Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1279/20.7T8FAR.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
FORÇA EXECUTIVA
EXEQUATUR
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O tribunal só pode recusar a executoriedade de uma decisão com base na violação das regras de competência se a decisão cuja executoriedade se pretende ver reconhecida tiver sido proferida por um tribunal incompetente à luz das regras da Convenção de Lugano.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1279/20.7T8FAR.E1 – 2.ª secção

Acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

(…) veio requerer, ao abrigo do preceituado no art.º 38.º da Convenção de Lugano, que seja declarada com força executória à decisão condenatória proferida em 24 de outubro de 2018 no âmbito do processo que lhe moveu (…), ambos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, que correu termos no Tribunal Distrital de La Broye et du Nort Vandois, na Suíça.

Alegou, para tanto, que por sentença proferida por aquele Tribunal o requerido foi condenado a pagar-lhe a quantia de 50.000 francos suíços, acrescida de juros à taxa de 5% contar desde 01 de janeiro de 2012 e 4000 francos suíços a título de despesas.

A sentença passou a definitiva entre as partes em 27 de novembro de 2018, que o requerido teve intervenção ativa nos autos como demandante e que até ao momento nada pagou, pretendendo instaurar ação executiva junto do Tribunal português da área onde se localiza um bem imóvel de sua propriedade.

Proferida decisão foi declarada executória em Portugal a decisão condenatória proferida em 24 de outubro de 2018, no âmbito do processo PO 16.01087, que correu termos no Tribunal Distrital de La Broye et du Nort Vandois, em que são partes o requerente (…) e o requerido (…).

Inconformado recorreu o requerido tendo concluído nos seguintes termos:

I - Compulsada a Petição Inicial e Douta Sentença Recorrida, não se alcançam as razões de facto e de direito, que possam suportar e justificar a qualidade de interessado do Requerente, pois conforme resulta da PI, os domicílios indicados para Requerente e Requerido são na Suíça, chegando o Requerente a alegar que segundo o que é do seu conhecimento o Requerido não tem domicílio em Portugal.

II - Para justificar o seu interesse e qualidade de Interessado, o Requerente alega, apenas, que o Requerido é proprietário de uma fração autónoma para habitação, sita em Vilamoura, Portugal, e, que pretende nomear esse bem à penhora, o que é manifestamente insuficiente face ao disposto na Convenção de Lugano II.

III - Acresce que, como o Requerente não desconhece, no âmbito das diligências de execução tendentes ao pagamento da quantia em que foi condenado, o Requerido foi convocado para comparecer no Office des Poursuites du District du Jura – Nord Vaudois no dia 07.09.2020, adiado posteriormente para o dia 28.09.2020, pelo que estando em curso as diligencias executórias adequadas e previstas na Legislação Suíça para execução da sentença aí proferida e consequente satisfação do pagamento, é notória, in casu, a ausência da qualidade de interessado do Requerente (Docs. 1 e 2).

IV - Com efeito, para aferir se o Requerente tem um interesse na declaração, o Tribunal precisará normalmente de identificar os alegados efeitos da decisão em questão e de determinar se, nas circunstâncias concretas, o Requerente está confrontado com um obstáculo que afecta o seu gozo actual desses direitos. o que não ocorre na situação dos autos, não estando demonstrado o sei interesse em agir

V - Face à ausência de alegação e prova que o Requerido tem domicílio em Portugal, mas apenas e tão só que é proprietário de um imóvel, entende-se que o lugar da execução deverá ser na Suíça, local onde tem domicilio, conforme resulta do Requerimento Inicial, não sendo aplicável o disposto no artigo 88.º, n.º 3, do CPC, conforme pretensão do Requerente, face ao disposto no art.º 22.º da Seção VI do Título II da Convenção de Lugano II que dispõe que: Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio: ( ... )

5. Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção do lugar da execução.

O recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

Factualidade relevante:

O requerente junta cópia certificada da decisão, da qual resulta que o requerido teve intervenção na ação em que foi proferida a sentença exequenda (art.º 53.º da Convenção).

Encontra-se junta aos autos certidão relativa à decisão judicial a que alude o art.º 54.º da Convenção.

Nos termos do disposto no art.º 706.º, n.º 1, CPC, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo Tribunal português competente, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

Portugal como a Suíça regem-se pela Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano em 30.10.2007, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21.12.2007.

A decisão recorrida declarou a executoriedade em Portugal de sentença condenatória proferida contra o ora recorrente por um Tribunal Suíço.

Discute-se a qualidade de interessado e o interesse em agir por parte do recorrido e a violação das regras de competência previstas no art.º 22.º, n.º 5, da Convenção de Lugano.

A sentença proferida pelo Tribunal Suíço condena o ora recorrente a pagar ao recorrido determinada quantia e na presente acção pede o requerente que a mencionada sentença seja declarada executória em Portugal.

Entre os pressupostos processuais referentes às partes, deve incluir-se o interesse processual ou o interesse em agir. Embora a lei não lhe faça referência expressa, ele encontra-se perfeitamente identificado como tal na doutrina e na jurisprudência, que o consideram admissível no elenco não taxativo do artigo 577.º do CPC.

A causa de pedir na acção executiva, como seu fundamento substantivo, é a obrigação exequenda, sendo o título executivo o instrumento documental privilegiado da sua demonstração.

A sentença que se pretende executar em Portugal condena o recorrente a pagar ao recorrido determinada quantia. O interesse em agir do recorrido decorre da titularidade de um direito de crédito reconhecido por sentença, direito esse que pretende exercer coercivamente, ainda que exija a prática prévia de actos instrumentais – declaração de executoriedade da sentença estrangeira.

Mesmo a alegação (não demonstrada) de que nos Tribunais Suíços se iniciaram diligências com vista à cobrança coerciva do credito só relevaria em sede de execução a instaurar e não nos presentes autos em que se pede apenas que seja declarada força executória à decisão condenatória proferida em 24 de outubro de 2018 pelo Tribunal Distrital de La Broye et du Nort Vandois, na Suíça.

Sustenta o Recorrente que a executoriedade da sentença suíça não pode ser reconhecida em Portugal por ter sido desrespeitado o disposto no artigo 22.º, n.º 5, da Convenção.

Subscrevemos na íntegra a argumentação do recorrido.

«A Convenção dispõe que os tribunais do país em que se pretende executar a sentença estrangeira só podem recusar a executoriedade com fundamento nalgum dos motivos especificados nos artigos 34.º e 35.º, entre os quais se encontram as regras de competência do artigo 22.º, n.º 5, invocadas pelo Recorrente.

Dispõe esta norma que “têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:

Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção do lugar da execução”.

Daqui o Recorrente retira a conclusão de que há uma violação das regras de competência porque a competência para a execução é do tribunal do seu domicílio, ou seja, a Suíça, tendo em conta o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 90.º e 86.º do Código do Processo Civil e sem aplicação do previsto no artigo 89.º, n.º 3, do mesmo diploma.

O tribunal só pode recusar a executoriedade de uma decisão com base na violação das regras de competência se a decisão cuja executoriedade se pretende ver reconhecida tiver sido proferida por um tribunal incompetente à luz das regras da Convenção.

Ou seja, nesta matéria o que está em causa não é a competência do tribunal que declara a executoriedade da sentença estrangeira – essa está definida no artigo 39.º, n.º 1 e no Anexo II da Convenção;

E também não é a competência do tribunal que executará essa sentença logo que o exequatur seja obtido, como parece indicar o argumento do Recorrente – essa acção ainda não foi interposta, pelo que jamais poderia aqui haver violação de regras de competência.

O que está em causa é a competência do tribunal que proferiu a sentença estrangeira, ou seja, o tribunal suíço.

Acontece que a acção em que essa sentença foi proferida tem natureza declarativa, pelo que jamais poderia estar abrangida pela disposição do artigo 22.º, n.º 5, da Convenção, como vem invocado pelo Recorrente».

Cumpre ainda apreciar a alegada má-fé do recorrente que, do ponto de vista do recorrente lançou mão de argumentação manifestamente infundada fazendo ainda um uso manifestamente reprovável dos meios judiciais.

Litiga com má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável (artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e d), CPC).

A simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento não constitui dolo ou negligência grave.

A lide meramente temerária não justifica a condenação como litigante de má-fé.

Para que haja litigância de má-fé e necessário que as circunstâncias concretas induzam à conclusão que a parte deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada.

A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.

Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

Os pressupostos da litigância de má fé têm de ser interpretados com cautela, ponderando de forma ampla o direito de acesso aos tribunais.

No caso dos autos a tese do recorrente assenta numa diversa interpretação de normas jurídicas o que se nos afigura insuficiente para caracterizar a litigância de má-fé por abusiva utilização de meios processuais.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Évora, 11 de Fevereiro de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso