Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1111/23.0T8ABF.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: ARRESTO
FUNDADO RECEIO DE LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL DO DIREITO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. No procedimento cautelar especificado de arresto exige-se como requisitos específicos: - o direito de crédito; e – o justo receio da perda de garantia patrimonial.
II. Sendo o arresto um direito conferido ao credor, cabe ao requerente demonstrar, em primeiro lugar, que é credor à data do pedido, visto o arresto se destinar a garantir créditos actuais e não futuros.
III. Só não será necessário que então o faça de um modo certo e seguro, já que a prova da existência do crédito nessas condições se pode reservar para a acção principal, sendo, porém, indispensável que, pelo menos, o demonstre em termos de probabilidade (fumus boni juris), de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 392º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que o requerente do arresto deduzirá os factos que tornem provável a existência do crédito e justifiquem o receio invocado.
IV. Para a comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, já que para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação.
V. Não tendo o requerente do procedimento de arresto logrado fazer prova dos concretos factos que objectivamente demonstrem existir fundado receio de perda da garantia patrimonial, falta este requisito de que depende a procedência do procedimento.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:

Recurso de Apelação n.º 1111/23.0T8ABF.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, empresário, com o NIF ...80, instaurou procedimento cautelar contra BB, NIF ...89, pedindo o arresto da quota social que o requerido detém na sociedade A..., Lda., e dos móveis, electrodomésticos, objectos de arte, jóias, e dinheiro, pertencentes ao requerido, que se encontrem na sua morada, bem como do veículo automóvel pertença do mesmo.

2. Para tanto, alegou, em síntese, que tem um crédito sobre o requerido, resultante da prestação de serviços que fez ao requerido e dos bens que este encomendou para a sua morada, e que há receio fundado de perda da garantia patrimonial relativa a esse crédito, pela actuação do requerido que descreve no requerimento inicial.

3. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente e à audição deste, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente o pedido de arresto.

4. Inconformado, interpôs o requerente o presente recurso, que motivou, concluindo pela revogação da decisão recorrida, com o consequente decretamento da providência, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões do recurso:
1.ª O R, não se conforma com a sentença que jugou “improcedente o pedido de arresto formulado pelo requerente” com os fundamentos de o crédito de outra “entidade” diferente do requerente; e em consequência o crédito do requerente não existe, faltando o primeiro dos pressupostos do arresto (bonus fumus iuris); e não existir igualmente o segundo dos pressupostos do mesmo (periculum in mora); ora,
2.ª “[…] convicção sumária do Tribunal quanto à vida do negócio fundando a sua que serve de fundamento à causa, ou seja, o acordo, a efectiva realização das obras e fornecimento de materiais e objectos decorativos, a falta de pagamento posterior e as tentativas goradas do requerente para instar o requerido ao pagamento, assentou nos documentos de fls. 9 verso, 11, e 12, nos testemunhos de CC e DD, e nas declarações do requerente AA.”
3.ª Com base na qual seu como provados os pontos 2 e 4 da matéria de facto com as seguintes redacções:
“2. O requerente exerce a sua actividade no seio de uma entidade designada B...”
[…]
4. O requerido encomendou à B... a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75), que aqui dou por reproduzidos”
4.ª E dando como não provados as seguintes alíneas da matéria de facto:
“a) Nos primeiros dias de Março de 2022 o requerido contratou com o requerente a realização da obra do facto 4.
b) A factura nº ...0 tem o valor de € 27.255,68. c) O valor global do negócio foi de € 33.363,43.
d) Por conta do negócio o requerido pagou ao requerente a quantia de € 850.
e) O requerente não conhece quaisquer bens pessoais ao requerido a não ser a titularidade das quotas das sociedades A... Lda e C... (Portugal) Lda.
f) A quota que o requerido tem na sociedade A... Lda é o seu único bem com algum valor para ressarcir o pagamento do crédito do requerente. O requerido não tem quaisquer outros bens, rendimentos ou saldos bancários.
g) Na mesma data em que EE se tornou gerente da sociedade A... Lda o requerido adquiriu a outra quota da sociedade a D... com o objectivo de alienar a sua quota ao primeiro, o que só não se concretizou, por falta de acordo no preço, procurando o requerente no meio comprador para a mesma.
h) O requerido não tem bens, rendimentos ou saldos bancários suficientes para garantirem o crédito do requerente.
[…]
j) A sociedade A... Lda arrendou o imóvel onde funciona o estabelecimento que explora.
k) A sociedade A... Lda não tem outros bens para além do arrendamento do referido estabelecimento.
l) É público que o requerido tem sido objecto de varias acções judiciais por dívidas”
5.ª Sustentando para a decisão sobre tal matéria, designadamente no que concerne à existência do crédito do requerente sobre o requerido que “[…] em decorrência, da matéria indiciada resulta que o requerido deve o remanescente ainda não pago do valor dessa obra realizada em sua casa a essa entidade e não ao requerente”.
6.ª Isto é, que a dívida do requerido existe mas não é ao Requerente mas à “E...” conforme o ponto 4 da matéria dada como provada: “O requerido encomendou à B... a realização de uma obra na casa “E...”[…]”
7.ª Ora, tal decisão, que foi o fundamento de direito sobre a falta do primeiro pressuposto jurídico (bonus fumus iuris) do arresto com os seguintes fundamentos:
“No caso dos autos não se indiciou a existência do crédito invocado pelo requerente a seu favor.
Com efeito, da matéria indiciada decorre que o requerido contratou o negócio fonte do crédito invocado não com o requerido mas com uma entidade terceira, a B....
E, em decorrência, da matéria indiciada resulta que o requerido deve o remanescente ainda não pago do valor dessa obra realizada em sua casa a essa entidade e não ao requerente.
Assim sendo, queda-se indemonstrado o primeiro dos pressupostos do arresto.”
E assim sendo
8.ª Em face do objecto da decisão e da fundamentação da decisão nesta parte ter como pressuposto que o fornecedor foi “E...” entidade distinta do requerente, tornou-se necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar.
E assim sendo, antes de a decisão ser proferida nos termos conjugados dos artigos 651º, n.º 1 e 423º do C. P. Civil.
9.ª Nos termos conjugados dos artigos 651º, n.º 1 e 423º do C. P. Civil a recorrente pode juntar aos autos documento que prove o infundado de tal decisão, pelo que requer a junção às presentes alegações de certidão da AT Doc. 1, cuja senha de acesso é “...”), da ficha do Requerente AA, onde consta, entre outros elementos, como pertencendo a este o NIF ...08, 1997 como data de início de actividade e como actividade “COM. RET. MOBILIÁRIO E ARTIGOS ILUMINAÇÃO, ESTAB. ESPEC.” e “a(s) actividade(s) secundária(s) de: ...92 - OUTRAS ACTIVIDADES ESPECIALIZADAS CONSTRUÇÃO DIVERSAS, N.E.”
10.ª Além de que dos doc. 3 e 4 da PI (facturas emitidas pelo credor) consta este número fiscal do requerente e não da “E...”
11.ª E no cabeçalho da PI é o requerente que figura com o referido número de contribuinte,
12.ª E do art.º 1.º da PI se alega que o requerente exerce a actividade com aquele número de contribuinte e designação comercial de “E...”,
13.ª À semelhança do que sucede com qualquer comerciante individual que tem estabelecimento aberto com outra designação conhecida no giro comercial mas não deixa de ser o dono do negócio, designadamente perante fornecedores e clientes, encomendando, pagando, vendendo, cobrando e sendo tributado.
E assim sendo,
14.ª É o Requerente o titular do crédito e não “outra entidade, pelo que o mesmo existe.
15.ª E em consequência, porque da conjugação da supra aludida certidão que ora se junta, com os documentos 3 e 4 da PI (facturas “documentos de fls. 9 verso, 11, e 12), e declarações das testemunhas CC (Min. 4:00, 4:43, 4:57 e 6:24) e DD (aos Min.2:53, 3:00 e 3:56) a redacção dos pontos 2 e 4 da matéria dada como provada deve ser diferente, passando estes a ter a seguinte redacção:
Ponto 1. “O requerente exerce a sua actividade sob a designação comercial de B...”
Ponto 2. “O requerido encomendou ao requerente a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75), que aqui dou por reproduzidos”.
16.ª E em consequência do alegado em I e II a), que se dá como reproduzido, designadamente da conjugação da certidão da AT que ora se junta, com os doc. 3 e 4 da PI (documentos de fls. 9 verso, 11, e 12), e declarações das testemunhas CC (Min. 7:57, 80:13, 9:50, 11:00 e 11:40) e DD (aos Min. 6:55, 7:00, 7:10) e Declarações do requerente (aos Min. 2:45 e 3:17) as alíneas de a) a h) e j) a l) da matéria dada como não provada deve, ao invés ser dada como provada, e por via suprimirem-se estas alíneas da matéria não provada, aditando-os como novos pontos da matéria provada com a mesma redacção que lhe foi dada.
Já no que concerne ao pressuposto do “bonus fumus iuris” como requisito do arresto, entendeu o tribunal que não se fez prova da existência deste requisito com o fundamento, conforme supra se referiu, “[…] em decorrência, da matéria indiciada resulta que o requerido deve o remanescente ainda não pago do valor dessa obra realizada em sua casa a essa entidade e não ao requerente”.
17.ª Contudo, em consequência do alegado em I, II a) e II b), que se dá como reproduzido, designadamente da conjugação da certidão da AT que ora se junta, com os doc. 3 e 4 da PI (documentos de fls. 9 verso, 11, e 12), e declarações das testemunhas CC (Min. 4:00, 4:43, 4:57 e 6:24) e DD (aos Min.2:53, 3:00 e 3:56), com a supra referida alteração da matéria dada como provada e não provada,
18.ª Fez o Requerente prova sumária de que foi ele e não outra entidade que forneceu os bens titulados nos doc. 3 e 4 da PI ao requerido pelo valor de € 33.363,43€ de que o requerido pagou € 850, e em consequência de um crédito sobre o requerido no valor remanescente.
19.ª Ficando, ao invés do que pretende a douta sentença, demonstrado o primeiro dos pressupostos do arresto.
20.ª Já no que tange à não verificação do segundo requisito do arresto (“periculum in mora”) em que o fundamento foi (sublinhado nosso): (…)
21.ª Em consequência do alegado em I e II a), que se dá como reproduzido, designadamente da conjugação dos doc. 1 e 2 da PI (certidões das firmas C... e A...), com os doc. 3 e 4 da PI (documentos de fls. 9 verso, 11, e 12),e declarações das testemunhas CC (Min. 7:57, 80:13, 9:50 e 11:40) e DD (aos Min. 6:55, 7:00, 7:10) e Declarações do Requerente (aos Min. 2:45 e 3:17) com a supra referida alteração da matéria dada como provada e não provada, bem como com a matéria dada como provada, fez o requerente prova sumária de que o Requerido apenas tem de conhecidos as quotas nas aludidas firmas, tem diversas dívida pessoais, tem o restaurante à venda, a quota na sociedade detentora do mesmo à venda, o restaurante e a casa onde vive são arrendados, não lhe são conhecidos mais bens, e que o único bem de valor para garantir a dívida é a quota no restaurante.
22.ª E assim sendo ao contrario do que pretende a douta sentença o requerente fez prova sumária de que existe o sério risco de quando tentar cobrar a dívida não existam no património do devedor bens suficientes para a sua garantia, uma vez que este está a tentar desfazer-se do único bem com valor para garantia da mesma, tem diversas dívidas pessoais, não lhe são conhecidos outros bens ou rendimentos suficientes para garantia da dívida.
23.ª E mesmo que assim se não entendesse, a enorme desproporção entre o montante elevado da dívida acendendo a mais de 32.000,00€ em relação ao valor total dos bens conhecidos do requerido que não acende a mais de 9.000,00€, é indiciador da seriedade e da grande probabilidade de falta de garantia dos bens do requerido quando o requerente lhe pretender cobrar a dívida judicialmente.
24.ª E como tal, ao contrario do que pretende a douta sentença, existe deu-se como provado o segundo requisito legal de “periculum in mora” para se decretar o arresto
25.ª E consequentemente, pelo que supra se vem dizendo, verificam-se e foram provados os factos que, ao invés da douta sentença, indiciam a probabilidade séria da existência do crédito e do risco de não pagamento pelo devedor, conforme estabelece o 362º nº 1 do Código de Processo Civil..
26.ª Pelo que deve, pois, a Douta sentença ser revogada e substituída por outra, nos termos sobreditos, que altere a matéria de facto nos termos sobreditos e decreta o arresto preventivo nos bens do requerido, nos termos do pedido
5. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da alteração da matéria de facto;
(ii) Da verificação dos requisitos de que depende o procedimento cautelar de arresto.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como sumariamente provados os seguintes factos [que já se transcrevem com as alterações efectuadas no recurso]:
1. O requerente dedica-se à actividade de design, projecto de arquitectura, decoração e remodelação de interiores.
2. O requerente exerce a sua actividade sob a denominação “B...” [Redacção anterior: O requerente exerce a sua actividade no seio de uma entidade designada B...]
3. O requerido é empresário.
4. O requerido encomendou ao requerente a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023, no valor de € 27.225,68) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75). [Redacção anterior: O requerido encomendou à B... a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75), que aqui dou por reproduzidos.]
5. A obra foi realizada e os bens foram fornecidos.
6. Por conta do negócio o requerido pagou a quantia de € 850 ao requerente da remuneração, mas não lhe pagou o mais que lhe devia, apesar das sucessivas insistências do requerente para que o fizesse. [Na redacção anterior dizia-se “à credora”]
7. O requerido furtou-se a contactos do requerente.
8. O requerido é titular de uma quota social na firma A... Lda, e de uma quota na sociedade C... (Portugal) Lda, com sede na Estrada ....do, ..., ....
9. Em Março de 2022 o requerente deixou de ser gerente da sociedade A... Lda passando a ser gerente EE.
10. A sociedade A... Lda explora um restaurante.
11. A sociedade C... (Portugal) Lda não tem actividade e não tem bens.
*
A.2. E consideraram-se como não provados:
a) Nos primeiros dias de Março de 2022 o requerido contratou com o requerente a realização da obra do facto 4. [Eliminada]
b) A factura nº ...0 tem o valor de € 27.255,68.
c) O valor global do negócio foi de € 33.363,43.
d) Por conta do negócio o requerido pagou ao requerente a quantia de € 850. [Eliminada]
e) O requerente não conhece quaisquer bens pessoais ao requerido a não ser a titularidade das quotas das sociedades A... Lda e C... (Portugal) Lda.
f) A quota que o requerido tem na sociedade A... Lda é o seu único bem com algum valor para ressarcir o pagamento do crédito do requerente. O requerido não tem quaisquer outros bens, rendimentos ou saldos bancários.
g) Na mesma data em que EE se tornou gerente da sociedade A... Lda o requerido adquiriu a outra quota da sociedade a D... com o objectivo de alienar a sua quota ao primeiro, o que só não se concretizou, por falta de acordo no preço, procurando o requerente no meio comprador para a mesma.
h) O requerido não tem bens, rendimentos ou saldos bancários suficientes para garantirem o crédito do requerente.
i) O requerido não tem qualquer trabalho do qual advenha rendimento suficiente para pagar a divida ao requerente.
j) A sociedade A... Lda arrendou o imóvel onde funciona o estabelecimento que explora.
k) A sociedade A... Lda não tem outros bens para além do arrendamento do referido estabelecimento.
l) É público que o requerido tem sido objecto de varias acções judiciais por dívidas.
*
B) – O Direito
1. O recorrente discorda da decisão recorrida, impugnando a matéria de facto e o enquadramento jurídico efectuado.
No que se reporta à matéria e facto, indica os concretos pontos dos factos provados e não provados cuja alteração pretende, o sentido da decisão pretendida e as provas que, no seu entendimento, implicam tal alteração, pelo que cumpriu com os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

2. Começa o recorrente por pedir a alteração dos pontos 2 e 4 dos factos provados [2. O requerente exerce a sua actividade no seio de uma entidade designada B...; 4. O requerido encomendou à B... a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75), que aqui dou por reproduzidos], e a eliminação das alínea a) a d) dos factos não provados [a) Nos primeiros dias de Março de 2022 o requerido contratou com o requerente a realização da obra do facto 4. b) A factura nº ...0 tem o valor de € 27.255,68. c) O valor global do negócio foi de € 33.363,43. d) Por conta do negócio o requerido pagou ao requerente a quantia de € 850.], porquanto entende que da prova produzida resulta que, ao contrário do dado como provado, o negócio em causa foi contratado com o requerente e por este facturados os serviços e os bens vendidos, como consta das facturas, tendo o requerido apenas pago o valor de € 850,00.
Na decisão recorrida entendeu-se a este respeito que:
«… das provas não decorre que o requerente, ele próprio, foi parte no negócio. Com efeito, as facturas e o recibo de fls. 9 verso, 11, e 12 mencionam todos, em vez do requerente, uma entidade designada B.... Desconhece-se a específica natureza desta entidade (e não se duvida que o requerente age no seu seio), mas o que decorre dos referidos meios de prova (emissão de facturas sob essa designação; emissão de recibo sob essa designação; existência de um número de identificação fiscal autónomo) aponta claramente no sentido de se tratar de uma sociedade, pessoa jurídica autónoma do requerente AA. Ora, sendo essa entidade quem facturou, e quem recebeu o preço, a ilação evidente é de que foi essa pessoa colectiva, e não o Requerente, quem foi parte no negócio. Na dúvida sobre esta matéria (designadamente, na dúvida sobre se B... é efectivamente uma pessoa jurídica autónoma), decidimos a matéria em apreciação de acordo com o art. 414º do CPC (factos indiciados 4 e 6; fatos não indiciados a) e d). (…) A não indiciação dos valores dos pontos b) e c) decorre do teor do documento de fls. 9 verso e, quanto ao segundo destes factos não provados, 9 verso e fls. 11»
Daqui resulta o entendimento de que a obra foi encomendada à “B...” e não ao requerente, que são pessoas diversas, e, por conseguinte, foi esta entidade que facturou os bens fornecidos e serviços prestados.
Mas não é assim.
É certo que as facturas e recibos foram emitidos, não com o nome do requerente, mas com a designação “B...”, mas, como facilmente se verifica, o NIF ...80 do emitente, que consta das facturas e do recibo, é o mesmo que o requerente indica como sendo o seu logo no requerimento inicial, e que também consta da procuração junta aos autos, pelo que só por lapso se compreende que na motivação da decisão de facto se tenha referido que são diferentes.
E, se dúvidas houvesse, as mesmas ficam esclarecidas com a certidão fiscal junta com as alegações, da qual consta que o NIF do requerente é o ...80, que coincide com o indicado nas facturas e recibos.
Assim, e estando provado que requerente se dedica à actividade de design, projecto de arquitectura decoração e remodelação de interiores, a designação “B...”, mais não é do que a denominação comercial sob a qual o requerente exerce a sua actividade, não sendo entidade distinta deste.
Acresce que a testemunha CC (contabilista do requerente), confirmou que o requerente é empresário em nome individual, resultando do seu depoimento que foi o requerente que forneceu os bens e prestou os serviços mencionados nas facturas, que foram elaboradas com a ajuda do depoente. E o mesmo resulta do depoimento da testemunha DD, que procedeu à instalação dos bens e aplicação do papel de parede na casa do requerido.
Por conseguinte, está indiciariamente demonstrado que foi ao requerente e não a entidade diversa deste que o requerido encomendou a obra referida no ponto 4 dos factos provados e que foi o requerente que emitiu as facturas e recibos juntos aos autos.
Quanto ao valor, o indicado na factura n.º ...9 é de € 6.007,75, e o constante da factura n.º ...0 é de € 27.225,68, e não o valor de € 27.255,68 indicado na alínea b) dos factos não provados), pelo que o montante global da obra ascendeu a € 33.233,43, como consta do ponto 4, e não a € 33.363,43, como se refere na alínea c) dos factos não provados, tendo o requerido efectuado apenas o pagamento de € 850,00, conforme recibo de quitação junto aos autos.
Deste modo, deve eliminar-se a alínea a) dos factos não provados, mantendo-se as alíneas b) e c), por os valores não serem os correctos, alterando-se os pontos 2 e 4 dos factos provados, que passam a constar com o seguinte teor:
«2. O requerente exerce a sua actividade sob a denominação “B...”.
4. O requerido encomendou ao requerente a realização de uma obra na casa onde reside em troca de remuneração no valor global de € 33.233,43, com fornecimento de vários bens, designadamente os discriminados nos documentos de fls. 9 verso (factura nº ...0 de 20-10-2023, no valor de € 27.225,68) e 11 (factura nº ...9, no valor de € 6.007,75).
E rectifica-se o ponto 6 dos factos provados, de modo a ali ficar a constar que o pagamento da quantia de € 850,00 foi feito ao requerente, eliminando-se a alínea d) dos factos não provados.

3. Pretende ainda o recorrente que os factos não provados constantes das alíneas e), f), h) j) k) e l) [e) O requerente não conhece quaisquer bens pessoais ao requerido a não ser a titularidade das quotas das sociedades A... Lda e C... (Portugal) Lda.; f) A quota que o requerido tem na sociedade A... Lda é o seu único bem com algum valor para ressarcir o pagamento do crédito do requerente. O requerido não tem quaisquer outros bens, rendimentos ou saldos bancários; h) O requerido não tem bens, rendimentos ou saldos bancários suficientes para garantirem o crédito do requerente; i) O requerido não tem qualquer trabalho do qual advenha rendimento suficiente para pagar a divida ao requerente; j) A sociedade A... Lda arrendou o imóvel onde funciona o estabelecimento que explora; k) A sociedade A... Lda não tem outros bens para além do arrendamento do referido estabelecimento; l) É público que o requerido tem sido objecto de varias acções judiciais por dívidas], sejam considerados como provados, invocando a prova documental, relativa à facturação dos serviços, as suas declarações e os depoimentos das testemunhas CC e DD, nas passagens das gravações que identifica.
Vejamos:
- Quanto ao facto referido em e), não é verdade que o requerente não conheça outros bens ao requerido para além das quotas nas sociedades ali indicadas, pois sabe que tem um veículo automóvel registado em seu nome, como resulta de fls. 15, cujo arresto requereu, a que atribuiu o valor de € 6.000,00.
- Assim, também não se pode concluir que a quota que o requerido tem na Sociedade A... Lda., seja o único bem com algum valor para ressarcir a dívida, como se refere na alínea f) dos factos não provados.
- Quanto aos restantes factos não provados objecto da impugnação, como se diz na sentença não foi apresentada nenhuma prova de relevo.
Concretamente, a testemunha CC, disse que o requerido tem uma empresa de construção e um restaurante na falésia e que é titular de quotas, referindo-se às sociedades “C...” e à “A...”, referindo também que a 1ª estaria “um bocado mal”, com dívidas às Finanças e a fornecedores. Disse também que “ao que vi” a C... não tem bens, não sabendo se o restaurante é alugado, mas que está a funcionar.
Por sua vez, a testemunha DD, disse que não sabe se o restaurante é ou não do requerido, mas que é ele que o explora e não sabe se ele tem outros bens, mas que trabalha no restaurante e faz obras.
Perguntado se ouviu falar se o requerido tinha a quota do restaurante à venda, respondeu “sim, ouvi falar”, dizendo que ouviu ao requerente, mas o requerente quanto questionado se sabia se o requerido estava a tentar vender a quota a alguém, respondeu “isso não sei”.
Deste modo, é manifesto que a prova indicada não impõe a alteração desta matéria de facto impugnada, que, por isso, permanece inalterada.

4. Por conseguinte, procede parcialmente a pretensão de alteração da matéria de facto, como referido em 2., improcedendo quanto ao demais.

5. No que se reporta ao enquadramento jurídico dos factos, em causa está o procedimento cautelar de arresto.
Como se dispõe no n.º 1 do artigo 619º do Código Civil, “[o] credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor, nos termos da lei de processo.”
Na lei processual civil, o procedimento cautelar especificado do arresto encontra-se expressamente regulado nos artigos 391º a 396º do Código de Processo Civil (correspondentes aos anteriores artigos 406º a 411º), que exige como requisitos específicos desta providência: - o direito de crédito; e – o justo receio da perda de garantia patrimonial (cf. artigo 391º, n.º 1).
Sendo o arresto um direito conferido ao credor, cabe ao requerente demonstrar, em primeiro lugar, que é credor à data do pedido, visto o arresto se destinar a garantir créditos actuais e não futuros (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, p. 452, e Vaz Serra, Realização Coactiva da Prestação, n.º 3, pp. 22 e segs.).
Só não será necessário que então o faça de um modo certo e seguro, já que a prova da existência do crédito nessas condições se pode reservar para a acção principal, sendo, porém, indispensável que, pelo menos, o demonstre em termos de probabilidade (fumus boni juris), de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 392º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “[o] requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justifiquem o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência”.
O justo receio da perda de garantia patrimonial, que corresponde ao periculum in mora, baseia-se em factos concretos que, objectivamente, segundo as regras da experiência comum, permitem concluir pela necessidade imediata do decretamento da providência, de modo a salvaguardar, com eficácia, o direito de crédito.
Quanto a este requisito, como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2009 (proc. n.º 390/08.7TBSRT.C1), disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt:
«Como se tem defendido, quer no plano jurisprudencial, quer no plano doutrinal, para a comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, já que para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação (cf., a propósito, entre muitos outros, Ac. do STJ de 3/3/98, in “CJ, T1 – 116” e Acs. desta Relação e secção de 18/1/2005 e 17/1/2006, respectivamente, in “Agravo nº 3153/04” e “Agravo nº 3721/05”).
No mesmo sentido discorre António Geraldes (in “Temas da Reforma de Processo Civil, vol. 4º, 2ª ed., págs. 186/187”) ao afirmar que o justo receio da perda de garantia patrimonial, está previsto no artº 406, nº 1, do CPC, e no artº 619 do Código Civil. Pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo factual que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.
Este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direito (...).
“Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
E num esforço de melhor explicitar e concretizar tal conceito, através do recurso a alguns exemplos práticos, o mesmo autor adianta o seguinte (in “ob. cit., págs. 188/189”):
“A actual ou iminente superioridade do passivo relativamente ao activo constituirá certamente um dos elementos através dos quais se pode reconhecer uma situação de perigo justificativa do arresto, embora afastado o funcionamento automático desse factor. Correspondentemente, a situação inversa, em que o activo se mantém superior ao passivo, revelará, em princípio, a solvência do devedor, embora tais indícios possam ser anulados mediante a prova de que o mesmo mantém o propósito de ocultar ou de delapidar o património.
(…)
Atenta a função meramente preventiva do arresto - isto agora escrito em nota de rodapé, nº 334, pág. 189 -, parece insuficiente basear a medida cautelar em simples recusa de cumprimento da obrigação desligada de outros factores relacionados com a perda da garantia patrimonial, já que aquela falta de modo algum pode equivaler ao pressuposto legal em causa”.
Por fim, e sempre numa tentativa de concretizar melhor a ideia daquilo em que deve traduzir-se o conceito de “justificado receio de perda da garantia patrimonial”, não resistimos ainda de citar aqui o prof. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 119/120”) quando escreve “(...) esse receio pode...tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas), ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas), mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está a tentar fazê-lo...) ou os transfira para o estrangeiro (está, por exemplo, ameaçando fazê-lo, ou já transferiu alguns...) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito”.
Deste modo, e em súmula, poder-se-á dizer que a fim de indagar sobre o preenchimento, ou não, do requisito geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, haverá que atender, designadamente, à forma da actividade do devedor, à sua situação económica e financeira, à sua maior ou menor solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio que faça dos seus bens (quer se tenha já iniciado, quer existam sérios indícios de que o pretende fazer em breve), à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito que está em causa, e, por fim, à própria relação negocial estabelecida entre as partes.»

6. No caso em apreço, em face da alteração à matéria de facto, estão demonstrados os factos que tornam provável a existência do crédito do requerente para com o requerido, pois foi feita prova dos fornecimentos dos bens e serviços, no montante global de € 33.233,43, do qual o requerido apenas pagou € 850,00, estando, pois, preenchido o 1º requisito de que depende o decretamento do procedimento de arresto.
Porém, não foi alterada a matéria de facto dada como não provada, com referência ao requisito do “periculum in mora”, a que se reportam as normas dos artigos 619º, n.º 1, do Código Civil, 391º, n.º 1, e 392º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Assim, nenhum facto se demonstrou capaz de indiciar que o requerido tem intenção de ocultar ou de se desfazer de bens de modo a que se venha a frustrar ou agravar a cobrança do crédito do requerente, pois não se provou sequer que o requerido apenas é titular dos parcos bens alegados de que teria intenção de se livrar a breve trecho.
A apreensão do credor perante a mora do devedor no pagamento, não constitui facto suficiente que permita suportar um justo receio objectivo da perda da garantia patrimonial, que não decorre de mero incumprimento contratual, pelo que, desconhecendo-se factos relevantes que permitam sustentar um juízo que fundamente uma decisão cautelar imediata, sob pena de perda da possibilidade de o requerente ver satisfeito o seu crédito, falta este requisito de que depende o decretamento da providência.
Assim, e sendo cumulativos os ditos requisitos, improcede o procedimento de arresto, mantendo-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação parcialmente diversa.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
*
Évora, 20 de Fevereiro de 2024
Francisco Xavier
Maria Adelaide Domingos
José António Moita
(documento com assinatura electrónica)