Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2185/16.5T8STR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ASSÉDIO
LOCAL DE TRABALHO
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O assédio moral caracteriza-se pela ocorrência de comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios, pela reiteração de tais comportamentos e pelas consequências na saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego.

2. Sendo mais usual é a prática de assédio pelo empregador ou pelo superior hierárquico, este também pode ser originado por colegas com a mesma posição hierárquica ou, mais raramente, por um subordinado.
3. Nas situações de assédio praticado por colegas de trabalho, em que o empregador desconhece o comportamento vexatório ou humilhante, o trabalhador deve optar pela via da reclamação ou denúncia junto do empregador ou do superior hierárquico com responsabilidade disciplinar sobre o assediante.
4. Apenas em caso de passividade ou omissão do empregador, é que este poderá ser responsabilizado pelo assédio, por omissão das medidas adequadas a evitar a reiteração do comportamento assediante.
5. O art. 29.º do Código do Trabalho não prescinde do requisito de imputação do facto ao agente, por acção ou por omissão, nos termos gerais de direito.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, A... demandou B... com fundamento em assédio moral, pedindo a sua condenação nas quantias de € 8.587,02 e de € 77.140,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, acrescida de juros de mora.
A acção foi contestada por impugnação e, a requerimento da Ré, foi determinada a intervenção acessória provocada como auxiliares da defesa dos trabalhadores C... e D..., que também contestaram a acção.
Foi admitida a ampliação do pedido requerida pela A., pedindo ainda a condenação da Ré na quantia de € 247.091,44 a título de danos não patrimoniais, com fundamento na circunstância da doença referenciada na petição inicial ter provocado a sua reforma por invalidez, a partir de Dezembro de 2017.
Esta ampliação foi igualmente objecto de impugnação pela Ré.
Realizado julgamento, foi proferida sentença totalmente absolutória.

A A. interpôs recurso desta sentença e concluiu:
1 - Não se conformando a A. A..., ora Apelante, com a douta Sentença do Tribunal a quo, que julgou a presente acção improcedente absolvendo a B... do pedido, vem da mesma recorrer, imputando à decisão erro na interpretação das normas jurídicas aplicadas, erro esse que afecta inevitavelmente o resultado factual atingido.
2 - O Recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo versa assim sobre matéria de direito, mas também sobre matéria de facto.
3 - Com efeito, conforme se deixará demonstrado, o Tribunal a quo esteve mal quando concluiu “que não resultam da matéria de facto elementos que permitam afirmar a existência de uma situação de assédio, relevante nos termos do artigo 29.º do Código do Trabalho.”, (cfr. 4.º parág., a fls 16 da Sentença).
4 - O artigo 29.º do CT dispõe sobre assédio moral ou mobbing, na linha do preceituado sobre o direito do trabalhador à respectiva integridade física e moral no artigo 15.º do mesmo diploma e nos artigos 25.º, n.º 1, da CRP e 70.º, n.º 1, do CC.
5 - Na fundamentação jurídica da Sentença de que se recorre é manifesta a insegurança do Tribunal a quo na interpretação do artigo 29.º, do CT, ora alargando ora restringindo o âmbito de aplicação da norma.
6 - A errância interpretativa do Tribunal a quo acabou por desembocar, ao arrepio da Directiva europeia 76/207/CEE, que reconhecendo o conceito de assédio, pretendeu assim combater a discriminação existente no local de trabalho e assegurar o cumprimento do princípio da igualdade, na apologia pela opção da interpretação restritiva do artigo 29.º do CT, porque – justifica – “(…) numa interpretação literal parece caber nele, praticamente, todas as situações de conflito entre empregadores e empregados”.
7 - Sendo que da leitura da Sentença resulta a real dificuldade manifestada pelo Tribunal a quo de balizar o conceito jurídico do chamado mobbing, impõem-se salientar a sábia passagem do Ac. do STJ de Dezembro de 20143: “Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal [artigo 29.º do CT], também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, do CC.” (sublinhado nosso).
8 - Pelo que há que concluir do supra exposto, sempre salvo melhor opinião, que a Sentença de que se recorre padece de erro de interpretação e de julgamento, desde logo porque o raciocínio que desenvolve ao longo da sua fundamentação jurídica se afasta da solução preconizada pelo legislador.
9 - Com a decisão proferida in casu, o Tribunal a quo violou o artigo 20.º do CT, os artigos 9.º, n.ºs 2 e 3 e 70.º, nº 1, ambos do CC e ainda o artigo 15.º do CT e 25.º, nº 1, da CRP.
10 - Considera a Apelante que o artigo 29.º do CT, na sua redacção actual conferida pela Lei n.º 73/2017 de 16/08, que entrou em vigor em 01/10/2017, deveria ter sido antes interpretado e consequentemente aplicado pelo Tribunal a quo, quanto ao seu elemento subjectivo, no sentido de que a intencionalidade não se estende necessariamente ao efeito da conduta assediante.
11 - “É, pois, suficiente que fique demonstrada a intenção quanto à perturbação ou constrangimento da pessoa, à afectação da sua dignidade ou à criação de certo tipo de ambiente. E, feita essa demonstração, o legislador prescinde da alegação e prova de que o agressor logrou o intento de perturbar ou constranger a vítima”, refere o estudo do CEJ supra referido, defendo mesmo que “caso não alegada e/ou provada a intenção subjacente à conduta, o legislador basta-se com a demonstração das respectivas consequências”.
12 - Sendo a prova dos actos de assédio moral, nomeadamente no mobbing vertical extremamente difícil, resulta, no entanto, da leitura da Sentença impugnada, que o Tribunal a quo não revelou a menor sensibilidade na análise que fez da prova testemunhal, escamoteando a dificuldade que nestes casos as testemunhas encontram em libertar-se do ascendente que a entidade patronal exerce sobre as mesmas.
13 - Ainda assim, da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo (cfr. ponto 1. a 3., a fls. 4 da Sentença) e apesar de a A./Apelante ter sido transferida para a loja da Benedita para supostamente receber formação (cfr. ponto 23., a fls. 5 da Sentença), deveria o Tribunal a quo ter extraído dos factos provados que durante os 15 anos em que a A./Apelante trabalhou para a R. B... e até ser transferida para a loja da Benedita, desenvolveu o seu trabalho sem problemas, pois caso contrário não teria progredido profissionalmente, atingindo a categoria profissional de Chefe de Secção.
14 - Retira-se ainda da matéria de facto provada (cfr. ponto 46., a fls. 7 da Sentença), que até começarem os “problemas vividos no trabalho” a A./Apelante não sofria de qualquer problema de saúde do foro psicológico ou psiquiátrico.
15 - Para saber se a A./Apelante foi vítima de mobbing ou assédio moral durante o período em que trabalhou na loja da Benedita da R. B..., por parte dos Intervenientes D... e C..., importa identificar o tipo de relações laborais e a sua hierarquia existente, e que resulta dos factos dados como provados, nos pontos 3. a 5. e 7. a 10., (cfr. a fls. 4 da Sentença).
16 - Destes factos provados resulta que a A./Apelante foi transferida para a loja da Benedita para exercer funções como Chefe de Secção e receber formação do seu superior hierárquico, o Interveniente D..., que enquanto Chefe de Loja, era o responsável pela gestão dos recursos humanos.
17 - Salvo melhor opinião, consideramos que o Tribunal a quo não teve em conta este enquadramento das relações laborais existentes entre as chefias da loja da R. da Benedita na apreciação que fez da matéria provada, e que seria fundamental para apurar se os Intervenientes D... e C... praticaram no local de trabalho actos no sentido de prejudicar o trabalho e a vida da A./Apelante.
18 - De acordo com a leitura atenta dos factos provados, nomeadamente nos pontos 22. e 24. (cfr. a fls. 5 da Sentença), nos pontos 41., 46. e 47. (cfr. a fls. 7 da Sentença) e nos pontos 63., 68. e 69. (cfr. a fls. 9 e 10 da Sentença), analisados à luz do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CT, impõem-se concluir que a A./Apelante foi vítima de assédio no trabalho por parte do seu superior hierárquico em conluio com a trabalhadora C..., contrariamente ao que o Tribunal a quo decidiu. Porquanto:
19 - A Interveniente C..., não considerava a A./Apelante sua superior hierárquica, considerou o Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto sobre o facto identificado como ponto 24..
20 - Pelo que C..., não se revia na estrutura hierárquica existente na loja da Benedita, porquanto “não acatava certas indicações dadas pela autora na qualidade de Adjunta de Chefe de Loja” e o Chefe de Loja, o Interveniente D..., enquanto responsável máximo da loja da Benedita e tendo em conta que mantinha uma relação pessoal estreita com a Interveniente C..., deveria conhecer a forma como esta tratava a A./Apelante.
21 - Resulta assim da matéria dada como provada, que o Interveniente D... não só sabia, como promoveu em conluio com a Interveniente C... comportamentos hostis relativamente à A./Apelante, pois o aumento dos níveis de produtividade da loja eram um objectivo a atingir, que não podia ser travado pela A./Apelante.
22 - De tal forma que D... e C..., não procediam ao registo do tempo de trabalho, abstendo-se em conjunto de “picar o ponto”, levando a que lhes fosse desencadeado um processo disciplinar por esta prática proibida pelas normas da R., (cfr. Factos provados, pontos 14. a 20. e 41. e 42., a fls. 5 da Sentença).
23 - Os dois Intervenientes prejudicavam assim a A./Apelante, na medida em que trabalhando “«picando sempre o ponto» como as normas da empresa o exigiam” (cfr. Factos provados, ponto 17., a fls. 5 da Sentença), esta cumpria o seu horário, não conseguindo atingir os níveis de produtividade dos seus dois colegas, o que afectando a produtividade geral da loja, impunha necessariamente uma grande pressão no trabalho desta.
24 - Esteve mal o Tribunal a quo quando não retirou destes factos provados (pontos 14. a 20. e 41. e 42., a fls. 5 da Sentença) as devidas consequências quanto à saúde da A./Apelante, tento mais que esta prática proibida pelas normas da R. era desenvolvida pelo próprio Chefe de Loja, sabendo este que a A./Apelante, sendo Chefe de Secção, não o apoiava nem tinha a mesma conduta.
25 - O Tribunal a quo considerou provado, (cfr. pontos 13., a fls. 5 da Sentença), que “A ré qualifica o desempenho dos seus trabalhadores, nomeadamente, atendendo à produtividade/objectivos atingidos”.
26 - Pelo que importa concluir que este objectivo de produtividade é uma meta da R. B..., pois só assim se compreende que, apesar dos processos disciplinares movidos pela empresa contra os dois ora Intervenientes por não registarem o tempo de trabalho, ainda tenham sido ambos promovidos.
27 - Do supra exposto resulta que os elevados níveis de produtividade que a empresa impõe às lojas levou o Chefe de loja da Benedita, o Interveniente D..., em conluio com a Interveniente C..., a imprimir um ritmo de trabalho que impediu a A./Apelante de desenvolver o seu trabalho como devia e podia, prejudicando seriamente o seu desempenho profissional.
28 - Todos estes comportamentos perpetrados pelos ora Intervenientes, funcionários da R., fizeram com que a A./Apelante se sentisse “pressionada e limitada no desempenho das suas funções, humilhada, discriminada, perseguida, envergonhada e sem auto-estima”, cfr. Factos provados, a ponto 47., a fls 7 da Sentença.
29 - Salvo melhor opinião, consideramos que na situação sub judice faltou ao Tribunal a quo a visão global, necessária quando o tema é o mobbing, que teria possibilitado qualificar o modus operandi dos Intervenientes D... e C... como causador de sentimentos de humilhação e discriminação por parte da A./Apelante.
30 - Acresce referir que a matéria assente, resultante dos relatórios elaborados pelo médico psiquiatra Dr...., é clara quanto às consequências dos actos de mobbing perpetrados pelos Intervenientes para a saúde psicológica e psiquiátrica da A./Apelante.
31 - “Resulta ainda do mesmo relatório, a existência de “um forte nexo de causalidade entre o quadro clínico com esta evolução e a circunstância de ter sido vítima de assédio moral no local de trabalho ao longo dos últimos anos”, cfr. Factos provados, ponto 63., a fls. 9 da Sentença.
32 - De tudo o exposto, resulta que o Tribunal a quo deveria ter decidido que o comportamento dos Intervenientes se insere na prática de actos discriminatórios e de assédio moral proibidos pelos artigos 25.º e 29.º do CT, tendo a A./Apelante enquanto vítima de mobbing direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
33 - Sendo que a R. é responsável pelos comportamentos de mobbing praticados pelos Intervenientes D... e C..., nos termos do disposto no artigo 800.º, n.º 1 do CC, na medida em que a entidade empregadora é responsável pelos actos de pessoa que utiliza para cumprimento dos deveres acessórios ou secundários ofendidos por meio de conduta assediante.
34 - Resulta assim que no caso sub judice, e salvo o devido respeito, impõem-se com este Recurso, julgar a acção procedente e, consequentemente, condenar a R. no pedido efectuado pela A./Apelante.

Respondendo, a Ré pugnou pela manutenção do decidido.
Produziu o Ministério Público parecer no sentido do provimento do recurso, o qual foi respondido pela Ré.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da rejeição da impugnação da matéria de facto:
Apesar da A. afirmar na 2.ª conclusão que o recurso versa sobre matéria de direito e de facto, o certo é que não efectua qualquer das especificações a que se refere o art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil: não indica qualquer ponto de facto incorrectamente julgado, não menciona qualquer meio probatório que impusesse decisão diversa sobre a matéria de facto, e não indica a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre algum ponto da matéria de facto.
Se bem se interpreta as alegações da A., o que esta impugna não é a matéria de facto tal qual esta foi decidida pela primeira instância, mas antes o modo como o Direito foi interpretado e aplicado aos factos, o que não é mais que a discussão do aspecto jurídico da causa.
De todo o modo, importa notar que a falta das especificações supra mencionadas implica a rejeição da impugnação da matéria de facto, não havendo neste campo lugar a qualquer convite para aperfeiçoamento das conclusões Neste sentido vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 2016, pág. 208, em comentário ao art. 652.º n.º 1 al. a), segunda parte, do Código de Processo Civil., sob pena de se conferir ao recorrente a oportunidade de alterar o objecto do recurso, tal qual este o definiu nas suas alegações e após o esgotamento do prazo de que dispunha para as oferecer, em violação ao princípio da preclusão.
Ainda recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:
«I – Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.
II – Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.
III – Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.» Acórdão de 27.09.2018 (Proc. 2611/12.2TBSTS.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
Observando-se, ainda, que não se vislumbra que as conclusões da Recorrente padeçam de algum dos vícios a que se refere o art. 639.º n.º 3 do Código de Processo Civil, procedendo esta a uma clara delimitação do objecto do seu recurso, decide-se rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto – art. 640.º n.º 1, intróito, do mesmo diploma.

Passa-se, pois, à exposição dos factos, tal como fixados na primeira instância, e à interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes.

A matéria de facto provada foi assim estabelecida na sentença recorrida:
1. A A. foi admitida ao serviço da Ré, no dia 24 de Outubro de 1998, para trabalhar como operadora de supermercado na loja Lidl de Rio Maior.
2. A A. permaneceu na loja de Rio Maior até ao dia 15 de Dezembro de 2013, onde chegou à categoria profissional de adjunta de chefe de loja.
3. Em 16 de Dezembro de 2013, a A. foi transferida para a loja da Ré da Benedita, onde exercia as funções de Chefe de Secção.
4. O interveniente D... era chefe da loja da Ré da Benedita à data referida em 3, desempenhando as funções de gestão de pessoal, gestão e delegação de tarefas, encomendas, caixa e reposição.
5. O Chefe de Secção tinha como funções e responsabilidades as mesmas do chefe de loja, à excepção da gestão de recursos humanos, sendo no entanto responsável pelos trabalhadores sob sua direcção no período em que estava em funções.
6. A A. tinha isenção de horário.
7. A interveniente C... era 5.ª chefia, que desempenhava as funções de Chefe de Secção nas férias e faltas destes.
8. D... era o superior hierárquico da A..
9. A A., na qualidade de adjunta de chefe de loja era hierarquicamente superior à interveniente C....
10. A loja da Benedita, à data, tinha a seguinte organização: um chefe de loja, um chefe de secção e uma 5ª chefia.
11. A abertura da loja era feita por um chefe e o encerramento feito por outro, sobrepondo-se uma a duas horas na mudança de chefias para inteirar o colega das tarefas a terminar e dar conta do andamento do funcionamento da loja.
12. Nas mudanças de turno, o chefe seguinte tinha de cumprir as tarefas que não foram concluídas pelo anterior e as suas e assim sucessivamente.
13. A Ré qualifica o desempenho dos seus trabalhadores, nomeadamente, atendendo à produtividade/objectivos atingidos.
14. D... e C... desenvolviam uma prática que consiste em trabalhar sem “picar o ponto”.
15. Com o procedimento referido em 14 Carlos D... e C pretendiam aumentar os níveis de produtividade da loja.
16. D... e C..., trabalhando em conjunto e sem “picar o ponto”, conseguiam atingir níveis mais elevados de produtividade.
17. A A. trabalhava “picando sempre o ponto” como as normas da empresa o exigiam.
18. A Ré apura a produtividade das Lojas, mediante a divisão do volume de vendas da loja pelo número de horas trabalhadas.
19. A prática referida em 14 era proibida pelas normas da Ré.
20. Estava vedada pela Ré a prestação de qualquer tarefa, por qualquer trabalhador que fosse, incluindo aqueles que têm isenção de horário de trabalho, antes de registar a entrada ou depois de registar a saída na folha de ponto.
21. O cumprimento ou incumprimento dos objectivos de produtividade das Lojas não se repercute na retribuição auferida pelos seus colaboradores.
22. D..., enquanto Chefe de Loja, delegava tarefas de maior responsabilidade na C..., por entender que o desempenho e qualidade do seu trabalho eram superiores.
23. D... tinha também a função de formar a A..
24. C... não acatava certas indicações dadas pela A. na qualidade de Adjunta de Chefe de Loja.
25. Em data não concretamente apurada, o director regional da Ré para aquela área geográfica, E..., visitou a loja da Ré na Benedita e constatou que a loja não se apresentava organizada, nomeadamente, na secção da fruta, sendo a A. responsável pela apresentação da loja.
26. O que era prejudicial para a avaliação do seu desempenho da A..
27. Segundo as normas da Ré, os funcionários que pretendam adquirir algum produto da loja devem colocá-lo em cima da mesa onde tomam as refeições com o respectivo comprovativo do pagamento.
28. Era hábito da equipa da loja existir sempre algo em cima da mesa da sala de pessoal para que todos comessem.
29. Em data não concretamente apurada D..., C..., A...e F... estavam no gozo de pausa de almoço e C... adquiriu uma sobremesa nova na loja da Ré para os quatro provarem.
30. Nessa mesma altura, como se estava a chegar ao final do tempo de pausa, a A. disse que tinha que ir buscar amaciador de uma marca especifica ao “Intermarche” que fica em frente à loja da Benedita, pois acabava a promoção nesse dia, mas que já vinha e que de seguida comia sua parte, nem que fosse no lanche da tarde.
31. Os três colaboradores que ficaram comeram a parte deles e C... colocou a parte da A. dentro do saco térmico que a A. trazia com o almoço, por se tratar de produto fresco.
32. Cerca das 23:00h quando estava de saída é que a A. se apercebeu do referido em 31.
33. A hora de chegada de camiões com produto para descarregar para a loja não é estabelecida pelas chefias.
34. A chefia em funções tem que estar presente na descarga do camião e para conferir a mercadoria quando este chega.
35. A A. e C... não tinham bom relacionamento.
36. No dia 17 de agosto de 2014, a A. teve um ataque de pânico na loja, antes de iniciar o seu serviço, acabando por ser transportada pelos Bombeiros da Benedita para o serviço de urgência do Hospital das Caldas da Rainha.
37. Nesse dia a A. não chegou a registar a sua entrada ao serviço. 38. No dia 17 de agosto de 2014 D... e C... estavam de folga.
39. Cerca de um mês depois, a A. reuniu com o Director Regional da Ré, E....
40. Essa reunião de E... com a A. realizou-se em virtude de tal lhe ter sido determinado pelo Director Geral da Ré.
41. Nessa reunião foi transmitido pela A. existirem irregularidades com picagens dos colaboradores C...e D...; existir uma atitude autoritária da colaboradora C..., como 5.ª chefia, com o apoio do Chefe de Loja; existir uma suposta relação amorosa entre C... e D..., e o caso do pudim colocado pela C... no saco da A. para a incriminar de prática de furto.
42. Na sequência do referido em 41, após reunião individual com D..., C... e com a Chefe de Vendas G..., a Ré instaurou procedimentos disciplinares a C... e D... por incumprimento dos princípios de registo de trabalho, culminando com a aplicação a ambos de sanções disciplinares de repreensão registada.
43. Ficou definido pelo Director da Regional junto da A. que, quando esta regressasse da baixa médica iriam conversar, avaliar a situação em conjunto e, possivelmente, a A. poderia não regressar à loja de Benedita mas a outra, caso não se sentisse em condições para aí trabalhar.
44. O Director da Regional visita a mesma loja geralmente de dois em dois meses, a fim de tentar perceber os problemas das lojas sob sua direcção e procurar criar condições para que os problemas verificados não se voltem a repetir no quotidiano, tendo sempre em conta a perspectiva do cliente diário.
45. A A. é casada e mãe de duas crianças.
46. A A. passou a estar afectada, além de outros, pelos problemas vividos no trabalho.
47. A A. sente-se pressionada e limitada no desempenho das suas funções, humilhada, discriminada, perseguida, envergonhada e sem auto-estima.
48. A A. esteve em situação de baixa médica desde agosto de 2014, até 12 Outubro de 2017.
49. A A. padece de “quadro depressivo major severo, distúrbio de ansiedade generalizado severo, insónia, dificuldade em lidar com o stress”, associado a crises de pânico.
50. Meio ano após iniciar a baixa médica e o respectivo tratamento, o quadro clínico da A. continuava a manifestar um estado depressivo grave, resultante de “problemas da esfera laboral, os quais constituem factores impeditivos da ocorrência de melhoria clínica, ou pelo menos fortes contributos, havendo como que um «pânico» de retoma de funções”.
51. Em 20 de Novembro de 2014, sujeita a avaliação psicológica diagnosticou na A. sintomatologia marcada por “humor deprimido, apatia, perda de energia, fadiga e consequente desinteresse e desmotivação generalizada, insónias intermédias, melancolia, pessimismo, dificuldade na gestão de tarefas diárias, capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, dificuldade em lidar com a frustração e situações de stress, sendo que os mesmos levam a uma exacerbação dos níveis de ansiedade, sem capacidade de controlo sobre o seu comportamento, que aquando confrontada com situações de stress, dão início a sintomas físicos iniciando-se numa afectação da sua parte vocal (gaguejando) e, em casos extremos, culminam em ataques de pânico”.
52. A A. apresentou o quadro clínico descrito no artigo anterior, mesmo após o Médico Psiquiatra ter reforçado a medicação inicial
53. Apesar do reforço da medicação, mantinham-se “níveis de ansiedade extremamente elevados, tartamudez ansiosogenica, crises de ansiedade e uma crise de pânico após se ter deslocado ao local de trabalho a fim de fazer compras”.
54. A A., a partir de data não concretamente apurada, deixou de frequentar todo o tipo de grandes superfícies.
55. Em Fevereiro de 2015 a Psicóloga H... elaborou relatório onde dava conta que “a paciente ainda se encontra impossibilitada de desempenhar as suas funções laborais, uma vez que interferem directamente no seu bem-estar e nas suas capacidades físicas e cognitivas, tendo em conta que o quadro clínico de ataques de pânico têm tido maior incidência na frequência de Hipermercados, atendendo ao aumento de stress associado a este contexto, tendo em conta que este foi o local desencadeador da sintomatologia”.
56. A A. teve aumento de peso.
57. Na tentativa de encontrar ajuda para o agravamento do seu estado de saúde, em meados de 2015, a A. procurou outro Médico Psiquiatra, Dr...., tendo este elaborado relatório onde fez constar que “A doente foi vítima de assédio moral no local de trabalho, sendo portadora de um quadro psiquiátrico (Perturbação de adaptação com Humor Depressivo ou Perturbação de stress pós-traumático) severo, de evolução arrastada.”.
58. Este médico psiquiatra, que acompanha a A. até aos dias de hoje, concluiu neste seu primeiro relatório pela existência de prognóstico muito reservado, “confirmando-se que várias e importantes capacidades pessoais e laborais da doente se encontram severamente bloqueadas”.
59. Após lhe ter sido diagnosticada a doença deixou de ser capaz de garantir a gestão da vida familiar quotidiana, quer quanto à manutenção e organização da casa e actividades domésticas, quer quanto ao acompanhamento dos dois filhos, nomeadamente dos seus percursos escolares, dependendo diariamente da ajuda de terceiros, nomeadamente, do marido, da mãe e da sogra.
60. Entre finais de 2014 e durante parte do ano de 2015, a A. chegou a estar vários meses seguidos na cama, aí permanecendo dia e noite.
61. Durante esse período, a A. passou a refugiar-se em casa, não saindo para nada.
62. O relatório do Médico Psiquiatra, Dr.... de 17 de Setembro de 2015 referia que a A. “retomando particularmente as manifestações depressivas toda a sua severidade com o cortejo de ideias, convicções de morte e suicídio”.
63. Resulta ainda do mesmo relatório, a existência de “um forte nexo de causalidade entre o quadro clínico com esta evolução e a circunstância de ter sido vítima de assédio moral no local de trabalho ao longo dos últimos anos, sendo a violência psicológica e moral determinada pelo facto de ter deixado de pactuar pelo silêncio em irregularidades de que tinha conhecimento e se ter recusado a participar activamente em algumas”.
64. No mesmo relatório, o médico referia que “Não se registam ainda quaisquer melhoras quanto a: - recuperação do interesse e prazer relativamente a qualquer actividade; - sensação de fadiga e perda de energia; capacidade de pensar, de se concentrar e de decidir”.
65. Em Março de 2016, a sua situação clínica caracteriza-se ainda por “dificuldade no controlo da impulsividade, ansiedade generalizada, bem como outras sintomatologias que interferem no seu bem-estar psíquico, sendo estas de ordem cognitiva, nomeadamente, dificuldade de rememoração, quer ao nível do comportamento, quer ao nível do discurso, no estabelecimento de ideias e desencadeamento de pensamentos”.
66. Foi necessário o reforço da medicação da A. em virtude da decisão de proceder judicialmente contra a Ré.
67. Pode ler-se no relatório referido em 62 que o “O facto de ter avançado com as iniciativas judiciais desencadeou na doente uma tempestade emocional em que o medo assume tais proporções que, frequentemente, chega a atingir proporções paranóides”.
68. A A. continua incapaz de desempenhar uma actividade profissional.
69. Durante um período de tempo não concretamente apurado a A. não conseguia entrar num supermercado.
70. Na sequência de acompanhamento da sua doença, a A. gastou em consultas de psiquiatria a quantia de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros).
71. A A. gastou ainda em consultas de psicologia clínica o montante de € 1.300,00 (mil e trezentos euros).
72. A A. efectuou também gastos com médico de família, de medicina interna e idas ao hospital, em consequência dos problemas psiquiátricos de que sofre, que totalizam o valor de € 224,40 (duzentos e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos).
73. A A. despendeu em medicação o montante de € 229,81 (duzentos e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos).
74. A A. auferia em média um salário líquido de € 1.250,00.
75. Durante o período em que esteve de baixa médica recebeu em média aproximadamente o valor de € 1.060,00.
76. A A. foi reformada por invalidez em 13 de Outubro de 2017, em consequência do seu estado de saúde e diagnóstico clínico de depressão severa.
77. A A. aufere de pensão de invalidez a quantia mensal de € 650,76.

Importa ainda, para melhor esclarecimento, expor os factos não provados:
a) A A. tenha começado a laborar na loja da Ré sita na Benedita em meados de Outubro de 2013;
b) D... poucas vezes dirigia a palavra à A.;
c) D... abstinha-se de comunicar à A. as iniciativas e decisões relativas ao funcionamento do supermercado;
d) A A. constatava que o seu trabalho era sistematicamente prejudicado;
e) A A., que entrava às 11:00h devendo sair para o almoço às 14:00h, só conseguia fazê-lo por volta das 16:00h porque o gerente e a funcionária C... para aumentarem a sua produtividade descarregavam sempre o camião que chegava às 14:00h à loja com produtos, impedindo que a A. fosse almoçar uma vez que tinha que ficar a assegurar o funcionamento da loja;
f) Na véspera do 25 de Abril de 2014, a A. alertou para a necessidade de reforçar o número de funcionários da loja no feriado, dado ser expectável um afluxo maior de clientes, o que não foi atendido por D...;
g) A visita de E... referida em 25 tenha ocorrido no feriado de 25 de Abril de 2014, cerca das 12:00h;
h) No dia 25 de Abril de 2014, a A. tenha estado toda a manhã a exercer funções na caixa do supermercado;
i) A A. ficou perturbada ao verificar que o director regional tinha constatado a existência de vários problemas durante a visita;
j) Nas circunstâncias referidas em 31 dos factos provados C... colocou o talão de compra junto com a parte da A. dentro do saco térmico;
k) C... agiu como descrito em 31 dos factos provados em conluio com D... com o intuito de acusar a A. de furto;
l) A A. era a única que se atrevia a questionar o modus operandi do gerente D...;
m) O ataque de pânico referido no ponto 36 dos factos provados tenha sido desencadeado na sequência de actos intimidatórios e hostis de D... e C...;
n) No dia 17 de Agosto de 2014 D...e C... estavam na loja;
o) D... e C... tenham agido com a finalidade de provocar a saída da A. da empresa;
p) A doença da A. seja consequência dos comportamentos praticados pela Ré, durante mais de dez meses;
q) A A. nunca mais pôde entrar num qualquer supermercado para fazer as mais elementares compras;
r) Ainda hoje quando a A. tenta entrar num supermercado começa a ficar com vómitos, falta de ar e ataques de ansiedade, pelo que não pode de todo fazê-lo;
s) O estado de saúde da A. associado à forte medicação contribuiu para o aumento de peso;
t) A A. passou de 75 kg para 113 kg;
u) Um dos filhos da A., devido à doença da mãe, necessitou de acompanhamento por parte da equipa de psicologia da escola que frequenta;
v) A A. deixou de tomar a medicação, tendo-se agravado o seu estado de saúde, ao ponto de ter tentado o suicídio;
w) O cumprimento ou não cumprimento dos objectivos de produtividade das Lojas não se repercute na avaliação de desempenho;
x) D... tentou motivar a A. mas sem quaisquer resultados;
y) A A., quando chegou à loja da Benedita, vinha muito reticente quanto ao seu futuro na empresa e, devido a isso já andava a ser medicada há algum tempo com antidepressivos, pois, tinha frequentemente crises de ansiedade;
z) À data a A. já se encontrava a ser acompanhada por psicólogos;
aa) A A. tinha dificuldades em realizar as encomendas por ter dificuldades em ver os números dos códigos de barra que era necessário digitar;
bb) A A. foi sempre ajudada quer por D... quer pelos seus pares;
cc) Quando a A. se encontrava responsável pela abertura de loja o réu ia auxiliá-la pois esta mostrava dificuldade em cumprir todas as suas tarefas;
dd) A A. foi “chamada a atenção” pelo réu na realização das tarefas e no desempenho das mesmas;
ee) A A. não admitiu esse reparo;
ff) O réu disponibilizou-se a ajudar a A. a melhorar o desempenho das suas funções com formação;
gg) O réu procurou motivá-la delegando-lhe tarefas, porém não teve quaisquer resultados;
hh) A A. não mostrou qualquer receptividade aos incentivos e à tentativa de formação dado pelo réu, recusando-se a admitir que o desempenho das suas funções deveria melhorar;
ii) A A. sempre recusou as indicações dadas pelo réu;
jj) Os esforços do réu em envolver a A. no espírito da equipa foram sempre infrutíferos;
kk) A A. jamais aceitou que colegas que estivessem no seu nível profissional, ou abaixo, lhe dessem quaisquer indicações fossem elas quais fossem;
ll) A A. trabalhava cerca de 12 horas diárias;
mm) D... não verificou existir qualquer agressividade ou comportamento impróprio entre ambas, ou lhe foi dado conhecimento de existirem queixas nesse sentido;
nn) A produtividade não está relacionada com os trabalhadores individualmente, pelo que não beneficia os trabalhadores em si mesmo;
oo) O chefe de loja não tem liberdade para pedir mais vendedores;
pp) Que a A. tenha despendido em medicação o montante total de € 272,62.

APLICANDO O DIREITO
Do assédio laboral
Maria do Rosário Palma Ramalho In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., Almedina, 2016, pág. 189. assinala, entre as várias formas de assédio, «o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art. 29.º n.º 1) (discriminatory harassement); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing)
Também Júlio Manuel Vieira Gomes In Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 442., referindo-se ao art. 24.º do Código do Trabalho de 2003, considera que, embora tal disposição «tenha a vantagem de esclarecer que a intenção ou ânimo nocivo não são um requisito imprescindível já que é suficiente a criação objectiva de um resultado (a lesão da dignidade de outrem ou a produção do ambiente negativo referido) não parece que o seu âmbito abranja todo o tipo de mobbing. Na verdade, a referência restritiva da primeira parte do n.º 2 do art. 24.º implica que o comportamento indesejado a que esse preceito se reporta tem de estar relacionado com um dos factores enunciados no n.º 1 do art. 23.º», notando que, quando tal não suceda, «sempre se poderá invocar, no entanto, o disposto no art. 18.º do Código do Trabalho».
O assédio moral ou mobbing, engloba comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, mas que ganham relevo distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. Como refere Júlio Gomes Loc. cit., pág. 426., «o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento».
Ainda de acordo com o ensinamento deste autor Loc. cit., págs. 428 a 430., aquilo que caracteriza o mobbing são três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Em primeiro lugar, estão em causa comportamentos hostis, humilhantes ou vexatórios – revestindo o assédio uma polimorfia de comportamentos – e frequentemente ilícitos. Em segundo lugar, é a repetição de tais comportamentos hostis, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. Em terceiro lugar, as consequências de tais comportamentos sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego, conduzindo-a a um processo de exclusão profissional.
Júlio Gomes Desta vez em “Algumas observações sobre o mobbing nas relações de trabalho subordinado”, e-book do CEJ “O Assédio no Trabalho”, Setembro de 2014, págs. 120 e 121. adverte também «que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um mobbing, sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um mobbing, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção. (…) Em todo o caso, e como já se disse, o principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório.»
Se o mais usual é a prática do mobbing pelo empregador ou pelo superior hierárquico, este também pode ser originado por colegas com a mesma posição hierárquica ou, mais raramente, por um subordinado (mobbing vertical ascendente). Vide a propósito, Júlio Gomes, no citado e-book do CEJ, pág. 119.
Nas situações em que o assédio não é praticado directamente pelo empregador, «deve admitir-se a possibilidade de reclamação junto do empregador, quando o assédio provém de um superior hierárquico ou de um colega ou de reclamação junto de um outro superior hierárquico que não o agente do assédio. (…) É claro que o assédio, se resultar da actuação do próprio empregador ou de um superior hierárquico, poderá justificar a resolução do contrato com justa causa por violação culposa dos direitos do trabalhador. A situação será mais delicada caso o assédio provenha de um colega ou até de um inferior hierárquico. Mesmo nessas situações, parece que poderá também ser responsabilizado o empregador e que estará aberta a possibilidade de resolução do contrato com direito a indemnização. Na verdade, importa ter presente que o assédio corresponde a um comportamento reiterado. O empregador pode alegar que ignora uma determinada atitude vexatória ou humilhante, praticada por um outro trabalhador e de que outro foi vítima, mas desde que tenha havido uma denúncia da situação o empregador poderá ser responsabilizado pela sua passividade ou omissão, pela sua incapacidade de tomar medidas adequadas para prevenir a repetição de tais condutas. Se é certo que se afigura duvidoso que em alguma organização humana se possam adaptar medidas que evitem completamente a ocorrência de condutas de assédio, é certo que o empregador tem o dever de evitar que tais condutas se repitam quando tem conhecimento da situação. Em muitos casos, a melhor solução será simplesmente a separação do assediador e da sua vítima. Mas não pode excluir-se a licitude da aplicação de sanções disciplinares ao trabalhador que tenha assediado um ou uma colega.» Júlio Gomes, no citado e-book do CEJ, págs. 122 e 123.

Expostos estes aspectos doutrinais, analisemos o caso concreto.
A A. imputa a prática de comportamentos hostis a um superior hierárquico directo – o chefe de loja D... – e a uma subordinada hierárquica, que actuaria em conjunto com o mencionado chefe – a 5.ª chefia C.... Basicamente, a conduta que a A. lhes imputa consistia na prática de trabalhar sem “picar o ponto”, com vista a melhorar os seus níveis de produtividade. Porém, se é certo que a A. não adoptava essa prática, também não ficou demonstrado que aqueles colegas de trabalho tivessem procurado impô-la à A., contra a sua vontade e assim obrigando-a a infringir as regras da empresa.
Importa ainda notar que a Ré não repercute na remuneração dos trabalhadores o cumprimento ou incumprimento dos objectivos de produtividade das lojas.
Por outro lado, está também demonstrado que o chefe de loja delegava tarefas de maior responsabilidade na C..., por entender que o desempenho e qualidade do seu trabalho eram superiores, e que esta não acatava certas indicações dadas pela A. na qualidade de adjunta de chefe de loja. Porém, não está demonstrado que tarefas eram delegadas preferencialmente na C... ou qual a relevância das “certas indicações” que esta não acataria, ou sequer quais as consequências deste comportamento para a progressão ou promoção profissional da A..
A terceira situação respeita ao resto da sobremesa tomada ao almoço, que a C... guardou no saco térmico da A., por se tratar de produto fresco. Mais uma vez, não foi apurado que, com esta conduta se procurasse enxovalhar, humilhar ou provocar o sancionamento disciplinar ou criminal da A..
Ora, neste conjunto fáctico não se vislumbra um comportamento hostil ou humilhante dirigido à A.. Na primeira situação, não foi imposto nem se procurou impor à A. a prática de não “picar o ponto”, na segunda não se vislumbra o carácter assediante ou realizado com essa intenção, a terceira não passa de um caso isolado e inconsequente.
Acima de tudo, não se vislumbra neste conjunto fáctico que o D... e a C... procurassem intimidar, humilhar, enxovalhar ou por qualquer modo prejudicar a A., havendo a notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que “não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. Mesmo que se possa retirar do art. 29.º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.2018 (Proc. 532/11.5TTSTR.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt, confirmando o aresto desta Relação de Évora de 13.07.2017, igualmente publicado na mesma base de dados e em que o relator foi o mesmo do presente.
Acresce ainda que, operando a Ré uma cadeia de supermercados, com várias lojas distribuídas pelo território, existindo chefias com responsabilidades locais, mas igualmente sujeitas à autoridade disciplinar da Ré, existindo um director regional com funções hierárquicas superiores às chefias da loja onde a A. se encontrava colocada, cabia a esta dirigir-se a esse superior hierárquico e apresentar-lhe as situações que considerava humilhantes e vexatórias, de modo a que a Ré tivesse a oportunidade de adoptar as medidas preventivas e disciplinares que entendesse convenientes.
Como já acima se expressou, nas situações de assédio praticado por colegas de trabalho, em que o empregador desconhece o comportamento vexatório ou humilhante, o trabalhador deve optar pela via da reclamação ou denúncia junto do empregador ou do superior hierárquico com responsabilidade disciplinar sobre o assediante. Apenas em caso de passividade ou omissão do empregador, é que este poderá ser responsabilizado pelo assédio, pois cumpre-lhe adoptar as medidas adequadas a evitar a reiteração do comportamento assediante.
Os factos demonstram que apenas um mês após o evento de 17.08.2014 é que a A. reuniu com o director regional da Ré, a quem expôs as suas queixas em relação aos comportamentos do D... e da C.... Nessa sequência, a Ré instaurou-lhes processos disciplinares, culminando na aplicação da sanção de repreensão registada. Mais está demonstrado que o director regional acordou com a A. que, quando esta regressasse da baixa médica, iriam de novo conversar e avaliar a situação em conjunto, e que possivelmente a A. não regressaria à mesma loja, caso não se sentisse em condições para aí trabalhar.
Pois bem, se a A. se sentia pressionada pelos comportamentos do D... e da C..., que considerava vexatórios ou humilhantes, fica por esclarecer o motivo pelo qual não recorreu mais cedo à denúncia junto da hierarquia existente. Certo é que, quando os responsáveis hierárquicos da Ré tomaram conhecimento dos factos, não se remeteram a uma atitude de inércia, antes adoptando os procedimentos que consideravam mais adequados, e mesmo acordando com a A. que, quando esta regressasse ao serviço, a situação seria reavaliada e, possivelmente, colocada noutra loja.
E se assim é, não se vislumbra qual o fundamento jurídico para responsabilizar a Ré por comportamentos alegadamente assediantes praticados pelos seus trabalhadores e em relação aos quais, logo que tomou conhecimento da situação, adoptou as medidas disciplinares e preventivas que considerou as mais adequadas.
Ponderando que o art. 29.º do Código do Trabalho não prescinde do requisito de imputação do facto ao agente, por acção ou por omissão, nos termos gerais de direito – art. 28.º do dito diploma – e não tendo sido estabelecido tal requisito, outro destino não poderia ter a acção que o insucesso, como correctamente decidiu a primeira instância.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela A..

Évora, 28 de Fevereiro de 2019

_______________________________________
Mário Branco Coelho (relator)

_______________________________________
Paula do Paço

_______________________________________
Emília Ramos Costa
22