Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2383/18.7T8STR.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DILAÇÃO DO PRAZO
CRIME
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Para o exercício do direito de indemnização, resultante de responsabilidade extracontratual, o lesado pode sempre intentar a ação cível para além do prazo normal de três anos, previsto no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, desde que alegue e prove, naquela ação, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição seja superior.
II - Para que o autor possa beneficiar do efeito interruptivo da prescrição, previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, é necessário que (i) o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação, (ii) a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias e (iii) o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.
III – A expressão «causa não imputável ao requerente», usada no artigo 323º nº 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando o requerente tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, o que manifestamente não ocorreu no presente caso.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
BB Unipessoal, Lda. e CC instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra DD – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia global de € 15.990,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que no dia 18.09.2013 ocorreu um acidente de viação na Estrada 5 de Outubro, Pé de Pedreira, em Alcanede, concelho de Santarém, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …-…-TX, propriedade de EE e por si conduzido, e o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula …-…-GA, propriedade da 1ª autora e conduzido pelo 2º autor, cuja responsabilidade atribuem ao condutor do TX, e em consequência do qual resultaram danos no veículo GA e para o 2º autor, dos quais os autores se querem ver ressarcidos nos montantes que indicam.
Contestou a ré, arguindo, desde logo, a exceção da prescrição do direito à indemnização, e impugnou a dinâmica do acidente, atribuindo a culpa na sua eclosão ao 2º autor, mais impugnando o valor dos danos reclamados.
Concedido o contraditório aos autores, vieram estes responder à exceção de prescrição, concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador que declarou prescrito o direito que os autores pretendem fazer valer, absolvendo a ré do pedido.
Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A douta sentença de fls. absolveu a Ré do pedido, por prescrição, apesar de a ação ter sido interposta mais de 5 dias antes do decurso do prazo prescricional, prazo esse que é de 5 anos.
2. O acidente de viação que está na origem dos presentes autos ocorreu a 18-09-2013, a ação deu entrada em Juízo a 11-09-2018 e a Ré foi citada a 19-09-2018.
3. A prescrição tem-se por interrompida logo que decorreram 5 dias sobre a entrada da ação, ou seja, no caso concreto a 16-09-2018. (artº 323º, nº 2 CC)
4. Entende o Tribunal a quo que os AA. deveriam ter requerido a citação prévia/urgente da Ré, apesar de a ação ter entrado mais de 5 dias antes do decurso do prazo prescricional.
5. Conforme o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-02-2018 (Procº 2048/16.4T8STR.E1) «A citação prévia só deve ser requerida se a petição inicial for apresentada sem respeitar os cinco dias a que se refere o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.»
6. É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ (vide Procº 448/11.5TBSSB-A.E1.S1), «que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, ( ... )»
7. Nos termos do artº 498º-3 do C.Civil, se o facto ilícito constituir crime, para o qual a lei estabeleça prescrição com prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
8. Para beneficiar do prazo mais alongado em ação cível basta alegar e provar o circunstancialismo factual inerente a integração da conduta ilícita num qualquer tipo de crime (d. acórdão de 08-03-2018 (Procº 590/17.9T8EVR.E1) do Tribunal da Relação de Évora).
9. Não considerou o Tribunal recorrido que tal não se verificou no caso vertente, apesar de citar expressamente algumas das lesões corporais sofridas pelo 2º A.
10. Na réplica, os AA. mencionaram registos do relatório hospitalar, tais como «grande traumatismo», «politrauma», «escoriação occipital». Em vão!
11. Nem assim o Tribunal a quo considerou tratar-se de factos passíveis de preencher o tipo do crime de ofensa à integridade física por negligência.
12. Contudo, estamos perante crime punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, do que decorre que o prazo de prescrição a atender é o de 5 anos. (artº 143º e 118º, nº 1, alínea c) do C.Penal)
13. O direito dos AA. prescreveria a 18-09-2018 e a ação entrou em Juízo a 11-09-2018.
14. A douta decisão recorrida violou os artºs 323º, nºs 1 e 2, e o artº 498º, nº 3, ambos do Código Civil.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!».

Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se o prazo da prescrição a atender, nos termos do disposto no artigo 498º do CC, é o de 3 anos, como decidiu a 1.ª instância, encontrando-se, por isso, prescritos os direitos às indemnizações que os autores pretendem fazer valer, ou se é o de 5 anos como pretendem os recorrentes;
- no caso de se responder afirmativamente à questão antecedente, se foi interrompido o prazo de prescrição em conformidade com os nºs 1 e 2 do artigo 323º do CC.

III - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos e a dinâmica processual a considerar para a decisão do recurso, são os que constam do relatório que antecede, havendo ainda a considerar:
- Na petição inicial, além de outros, alegaram os réus os seguintes factos:
«8º Ao aproximar-se do local em que ocorreu o acidente, o condutor do TX, encadeado pelo sol, provocou o embate da frente do TX na traseira do GA.
9º Essa foi a causa do sinistro assumida na ocasião pelo condutor do TX, em declarações escritas perante a GNR. (vide Doc. nº 1)
10º Desconhece-se se na origem do acidente esteve efetivamente o encadeamento solar ou mera distração, imperícia do condutor do TX ou qualquer outro fator – certo é que o veículo TX foi embater frontalmente na traseira do GA.
11º E que a colisão ocorreu na hemifaixa destinada ao trânsito Murteira / Valverde, pela qual ambos circulavam.
12º A GNR verificou a existência de vestígios no pavimento que lhe permitiram identificar e representar graficamente no croquis o «local provável de embate» a 1,60m da berma direita, atento o sentido de marcha dos veículos.
13º Por força do embate, o veículo GA rodou e foi projetado para a hemifaixa contrária, tendo-se imobilizado com a frente num muro existente do lado esquerdo e a traseira sobre o eixo da via, a 2,90m da berma direita, sempre por referência ao seu sentido de marcha.
14º Por sua vez, o TX imobilizou-se sobre o eixo da via, sensivelmente 6,40m adiante do local do embate, em posição perpendicular relativamente ao traçado da via.
15º Naturalmente, o condutor do GA não logrou evitar o acidente, atenta a manobra inopinada do TX atrás de si, da qual só se apercebeu pela ocorrência do próprio embate.
34º (…), em consequência direta e necessária do acidente, o 2º A. sofreu ferimentos.
35º Assistido no local pelos Bombeiros Voluntários de Alcanede,
36º Seria transportado ao Hospital Distrital de Santarém, onde foi observado e submetido a vários exames, como atesta o relatório do episódio de urgência do próprio dia do acidente. (Doc. nº 4)
37º No serviço de urgência foi-lhe atribuída a prioridade ‘laranja’, atento o apoio do INEM em politrauma.
38º O A. tinha dores no ombro e braço esquerdos e apresentava escoriação occipital.
39º Foram-lhe feitas radiografias ao braço esquerdo (2 incidências) que atestaram a inexistência de fraturas ósseas.
40º Teve alta para o domicilio, com medicação, e foi orientado para posterior observação pelo médico de família.
41º Na sequência do acidente, e embora sem qualquer fratura, o 2º A. sofreu vários hematomas e diversas lesões, que lhe provocaram intensas dores ao nível do braço esquerdo, peito, cintura e quadris, dores que se prolongaram por várias semanas.
42º Na sequência e por força do acidente de viação em apreço, esteve 20 dias totalmente incapacitado para o trabalho».
- E na resposta à contestação relativamente à exceção de prescrição invocada pela ré, além de repetirem factos já alegados na petição inicial, acrescentaram que “[o] relatório hospitalar menciona, além do mais, «grande traumatismo», «politrauma», «escoriação occipital»”.

O DIREITO
Do alargamento do prazo prescricional
Dispõe o artigo 498º do CC que o direito de indemnização (fundada em responsabilidade extracontratual) prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, mas, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
In casu, estamos em presença de um acidente de viação, do qual, na alegação dos autores, decorreram ferimentos na pessoa do 2º autor, pelo que, em abstrato, ao condutor do veículo causador do sinistro, pode, eventualmente, ser imputado um crime de ofensas corporais.
Assim, não podemos acompanhar a decisão recorrida, a qual, com fundamento na insuficiência da matéria relativamente à prática de um ilícito criminal por parte do condutor do veículo TX, entendeu ser desnecessário relegar para final o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela ré.
Na verdade, da leitura conjugada dos artigos 8º a 10º da petição inicial, não pode retirar-se, como parece ter feito a decisão recorrida, que nenhuma culpa na eclosão do acidente pode ser assacada ao condutor do veículo TX, uma vez que os autores alegam desconhecer se a causa do sinistro foi efetivamente o encadeamento pelo sol, conforme declarações prestadas pelo referido condutor à GNR, admitindo como possível causa do acidente a mera distração ou imperícia daquele condutor, sendo certo que o veículo TX foi embater frontalmente na traseira do veículo GA conduzido pelo autor.
Por sua vez, não deixaram os autores de alegar que em consequência do embate «sofreu vários hematomas e diversas lesões, que lhe provocaram intensas dores ao nível do braço esquerdo, peito, cintura e quadris, dores que se prolongaram por várias semanas», e que «esteve 20 dias totalmente incapacitado para o trabalho», acrescentando, na resposta à contestação, que “o relatório hospitalar menciona, além do mais, «grande traumatismo», «politrauma», «escoriação occipital»”.
Ora, tal factualidade é passível de preencher o tipo do crime de ofensa à integridade física por negligência, o qual é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, sendo o prazo de prescrição a atender o de 5 anos – cfr. artigos 143º e 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal.
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 23-10-2012[1]:
«(…) a aplicação do alargamento do prazo prescricional a que se refere o n.º 3 do preceito em análise, não está dependente de, previamente, ter corrido processo crime, e muito menos da existência de condenação penal, assim como não impede a acção cível, o facto de o processo crime ter sido arquivado, ou amnistiado.
O lesado, apesar disso, pode sempre intentar a acção cível para além do prazo normal de 3 anos, desde que alegue e prove, na acção civil, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior aos 3 anos consignados no n.º 1 do preceito.
Tal alegação e prova é pressuposto essencial e necessário da improcedência da excepção de prescrição que o R. tenha suscitado, como no caso suscitou»[2].
Assim, como elucidam Pires de Lima e Antunes Varela[3], o lesado que pretender prevalecer-se do prazo mais longo terá que provar que o facto ilícito em questão, constitui, efetivamente, crime, isto é, que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência.
Ora, tendo os autores alegado factos suscetíveis de preencherem o tipo do crime de ofensa à integridade física por negligência, somente depois da produção de prova poderá o Tribunal decidir se o prazo mais longo (de 5 anos) é aplicável ou não, isto é, só a final poderá o Tribunal conhecer da procedência da exceção perentória de prescrição oposta pela ré.

Da interrupção da prescrição
A decisão recorrida respondeu negativamente à questão de saber se se interrompeu o prazo de prescrição em conformidade com os nºs 1 e 2 do artigo 323º do CC, concluindo que os autores não cumpriram o disposto no nº 2 do preceito.
Fê-lo, porém, em contradição com os fundamentos que invocou, nomeadamente a jurisprudência que citou. Senão vejamos.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (artigos 323º, nº 1, e 326º, nº 1, do CC).
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (nº 2 do artigo 323º).
Desta norma decorre que o efeito interruptivo da prescrição pressupõe a verificação de três requisitos:
(i) que o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;
(ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
(iii) que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.
Importa notar que o nº 2 do artigo 323º, não prorroga o prazo prescricional por um período de cinco dias; consagra sim um regime especial de interrupção da prescrição sempre que a mesma deva ocorrer através da citação.
Assim é que nele se estabelece um prazo - de cinco dias desde a propositura da acção -, que se ficciona legalmente como necessário para a realização da citação ou notificação: mas, para poderem beneficiar desse prazo, os autores, para além de evitarem que o retardamento da citação lhes possa ser imputável, teriam que requerer a citação (seja prévia ou não) antes de cinco dias do termo do prazo de prescricional[4].
Deste modo, «[s]e a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados cinco dias. […] Se a culpa da demora é do requerente, atende-se ao momento da citação ou notificação»[5].
Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 29.11.2016[6], em cujo sumário se pode ler:
«Nos termos do art. 323º nº 2 do C.Civil, se a citação (ou notificação) se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.
Como decorre da disposição, para que a prescrição se considere interrompida logo que decorram os ditos cinco dias, será necessário que se demonstre que a citação (ou notificação) se não faça por motivos não imputáveis aos requerentes.
É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art. 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação».
Neste mesmo aresto, a dado passo, escreveu-se:
«Deve, por outro lado, afastar-se o entendimento de que, em razão de o autor não se ter socorrido de actos ou diligências aceleratórias que, porventura, a terem sido adoptadas, poderiam permitir um curso mais célere do processo na sua fase liminar, não poder beneficiar do dito regime (consagrado no nº 2 do art. 323º), já que essas diligências constituem uma faculdade e não um dever ou ónus do autor. Neste sentido referiu-se no acórdão do STJ de 20-06-2012 que “… a resposta à questão colocada é negativa: não se perscrutando nos autos a imputação objectiva à conduta das autoras de violação de preceito processual, a simples omissão de um acto facultativo que tanto pode justificar como não a recusa do acto de citação, não pode ter o efeito obstativo da interrupção da prescrição, conforme pretende a ré e decidiu o acórdão recorrido. Não é essa a linha de interpretação do disposto no art. 323.º, n.º 2, do CC”».
Tendo o acidente de viação ocorrido em 18.09.2013, os autores instauraram a presente a ação em 11.09.2018, ou seja, sete dias antes da ocorrência da prescrição do direito.
Em 14.09.2018, a secretaria enviou carta registada com aviso de receção para citação da ré, em conformidade, aliás, com o disposto no artigo 246º do CPC, tendo a ré sido citada em 19.09.2108.
Dispõe o artigo 226º, nº 1, do CPC que “incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial”. Ou seja, estabelece este dispositivo a oficiosidade da citação, segundo a qual a secretaria deve promover, por iniciativa própria, a todas as diligências e atos necessários à realização da citação pessoal do réu.
Não se vê, pois, que no caso em apreço a falta de citação no tempo devido possa ser imputada aos recorrentes, pelo que os mesmos poderão beneficiar da interrupção da prescrição a que alude o nº 2 do dito artigo 323º.
O recurso merece, pois, provimento, impondo-se a revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, com a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Vencida no recurso, suportará a recorrida as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

Sumário:
I - Para o exercício do direito de indemnização, resultante de responsabilidade extracontratual, o lesado pode sempre intentar a ação cível para além do prazo normal de três anos, previsto no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, desde que alegue e prove, naquela ação, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição seja superior.
II - Para que o autor possa beneficiar do efeito interruptivo da prescrição, previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, é necessário que (i) o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação, (ii) a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias e (iii) o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.
III – A expressão «causa não imputável ao requerente», usada no artigo 323º nº 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando o requerente tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, o que manifestamente não ocorreu no presente caso.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir nos termos acima referidos.
Custas da apelação pela ré.
*
Évora, 27 de Junho de 2019
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] Proc. 198/06.4TBFAL.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] É esta a orientação doutrinária e jurisprudencial que julgamos unanime - cfr., por todos, o Acórdão do STJ de 02.12.2004. proc. 04B3724, in www.dgsi.pt.
[3] Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e actualizada, p. 477.
[4] Cfr. o Acórdão desta Relação de 08.03.2018, proc. 1187/17.7T8PTM.E1, in www.dgsi.pt.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, p. 289.
[6] Proc. 448/11.5TBSSB-A.E1.S1, in www.dgsi.pt.