Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5938/13.2TBSTB.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
DIREITO DE REGRESSO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A avaliação de uma incapacidade funcional decorrente de um evento jamais pode ser considerado como verificável pelas regras da experiência comum, já que a mesma carece da formulação de juízos técnicos próprios da ciência da medicina, que implica um juízo especializado sobre a matéria.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 5938/13.2TBSTB.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

A Caixa Geral de Aposentações, IP intentou, em 01/10/2013, ação com processo ordinário contra (…), a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz 1) peticionando a condenação desta no pagamento do montante de € 56.557,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a titulo de capital de remição pago pela autora ao sinistrado (…), para reparação das lesões emergentes de acidente de trabalho, visto que o sinistrado é agente da PSP, tendo sido objeto de agressão pela ré, em ocorrência policial, e de onde resultaram sequelas de traumatismo tibiotársica esquerda, tendo sido atribuído ao sinistrado um grau de desvalorização de 26,7% em consequência dessas mesmas lesões.
Citada ré veio contestar, alegando, em síntese:
- A prescrição do direito de regresso da autora invocando que o inicio da contagem do prazo de prescrição de cinco anos, dentro do qual a ela poderia exigir-lhe a restituição das quantias pagas ao funcionário, é na data da prática dos factos, ou seja, 04.04.2004, e como tal tendo a ação sido intentada em 01.10.2013 já havia decorrido o prazo de prescrição;
- Correu termos um processo-crime em que a ré foi condenada no pagamento ao assistente (…) o montante de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, não tendo a CGA deduzido no âmbito do processo-crime o competente pedido cível, sendo esta condição sine qua non para que a autora possa exigir a devolução de qualquer quantia paga aos seus funcionários no âmbito de acidente profissional. Não tendo intervindo no âmbito do processo-crime ficou precludido o seu direito.
Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão, no sentido de que não estava a autora obrigada a deduzir o seu pedido indemnizatório no processo-crime dado que se pretende fazer valer nos autos, não um direito de indemnização por danos gerados pelos factos ilícitos tipificados como crime, mas um direito de regresso de reembolso do montante pago ao lesado contra a causadora das lesões no agente subscritor da CGA de acordo com o estatuído no art.º 46.º, n.º 1, do DL 503/99, 20.11.
Corrida a tramitação processual, veio a ser realizada audiência final e proferida sentença cujo dispositivo reza:
Por tudo o exposto, julga-se procedente o pedido deduzido nos autos pela A. condenando-se a R. (…), no pagamento à A. Caixa Geral de Aposentações, da quantia de € 56.557,00 referente ao capital actuarial para suportar as pensões devidas pelas lesões sofridas no acidente de trabalho, atribuídas ao subscritor da CGA n.º (…), (…), quantia acrescida de juros vencidos e vincendos a contar da interpelação para pagamento realizada em Março de 2013.
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Por não se conformar com a sentença, foi interposto, pela ré, o presente recurso de apelação pelo qual pretende a revogação da decisão, terminando por formular as seguintes conclusões:
1. A aqui Apelante, entre outros pedidos por si formulados, considera não demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o comportamento que lhe é imputado e a incapacidade do lesado.
2. Embora o Tribunal a quo declare a existência do nexo causal entre um pontapé desferido pela aqui Apelante, na zona genital do lesado e que o leva ao chão e as lesões incapacitantes (sequelas de entorse no tornozelo), com fundamento de que tal é legalmente diferido à Junta Médica da CGA, aqui Apelada.
3. Segundo as regras da experiência, a queda no chão provocada por um pontapé na zona genital, não se apresenta idónea a provar lesão no tornozelo, v.g., entorse.
4. Acresce que a atribuição legal à junta médica para estabelecer o nexo causal entre a lesão e a incapacidade não corresponde a estabelecer o nexo causal entre a atuação da Apelante (pontapé da zona genital) e a lesão (entrose no tornozelo).
5. O nexo causal que a Apelante pugna por não verificado não é competência da Junta Médica mas sim das instâncias Judiciais – O Tribunal a quo e ad quem – pelo que a douta decisão de que se recorre não se basta com a simples remissão para as competência da Junta Médica da CGA.
6. Da matéria havida como provada não decorre a certeza de que haja sido a Apelante a dar causa à lesão incapacitante – pontapé na zona genital e queda = a entorse no joelho.
7. Veja-se que a ação da Apelante teve lugar em 04/04/2004 e só em 07/05/2005 o Lesado se queixa de entorse a quando da consulta com o Doutor (…) e ainda que se apura que já desde 2001 o lesado apresenta, a nível do ombro, lesão com caraterísticas semelhante às do joelho com entorse.
8. Acresce que na perícia médica que teve lugar no âmbito do processo-crime pelos factos ocorridos em 04/04/2004, consta da parte B da informação geral a conclusão: «Alterações cintigráficas ao nível dos pés, caulina lombar e joelho esquerdo, que traduzem aparentemente sequelas de traumatismo recente (ou mesmo diferentes traumatismos menos recentes.», do que resulta que a lesão incapacitante poderá não ser consequência da atuação da aqui Apelante.
9. Apreende-se, ao longo do processo interno de acidente de trabalho ocorrido em 04/04/2004 que a postura do acidentado evoluiu ao sabor dos interesses do mesmo – primeiro, apenas foi alvo de um pontapé na zona genital e, mais tarde, tal agressão foi acrescentada com pontapé na perna esquerda e, acresce ainda dentada no braço; evolução esta que coloca em dúvida que haja sido a ação da Apelante a causa adequada para tal.
10. Dúvida que é razoável uma vez que a reação normal e instintiva a um pontapé na zona genital é curvar-se para a frente, com agachamento e não a queda desamparada sobre o pé esquerdo o que poderia provocar a entorse; Daí a evolução da história contada pelo lesado.
11. Acrescenta-se à dúvida que, apesar da queda e entorse, levanta-se de imediato e a arguida é imobilizada (auto de notícia) apenas com a ajuda de uma testemunha. Daqui só pode resultar a dúvida de que o entorse causador da incapacidade tenha sido consequência da ação da Apelante (pontapé na zona genital).
12. Havendo dúvida quanto ao nexo de causalidade adequada entre a atuação da Apelante e o facto causador da lesão incapacitante (entorse no tornozelo), há que recorrer às regras do ónus de prova conforme se dispõe no art.º 342.º do C. Civil – Quem invoca um direito deve provar os factos constitutivos do mesmo.
13. Apelada exerce na ação o direito de regresso a uma prestação pecuniária por si paga sendo factos constitutivos desse direito que a incapacidade seja consequência da atuação da aqui Apelante.
14. Ou seja: atuação ilícita da Lesante (facto) as lesões sofridas pelo agente da PSP, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano. Havendo dúvida como na verdade resulta da douta fundamentação da sentença, o ónus de prova o nexo de causalidade competia à autora, aqui Apelada, a qual não logrou demonstrar o necessário nexo de causalidade adequada entre a ação da Apelante e A lesão incapacitante (entorse), visto que um pontapé na zona genital do lesado não é, segundo as regras da experiência, causa adequada de entorse.
15. Não sendo causa adequada mais dúvidas se colocam quando mais tarde, em sede litigiosa o lesado vem acrescentar um pontapé na perna esquerda com o que pretende tornar credível que da atuação da Apelante haja resulta a lesão incapacitante.
16. Para além de não estar provada a existência de nexo causal, acresce que todo o procedimento de determinação da incapacidade ocorreu no âmbito do Serviço Interessado (PSP) e CGA, à revelia da aqui Apelante, parte interessada, como tal opaco, ausente de transparência e sem qualquer contraditório e cujo resultado final se pretende fazer repercutir para a aqui Apelante.
17. Tal postura constitui negação do direito à justiça consagrado no art.º 2.º da CRP, como se uns fossem mais merecedores de ser ouvidos do que outros (art.º 13.º da CRP) e ainda com flagrante violação do principio da justiça e razoabilidade consagrado no art.º 8.º do Código do Procedimento administrativo e que apenas onze anos de depois (11/02/2013) se dá por concluído e após o que chega ao conhecimento das aqui Apelante.
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A autora alegou defendendo a manutenção do julgado.
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão que importa apreciar consiste em saber se está demonstrado nos autos a existência de nexo de causalidade entre o comportamento da recorrente e as lesões sofridas pelo sinistrado, que lhe determinaram um grau de desvalorização de 26,7%.

No tribunal recorrido foi considerada assente, com relevância, a seguinte matéria factual:
1. A CGA, IP é uma pessoa coletiva de direito publico que tem por missão gerir o regime de segurança social publico em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial;
2. Entre as pensões de natureza especial contam-se as que têm por finalidade reparar as lesões decorrentes de acidentes de trabalho de trabalhadores que exerçam funções na Administração Pública;
3. (…) é subscritor da CGA,IP, n.º (…), inscrito como agente da Policia de Segurança Publica – entidade empregadora;
4. Em 22.07.2011 foi participado pela PSP que, em 04.04.2004, pelas 21h, no interior da 1ª esquadra da PSP, duramente uma ocorrência policial, o agente principal, (…), foi agredido na zona genital pela R. (…);
5. O que provocou a queda do agente (…) no chão;
6. Em consequência da agressão resultou para o sinistrado lesões na região tíbio társica esquerda que necessitaram de tratamento hospitalar de urgência no Hospital S. Bernardo-Setúbal, tendo ficado com 91 dias de baixa medica;
7. A agressão foi qualificada pela PSP como acidente de trabalho (em serviço);
8. (…) na sequência do que foi requerida na CGA a reparação do acidente;
9. A A. iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes do acidente de trabalho;
10. Em 20.11.2012 foi o sinistrado (…) sujeito a uma junta médica da CGA que lhe atribuiu um grau de desvalorização de 26,7% em consequência de lesões devidas a agressão «por sequelas de traumatismo tibiotársica esquerda»;
11. (…) na sequência do que foi pago pela CGA,IP ao sinistrado , mediante resolução de 11.02.2013, para reparação das lesões emergentes do acidente de trabalho, o capital de remição no montante de € 56.557,00;
12. Por ofício de 22.03.2013, a A. solicitou à R. o reembolso do montante referido em 11.);
13. A R. até ao momento não procedeu ao pagamento do montante referido em 11.);
14. No âmbito do Processo 762/04.6PBSTB, que correu termos no 2.º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, em que é arguida a ora R., foi proferida sentença condenatória, datada de 05.03.2009, devidamente transitada em julgado tendo resultado provado que:
«a) No dia 4 de Abril de 2004, pelas 21.05, (…), motorista de táxi, e a arguida, dirigiram-se ao interior das instalações da P.S.P. de Setúbal, em virtude da arguida ter-se deslocado de Lisboa até Setúbal no táxi do citado motorista e de recear este ser intenção da arguida não proceder ao pagamento daquele serviço;
b) Já no interior do posto, a arguida recusou-se a pagar a quantia em dívida, ao que o agente da Polícia de Segurança Pública, (…), assistente, informou a arguida que não poderia sair até que se resolvesse a questão;
c) A arguida tentou abandonar o local tendo o assistente a impedido;
d) A arguida desferiu então um pontapé na zona genital do assistente e outro na perna, tendo o agente caído ao chão;
e) Na sequência destes acontecimentos, foi a arguida imobilizada pelo assistente e pelo agente da Polícia de Segurança Pública (…), tendo ainda aquela mordido a manga do casaco do agente (…);
f) Concomitantemente, a arguida dirigiu por diversas vezes as seguintes expressões ao assistente: “Filhos da puta, cabrões”, e proferido a seguinte expressão: “eu mato-vos”;
g) Devido ao pontapé desferido pela arguida, que provocou desequilíbrio e queda do assistente, este sofreu entorse no pé esquerdo, dores no tornozelo e pé esquerdos, tendo recebido tratamento médico no próprio dia, no Centro Hospitalar de Setúbal;
h) Como consequência direta e necessária das lesões acima referidas resultaram para o assistente 34 dias de incapacidade para o trabalho;
i) O assistente teve necessidade de frequentar consultas de fisioterapia, ortopedia e clínica geral;
j) A arguida, ao agir da forma acima descrita, quis impedir, usando da força física, que o assistente levasse a cabo a sua detenção no posto, ato este relativo ao exercício das funções do assistente;
k) A arguida bem sabia que estava a dirigir as expressões supra referidas a agente da autoridade, atingindo o visado na sua honra e consideração profissionais, o que conseguiu;
l) Também agiu com o intuito de causar alteração de paz de espírito, medo, insegurança ou inquietação ao assistente;
m) A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
n) À data em que ocorreram os factos relatados, (…) encontrava-se no exercício efetivo das suas funções de Agente Principal da Polícia de Segurança Pública e estava colocado na Esquadra da P.S.P. de Setúbal;
o) As lesões que sofreu impediram-no de, durante 34 dias, desempenhar as funções que lhe estavam atribuídas;
p) Porém, o referido agente da P.S.P., embora impedido de trabalhar, auferiu, enquanto servidor do Estado, a sua retribuição durante esse período, sendo certo que o Estado, ao longo do aludido período de tempo de incapacidade, não teve qualquer contrapartida de serviço ou prestação de trabalho;
q) A retribuição total paga nesse período computa-se em: vencimentos - € 1.249,42; suplementos - € 217; subsídio de férias - € 124,78; subsídio de Natal - € 124,78; subsídio de refeição - € 94,86; fardamento - € 6,46;
r) O demandante recebeu assistência e recorreu a diversas consultas médicas no Serviço de Saúde da SAD/P.S.P., em Setúbal, em consequência direta e necessária das agressões sofridas, tendo estas consultas ascendido a € 299,25;
s) Recebeu assistência hospitalar no Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, e foi submetido a tratamentos os quais foram suportados pelos serviços sociais da SAD/P.S.P. no valor de € 40,20;
t) O assistente sofre ainda, por vezes e em determinadas circunstâncias, e em resultado dos factos supra descritos, dores no pé e tornozelo esquerdo;
u) Aquelas dores impedem o assistente de fazer serviço operacional – pois tal serviço implica estar de pé, caminhar, exercer a força se necessário –, que era o que desempenhava à data dos factos;
v) O assistente sofreu dores decorrentes dos dois pontapés desferidos pela arguida; w) Durante o período de 3 meses em que esteve ausente do serviço – entre 5 de Abril de 2004 e 5 de Julho de 2005 – ao assistente não lhe foram pagos o suplemento de turno (€ 367,48) e o suplemento de patrulha (€ 165,21);
x) Encontra-se a decorrer nos Serviços de Ética e Disciplina da Polícia de Segurança Pública um processo de sanidade que visa determinar a reforma antecipada do assistente;
y) As palavras dirigidas pela arguida ao assistente provocaram-lhe humilhação pública;
z) Na noite de 3 para 4 e Abril de 2004 (Sábado para Domingo), a arguida esteve numa discoteca, em Lisboa;
aa) Na manhã do Domingo, quando se preparava para regressar a casa, foi convidada a entrar na discoteca “Garage”, sita em Alcântara, Lisboa;
ab) Esta discoteca praticava, então, um horário conhecido por after-hours, isto é, funcionava quando a outras encerravam;
ac) Aí, a arguida passou a manhã e o princípio da tarde de Domingo a divertir-se com outros jovens, designadamente a dançar;
ad) A arguida, enquanto conversava ou dançava, consumiu bebidas alcoólicas não concretamente determinadas;
ae) Foi chamado um táxi, o qual transportou a arguida e mais dois outros jovens, também moradores em Setúbal;
af) O taxista, chegado a Setúbal, foi deixando cada um nas respetivas residências, ficando a arguida para o fim;
ag) Familiares e amigos da arguida, depois de contactados pela arguida, compareceram na esquadra para lhe prestarem apoio;
ah) Foi então, por eles, paga a conta do táxi;
ai) A arguida é habitualmente um pessoa bem comportada, educada e correta, sociável, sendo estimada por todos quantos com ela privam ou convivem;
aj) O assistente, depois de sofrer os pontapés e cair ao chão, trabalhou ainda durante mais algum tempo até o pé começar a inchar;
ak) A arguida encontra-se desempregada, não recebendo subsídio de qualquer espécie;
al) É solteira;
am) Não tem filhos;
an) Mora com a mãe, sendo esta que a sustenta;
ao) Tem o 12º ano de escolaridade;
ap) Espera emigrar assim que tenha oportunidade;
aq) A arguida foi condenada por sentença de 11-01-2006, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 08-02-2005, na pena de 60 dias de multa.». 15. No âmbito do referido processo foi proferida a seguinte decisão final:
«Pelo exposto, julga-se a acusação procedente, por provada, e condena-se a arguida:
1. Como autora material de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
2. Decide-se substituir a pena de prisão por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros);
3. Mais condenar a arguida, pela prática de um crime de injúria agravada, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
4. E pela prática de um crime de ameaça, na pena de também 80 (oitenta) dias de multa;
5. Condenar a arguida, relativamente aos crimes de injúria e ameaça, em cúmulo, na pena única de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros);
6. Decide-se ainda declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido por (…) e condenar a demandada a pagar ao demandante, a título de danos não patrimoniais a quantia de € 10.500, improcedendo o demais peticionado;
7. Decide-se finalmente declarar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo Estado Português e condenar a demandada a pagar ao demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 2.233,97, improcedendo o demais peticionado»;
16. Interposto recurso foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora que manteve a parte crime e na parte cível reduziu o montante a pagar pela arguida a … (assistente), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, para o montante de € 3.000,00.
17. A A. não foi notificada nos autos de processo-crime n.º 762/04.6PBSTB para deduzir pedido cível.

Com interesse para a decisão da causa foram considerados não provados os seguintes factos:
a) - as lesões sofridas pelo agente estão relacionadas com as condições físicas concretas do posto onde o agente atua, como sejam irregularidades no chão do posto ou passeio fronteiriço;
b) - as lesões sofridas pelo agente estão relacionadas com o agravamento de patologia pré-existente ou com a idade do ofendido;

Conhecendo da questão
A autora veio exercer, através desta ação, o direito de regresso consagrado no nº 3, do artº 46º do DL nº 503/99, de 20/11, pretendendo exigir do responsável pela ocorrência do acidente de trabalho, o valor do capital de remição da pensão que foi paga ao seu subscritor, vitima daquele acidente quando se encontrava em serviço, no exercício das suas funções de agente da P.S.P.
Refere a recorrente que dos autos não resultou provado o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo agente da P.S.P. e o comportamento da recorrente.
Diremos, desde já, que não lhe assiste razão.
Conforme resultou provado no facto nº 14, no âmbito do processo-crime nº 762/04.6PBSTB, que correu termos no Tribunal Judicial de Setúbal (2º juízo criminal), em que foi arguida a ora recorrente, cuja sentença condenatória foi proferida em 05/03/2009, (tendo a recorrente interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido o acórdão em 29/09/09), resultou provado que no dia 4 de Abril de 2004, pelas 21.05, (…), motorista de táxi, e a arguida (ora recorrente), dirigiram-se ao interior das instalações da P.S.P. de Setúbal, em virtude da arguida (ora recorrente) ter-se deslocado de Lisboa até Setúbal, no táxi do citado motorista e de recear este ser intenção da arguida (ora recorrente) não proceder ao pagamento daquele serviço.
Mais resultou provado na alínea d) que a arguida (ora recorrente) desferiu um pontapé na zona genital do agente da P.S.P. e outro na perna, tendo o agente caído ao chão. Resultou ainda provado na alínea g) que devido ao pontapé desferido pela ora recorrente que lhe provocou desequilíbrio, ocorreu a queda do agente da P.S.P., que sofreu entorse no pé esquerdo, dores no tornozelo e pé esquerdo, tendo recebido tratamento médico no próprio dia, no Centro Hospitalar de Setúbal.
No processo-crime ficou provado de que foi devido aos pontapés nas partes genitais e na perna desferidos pela arguida (ora recorrente) que o agente da P.S.P. se desequilibrou, provocando a sua queda e lhe provocou a entorse no pé esquerdo.
Aliás, os argumentos da recorrente relativamente à não existência de nexo de causalidade entre a sua atuação e as lesões sofridas pelo agente da P.S.P., já foram utilizados no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação.
Ora, perante a factualidade que se encontra provada não existem dúvidas que os danos sofridos pelo agente da P.S.P., foram provocados pela conduta da recorrente, que a eles deu causa, ou seja, a sua conduta foi a causa adequada da queda e consequente entorse do pé esquerdo, sem a qual, manifestamente, não teria ocorrido.
E, não se diga, como a recorrente refere que um pontapé na zona genital do lesado não é, segundo as regras da experiência, causa adequada de entorse. Pois o que resultou provado, não foi somente um pontapé na zona genital do lesado, mas sim também um pontapé na perna, tendo o agente caído ao chão.
Aliás, resulta do relatório do I.M.L., no título “Discussão”, onde expressamente se afirma: que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano; e no título “Conclusão” resulta que da ofensa em concreto resultaram como consequências permanentes: ligeiro défice funcional na flexão dorsal do pé esquerdo; ligeiro varo do mesmo pé à deambulação (por provável lesão ligamentar).
A avaliação de uma incapacidade funcional decorrente de um evento jamais pode ser considerado como verificável pelas regras da experiência comum, já que a mesma carece da formulação de juízos técnicos próprios da ciência da medicina, que implica um juízo especializado sobre a matéria.
E o certo é, que as diversas peritagens médicas a que o agente da P.S.P. (sinistrado), subscritor da C.G.A. foi sujeito, tais como: junta superior de saúde da P.S.P., junta médica da C.G.A. (juntos a folhas 5 a 10) e o próprio parecer do I.M.L., (junto no processo crime) estabeleceram um nexo causal entre as lesões produzidas pela recorrente mediante os pontapés que desferiu na zona genital do lesado, e, também, na perna, o que, provocou desequilíbrio e queda do agente da P.S.P., tendo este sofrido entorse no pé esquerdo, dores no tornozelo e pé esquerdo e a incapacidade que aquele apresenta.
Acresce, que conforme bem refere a Mº Juiz ”a quo” na decisão recorrida “a sentença penal condenatória nos termos do disposto no artº 623º CPC, constitui presunção ilidível da verificação dos factos dados como provados não tendo a R. ilidido por qualquer forma essa presunção”. Efetivamente, existe a estatuição de que a sentença penal condenatória tem força probatória plena quanto a certos factos em resultado de atribuição de valor de presunção legal ilidível ao que nela foi decidido a esse respeito, sendo que cabia à ré em sede de ação cível fazer ilidir a presunção o que não ocorreu (v. Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, 398).
A recorrente vem, também, agora no recurso para a Relação invocar na sua conclusão 16, que todo o procedimento de determinação da incapacidade ocorreu no âmbito do Serviço Interessado (PSP) e CGA, à revelia da aqui Apelante, parte interessada, como tal opaco, ausente de transparência e sem qualquer contraditório.
Ora, conforme se verifica dos presentes autos, a recorrente foi notificada pela C.G.A., com data de 22/03/2013, do direito que assistia a esta do pagamento por aquela da quantia de € 56.557,00 (cfr. doc. de fls. 12), tendo-lhe sido concedido o prazo de 30 dias para efetuar tal pagamento, findo o qual se recorreria aos meios judiciais para cobrança da importância em dívida.
Ao longo do processo, designadamente na sua contestação, nunca a recorrente veio invocar que o procedimento foi opaco, ausente de transparência e sem qualquer contraditório.
Ora, de tal questão não poderá o tribunal conhecer nesta fase recursiva.
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência que o objeto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo licito às partes invocar nos recursos questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido (cfr, nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92, 7/1/93 in respetivamente, BMJ 364º, 719; BMJ 408º, 521; BMJ 416º, 624; BMJ 421º, 400; BMJ 423º, 540 e mais recentemente, o Ac. do STJ de 16/1/2002, Rev. nº 3247/01, 4ª sec, Sumários 57 e Ac. do STJ de 17/12/2014, no proc. 971/12.4TBCBRC1.S1, in www dgsi.pt).
Assim, temos que os recursos visam o reestudo por um tribunal superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronuncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas.
Donde, pelas razões acima expostas, é vedado a este tribunal conhecer desta questão, uma vez que se trata de matéria que não foi suscitada pela recorrente no tribunal recorrido, sendo certo que esta o podia ter feito expressamente, no momento apropriado, quando da apresentação da sua contestação nos presentes autos, o que não fez.
Deste modo, entendemos que a sentença recorrida fez uma correta aplicação do direito aos factos provados, não merecendo reparo, sendo por isso de confirmar e, em consequência irrelevam as conclusões formuladas pela recorrente, não se mostrando violadas as normas cuja violação foi invocada.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 25-05-2017
Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Mário António Mendes Serrano