com a legislação em vigor referente proteção contra quedas de pessoas ou animais em poços, fendas e outras irregularidades existentes em quaisquer terrenos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

BB, menor, representado por CC, intentou ação declarativa de condenação contra dD, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3) pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 700.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Como sustentáculo do peticionado, alega em síntese:
- O réu tinha no seu terreno uma fossa que se encontrava destapada, sem proteção ou resguardo e que era facilmente acessível, onde, em 14.05.2013, o autor viria a cair para o seu interior, tendo sido resgatado inanimado, em situação de pré-afogamento;
- Em resultado da queda na fossa, ficou a padecer de tetraparésia espástica, encefalopatia hipóxico-isquémica grave e afogamento com paragem cárdio-respiratória, que lhe determinam uma incapacidade quase total e definitiva;
- A perda da capacidade de ganho cifra-se em € 600.000,00, é previsível que os custos com tratamentos sejam no valor de € 200.000,00 e os danos não patrimoniais nunca serão inferiores a € 400.000,00, num total de € 1.200.000,00, admitindo a sua redução equitativa para o valor de € 700.000,00 peticionado.
Citado o réu veio contestar, invocando a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, e impugnando parcialmente os factos, alegando que nenhuma responsabilidade teve no acidente, tal como foi demonstrado no inquérito Procº nº 368/13.8GBTMR.
Na fase do saneador considerou-se o réu parte legítima e procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova salientando serem “apurar em que termos ocorreu a queda do autor na fossa e as lesões sofridas, bem como o quantificar o montante indemnizatório” e ainda “apurar se o réu mantinha fossa tapada”
Tramitado o processo veio a ser realizada audiência final e subsequentemente proferida sentença, pela qual se julgou improcedente a ação e se absolveu o réu do pedido.
O autor apelou, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 18/10/2018, decidido anular a sentença e ordenar a baixa dos autos, a fim de proceder à ampliação da matéria facto.
Tramitado, de novo, o processo na 1ª instância, veio a ser proferida sentença pela qual se julgou improcedente a ação e se absolveu o réu do pedido.
*
Irresignado veio o autor interpor o presente recurso de apelação no âmbito do qual apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões que se passam a transcrever:
1ª - Está provado que o R. mantinha em terreno do seu domínio uma fossa tapada com uma placa e que nesta placa existia uma abertura pela qual o A. caiu para o seu interior.
2ª- Está provado que se tratava de um local não vedado e de livre e fácil acesso, designadamente a partir da residência do A., que à data tinha 5 anos de idade.
3ª- Está provado que a abertura existente na placa era tapada com uma chapa metálica totalmente solta, sem qualquer sistema de ligação, prisão ou amarração à placa por corrente, arame ou cadeado.
4ª- Sendo irrecusável a conclusão de que se foi o próprio A. que arrastou a chapa é porque esta não dava a devida proteção à abertura.
5ª- Concluindo-se que o R. não cumprira o disposto no artigo 42º nº 3 do DL 316/95.
6ª- Há, aliás, inclusivamente uma inversão do ónus da prova no que respeita à culpa do R. face ao disposto no artigo 493º nº1 do C. Civil, que o tribunal recorrido não considerou.
7ª- Quer a abertura já se encontrasse total ou parcialmente aberta quer tivesse sido a criança a afastar a tampa, conclui-se em qualquer caso que a abertura da fossa não estava devidamente protegida para impedir qualquer acidente, o que não pode deixar de atribuir-se a culpa de quem era responsável por tal instalação perigosa, o R.
8ª- O R. é, pois, civilmente responsável pelos danos sofridos pelo A. BB por violação do disposto no artigo 42º, nº 3, do DL nº 316/95 e tendo em conta o disposto nos artigos 483º e 486º Código Civil.
9ª- Normas estas que deveriam ter sido aplicadas na sentença e não o foram - art. 639º nº 2 al. c) do CPC.
10ª- Tendo em conta os danos efetivos sofridos pelo A. é mais do que justificado o montante do pedido formulado nesta ação.
11ª- Como tal deverá a sentença recorrida ser revogada e decretada a condenação do R. no pagamento do valor indemnizatório reclamado pelo A.

Foram apresentadas alegações por parte do réu pugnando pela manutenção do julgado.
Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).

Assim, a questão nuclear em apreciação é a seguinte:
1ª - Da (in)adequada subsunção do direito aos factos dados como provados, em que o Julgador a quo declinou a existência de responsabilidade civil extracontratual do réu perante o autor, relativamente à queda deste para o interior de uma fossa situada no logradouro da moradia daquele, não reconhecendo, ao autor, direito a indemnização pelos danos sofridos.

Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
1 - O menor BB nasceu a 23-12-2007, e é filho de EE e de FF e neto de CC (artº 1º da petição inicial)
2 - Por sentença de 27 de Novembro de 2009 proferida pelo 1º Juízo do Tribunal de Tomar foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais, ficando o menor confiado à guarda da avó paterna CC, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais. (artº 2º da petição inicial)
3 - No dia 14 de Maio de 2013, na localidade de Vale Carneiro, Tomar, o BB caiu para o interior de uma fossa onde ficou em situação de pré-afogamento. (artº 4º da petição inicial)
4 - A dita fossa está integrada num terreno indiviso, pertencente entre outros ao R., e que constitui a parcela urbana designada por Parcela 3 do prédio misto sito em Vale Carneiro inscrito na matriz sob o artigo …, da Secção P, da União de Freguesias de Casais e Alviobeira (artº 5º da petição inicial e 9º da contestação)
5 - Tal terreno é logradouro da moradia do R. sita em Vale Carneiro nº .., Casais, estando à data dos factos afeto ao uso e sob a administração do R. (artº 6º da petição inicial)
6 - Tratando-se de um local não vedado e de livre e fácil acesso, designadamente a partir da casa do R., que é contígua e que era e é à residência do menor. (artº 7º da petição inicial)
7 - Na referida data e em hora situada entre as 19.00H e as 20.30H o menor BB caiu para o interior daquela fossa, aí ficando pré-afogado durante mais de uma hora, até se ter dado pelo seu desaparecimento e de ter sido encontrado. (artº 8º da petição inicial)
8 - Acabando por ser resgatado do interior da fossa por seu pai, depois de ter sido procurado noutros locais sem ter acudido aos insistentes chamamentos feitos pelo pai, pela avó, pela tia e por outras pessoas alarmadas com o seu desaparecimento. (artº 9º da petição inicial)
9 - Após se ter detetado a existência de um cheiro nauseabundo provindo da fossa, e que a abertura desta se encontrava destapada, o pai do BB atirou-se para o interior desta onde se colocou de pé e começou a remexer com os braços no intuito de encontrar a criança. (artº 10º da petição inicial)
10 - Sendo que os dejetos lhe chegavam à altura do peito. (artº 11º da petição inicial)
11 - Passados breves instantes veio a localizar o corpo de seu filho no meio dos dejetos e já encostado ao fundo da fossa, tendo-o então puxado para cima e entregado a uma das pessoas que se encontravam no exterior. (artº 12º da petição inicial)
12 - Foram então feitas manobras de reanimação, designadamente mediante respiração boca-a-boca, tendo o Santiago sido entubado no local e transportado em ventilação com máscara e insuflador para o Hospital de Torres Novas. (artº 13º da petição inicial)
13 - Após ter sido medicado e estabilizado e de ter efetuado exames laboratoriais e radiográficos que revelaram alterações significativas, veio a ser transferido pelas 01.45H do dia seguinte para o Hospital de Santa Maria, onde ficou internado na Unidade de Pneumologia Pediátrica de 14 a 20 de Junho de 2013. (artº 14º da petição inicial)
14 - Tendo-lhe sido diagnosticado: tetraparésia espástica; encefalopatia hipóxico-isquémica; afogamento com paragem cárdio-respiratória. (artº 15º da petição inicial)
15 - A partir de 20.06.2013 passou a estar internado no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão por sequelas de encefalopatia hipóxico-isquémica grave, de que resultou quadro de neuromotor de tetraparesia espástica sem movimentos activos, com reação a estímulos auditivos e tácteis mas em olhar dirigido. (artº 16º da petição inicial)
16 - Continuando depois internado durante vários meses no Hospital de Santa Maria. (artº 17º da petição inicial)
17 - E vindo a ter alta para o domicílio apesar de se encontrar em estado de total incapacidade física e dependência da assistência de terceiros. (artº 18º da petição inicial)
18 - Com o apoio da família e até de campanhas públicas de angariação de fundos, o BB tem estado durante largos períodos submetido a um projeto de recuperação na Clínica Médica e de Recuperação Kinésio, de Espinho, experimentando ligeiros progressos. (artº 19º da petição inicial)
19 - O BB encontra-se definitivamente incapacitado para retomar uma vida com um mínimo de normalidade, para usufruir dessa vida com um mínimo de qualidade e independência bem como para poder trabalhar, angariar meios de subsistência ou meramente poder desenvolver qualquer atividade útil. (artº 21º da petição inicial)
20 - Estando numa situação de deficiência (artº 22º da petição inicial)
21 - Os custos com tratamentos, designadamente os pagamentos à clínica Kinésio, relativos a tratamento da dor, tratamento de fisioterapia, kinesiologia, terapia da fala e estimulação cerebral ascendiam já a 6.080.00€ até Novembro de 2015. (artº 29º da petição inicial)
22 - Tais tratamentos terão de continuar, bem como os custos com medicamentos e produtos congéneres e necessidade de assistência permanente de terceira pessoa. (artº 30º da petição inicial)
23 - O BB era um menino muito vivo, ativo, esperto e inteligente. (artº 32º da petição inicial)
24 - Sobre os factos em questão foi instaurado no DIAP de Tomar o Inquérito nº 363/13.8GBTMR, com decisão final de arquivamento (artº 37º da petição inicial, artº 12º da contestação e documento fls. 105-113)
25 - O R. colocava habitualmente sobre a tampa da fossa blocos de mármore e alfaias de trator (nº 4 da matéria de facto aditada)
26 - No dia 14 de Maio de 2013, sobre a dita tampa, não se encontrava colocada a alfaia. (nº 5 da matéria de facto aditada)
27 - A tampa da fossa era uma chapa em ferro, com relevo em xadrez e estava colocada sobre a fossa, em cima de outra chapa deteriorada, com um bloco de mármore por cima e tapava totalmente a abertura da fossa (nºs 1 e 6 (parte) da matéria de facto aditada);
28 - À data do acidente (14 de Maio de 2013) a abertura da fossa encontrava-se totalmente tapada com aquela chapa e sobre o qual estava colocado o bloco visível nas fotografias 8, 9 e 10 do Relatório Táctico de Inspeção Ocular elaborado pela GNR em 15.05.2013, junto a fls. 239 a 247 dos autos. (nº 7 da matéria de facto aditada)
29 - Podendo assim ter sido arrastada, total ou parcialmente, para fora da abertura pelo BB, que era uma criança de cerca de 5 anos e com boa robustez e bom desenvolvimento físico para a sua idade. (nº 3 da matéria de facto aditada)
30 - No local e antes do acidente dos autos não existia qualquer cheiro ou odor que indicasse que a fossa estava aberta. (nº 9 da matéria de facto aditada)
31 - No local e à data dos factos eram visíveis marcas frescas de arrastamento na terra que circundavam a abertura da fossa. (nº 10 da matéria de facto aditada)

Foram considerados não provados, com interesse os seguintes factos:
Da petição inicial:
23º - O R. mantinha em terreno do seu domínio uma instalação perigosa não devidamente resguardada, ou seja, a dita fossa por cuja abertura a criança caiu no seu interior.
24º - Mantinha-a pois sem condições de tapamento e de resguardo que impedissem a referida queda.
25º - Ao manter assim a abertura da fossa sem a devida proteção ou resguardo, em terreno de sua propriedade, que era livremente acessível a qualquer pessoa e nomeadamente ao menor Santiago e aos seus familiares, o R. criou objetivamente uma situação de perigo manifesto designadamente para essa criança.
Da matéria aditada:
2 - Atentas as dimensões da chapa e a densidade do ferro, que é de 7,87g/cm3, a dita chapa pesava entre 3437 gramas e 6875 gramas (entre 3,43 kg e 6,8kg aproximadamente).
6 (parte) - A chapa pesava, pelo menos, 10 kg.
8 - O conjunto formado pela chapa metálica e o bloco de cimento pesavam mais de 15 kg.
*
Conhecendo da 1ª questão
O autor intentou ação contra o réu pedindo que este seja condenado a pagar-lhe uma indemnização, no valor de € 700.000,00, pelos danos causados em consequência de queda numa fossa que o réu, no seu terreno, mantinha destapada, sem proteção e sem resguardo.
Estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, donde o dever de indemnizar só existe quando, cumulativamente se verificarem, a ilicitude do facto danoso, a culpa do autor do facto e o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
O Julgador a quo absolveu o réu salientando que “no caso dos autos, não se apurou existir qualquer responsabilidade do R. pela queda do menor na fossa, não tendo sido apurado que mantivesse no terreno a fossa aberta, acessível a terceiros, que tivesse levado a que o menor caísse lá dentro.”
O autor vem defender que o réu não cumpriu a normas relativas à proteção contra quedas em fossas, não estando a fossa devidamente protegida de modo a impedir queda, devendo, por isso, ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos por quele sofridos.
No que respeita a resguardos e coberturas de fossas para proteção de pessoas e animais contra quedas no seu interior regulava o Dec. Lei 316/95 de 28/11 (legislação aludida quer pelo recorrente, quer na sentença recorrida), que no fundo veio a ser revogado pelo Dec. Lei 310/2002 de 18/12 que no seu artigo 54º dispõe que “São revogadas as normas do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, que contrariem o disposto no presente diploma”, pelo que, embora o conteúdo normativo, aplicável ao caso seja idêntico em ambos os diplomas legais, devemos ter este último diploma em consideração (porque passou a prever a referida realidade), na redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei 204/2012 (6ª versão), atendendo à data dos factos em análise (14/05/2013).
No capítulo XI do Dec. Lei 310/2002, referente à proteção de pessoas e bens estabelece-se designadamente:
Art.º 42.º (Proteção contra quedas em resguardos, coberturas de poços, fossas, fendas e outras irregularidades no solo)
1 - É obrigatório o resguardo ou a cobertura eficaz de poços, fendas e outras irregularidades existentes em quaisquer terrenos e suscetíveis de originar quedas desastrosas a pessoas e animais.
2 - A obrigação prevista no número anterior mantém-se durante a realização de obras e reparações de poços, fendas e outras irregularidades, salvo no momento em que, em virtude daqueles trabalhos, seja feita prevenção contra quedas.
Artigo 44.º (Eficácia da cobertura ou do resguardo)
1 - Considera-se cobertura ou resguardo eficaz, para efeitos do presente diploma, qualquer placa que, obstruindo completamente a escavação, ofereça resistência a uma sobrecarga de 100 kg/m2.
2 - O resguardo deve ser constituído pelo levantamento das pa­redes do poço ou cavidade até à altura mínima de 80 cm de superfí­cie do solo ou por outra construção que, circundando a escavação, obedeça àquele requisito, contanto que, em qualquer caso, suporte uma força de 100 kg.
3 - Se o sistema de escavação exigir na cobertura ou resguardo qualquer abertura, esta será tapada com tampa ou cancela que dê a devida proteção e só permanecerá aberta pelo tempo estritamente indispensável.
Artigo 46.º (Propriedades muradas ou vedadas)
O disposto na presente secção não abrange as propriedades mura­das ou eficazmente vedadas.
Da análise destes normativos pode extrair-se, com relevância na apreciação do caso em apreço, as seguintes conclusões:
- Objeto de resguardo ou de cobertura são, nomeadamente, fossas existentes em terrenos suscetíveis de originar quedas desastrosas a pessoas ou animais, independentemente da data em que surgiram;
- O aludido resguardo ou cobertura visa evitar quedas graves de pessoas ou de animais, no interior das fossas.
- A proteção pode ser efetuada através de resguardo ou de cobertura;
- Considera a lei eficaz cobertura qualquer placa que, obstruindo completamente a escavação, ofereça resistência a uma sobrecarga de 100kg/m2;
- Os sujeitos passivos da referida obrigação de cobertura ou de resguardo são os donos dos prédios ou os seus utilizadores ou exploradores a qualquer título;
- As propriedades muradas ou eficazmente vedadas não são abrangidas pela mencionada obrigação de cobertura ou de resguardo.
Das conclusões extraídas da referida legislação podemos reconhecer que os resguardos e as coberturas se destinam a impedir “quedas desastrosas” de pessoas e animais, devendo permitir que qualquer pessoa ou animal ao pisá-las ou ao permanecer sobre elas não possa cair dentro da cavidade que protegem, impondo-se, assim, a quem tem em seu poder o imóvel onde está implantada uma fossa, o dever de a resguardar convenientemente para evitar que “quedas desastrosas” de pessoas ou animais nela ocorram, sob pena de se essas quedas ocorrerem e provocarem danos, ter de assumir o seu ressarcimento, se não provar que nenhuma culpa houve de sua parte.
Efetivamente , estamos no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, que se encontra normativamente regulada nos artºs. 483.º e segs. do Código Civil, designadamente no disposto no art.º 493.º (cujo nº 1 desta norma entendemos ser aplicável ao caso em apreço).
Nesta disposição legal estabelece-se uma presunção de Ilicitude/culpa,[1] derrogando a norma do art. 487.º, n.º 1, do CC, prevendo-se a responsabilidade civil de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas, móveis ou imóveis, animais (n.º 1), ou exerce uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (n.º 2), pelos danos que a coisa ou os animais causarem. Não excluindo a culpa, esta responsabilidade civil não representa uma responsabilidade pelo risco ou objetiva.[2]
Com efeito, resulta do disposto no artº 493º n.º 1 do CC que aquele que estiver em seu poder coisa imóvel, está obrigado a vigiá-la sob pena de poder ser responsabilizado pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte, não sendo necessário um dever específico de vigilância, sendo suficiente que a coisa possa ocasionar danos.[3]
O legislador ao admitir a presunção daquele que guarda a coisa ter culpa no facto causador do dano, entendeu ter o mesmo o dever de providenciar para que tal não se verifique, por estar em melhor posição para fazer a prova da culpa, pois estando a coisa à sua disposição deve saber se realmente foi cauteloso na sua guarda.[4]
No caso em apreço, na data da ocorrência, o réu tinha a fossa tapada com uma chapa em ferro, com relevo em xadrez[5] (colocada em cima de outra chapa deteriorada), com um bloco de mármore por cima, chapa essa que tapava totalmente a abertura da fossa,[6] evidenciando-se que a queda do autor no interior da fossa só ocorreu devido ao facto deste ter arrastado parcialmente para fora da abertura a chapa protetora.
Muito embora não de tivesse apurado a resistência da chapa que cobria a fossa,[7] temos de reconhecer que, nesse âmbito, a mesma não podia deixar de ser eficaz para proteger contra quedas no interior da fossa, atendendo a que sobre a mesma eram habitualmente colocados blocos de mármore e alfaias de trator, não havendo notícia que tivesse cedido a tal sobrecarga.
Por isso, a aludida chapa que obstruía completamente a abertura da fossa era eficaz para o fim em vista, ou seja, o de proteção de pessoas e animais contra quedas desastrosa no seu interior, ao transitarem sobre ela, pelo que temos de reconhecer que não fora a contribuição da própria vítima para o efeito (que se havia subtraído à vigilância da avó paterna à cuja guarda se encontrava judicialmente confiado), a queda (ou introdução) no interior da fossa não teria ocorrido.
Pois, embora se reconheça, como defende o recorrente, na senda do que foi consignado no Ac. do STJ de 09/0/7/2015[8] que em conformidade com o que dispõe o artº 1305º, do CC, o direito de propriedade é exercido, “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”, em que consiste o dever de abstenção do proprietário, que tem uma obrigação de conteúdo positivo de adotar as medidas adequadas para evitar o perigo criado pela sua própria atuação, ou decorrente, por outros motivos, das coisas que lhe pertencem, em que se traduz o dever de prevenção do perigo, resulta evidente que o caso em apreço não pode ser equiparado ao caso aí decidido, uma vez que tal acidente se traduziu na queda de uma pessoa (um indivíduo em atividade de caça) num poço que estivera afeto a uma exploração mineira localizado num prédio particular, mas que se encontrava sem qualquer resguardo ou aviso para o perigo de queda, e camuflado por uma manta de fetos, dificilmente detetável a olho nu.
Assim, dos factos dados como provados emerge quadro factual bastante no sentido de se poder afirmar que foi ilidida a presunção de culpa que impendia sobre o réu, pelo que o mesmo não pode ser responsabilizado pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor e que este veio exigir ao instaurar a presente ação.
Irrelevam as conclusões do apelante sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, atendendo a que o recorrente beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de preparos e custas (artº 10º n.º 1, 13º n.ºs 1 a 3, 16º n.º 1, alínea a), da lei 34/2008, de 29 de julho).

Évora, 21 de novembro de 2019
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado

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[1] - Como salienta Menezes Cordeiro in Tratado do Direito Civil Português II, Das Obrigações, Tomo III, 2010, 584, «a “presunção de culpa” é uma presunção de ilicitude, isto é: perante os danos, postula-se ter havido inobservância do dever de vigiar.»
[2] - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, 468.
[3] - RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, II, 1972, 103.
[4] - VAZ SERRA in BMJ 101º, 130 e segs.).
[5] - Esta chapa, segundo as conclusões da investigação realizada pelo Núcleo de Investigação Criminal de Tomar da GNR (doc. fls. 93 dos autos que não foi posto em causa) tinha as dimensões de 86,5X50,5cm.
[6] - A abertura da fossa segundo as conclusões da investigação realizada pelo Núcleo de Investigação Criminal de Tomar da GNR (doc. fls. 93 dos autos que não foi posto em causa) tinha as dimensões de 46X42 cm.
[7] - Os dois agentes da GNR que estiveram no local, pela perceção que tiveram das características da chapa são da opinião que a mesma suportava peso superior a 100Kg, conforme fizeram consignar no Relatório que elaboraram e que se encontra junto aos autos.
[8] - no processo 208/08.0TBPNH.C2.S1, disponível em www.dgsi,pt