Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1195/08.0TVLSB.E2
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
CONEXÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Incumbindo ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e formular o pedido, de harmonia com o disposto no artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, não tendo este alegado factos tendentes a apurar a responsabilidade pela ocorrência do acidente, cuja determinação fundou no acordo de repartição firmado entre a seguradora e o FGA, e tendo concretamente restringido o pedido formulado contra a ré seguradora a metade do valor das despesas que suportasse, não podia a Senhora Juíza, com base no apuramento da responsabilidade pela ocorrência do acidente, na sequência de outra relação material controvertida conexa, ter condenado a Ré ora Recorrente ao pagamento da indicada quantia global à autora, com base em fundamento não alegado pela parte sobre a qual tal ónus recaía, nos termos também definidos no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, e em pretensão que pela mesma não foi integralmente deduzida contra esta parte.
II - Consequentemente, a sentença recorrida é nula, por violação do princípio dispositivo, concretamente dos limites da condenação definidos no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos do pedido, condenando em quantidade superior à pretensão deduzida pelo Autor contra a ora Apelante, e incorrendo na nulidade prevenida no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, o que impõe a sua alteração em sede do presente recurso, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 1, da codificação processual civil.
III - Na parte não impugnada por qualquer das partes, a decisão proferida na primeira sentença transitou em julgado e adquiriu força de caso julgado material, porquanto recaiu sobre a relação material controvertida existente entre o A. e os RR. da acção principal e passou a ser obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. Hospital Militar Principal[3] instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra …Companhia de Seguros, SA,[4] e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo, que os Réus sejam condenados a pagar-lhe os seguintes montantes:
- A 1.ª Ré, a quantia de 112 990,16€, a título de capital, mais 5 092,50€ (50% de 10 185,00€, relativos à factura junta como doc. 60), 10 777,25€ (50% de 21 555,45€, relativos à factura junta como doc. 63) e juros de mora, vencidos a contar da interpelação sobre o montante de 179 732,54€, e nos juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
- O 2.º Réu, a quantia de 135 309,05€, a título de capital, mais 5 092,50€ (50% de 10 185,00€, relativos à factura junta como doc. 60), 10 777,25€ (50% de 21 555,45€, relativos à factura junta como doc.63) e juros de mora vencidos a contar da interpelação sobre o montante de 201 979,06€, e nos vincendos até efectivo e integral pagamento.
Em fundamento, alegou, em síntese, que em 16 de Maio de 2003, o soldado O… , a prestar serviços na Escola Prática de Transmissões, foi vítima de acidente de viação. Em consequência do acidente, ficou paraplégico, encontrando-se internado e a ser tratado nas instalações do Autor, pelo que este requer o reembolso das despesas de tratamento e internamento realizadas com o mencionado soldado.
Para o efeito, aduziu ter direito de regresso contra o réu, na qualidade de responsável do acidente de viação de que resultaram danos que veio a ressarcir ao sinistrado José Manuel Soromenho, que aquele condutor abandonou no local, não lhe prestando auxílio.
Aduziu ainda que à data do sinistro a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação relativa ao veículo UD encontrava-se transferida para a 1.ª ré e o veículo CZ não tinha seguro válido, e invocou que os réus acordaram entre si assumir a responsabilidade inerente ao acidente que vitimou o identificado soldado, na proporção de 50% para casa um.

2. Regularmente citados, o réu Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, por excepção, arguindo a incompetência territorial do tribunal e a sua ilegitimidade, e impugnou os factos alegados pelo Autor. Requereu, ainda, a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros …, SA., pugnando, a final, pela procedência das excepções e consequente absolvição do Réu da instância, ou pela improcedência da acção e a absolvição do Réu do pedido.
Por seu turno, a ora Recorrente, então denominada … Companhia de Seguros, SA, na sua contestação, impugnou alguns dos factos articulados, pugnando, a final, para que a acção seja julgada de acordo com a prova que venha a ser produzida e a Ré condenada na satisfação de 50% dos montantes efectivamente correspondentes à assistência clínica prestada, sendo os juros contados desde a data da citação.

3. Por decisão proferida em 02.10.2009, constante de fls. 187 e 188 dos autos principais, foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial e determinada a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que depois foram remetidos para Alcanena por este ser então o competente (fls. 196).

4. Admitida a requerida intervenção principal, veio a interveniente Companhia de Seguros …, SA, apresentar a sua contestação, invocando, para além do mais, a prescrição dos direitos que o Autor pretende fazer valer nesta acção, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 3 do C.C.

5. Foi proferido despacho saneador em 09.05.2011, de fls. 224 a 228, no qual foi a excepção de prescrição considerada procedente, por se entender estar prescrito o direito do Autor ser indemnizado pela Ré Companhia de Seguros …, que foi absolvida do pedido, tendo esta decisão transitado em julgado.
Em despacho subsequente à notificação daquele, foi apreciada a excepção de ilegitimidade arguida pelo Réu Fundo de Garantia Automóvel (cfr. fls. 229 a 231), tendo sido determinada a sua notificação para requerer a intervenção dos responsáveis civis, a fim de suprir a irregularidade processual por preterição de litisconsórcio necessário.
O Réu Fundo de Garantia Automóvel veio requerer a intervenção principal provocada dos responsáveis civis: R… (proprietário do veículo com a matrícula … CZ e dos Herdeiros de … (condutor do veículo de matrícula …CZ – J… e M…, respectivamente pai e mãe do B…).

6. Foi admitida a intervenção principal provocada dos responsáveis civis e ordenada a citação dos mesmos (fls. 257).
O interveniente principal R… foi devidamente citado e não contestou.
Os intervenientes principais, J…e M… foram citados editalmente, encontrando-se representados em juízo pelo Ministério Público.
O Ministério Público apresentou a sua contestação na qual invocou a excepção de prescrição, alegando, para tanto, que o prazo de prescrição é de 5 anos, o qual já havia decorrido quando foi citado para contestar.

7. O Réu Fundo de Garantia Automóvel, invocando que a causa de pedir em ambas as acções é a mesma - o acidente de viação de 16.05.2003 -, veio requerer a apensação a estes autos da acção ordinária n.º 472/10.5TBACN, que havia instaurado contra a Companhia de Seguros …, S.A. e M… pedindo a condenação das Rés no pagamento do montante de 263 286,23€, acrescido de juros de mora, apensação que foi determinada por despacho de 14.03.2012, a fls. 223 (renumerada para 284).
Em fundamento do direito invocado na acção apensa, o FGA havia aduzido pretender o reembolso dos montantes por si pagos, alegando para tanto que por proposta da Companhia …, SA, datada de 03.12.2003, acordou com aquela na regularização do acidente, em face da ausência de culpa, assumindo 50% da responsabilidade, o que correspondeu aos montantes de 50 000,00€ a título de danos não patrimoniais e 200 000,00€ a título de danos patrimoniais, que por esta via reclama, acrescidos dos demais pagamentos a terceiros que invocou ter efectuado.

8. Nesta acção apensa a Ré Companhia de Seguros …, SA devidamente citada contestou, aduzindo, para além do mais, invocou a excepção de prescrição alegando, para tanto, que o acidente ocorreu em 16.05.2003, pelo que o direito prescrevia a 16.05.2008.
A 2.ª Ré, citada editalmente e representada pelo Ministério Público, por aquela estar ausente em parte incerta, contestou e invocou a excepção de prescrição, invocando, para o efeito, que o Autor propôs a acção em 02.11.2010, tendo decorrido mais de 5 anos após o acidente, pois a prescrição verificou-se em 16.05.2008.
O Autor respondeu, alegando que o prazo de prescrição do respectivo direito não havia decorrido, por ter liquidado as indemnizações em 2006, 2007 e 2008, interpelando os RR. para cumprir em 12.03.2008, portanto, antes de decorridos 5 anos sobre a ocorrência do acidente.
9. Foi realizada a audiência prévia em 18 de Fevereiro de 2015, conforme acta de fls. 284 a 293 (renumerada para fls. 345 a 350), na qual foi apreciada a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré Companhia de Seguros …, SA, e pelo Ministério Público, nos autos apensos, tendo a mesma sido considerada procedente e, em consequência, absolvidos os Réus do pedido.
Foi também apreciada a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Ministério Público nos autos principais, a qual foi considerada improcedente conforme decisão constante de fls. 289 a 291 (fls. 350 a 352 da renumeração).

10. O Fundo de Garantia Automóvel, não se conformando com a decisão que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e absolveu as Rés do pedido, interpôs recurso de apelação, requerendo que fosse determinada a desapensação dos presentes dos autos principais, porquanto deixam de estar verificados os pressupostos da apensação de acções, e a subida imediata destes autos, para apreciação do recurso do Autor pelo Tribunal da Relação competente.
O recurso foi admitido com subida imediata, mas os autos mantiveram-se apensados aos principais e o recurso não subiu então, porque no mesmo despacho, de 06.05.2015, foi decidido que o recurso subia nos próprios autos e o processo principal prosseguia, sendo que em 09.09.2015, foi proferido despacho a determinar que os autos apensos prosseguissem com a tramitação única nos autos principais.

11. Na audiência prévia a que se alude no ponto 9. foram, ainda, fixados os factos assentes, nos seguintes termos:
«1.1. O Fundo de Garantia Automóvel e a G …, SA, por acordo, assumiram cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ.
1.2. Entre o Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas e a G …, SA, foi acordado que a G… , SA, se comprometia a assegurar o pagamento de 50% das despesas suportadas pelo Hospital.
1.3. A GNB …, SA, já pagou ao Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas o montante de € 22.318,89».
Foi também identificado o objecto do litígio, como sendo a responsabilidade da Seguradora, do Fundo e dos chamados (responsáveis civis), relativamente ao pagamento das despesas hospitalares havidas para tratar o sinistrado, e montantes a pagar, tendo igualmente sido enunciados os temas da prova.

12. Em 11.05.2015, dia da audiência final, o Autor requereu, ao abrigo do disposto no artigo 265.º do CPC, por um lado, a redução e, por outro, a ampliação do pedido, e ainda um pedido de condenação genérico. Tanto na redução como na ampliação, o Autor especificou os valores a imputar a cada uma das Rés, na proporção de metade, terminando a formulação da ampliação do pedido nos seguintes termos: «devem as Rés ser condenadas conjuntamente, na proporção de metade (50%) para cada uma, além dos valores peticionados na petição inicial, no pagamento de mais 84.962,10€, a título de capital e também nos juros de mora vencidos a contar da interpelação sobre essa quantia e nos vincendos até efetivo e integral pagamento».
Por decisão de 09.06.2015, constante da acta de fls. 379 a 386, foi homologada a redução do pedido (no montante global de 29 612,10€ e na proporção de 50% para cada um dos Réus), foi admitida a ampliação do pedido (no montante de 84 962,10€, na proporção de 50% para cada um dos Réus) e foi indeferido o pedido de condenação genérico.

13. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi seguidamente proferida sentença que julgou a acção principal procedente e, em consequência, decidiu[5]:
«A) Condenar a Ré GNB …, SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 160 135,01, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
B) Condenar a Ré Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 182 453,90, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
C) Absolver os Réus R… e M… do peticionado».

14. Inconformado, o Fundo de Garantia Automóvel recorreu da sentença proferida, invocando, em suma, e no que ora importa, que, por acordo com a GNB “assumiram cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ”, mas tal compromisso não legitima a exclusão dos responsáveis civis, concluindo que não poderia ter sido condenado no pagamento de metade do valor reclamado pelo A. Hospital sem que também o fossem os Intervenientes absolvidos, “já que os mesmos são conhecidos e têm de ser condenados”.

15. Subiram os autos a este Tribunal que, verificando encontrar-se ainda por decidir o recurso referido em 10., considerou que a primeira questão a apreciar, pela respectiva precedência lógica, consistia em saber se o direito que o Fundo de Garantia Automóvel pretendeu exercer por via da acção apensa à presente, se encontra ou não prescrito, porquanto, só em caso afirmativo seriam de apreciar as questões colocadas no recurso da sentença recorrida, a saber, se tendo sido absolvidos os responsáveis civis, o Fundo de Garantia Automóvel, podia ou não ser condenado a satisfazer a indemnização ao Hospital autor, tendo-se acordado em: «a) julgar integralmente procedente o recurso interposto quanto à decisão que declarou prescrito o direito que o Fundo de Garantia Automóvel pretende exercer por via da acção apensa, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento dos autos, conforme for de direito; b) considerar prejudicado, por ora, o conhecimento do recurso interposto da sentença».

16. A R. F… apresentou recurso desse Acórdão no tocante à decisão relativa à prescrição do direito do FGA contra si exercido nos autos apensos, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 18.01.2018, decidido negar provimento à revista, e confirmar o acórdão proferido neste TRE, em 03.11.2016[6].

17. Em primeira instância os autos prosseguiram com dispensa da audiência prévia, elaboração de despacho saneador, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, após o que foi efectuado o julgamento da matéria do processo apenso (472/10.5TBACN), tendo sido proferida sentença unitária em 15.07.2019, na qual se decidiu julgar a acção apensa improcedente e a acção principal procedente, e, em consequência:
«A) Absolver a Companhia de Seguros …, SA do peticionado.
B) Absolver M… do peticionado.
C) Condenar a Ré GNB …, SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas – Pólo de Lisboa o montante de € 342 588,91, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
D) Absolver a Ré Fundo de Garantia Automóvel do peticionado.
E) Absolver os Réus R… e M… do peticionado».

18. Inconformada, a GNB …, S.A., apelou, formulando extensas conclusões que aqui se resumem aos vícios por si assacados à decisão recorrida, que a seu ver é: «- ineficaz por violação de caso julgado material, - contraditória tendo em conta o teor da matéria de facto provada e a decisão, - nula por condenação em quantidade superior do pedido, - nula por constituir uma decisão surpresa, - nula por omissão de pronúncia», pedindo que a mesma seja «revogada e substituída por outra que:
(i) Determine a condenação da R. GNB no pagamento ao A. Hospital da quantia de € 160.135,01 (mais juros) – o que, aliás, já foi por aquela cumprido pois que tal decisão nunca foi posta em causa por nenhuma das partes;
(ii) Determine a condenação da R. FGA ou da I. M… ao pagamento ao A. Hospital da quantia de € 182 453,90 (mais juros), de acordo com a matéria de facto provada;
(iii) Decida o pedido apresentado pelo A. FGA em relação aos RR. F… e M…, de acordo com a matéria de facto provada».

19. Pelo Fundo de Garantia Automóvel foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

20. No despacho de admissão do recurso a primeira instância pronunciou-se a respeito das nulidades arguidas, entendendo que as mesmas não se verificam.

21. Observados os vistos, cumpre decidir.


II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[7], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões que importa apreciar são as de saber se a sentença recorrida enferma de algum dos apontados vícios de nulidade, violação do caso julgado e erro de julgamento, e, em caso afirmativo, se deve ser revogada nos termos preconizados pela Recorrente.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados PROVADOS os seguintes factos:
«Autos apensos:
1. No dia 16.05.2003, pelas 19:00h, ocorreu um acidente de viação na A1, ao Km 99,300, sentido Norte /Sul, no concelho de Alcanena.
2. Foram intervenientes os veículos …UD (ligeiro de passeiros que se designará por UD) e …CZ (ligeiro de mercadorias que se designará por CZ).
3. MA… era proprietária e condutora do veículo UD.
4. B… era proprietário desde 29.04.2003 do veículo CZ e condutor do mesmo.
5. À data do acidente O… seguia no veículo CZ como passageiro.
6. Condutor e passageiro eram recrutas da Escola Prática de Transmissões do Porto, onde tinham sido acabados de incorporar no serviço militar obrigatório.
7. Ambos os veículos circulavam na A1 no sentido Norte/sul.
8. No local do acidente a estrada apresentava uma recta e estava bom tempo.
9. O veículo CZ ocupava a hemiataxia da direita, inserido numa fila de trânsito.
10. O veículo UD circulava na hemiataxia da esquerda, ultrapassando a fila de trânsito.
11. Circulava a uma velocidade superior a 120Km/h.
12. Quando os veículos UD e CZ se encontravam lado a lado, o veículo UD, invadiu de forma imprudente a hemiataxia onde o veículo CZ circulava e embateu na lateral frente esquerda do CZ com a sua lateral direita.
13. Após o embate o veiculo CZ entrou em despiste para a direita e capotou, colidindo com as barras laterais 50 metros depois, onde se imobilizou.
14. O UD invadiu de forma imprudente a hemifaixa do CZ tendo embatido no mesmo, o que provocou o despiste do CZ.
15. Em consequência do acidente o condutor do CZ faleceu.
16. Em consequência do acidente o passageiro do veículo CZ sofreu as consequências identificadas nos pontos 23 e seguintes.
17. O veículo UD após ter embatido no CZ colidiu com o separador central da autoestrada.
18. Após o que guinou para a direita e imobilizou-se 100m adiante na berma da direita.
19. Em consequência do acidente o FGA suportou um total indemnizatório no valor de € 263 286,23.
20. O proprietário do veículo CZ e condutor do mesmo à data do acidente não pagou o prémio de seguro à Seguradora … SA.
21. A Seguradora não deu consentimento ao início de cobertura em momento anterior ao da efectiva cobrança do prémio inicial.
Autos principais:
22. Em 16 de Maio de 2003 o Soldado NIM …, O…, a prestar serviço na Escola Prática de Transmissões, foi vítima de acidente de viação.
23. Em consequência desse acidente ficou gravemente ferido e foi inicialmente transportado para o Serviço de Urgência do Hospital Garcia da Horta, onde foi internado e foram realizadas as intervenções cirúrgicas.
24. Foi depois transferido no dia 06 de Junho de 2003 para o Hospital Militar em Lisboa, por se tratar de um militar acidentado.
25. Como consequência do acidente o militar O… ficou paraplégico, pelo que se manteve internado no Hospital Militar, actualmente designado Hospital das Forças Armadas – Pólo de Lisboa, até ao dia 18.05.2008, data que teve alta clinica.
26. Após esta data foi acompanhado ainda pelo Hospital o qual lhe prestou cuidados de saúde e tratamentos.
27. No dia 29 de Março de 2004, o médico assistente do sinistrado, Dr. Ru…, Neurocirurgião solicitou à Direcção do Hospital que o mesmo fosse sujeito a consultas de reabilitação no Centro de Reabilitação de Alcoitão.
28. O O… foi acompanhado no Centro de Reabilitação de Alcoitão, tendo sido transferido para o mesmo em 02.11.2004.
29. Em 09.06.2004 o Centro de Reabilitação de Alcoitão solicitou aos serviços do Autor a necessidade de comprar material designado “ajudas técnicas”, prescritas pelo médico.
30. Os referidos materiais foram adquiridos e foram debitadas as importâncias através de facturas mensais enviadas ao Autor, que foram pagas pelo Autor.
31. Em 28 de Dezembro de 2004 o autor enviou à …Companhia de Seguros, SA, actualmente designada GNB …, SA, as facturas do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, tendo esta pago o montante de € 13 371,02, 50% do seu valor.
32. Depois foram remetidas em 22 de Fevereiro de 2005 outras facturas no montante de € 8 947,87, tendo igualmente sido pagas pela GNB …, SA.
33. Foram remetidas ao Fundo de Garantia Automóvel em 29 de Março de 2005 as facturas correspondentes ao remanescente de 50% pagos pela GNB.
34. Em 27 de Fevereiro de 2007 o Autor remeteu ao Fundo de Garantia automóvel todas as facturas (as já enviadas e outras novas) no montante total de € 111 595,17.
35. Em 28 de Fevereiro de 2007 o montante do capital em divida pelo Fundo de Garantia Automóvel era de € 135 309,05.
36. Em 09 de Julho de 2007 foram enviadas à GNB …, SA as facturas relativas ao montante em falta no valor de € 112 990,16.
37. Por prescrição médica foi adquirido para o sinistrado O… equipamento no valor de € 10 185,00.
38. Foi adquirida uma cadeira de rodas eléctrica no montante total de € 16 561,44.
39. São ainda devidas todas as despesas de internamento a contar de 09 de Setembro de 2005 até 31 de Dezembro de 2007, no montante total de € 93 543,87.
40. São ainda devidas todas as despesas relativas a assistência e cuidados de saúde prestados pelo Hospital a O… após 31 de Dezembro de 2007 até Setembro de 2014 no montante de € 84 962,10, na medida em que as mesmas são consequência do acidente viação ocorrido em 16 de Maio de 2003.
41. À data do sinistro que ocorreu nos presentes autos o veículo de matrícula 00-66-UD tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação transferida para a actual GNB …, SA.
42. À data do sinistro que ocorreu nos presentes autos o veículo de matrícula …CZ não tinha seguro válido.
43. O Fundo de Garantia Automóvel e a GNB …, SA, por acordo, assumiram cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ.
44. Entre Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas e GNB …, SA, foi acordado que a GNB …, SA, se comprometia a assegurar o pagamento de 50% das despesas suportadas pelo Hospital.
45. Encontra-se em dívida ao Hospital Militar das Forças Armadas o montante total de € 364 907,81.
46. A GNB …, SA já pagou ao Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas o montante de € 22.318, 89.
47. O Fundo de Garantia Automóvel não efectuou qualquer pagamento».
E nos FACTOS NÃO PROVADOS:
«a) Que os veículos UD e CZ embateram por razões que não foi possível apurar».
*****
III.2. – O mérito do recurso
Conforme expressa nas conclusões das suas alegações de recurso, a Apelante discorda da sua condenação no pagamento ao Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas da quantia de 342 588,91€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral pagamento, por entender que tal decisão padece de um notório erro de julgamento, afirmando que «a sentença recorrida é ineficaz por violação de caso julgado material, contraditória tendo em conta o teor da matéria de facto provada e a decisão, nula por condenação em quantidade superior ao pedido, nula por constituir uma decisão-surpresa e nula por omissão de pronúncia».
Para decisão dos vícios apontados à decisão recorrida, cumpre relatar as incidências processuais relevantes, para além das que acima já se elencaram no relatório, seguindo de perto o enquadramento prévio efectuado pela Apelante no corpo das suas alegações, recordando aqui o histórico dos autos, por ser a única forma de compreender a sua tramitação e aquilatar se a sentença padece ou não, desde logo, da apontada nulidade por condenação para além do pedido.
Considerando que, atenta a data da sua instauração, ambos os processos são acções declarativas de condenação, sob a forma de processo comum, e tendo desde logo em mente o preceituado nos artigos 264.º e 265.º do CPC, que, na decorrência do princípio da estabilidade da instância, estabelecem uma forte limitação à alteração do pedido ou da causa de pedir, e o disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC a respeito do esgotamento do poder jurisdicional e da formação do caso julgado sobre uma decisão relativa à relação material controvertida, vejamos, então, primeiramente quais as partes e os pedidos formulados em cada um dos processos.
O processo n.º 1195/08.0TVLSB teve o seu início em 10.04.2008 e nele constam como Autor o ora Recorrido Hospital, e como Réus a ora Recorrente GNB e o FGA, pedindo aquele a condenação destes no pagamento da quantia global de 381.711,64€ (pedido que posteriormente veio a ser parcialmente reduzido e também ampliado, fixando-se o pedido no valor global de 319.176,23€), que por si havia sido já despendida em assistência clínica, internamentos e tratamentos prestados ao soldado O…, vítima de acidente de viação.
Tal pedido foi expressamente dirigido aos RR. na proporção de metade para cada um deles – artigos 12.º e 34.º da P.I., no qual estão discriminados os montantes peticionados nos termos transcritos no relatório em 1.1. –, assim formulado mercê da informação que lhe havia sido prestada pela Ré seguradora, da existência de um acordo estabelecido entre ambos os RR., no sentido de que a regularização dos danos decorrentes do sinistro seria assumida nos termos do disposto no artigo 506.º, n.º 2, do Código Civil[8], o que, conforme alegado nos artigos 29.º a 31.º da P.I., justifica a reclamação de 50% das despesas suportadas pelo A. a cada um dos RR, “face aos compromissos contratualmente assumidos, por ambos os réus”, sendo a 1.ª Ré seguradora responsável “na medida em que, à data do sinistro o veículo de matrícula …UD tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação transferida para aquela companhia”, e o 2.º Réu, Fundo de Garantia Automóvel[9], “é responsável pelo pagamento na medida em que, à data do sinistro o veículo de matrícula …CZ, não tinha seguro válido e este, nos termos do art.º 506.º, n.º 2, do CC, assumiu 50% das responsabilidades”.
Como parcialmente se mostra vertido no ponto 2. do relatório, na contestação apresentada no processo principal, o FGA, aduziu ter avançado com o pagamento da indemnização de 261.588,25€ ao sinistrado, «com base no fundado conflito com a referida seguradora [a F…] sobre a validade do seguro», afirmando ainda que o A. não alegou quaisquer factos que demonstrem a dinâmica do acidente nem a inexistência de contrato de seguro dos intervenientes, e que apenas «verificados que estejam os requisitos enunciados no art.º 21.º do DL 522/85, de 31.12, e demais legislação aplicável (pressupostos da responsabilidade civil), ao Fundo de Garantia Automóvel compete garantir as respectivas indemnizações e encargos, designadamente os decorrentes dos serviços hospitalares prestados às vítimas por acidente de viação».
Pela sua parte, a ré seguradora, ora Apelante, contestou referindo que «por via da presente acção pretende o A. Hospital Militar Principal, ser reembolsado das quantias emergentes da assistência clínica prestada ao Soldado O…. São, porém, formulados dois pedidos distintos e perfeitamente autónomos, o primeiro contra a Ré …Companhia de Seguros SA, e o segundo contra o R. Fundo de Garantia Automóvel. E bem». Seguidamente explicou a dinâmica do acidente, e aduziu que, em virtude de o mesmo ter ocorrido «em circunstâncias que não foi possível apurar, há que aplicar ao evento a norma do artigo 506º do Código Civil. Daí que a ora contestante e o co-Réu Fundo de Garantia Automóvel, que garante os riscos de circulação do CZ, tenham acordado em que suportariam, na proporção de metade cada um, os danos emergentes do acidente». E terminou dizendo que «a acção que ora se contesta deve ser julgada de acordo com a prova que venha a ser produzida e a Ré contestante ser apenas condenada na satisfação de 50% do montante efectivamente correspondente à assistência clínica prestada e ainda, por si, não paga».
Finalmente, com interesse para a decisão da apelação, importa atentar na formulação da ampliação do pedido efectuada em audiência final e transcrita no ponto 12. do relatório, e ter presente quem são as partes e qual o pedido deduzido nos autos apensos.
Ora, o processo apenso com o n.º 472/10.5TBACN teve o seu início em 30.10.2010, e nele constam como Autor o ora Recorrido Fundo de Garantia Automóvel, e como RR. a Companhia de Seguros …, SA, e M…, pedindo aquele a condenação destes no pagamento da quantia de 263.286,23€, correspondente aos valores por si já despendidos com a regularização do sinistro, exercendo o seu direito ao reembolso previsto no art.º 21.º, n.º 5.º do D.L. 522/85.
Tal pedido foi dirigido contra a R. F… em virtude de o A. FGA entender que o veículo de matrícula …CZ, pertencendo ao seu condutor, B…, afinal tinha seguro válido na ocasião do acidente, cuja dinâmica descreveu nos artigos 1.º a 27.º da petição; e subsidiariamente, caso se prove a inexistência de seguro válido e eficaz, competindo o reembolso ao responsável civil, no caso, a R. M…, por ser a herdeira daquele falecido responsável civil.
Na contestação, para além da excepção referida em 8., a Ré Fidelidade invocou que B… não pagou o prémio de seguro, daí que não tenha chegado a ser celebrado contrato de seguro, e afirmou nunca ter aceitado pagar fosse o que fosse e a quem quer que fosse, por causa do acidente dos autos, que nunca lhe foi participado e cujas circunstâncias de ocorrência e danos desconhece, bem como se o FGA pagou as quantias que diz ter pago, e se as mesmas eram devidas e correspondiam aos danos efectivamente sofridos por quem as recebeu, impugnando tudo o que consta dos artºs 1 a 43, 54 a 57, 63, 64, e 68 a 94 da petição inicial.
Como resulta do relatório supra, nesta identificada acção apensa, o FGA, Réu na acção principal, pediu a condenação das Rés – da seguradora F…e ou da responsável civil, consoante o que se viesse a apurar a respeito da (in)existência de seguro válido e eficaz –, no pagamento do montante de 263.286,23€, acrescido de juros de mora, pretendendo por via da mesma o reembolso dos montantes alegadamente já por si pagos ao lesado e a terceiros em consequência do acidente de viação a que os presentes autos respeitam, aduzindo para tanto os factos relativos à dinâmica do acidente, à existência de seguro válido celebrado entre o proprietário do veículo CZ e a Ré, aos danos sofridos pelo lesado; e ainda que, por proposta da Companhia de Seguros …, SA datada de 03.12.2003, acordou com aquela na regularização do acidente, em face da ausência de culpa, assumindo 50% da responsabilidade, correspondente àquele valor, cujo último pagamento efectuou em 20 de Junho de 2008.
Portanto, da interpretação dos articulados e da posição assumida pelas partes nos mesmos, não subsistem quaisquer dúvidas de que o fundamento de cada uma das acções, ou se quisermos, o núcleo essencial da factualidade que sustenta, num caso, a pretensão do Hospital e, no outro, a pretensão do FGA, não é a da determinação da responsabilidade pela ocorrência do acidente de viação. Em ambas as acções este fundamento que podemos designar como a base factual que é pressuposto da pretensão deduzida, apresenta-se ao tribunal assumido por acordo, surgindo a dinâmica do acidente vertida nos articulados como o fundamento subjacente que ancora a legitimidade substantiva de cada uma das partes para efectuarem as pretensões deduzidas. Tal não significa, porém, que o tribunal não tivesse que apurar a responsabilidade pela ocorrência do acidente. Tinha necessariamente que o fazer porquanto as Rés no processo apenso, não tendo sido intervenientes em qualquer acordo, não tinham que aceitar a bondade da avaliação a respeito da repartição da responsabilidade pela ocorrência do evento, que havia sido assumida pelo FGA. Podiam, pois, discutir a dinâmica do acidente, trazendo à causa os factos subjacentes à determinação da responsabilidade pela sua ocorrência, com vista a afastarem o direito de sub-rogação que o FGA deduziu contra ambos, no pressuposto da existência parcial da sua responsabilidade. O que não podia ter ocorrido, como veio a acontecer na sentença recorrida, era a repercussão desse apuramento da responsabilidade, no âmbito da relação material controvertida que o não pressupôs.
Olhando as relações jurídicas complexas e entrecruzadas que temos em presença, podemos sintetizar o caso, nos moldes assinalados pela Apelante, dizendo que efectivamente o lesado O…, foi vítima de acidente de viação, ocorrido em 16.03.2003, no qual foram intervenientes os veículos de matrícula …UD, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para ora Recorrente, e o veículo …CZ, alegadamente sem seguro válido.
Tendo o A. Hospital das Forças Armadas prestado cuidados médicos, internamento e tratamentos ao lesado, veio pedir o pagamento dos respetivos valores, àqueles que tinha como sendo os responsáveis para as suportar. Note-se que o podia ter feito dizendo que a Apelante e o FGA terão assumido por acordo o pagamento de 50% das mesmas, mas que a sua responsabilidade pelo pagamento seria aquela que se viesse a apurar no julgamento dos factos correspondentes à dinâmica do acidente. Porém, não o fez, e claramente deduziu um pedido conjunto, imputando a cada um dos réus a correspondente quota-parte de metade das despesas efectuadas. Por seu turno, o FGA, não contestou aquela repartição de responsabilidade, apenas trazendo à demanda a relação jurídica que lhe importava do ponto de vista do exercício do direito de sub-rogação quanto aos responsáveis civis das quantias que viesse a suportar.
Portanto, podemos concluir, com a Apelante, que em nenhum dos processos a causa de pedir foi a responsabilidade pela ocorrência do invocado acidente de viação.
Na realidade, no processo n.º 1195/08.0TVLSB, a causa de pedir é a prestação, pelo A. Hospital, de cuidados médicos, internamento e tratamentos ao lesado, sendo a realização dessas despesas que sustenta o pedido de condenação dos RR. no reembolso das mesmas, e no processo apenso, com o n.º 472/10.5TBACN, a causa de pedir é constituída pelos factos relativos à alegada regularização, por parte do ali A. FGA, de metade dos danos decorrentes do sinistro, nomeadamente ao nível da indemnização paga ao lesado a título de dano biológico e danos não patrimoniais.
Assim, quando no processo n.º 1195/08.0TVLSB, o objecto do litígio foi definido como a responsabilidade dos RR. GNB e FGA pelo pagamento ao A. Hospital das despesas hospitalares por este suportadas para tratar o lesado, esta só pode ser entendida na economia dos autos como o apuramento do montante a pagar por cada R., na proporção de metade, para cada um, daquele valor que viesse a ser apurado, porque era este que se encontrava controvertido, já que ambas as partes impugnaram parcialmente as despesas invocadas pelo Hospital como fundamento dos valores peticionados quanto a cada um dos RR. na acção principal.
Na realidade, como enfatiza a Apelante, o único pedido contra si apresentado nos autos foi o constante no ponto 1. do relatório, de a mesma ser condenada no pagamento ao A. Hospital do valor de metade do total despendido com a prestação de cuidados médicos ao lesado, nunca tendo o FGA apresentado qualquer pedido contra a ora Recorrente GNB. Daí, e concordantemente, ter sido dado como facto assente na audiência prévia referida em 8. que o FGA e a GNB, por acordo, assumiram, cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ, uma vez que a tramitação processual evidencia que tal acordo não ficou sujeito a qualquer condição, nomeadamente a de vir a apurar-se diversa responsabilidade pelo sinistro.
Aliás, se dúvidas ainda subsistissem, bastaria verificar que aquando da sentença proferida nos autos principais, em 01.10.2015, rectificada quanto ao cálculo dos valores, por despacho de 30.11.2015, a Ré GNB foi condenada a pagar ao A. Hospital a quantia de 160.135,01€, e o Réu FGA foi condenado a pagar ao A. Hospital a quantia de 182.453,90€, ambas acrescidas de juros, tendo o FGA, recorrido da sentença mas apenas por entender que não poderia ter sido condenado no pagamento de metade do valor reclamado pelo A. Hospital sem que também o fossem os Intervenientes, em momento algum colocando em causa a repartição de responsabilidade com a seguradora GNB, em 50%.
Aqui chegados, basta o caminho percorrido para que se imponha a conclusão de que a Apelante não podia ter sido condenada no valor global do pedido deduzido pelo Hospital com fundamento na prestação de cuidados de saúde ao soldado que foi vítima do acidente de viação, desde logo, pela simples mas evidente razão de que foi o Autor quem limitou a responsabilidade da ré seguradora a metade (50%) do valor das despesas por si realizadas.
Ora, a respeito do vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia rege actualmente o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, os qual integral correspondência com as previsão anteriormente constante nos artigo 668.º, n.º 1, alínea d), mantendo-se consequentemente válidas todas as considerações que já se encontravam sedimentadas a respeito da respectiva interpretação.
Dispõe o referido o preceito legal citado que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[10], sendo este segmento do preceito o único que ora importa considerar..
É entendimento pacífico que «[n]ão podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça.
É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido»[11].
Revertendo este entendimento à situação em presença, atenta a causa de pedir invocada pelo Hospital autor em fundamento da condenação da companhia de seguros ora Recorrente, e a conformação do pedido contra si formulado, cujos termos foram reiterados aquando da alteração do pedido formulado, tanto na vertente da sua redução como da respectiva ampliação, sempre na proporção de 50% do valor peticionado, tendo-se apurado que o Hospital Autor, suportou a quantia global de 364.907,81€ (facto 45) com os cuidados de saúde prestados ao soldado vítima do acidente de viação, que a GNB já pagou a quantia de 22.318,89€ e o FGA não efectuou qualquer pagamento (factos 46 e 47), urge concluir que a sentença que condenou a Apelante a pagar ao autor a quantia de 342.588,91€, é, sem dúvida, uma decisão que «condena em quantidade superior ao pedido» formulado pelo Autor contra esta seguradora, violando consequentemente o preceituado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, quanto aos limites da condenação.
Isto posto, não pode deixar de concluir-se que a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Efectivamente, o entendimento que era pacífico no domínio do artigo 264.º do anterior CPC, não foi postergado pelo actual artigo 5.º do CPC o qual, pese embora atribua ao juiz um poder mais interventor, não significa, «porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório, uma vez que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa»[12].
Consequentemente, tendo o Hospital Autor restringido a pretensão deduzida contra a Ré Seguradora ao pagamento de metade das despesas comprovadamente por si suportadas, estava vedado ao tribunal recorrido condená-lo em quantia superior ao que se apurasse ser aquela quota-parte da sua responsabilidade pelo pedido deduzido. Igualmente lhe estava vedado fazer repercutir na condenação desta Ré a determinação da percentagem da responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente de viação, já que tal conhecimento não decorreu da alegação factual efectuada pelo Autor, na qual fundou a responsabilidade desta Ré, não respeitando à relação material controvertida entre ambos estabelecida, mas sim, àqueloutra que decorreu da defesa apresentada pela Ré Fidelidade no âmbito da pretensão contra si deduzida pelo FGA.
Na realidade, conforme tem sido entendimento também pacífico, expresso designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-2016[13], «temos como princípio estruturante em processo civil que o Tribunal não está minimamente vinculado às considerações de direito formuladas pelas partes, não estando por isso, igualmente adstrito a eventuais lapsos de qualificação jurídica.
Contudo, viola-se o principio da conformidade da instância na sua valência objectiva, que leva à condenação ultra petitum, processualmente inadmissível, o conhecimento oficioso pelo Tribunal de um vício que, embora factualmente alegado, não é peticionada a respectiva consequência jurídica, a qual escapa aos poderes de cognição do tribunal».
Tal foi exactamente o que aconteceu no caso vertente, porquanto, embora se pudesse, rectius, tivesse, que considerar a factualidade alegada a respeito da responsabilidade pela dinâmica do acidente, a consequência jurídica da mesma decorrente só poderá aproveitar à(s) parte(s) que, na conformação da acção, dela pretenderam retirar efeitos, no caso, a Ré F… e os intervenientes.
Na verdade, sendo certo que, em face do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal não se encontra adstrito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito, diversamente do que se entendeu na sentença recorrida, a julgadora não podia apreciar uma causa de pedir que não foi invocada pela autora, nem a título subsidiário, nem sequer de forma implícita[14], no concernente à repercussão na sua esfera jurídica do apuramento da responsabilidade pela ocorrência do acidente.
Efectivamente, incumbindo ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, atento o princípio do dispositivo consagrado no n.º 1 do mesmo preceito e o princípio da necessidade do pedido, vertido no artigo 3.º, n.º 1, da mesma codificação, só pode fazê-lo «dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada»[15].
Assim sendo, e incumbindo ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e formular o pedido, de harmonia com o disposto no artigo 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC, não tendo este alegado factos tendentes a apurar a responsabilidade pela ocorrência do acidente, cuja determinação fundou no acordo de repartição firmado entre a seguradora e o FGA, e tendo concretamente restringido o pedido formulado contra a ré seguradora a metade do valor das despesas que suportasse, não podia a Senhora Juíza, com base no apuramento da responsabilidade pela ocorrência do acidente, na sequência de outra relação material controvertida conexa, ter condenado a Ré ora Recorrente ao pagamento da indicada quantia global à autora, com base em fundamento não alegado pela parte sobre a qual tal ónus recaía, nos termos também definidos no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, e em pretensão que pela mesma não foi integralmente deduzida contra esta parte.
Na realidade, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, e conforme acentua a Apelante, “a eficácia do acordo foi determinada na relação interna (entre os RR. GNB e FGA), de acordo com o facto provado 43, mas também na relação externa entre a R. GNB e o A. Hospital (facto provado 44), e a evidência de que o próprio A. Hospital aceitou o acordo é o facto de ter formulado o pedido na proporção de metade em relação a cada um dos RR., pretensão que manteve aquando da posterior redução e ampliação do pedido (vide requerimento de 11.05.2015 – ref.ª 19572618)”.
Conclui-se, pois, que o Tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento por duas vias: i) conheceu da questão da responsabilidade pela produção do sinistro fazendo-a reflectir na relação material controvertida entre o A. Hospital e a R. GNB que nunca a invocaram como fundamento da acção ou da defesa; e ii) conheceu de uma parte do pedido que nunca foi dirigido contra a R. GNB, porque a condenou no valor global das despesas comprovadas pelo A., quando este havia pedido a sua condenação em metade desse valor.
Consequentemente, a sentença recorrida é nula, por violação do princípio dispositivo, concretamente dos limites da condenação definidos no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos do pedido, condenando em quantidade superior à pretensão deduzida pelo Autor contra a ora Apelante, e incorrendo na nulidade prevenida no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, o que impõe a sua alteração em sede do presente recurso, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 1, da codificação processual civil.
Invoca ainda a Apelante que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que no anterior acórdão deste Tribunal foi determinada a prossecução dos autos para o julgamento do pedido do FGA contra as RR. F… e M…, decidindo-se a questão controvertida da existência, ou não, de seguro válido e emitindo-se uma sentença unitária que decidisse os dois pedidos em causa, o do A. Hospital e o do A. FGA, de acordo com a prova que se viesse a produzir sobre tal questão, sendo que, a seu ver, o Tribunal recorrido não proferiu qualquer decisão quanto ao pedido que o FGA dirigiu aos RR. F… e M…, limitando-se a decidir o pedido do A. Hospital formulado nos autos principais.
Mas, a este respeito, a Apelante não tem qualquer razão.
Em primeiro lugar, porque a invocada nulidade nunca existiria já que na sentença recorrida, os Réus F… e M… foram absolvidos do pedido, precisamente porque o tribunal entendeu que a responsabilidade pela ocorrência do embate era unicamente assacável ao segurado da ora Apelante.
Em segundo lugar, porque nem sequer lhe assiste legitimidade para invocar uma nulidade referente a alegado vício de pronúncia relativa a pretensão que, conforme noutro passo, e bem, havia referido, não afecta a relação material controvertida em que é parte (artigo 631.º, n.ºs 1 e 2 a contrario, do CPC).
Em terceiro lugar, e decisivamente, porque quem tinha legitimidade para recorrer da absolvição dos Réus do processo apenso, não requereu a ampliação do âmbito do recurso nos termos previstos no artigo 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, significando o que vimos de dizer que, não tendo o ali A. FGA ampliado o objecto do recurso, prevenindo a revogação da sentença recorrida e a necessidade da sua apreciação, a absolvição decretada na sentença recorrida transitou em julgado, e passou a ter força obrigatória no processo.
Na realidade, conforme decorre do precedente acórdão, o reflexo que o julgamento do processo apenso poderia ter no principal respeitava apenas à questão controvertida da (in)existência de contrato de seguro.
Ora, tendo no julgamento dos autos apensos sido dados como provados os factos 20 e 21 acima transcritos, dos quais decorre a conclusão extraída na sentença recorrida de que à data do acidente, o veículo CZ circulava sem deter seguro válido e eficaz - matéria que não foi impugnada pelo recorrido, como lhe permitia o n.º 2 do artigo 636.º do CPC -, e não podendo pelas razões acima expendidas a respeito do excesso de pronúncia, o FGA beneficiar do apuramento de responsabilidade diversa daquela que aceitou, por não ter sido por si alegada, e concordantemente, não ter sido invocada no recurso interposto da primeira sentença, a única conclusão a extrair é a de que a condenação primeiramente decretada quanto a este Réu na acção principal, também transitou, passando igualmente a ser obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC.
Improcede, pois, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
Vejamos, então, quais as consequências da declaração da referida nulidade por excesso de pronúncia, no estado actual dos autos.
Como se extrai do relatório, na sentença primeiramente proferida, foi decidido, no que ora releva, condenar a Ré GNB …, SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 160 135,01, e condenar a Ré Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 182 453,90, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
Desta sentença, apenas o FGA recorreu, dizendo claramente: «é certo que se provou que o Fundo de Garantia Automóvel e a GNB …, S.A., por acordo, assumiram cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ (facto provado 22). Mas tal compromisso, no sentido de aceitar a repartição equitativa da responsabilidade na produção do acidente entre o condutor segurado na GNB e o condutor sem seguro, não legitima a exclusão dos responsáveis civis dos presentes autos. (…)
Nestes termos, não pode o FGA permitir que transite em julgado a decisão que determina a não condenação de condutor e proprietário no pedido».
Assim, evidente se torna que então o FGA não impugnou a questão da sua condenação conjuntamente com a ré seguradora, nem a repartição em metade da responsabilidade pelo pagamento das quantias suportadas pelo Hospital, nem tão pouco o valor em que foi condenado, apenas não concordando com a decisão de absolvição dos Intervenientes, entendendo que estes deveriam ter sido também condenados ao pagamento ao A. Hospital do valor de 193.656,85€, acrescido dos respectivos juros.
Ora, aquando da prolação do Acórdão de 03.11.2016, haviam sido interpostos dois recursos: i) o recurso sobre a decisão de prescrição proferida nos autos apensos; e ii) o recurso da sentença proferida nos autos principais, tendo-se decidido: (A) Julgar integralmente procedente o recurso interposto da decisão que declarou prescrito o direito que o FGA pretendia exercer nos autos apensos, determinando o prosseguimento de tais autos e a prolação de uma decisão unitária, e (B) considerar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo FGA da sentença proferida em relação ao processo 1195/08.0TVLSB (autos principais).
Na sequência do recurso de revista apresentado pela R. Fidelidade no que concerne, exclusivamente, à decisão relativa à prescrição do direito do FGA contra si exercido nos autos apensos, o Supremo Tribunal de Justiça, por aresto de 18.01.2018, julgou improcedente a revista e manteve aquela decisão deste Tribunal da Relação de considerar que o direito que o FGA pretendia exercer contra a R. F… e a Interveniente nos autos apensos, não se encontrava prescrito.
Assim, conforme acentua a Recorrente, prosseguiram os autos apensos (472/10.5TBACN) para julgamento, com vista a que a decisão que sobre os mesmos recaísse fosse integrada na decisão já proferida sobre os autos principais (1195/08.0TVLSB), e se proferisse uma decisão unitária.
Na realidade, desde os articulados e, em sua decorrência, na audiência prévia de 18.02.2015, que se deu como assente que o FGA e a GNB, por acordo, assumiram, cada um 50% da responsabilidade, em consequência do acidente ocorrido entre os veículos de matrícula …UD e …CZ, acordo esse que nunca ficou sujeito, por nenhuma das partes, a qualquer condição nem ficou tão pouco dependente do apuramento da responsabilidade pela produção do sinistro, tendo sido aceite pelo FGA.
Deste modo, na referência à prolação de decisão unitária não se prefigurava, - por julgarmos, em face das razões expostas decorrentes do princípio dispositivo que tal não se mostra ser legalmente possível -, que houvesse repercussão no processo principal, como foi feito, do apuramento da imputação da responsabilidade pela ocorrência do sinistro, que apenas poderia vir a beneficiar as Rés do processo apenso, mas sim, caso fosse apurada a culpa destas, ainda que parcial, a pretendida condenação pelo FGA de uma delas pelo valor dos pagamentos por si efectuados, consoante o que se apurasse quanto à (in)existência de seguro válido, como ali referimos, afirmando: «[c]umpre agora aquilatar das consequências desta decisão [da não prescrição do direito de sub-rogação deduzido no processo apenso] sobre o recurso da sentença proferida.
Assim, tendo presente que nem o Hospital autor nem a Companhia de Seguros interpuseram recurso da sentença, mantém-se a decisão proferida na parte em que condenou a Ré GNB …, SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 160 135,01[16], acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento; e ainda na parte em que absolveu o Réu R… do peticionado.
Porém, considerando o recurso interposto pelo FGA, tal não pode suceder quanto à Ré/Interveniente M…. Efectivamente, a mesma é Ré no processo apenso e, prosseguindo esses autos, a sentença a proferir será necessariamente unitária.
Por isso que, não possa deixar também de ficar prejudicado, por ora, o conhecimento do recurso interposto pelo FGA quanto à sentença proferida, estribado essencialmente na alegação de que, por um lado, não pode ser condenado desacompanhado dos responsáveis civis, já que os mesmos são conhecidos e têm de ser condenados, e, por outro lado, de que não foi produzida qualquer prova da inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel para o veículo CZ. (…)
Nestes termos, fica por ora prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença proferida e que depende, como sobredito, da decisão unitária que vier a ser efectuada após o julgamento da matéria controvertida da acção apensa, a integrar no já realizado quanto a estes autos, com a prolação unitária da sentença final».
Consequentemente, conforme já havíamos expressamente referido no anterior acórdão, da «decisão proferida na parte em que condenou a Ré GNB …., SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa o montante de € 160 135,01, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento ao condenar a Recorrente», não foi interposto recurso, nem o julgamento foi anulado, por forma a permitir decisão diversa a este respeito.
Deste modo, nos termos previstos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, não tendo tal decisão sido impugnada por qualquer das partes, transitou em julgado e adquiriu força de caso julgado material, porquanto recaiu sobre a relação material controvertida existente entre o A. Hospital e a R. GNB e passou a ser obrigatória dentro do processo e fora dele.
Assim, o recurso merece provimento, sendo de revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a mesma em quantia superior àquela que havia sido peticionada, e aceite na sequência de decisão que se mostra coberta nesta parte pela força de caso julgado material, nos moldes referidos.
Responsabilidade tributária: tendo contra-alegado e ficado vencido, o Apelado FGA, suporta as custas de parte do recurso, de harmonia com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 528.º, n.º 3, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, n.º 1, todos do CPC.
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré GNB …, SA a pagar ao Autor Hospital das Forças Armadas - Pólo de Lisboa no pagamento de valor superior à quantia de 160.135,01€, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal a contar da citação até integral e efectivo pagamento, e no mais mantendo a decisão proferida.
Custas pelo Apelado FGA.
Évora, 16 de Janeiro de 2020
Albertina Pedroso [17]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 3.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Actualmente com a denominação “Polo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas”.
[4] Actualmente com a denominação GNB – Companhia de Seguros, SA.
[5] Os valores da condenação constam já rectificados nos termos determinados pelo despacho de fls. 655, que constitui parte integrante da sentença, proferido na sequência de pedido de rectificação de erro de cálculo.
[6] Relatado pela ora Relatora e subscrito pelo ora 2.º Adjunto, como 1.º Adjunto.
[7] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[8] Doravante abreviadamente designado CC.
[9] Doravante FGA.
[10] Cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e, exemplificativamente, Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 737.
[12] Cfr. Ac. STJ de 10-09-2015, Revista n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção.
[13] Proferido no processo n.º 762/04.6TYLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. neste sentido, Ac. TRL de 24.02.2015, proc.º n.º 6952/05.7TCLRS.L1-1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. STJ de 19.01.2017, proc.º n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Corrigiu-se aqui o lapso decorrente da transcrição do valor antes da rectificação, que ora se considera.
[17] Texto elaborado e revisto pela Relatora.