Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
766/23.0T8BJA.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
NECESSIDADE
Data do Acordão: 03/22/2024
Votação: RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O novo regime do maior acompanhado garante à pessoa acompanhada a sua autodeterminação e promove, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito.
2 – O acompanhamento de maior só é decretado se estiverem preenchidas duas condições: uma condição positiva, tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e para aplicar uma das medidas enumeradas no artigo 145.º do Código Civil e uma condição negativa o Tribunal não deve decretar aquela medida se os deveres de cooperação e assistência forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.
3 – A matéria das restrições judiciais dos direitos do acompanhado é de natureza estritamente casuística, sujeita aos princípios da necessidade, proporcionalidade e flexibilidade de acordo com o critério da imprescindibilidade individual e da vontade esclarecida do beneficiário.
4 – A aplicação de qualquer medida de acompanhamento tem que ser fundamentada, devendo o Tribunal averiguar e apurar se a sua imposição é necessária, adequada e proporcional, e se se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares.
5 – Tanto no domínio dos direitos pessoais como na dimensão patrimonial dos negócios da vida corrente, as intervenções no âmbito do regime do maior acompanhado devem garantir o poder de autodeterminação e salvaguardar a vontade do beneficiário, quando que tal se mostre possível e sempre que este seja detentor um discernimento esclarecido, estando todas as actuações que visam a resolução de determinado problema limitadas pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e suficiência, sendo que estas medidas surgem, ainda assim, como subsidiárias dos deveres gerais de cooperação e apoio de natureza familiar ou assistencial.
6 – Em sede de procedimento de jurisdição voluntária, o julgador pode fazer uso das «regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, de molde a descobrir e adoptar a solução mais conveniente para os interesses em causa.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 766/23.0T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J2
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Recurso com efeito e regime de subida adequados.
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Decisão nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º do Código de Processo Civil:
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I – Relatório:
Na presente acção especial de acompanhamento de maior proposta pelo Ministério Público relativamente a (…), o Autor veio interpor recurso da decisão final.
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O Ministério Público pediu que se decretasse o acompanhamento por razões de saúde mental e física do requerido, com aplicação do regime da representação geral com dispensa de constituição do conselho de família, a ser revista com uma periodicidade de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 155.º do Código Civil, e limitação do direito pessoal de testar.
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Em benefício desta posição, o Ministério Público alegou que o requerido não se mostrava capaz de reger a sua pessoa e bens, por razões de saúde.
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Realizada a citação, o requerido não apresentou contestação.
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Procedeu-se à audição do requerido que, de acordo com a sentença recorrida, «não quis comunicar».
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A sentença a quo decidiu:
a) decretar que o Beneficiário (…), solteiro, nascido em (…), natural da freguesia de (…), concelho de Beja, filho de (…), portador do documento de identificação n.º (…), emitido pela República Portuguesa, com residência em (…), (…), (…), 7800-556 Beja se encontra sujeito ao regime legal do maior acompanhado, nomeando-se como acompanhante o director clínico do Lar (…), (…), (…), em Beja que o acolhe, independentemente, de quem em concreto esteja designado, nos termos do artigo 143.º, n.º 2, alínea i), do Código Civil.
b) declarar que o Acompanhado não possui directivas antecipadas de vontade (DAV) e / ou Procuração de cuidados de saúde (PCS), por referência ao n.º 3 do artigo 900.º do Código de Processo Civil.
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Inconformado com tal decisão, após pedido de rectificação, o recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«A – No âmbito da acção de maior acompanhado peticionou o Ministério Público que, nos termos do disposto nos artigos 138.º, 141.º e seguintes do Código Civil e artigo 891.º e seguintes do Código de Processo Civil, fosse decretado o acompanhamento ao beneficiário (…), com aplicação do regime da representação geral com dispensa de constituição do conselho de família.
B – Por sentença proferida em 01/02/2024, decretou a Mm.ª Juiz do Tribunal, o beneficiária se encontrava sujeita ao regime jurídico do maior acompanhado, com dispensa do conselho de família e nomeando como acompanhante o director clínico do Lar (…), (…), (…), em Beja, que o acolhe, independentemente, de quem em concreto esteja designado, nos termos do artigo 143.º, n.º 2, alínea i), do Código Civil, tudo ao abrigo da aplicação do princípio da necessidade.
C – Tendo pois por referência o mesmo princípio – o da necessidade –, resulta da sentença recorrida que, foram dados como provados pela Mmª. Juiz, os seguintes factos:
(…)[1].
D – Concluindo depois pela sujeição do beneficiário ao regime legal do maior acompanhado, sem decretar a aplicação de qualquer medida concreta nesse âmbito.
E – Dispõe o artigo 900.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que «1. Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil, e, quando possível fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes».
F – Nos termos do artigo 138.º do Código Civil, o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
G – O decretamento de qualquer medida de acompanhamento decorre de uma impossibilidade suficientemente forte e não meramente indiciária de uma pessoa maior encontrar-se de modo pleno, pessoal e consciente impedida de exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres no âmbito da sua capacidade jurídica e relativamente aos seus interesses pessoais (artigos 130.º e 138.º do Código Civil).
H – O Requerido sofre de uma doença física que o limita e necessita da ajuda de terceiras pessoas para algumas das atividades da vida diária. Nesta medida e em face da citada lei, importará decretar seu acompanhamento. Decorre da matéria de facto provada que não obstante padecer de doença física que obriga a vários apoios nas actividades da vida diária nomeadamente, de alimentação, o Beneficiário está capaz de entender e se expressar. Mostra-se, ainda, apoiado no Lar que o recebeu.
I – Não nos conformamos com a decisão da sentença recorrida, a saber, que, “que por força precisamente do princípio da necessidade, na dúvida, não deve ser decretada nenhuma das medidas de acompanhamento. Pelo exposto, não se estabelecem outras medidas, além da necessidade de nomeação de acompanhante. (…) o Beneficiário (…) se encontra sujeito ao regime legal do maior acompanhado”.
J – Ora, o n.º 2 do artigo 140.º do Código Civil aplica-se às situações que não há necessidade de beneficiar o requerido do regime jurídico do maior acompanhado, e não à presente situação.
L – A sentença que decreta ou não o acompanhamento do maior é algo mais do que um mero ato decisório, é antes uma cuidada e individualizada resposta jurídica que o sistema se propõe a aplicar àquela pessoa (em concreto), sujeito de direitos e deveres.
M – Reportando aos factos dados como provados, a sujeição do beneficiário ao regime do maior acompanhado, sem decretar a sujeição a quaisquer medidas de acompanhamento, não terá qualquer significado no que respeita ao bem-estar, ao exercício dos direitos e cumprimento dos deveres do beneficiário.
N – Atendendo ao exposto não faz qualquer sentido a sentença recorrida decretar que fica o beneficiário sujeito ao regime do maior acompanhado e demitir-se de decretar a medida concreta do acompanhamento escudando-se na sua desnecessidade, até porque tal conclusão está em flagrante contradição com o factos dados como provados.
O – A sentença proferida está ferida de nulidade posto que nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), quando o Juiz deixe de se pronunciar quanto a questões que devesse apreciar a sentença é nula.
P – Ora a sentença recorrida não decreta qualquer medida de acompanhamento ao beneficiário.
Q – Conforme decorre expressamente do disposto no artigo 900.º do CPC, num processo de acompanhamento de maior, as questões a decidir dizem respeito à designação do acompanhante (e eventualmente de acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família) e à definição das medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do CC e, quando possível, à fixação da data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.
R – A sentença recorrida omitiu a pronúncia sobre uma questão concreta que devia ter conhecido – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC –, uma vez que não decretou qualquer medida de acompanhamento ao beneficiário, conforme o disposto no artigo 145.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que está ferida de nulidade.
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser declarada a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., impondo-se a sua substituição por outra que decreta medida ou medidas de acompanhamento adequadas às necessidades da acompanhado (…), pois apenas assim é possível dar conteúdo ao regime do maior acompanhado do qual a requerida beneficia e que se mostra adequado à sua situação de saúde e de vida.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ter provimento e em consequência ser declarada a nulidade da sentença, e ainda que assim não seja entendido, deve a decisão ser substituída por outra que decida concretamente sobre as medidas decretadas ao beneficiário no âmbito do seu acompanhamento, para que assim se faça Justiça».
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Não houve lugar a resposta.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de:
a) nulidade por omissão de pronúncia.
b) erro de direito.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1 – O beneficiário (…) nasceu em (…), tem actualmente 69 (sessenta e nove) anos de idade.
2 – O beneficiário reside actualmente e de forma permanente em (…), (…), (…), em Beja.
3 – (…) é irmã de (…).
4 – Ao beneficiário (…) foi-lhe amputada a perna esquerda em 1974; esteve internado com diagnósticos de AVC isquémico com sequelas motoras, diabetes tipo 2 insulinotratada, status pós amputação transfemural esquerda e hiperuricemia.
5 – O beneficiário no dia 10/01/2023, pelas 07h20, encontrava-se deitado numa cama da sua antiga habitação, sita Rua do (…), n.º (…), em (…), sem quaisquer condições de higiene e sem alimentos, o que levou à intervenção das autoridades policiais e de saúde.
6 – Actualmente está dependente nas actividades da sua vida diária, necessitando de total apoio nas tarefas quotidianas, por ser portador de SNG para gavagem, com paresia facial central, plegia braquial direita e crural com FM grau ½.
7 – O beneficiário sabe ler e escrever.
8 – Reconhece as pessoas e sabe quem são.
9 – Sabe onde reside, reconhece lugares e localidades.
10 – Sabe as horas do dia e os dias da semana, sabe o ano em que nasceu e o ano em que nos encontramos.
11 – Conhece o valor económico do dinheiro, sabe fazer contas e o preço dos bens, consegue fazer pagamentos, sendo a sua única limitação de índole física uma vez que tem a perna esquerda amputada.
12 – O Requerido, apesar de conhecer o dinheiro, não está capaz de fazer compras, vendas, contratos ou actos negociais de qualquer natureza[2].
13 – O examinando sabe ler e assinar mas não está capaz de perceber todo o teor de documentos ou legislação, ou tratar de assuntos relacionados com os Tribunais, Finanças, correios, entidades bancárias, Segurança Social ou Conservatórias, necessitando de quem o auxilie[3].
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IV – Fundamentação:
4.1 – Nulidade por omissão de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
O recorrente entende que o Tribunal a quo violou a sobredita norma, ao não ter definido as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz em denegação de justiça.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Na esteira do preconizado por Alberto dos Reis há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. Na realidade, «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[4].
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos Tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[5].
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[6] [7].
É jurisprudência consolidada e absolutamente pacífica que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o Tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras[8].
E na hipótese vertente existe uma identidade absoluta entre as pretensões deduzidas pelas partes e a matéria solucionada pelo Tribunal e, por conseguinte, não existe omissão de pronúncia, tanto mais que a decisão assume claramente que, após realizar a análise da situação, «não se estabelecem outras medidas, além da necessidade de nomeação de acompanhante». Foi opção deliberada da decisão não aplicar qualquer outra medida.
Assim, a existir algum vício, ele reporta-se ao mérito e não à violação de qualquer procedimento formal da decisão.
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4.2 – Do erro de Direito:
O regime jurídico de maior acompanhado veio reformar a disciplina das incapacidades dos maiores, substituindo os institutos da interdição e da inabilitação, com a publicação da Lei n.º 49/2018, de 14/08, diploma que introduziu modificações ao Código Civil e estabeleceu critérios de orientação no regime da incapacidade de exercício de adultos.
Sobre este tema podem ser consultados António Menezes Cordeiro[9], António Pinto Monteiro[10] [11], Diana Mota Fernandes[12], Jorge Duarte Pinheiro[13], José Alberto dos Reis[14], Mafalda Miranda Barbosa[15] [16], Maria dos Prazeres Beleza[17], Margarida Paz[18], Miguel Teixeira de Sousa[19], Nuno Lopes Ribeiro[20], Pedro Callapez[21], Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos[22], Pires de Lima/Antunes Varela[23] e Rui Pinto[24].
No comentário de António Pinto Monteiro, a Lei acolheu a mudança de paradigma já há muito anunciada, afastando-se do modelo de tomada de decisões por substituição e abraçando o modelo do acompanhamento, pela tomada de decisões com recurso à assistência e apoio. «Proteger sem incapacitar», recorde-se, é a palavra de ordem do novo modelo. Mas fê-lo com realismo, permitindo o recurso à representação legal quando, excecionalmente, não houver alternativa credível, no interesse do necessitado e por decisão judicial. Temos hoje, pois, em vez do modelo do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, de substituição, temos hoje, dizia, um regime que segue um modelo flexível e monista, de acompanhamento ou apoio, casuístico e reversível, que respeita na medida do possível a vontade das pessoas e o seu poder de autodeterminação[25].
No actual espectro lógico-normativo, as normas contidas no Código Civil e no Código de Processo Civil têm de ser interpretadas à luz das regras fundamentais inscritas na Constituição da República Portuguesa e noutros instrumentos internacionais vinculativos – v.g., a Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York), entrada em vigor na nossa ordem jurídica nacional, juntamente com o “Protocolo Adicional”, a 3 de Maio de 2008 – que estabelecem, entre outros, como princípios fundamentais que todas as pessoas com deficiência, sem excepção, têm capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os aspectos da vida e que, a par disso, a pessoa com deficiência deve ser apoiada nas suas decisões relativas ao exercício da capacidade jurídica e tem o direito a participar activamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico. Constam ainda do rol de direito o de ser ouvido sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica e que as medidas de apoio devem ser absolutamente necessárias e proporcionais e flexíveis de acordo com o critério das suas necessidades individuais.
Esta visão é partilhada pela mais autorizada jurisprudência que, de igual modo, afirma que o novo regime do maior acompanhado, introduzido no Código Civil por força da Lei n.º 49/2018, representa a realização infraconstitucional das liberdades e direitos das pessoas portadoras de deficiência com vista a encontrar soluções individualizadas, que ultrapassem a rigidez do antigo regime dualista da «interdição/inabilitação», garantindo à pessoa acompanhada a sua autodeterminação, e promovendo, na medida do possível, a sua vida autónoma e independente, de acordo com o princípio da máxima preservação da capacidade do sujeito[26].
De harmonia com a lei substantiva, no artigo 138.º[27] do Código Civil, o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença, de harmonia com a estatuição prevista no n.º 1 do artigo 140.º[28] do Código Civil.
De acordo com a lei processual, reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º[29] do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.
O decretamento de qualquer medida de acompanhamento decorre de uma impossibilidade suficientemente forte e não meramente indiciária de uma pessoa maior se encontrar de modo pleno, pessoal e consciente impedida de exercer os seus direitos e cumprir os seus deveres no âmbito da sua capacidade jurídica e relativamente aos seus interesses pessoais, tal como decorre da associação entre os artigos 130.º[30] e 138.º Código Civil.
O acompanhamento só é decretado, independentemente da sua concreta extensão, se estiverem verificadas duas condições, a necessidade da medida (requisito de ordem positiva) e a não susceptibilidade dessa necessidade ser suprida por via dos deveres gerais de cooperação e assistência (requisito de ordem negativa) [31] [32] [33].
O Tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres de cooperação e assistência forem suficientes para acautelar as necessidades do maior, dado que, como assume Mafalda Miranda Barbosa, a ideia não é incapacitar o sujeito, mas auxiliá-lo, dando-lhe o apoio necessário para que exerça na plenitude a sua capacidade jurídica[34].
O pensamento matricial é que a capacidade de exercício dos beneficiários de medidas de protecção é sujeita apenas às modificações absolutamente necessárias impostas pelas circunstâncias particulares do caso concreto[35]. E a razão para restringir determinados direitos está alocada ao propósito de «proteger o próprio acompanhado, mas também na necessidade de evitar que terceiros possam ser prejudicados por determinados comportamentos»[36].
A ideia de ultima ratio presente no instituto implica que o acompanhamento de maiores apenas tem lugar quando tal for absolutamente necessário para salvaguardar os interesses do beneficiário e quando os seus objectivos não possam ser atingidos de outra forma, nomeadamente pela via dos deveres gerais de cooperação e assistência[37].
Assim, qualquer limitação nos direitos pessoais do beneficiário tem de ter um fundamento fáctico bastante que justifique a intervenção do Tribunal, a qual deve sempre ser subsidiária e devidamente balizada no tempo[38].
Na verdade, a aplicação de qualquer medida de acompanhamento tem que ser fundamentada, devendo o Tribunal averiguar e apurar se a sua imposição é necessária, adequada e proporcional, e se se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares, devendo serem ponderados, para tal efeito, três factores: acompanhamento, competências e limitações[39].
Existe uma linha jurisprudencial consolidada que aponta no sentido que o internamento de maior acompanhado deve ser sempre autorizado pelo Tribunal, quando seja justificado, tendo em vista o bem-estar e a recuperação do acompanhado, em instituição idónea e adequada à situação de saúde daquele ante a inexistência de alternativa, mormente no seio familiar, que se mostre mais benéfica, o que aqui se verifica e não é sequer colocado em causa no recurso.
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A sentença recorrida decretou o acompanhamento do maior (…) nomeando-se como acompanhante o director clínico do Lar (…) e declara que o Acompanhado não possui directivas antecipadas de vontade (DAV) e / ou Procuração de cuidados de saúde (PCS), por referência ao n.º 3 do artigo 900.º[40] do Código de Processo Civil.
No vigente regime do maior acompanhado, como decorre da interpretação conjugada do n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º[41] do Código Civil, a pessoa acompanhada mantém, em regra, os seus direitos, e a concreta compressão judicial dos direitos pessoais depende da gravidade de cada caso concreto, que o Tribunal avalia, segundo uma regra de proporcionalidade, com base em perícias[42], sujeitas ao princípio do contraditório e com audição do sujeito a quem a medida requerida respeita[43] [44] [45] [46].
Tanto no domínio dos direitos pessoais como na dimensão patrimonial dos negócios da vida corrente, as intervenções no âmbito do regime do maior acompanhado devem garantir o poder de autodeterminação e salvaguardar a vontade do beneficiário, quando que tal se mostre possível e sempre que este seja detentor um discernimento esclarecido, estando todas as actuações que visam a resolução de determinado problema limitadas pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e suficiência, sendo que estas medidas surgem, ainda assim, como subsidiárias dos deveres gerais de cooperação e apoio de natureza familiar ou assistencial.
O Ministério Público sustenta que, actualmente, o beneficiário está dependente nas actividades da sua vida diária, necessitando de total apoio nas tarefas quotidianas, por ser portador de SNG para gavagem, com paresia facial central, plegia braquial direita e crural com FM grau ½, necessitando da ajuda de terceiras pessoas para as actividades da vida diária, encontrando-se integrado em Lar de terceira idade.
No entanto, a impugnação por via recursal não solicita uma medida concreta («a decisão ser substituída por outra que decida concretamente sobre as medidas decretadas ao beneficiário no âmbito do seu acompanhamento»). Pergunta-se então quais e porquê?
O recurso não questiona a existência de erro de facto e a sentença recorrida atesta a capacidade do acompanhado para realizar um conjunto de actos de natureza cognitiva (factos 6 a 11), esclarecendo que «a sua única limitação de índole física uma vez que tem a perna esquerda amputada».
Do acervo dos factos provados apurados pela Primeira Instância não resultava a existência de qualquer anomalia psíquica nem estava firmado que o requerido se mostrava incapaz de governar a sua pessoa e os seus bens, não existindo, assim, na aparência, um quadro em que se pudesse afirmar convicta e categoricamente que ocorria uma «incapacidade de o sujeito formar a sua vontade de um modo natural, de se autodeterminar com a liberdade que seria expectável»[47].
Da comparação entre a petição inicial e a sentença proferida verifica-se que o Juízo Local de Competência Cível de Beja apenas não aderiu ao pedido de limitação do direito pessoal de testar, única medida limitativa pretendida inicialmente pelo Ministério Público.
A medida solicitada pelo Ministério Público teve na sua génese o Relatório Pericial Psiquiátrico datado de 03/11/2023, o qual recomendava a aplicação das medidas de acompanhamento de Representação Geral e de Limitação do Direito Pessoal de Testar.
Todavia, esse relatório pericial contém matéria de inegável interesse para a justa resolução do caso. E o Ministério Público não pediu a reanálise da matéria de facto, muito menos nos termos provisionados no artigo 640.º[48] do Código de Processo Civil.
Neste domínio, aplica-se aos processos de acompanhamento de maior, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes[49].
É certo que, neste tipo de procedimentos, o critério decisório não está confinado à aplicação estrita do direito tal como configurado previamente de forma abstrata e, nessa medida, o julgador pode fazer uso das «regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, de molde a descobrir e adoptar a solução mais conveniente para os interesses em causa»[50].
Nos processos de jurisdição voluntária, o juiz pode “investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e só admitir as provas que considere necessárias”[51] e nas providências a tomar “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”[52] e tem a faculdade de alterar as resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes, sem prejuízo dos efeitos já produzidos[53].
Estes critérios de oportunidade e de conveniência reportam-se ao conteúdo da decisão e à aplicação do direito material ou substantivo. No plano do direito processual ou adjectivo continuam válidos os padrões de legalidade estrita, sem prejuízo dos poderes oficiosos de investigação dos factos e recolha de provas, especialmente previstos no n.º 2 do artigo 986.º do Código de Processo Civil.
E, de acordo com a factualidade apurada, o juízo prudencial da Primeira Instância revelava-se adequado, uma vez que, face aos critérios da intervenção mínima e da proporcionalidade, em homenagem ao princípio da preservação da capacidade de exercício do sujeito beneficiário, as necessidades individuais expressas na decisão de facto não impunham um acompanhamento reforçado com as limitações provisionadas no n.º 2 do artigo 145.º do Código Civil.
Efectivamente, a circunstância do beneficiário estar dependente e de necessitar de total apoio nas tarefas quotidianas, sendo a sua única limitação de índole física uma vez que tem a perna esquerda amputada não autorizava uma diminuição da sua capacidade jurídica ao nível da determinação da sua vontade e da realização de negócios fora do contexto da vida corrente.
Sem embargo de não ter sido solicitada a ampliação ou modificação da matéria de facto e não obstante a valia do princípio da livre apreciação da prova em sede de perícias[54] [55], é patente que o relatório de avaliação clínica enquadra a situação de modo diferente e abriga outras realidades com inequívoco interesse para a justa solução do litígio.
Esse relatório de clínica forense (médico-legal) assinala que «após o acidente, o examinando passou a evidenciar alterações psiquiátricas, aparentemente não tratadas, nomeadamente, abuso continuado de álcool, isolamento social e comportamento conflituoso» e «esta situação clinica do Requerido é crónica, permanente e irreversível encontrando-se totalmente dependente do apoio e assistência de terceiros para todas as actividades de vida diária e, mesmo, para a sua sobrevivência».
Quanto à sobredita possibilidade de accionar os deveres de cooperação e assistência familiar, ela é praticamente inexistente, pois, de acordo com o relatório de avaliação psiquiátrica, «o Requerido é solteiro, sem filhos e tem oito irmãos, tendo 4 falecido. Os 3 irmãos vivos, um vive tem (…), outro em França mas apenas tem contato regular com a irmã (…), que vive na região de Lisboa (em …, …)».
Nesta ordem de ideias, por via do recurso ao disposto no artigo 662.º[56] do Código de Processo Civil, de forma oficiosa, por serem elementos de factos decisivos que estão patenteados nos autos, reescreve-se a decisão de facto, aditando-se a seguinte matéria:
i) o Requerido, apesar de conhecer o dinheiro, não está capaz de fazer compras, vendas, contratos ou actos negociais de qualquer natureza;
ii) o examinando sabe ler e assinar mas não está capaz de perceber todo o teor de documentos ou legislação, ou tratar de assuntos relacionados com os Tribunais, Finanças, correios, entidades bancárias, Segurança Social ou Conservatórias, necessitando de quem o auxilie.
A referida matéria será introduzida directamente no texto dos factos provados, a negrito, a fim de realçar as mudanças oficiosamente determinadas.
Em função desta factualidade agora introduzida e apenas por isso, por se situar na esfera de protecção dos poderes de cognição do Tribunal de recurso – consabidamente, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas –, existe fundamento para limitar o direito pessoal de testar.
Com efeito, entende-se que, casuisticamente, a mencionada restrição é necessária e proporcional ao quadro descrito no relatório de perícia psiquiátrica e é justificada pelo estado de saúde do acompanhado maior e pelas reais limitações que o afectam.
Por esse motivo, altera-se parcialmente o veredicto da Primeira Instância, ampliando-se o conjunto das limitações impostas, por se entender que, dessa forma, ficam melhor protegidos os interesses do requerido.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, decretando-se que, para além daquilo que consta nas alíneas a) e b) da sentença recorrida, o maior acompanhado (…) está limitado no direito pessoal de testar, com início na data da propositura da presente decisão.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
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Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 78.º do Código do Registo Civil, para efeitos da inscrição da situação de acompanhamento de maiores e a tutela e administração de bens, objecto de registo ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 1.º do referido diploma, com referência ao artigo 894.º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 22/03/2024

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho



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[1] A factualidade em causa é transcrita no ponto 3.1 da presente decisão, sendo, assim, desnecessário replicá-los em sede de conclusões.
[2] Matéria ampliada oficiosamente pelo Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
[3] Matéria ampliada oficiosamente pelo Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
[4] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[5] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[6] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 141.
[7] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 688.
[8] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2004 e 02/12/2013, in www.dgsi.pt.
[9] António Menezes Cordeiro, da situação jurídica do maior acompanhado. Estudo da política legislativa relativa ao um novo regime denominado incapacidade dos maiores, Revista do Direito Civil, ano III (2018), n.º 3, 2018.
[10] António Pinto Monteiro, Revista de Legislação e de Jurisprudência (RLJ), ano 148.º, Das incapacidades ao maior acompanhado, pág. 72.
[11] António Pinto Monteiro, Das incapacidades ao maior acompanhado – breve apresentação da Lei n.º 49/2018, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[12] Diana Isabel Mota Fernandes, A Interdição e a Inabilitação no Ordenamento Jurídico Português. Notas de Enquadramento de direito material e breve reflexão face ao direito supranacional, Interdição e Inabilitação, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[13] Jorge Duarte Pinheiro, As pessoas com deficiência como sujeitos de direitos e deveres. Incapacidades e suprimento – a visão do Jurista, Interdição e Inabilitação, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[14] José Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. I, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982.
[15] Mafalda Miranda Barbosa, O novo regime jurídico do maior acompanhado, Gestlegal, Coimbra, 2019.
[16] Mafalda Miranda Barbosa, Dificuldades resultantes da lei 49/2018, de 14.8, Revista Jurídica Luso-Brasileira, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano 5 (2019), n.º 1, 2019.
[17] Maria dos Prazeres Beleza, Brevíssimas notas sobre a criação do regime jurídico do maior acompanhado, em substituição dos regimes da interdição e da inabilitação – Lei n.º49/2018, de 14 de Agosto, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[18] Margarida Paz, O Ministério Público e o novo regime do maior acompanhado, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[19] Miguel Teixeira de Sousa, O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[20] Nuno Luís Lopes Ribeiro, O maior acompanhado – Lei n.º 48/2018, de 14 de Agosto, O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, E-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[21] Pedro Callapez, Acompanhamento de maiores, Processos Especiais, coordenação Rui Pinto e Ana Alves Leal, vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020.
[22] Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2011.
[24] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018.
[25] António Pinto Monteiro, Revista de Legislação e de Jurisprudência (RLJ), ano 148.º, Das incapacidades ao maior acompanhado, pág. 72.
[26] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2020, consultável em www.dgsi.pt..
[27] Artigo 138.º (Acompanhamento).
O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.
[28] Artigo 140.º (Objetivo e supletividade):
1 - O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.
2 - A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.
[29] Artigo 145.º (Âmbito e conteúdo do acompanhamento):
1 - O acompanhamento limita-se ao necessário.
2 - Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:
a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;
b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;
c) Administração total ou parcial de bens;
d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;
e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.
3 - Os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e específica.
4 - A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família.
5 - À administração total ou parcial de bens aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 1967.º e seguintes.
[30] Artigo 130.º (Efeitos da maioridade):
Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.
[31] Miguel Teixeira de Sousa, O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado - O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspetos Processuais”, CEJ, pág. 51.
[32] Neste sentido, Pedro Callapez, Acompanhamento de maiores, Processos Especiais, coordenação Rui Pinto e Ana Alves Leal, vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020, pág. 108.
[33] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/02/2020, visitável em www.dgsi.pt.
[34] Mafalda Miranda Barbosa, Maiores acompanhados. Primeiras Notas depois da aprovação da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, Gestlegal, Coimbra, 2019, pág. 58.
[35] Neste sentido, Pedro Callapez, Acompanhamento de maiores, Processos Especiais, coordenação Rui Pinto e Ana Alves Leal, vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020, pág. 99.
[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2023, publicitado em www.dgsi.pt..
[37] Neste sentido, Pedro Callapez, Acompanhamento de maiores, Processos Especiais, coordenação Rui Pinto e Ana Alves Leal, vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020, pág. 100.
[38] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2020, visitável em www.dgsi.pt.
[39] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/05/2002, cuja consulta pode ser realizada em www.dgsi.pt.
[40] Artigo 900.º (Decisão):
1 - Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.
2 - O juiz pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família.
3 - A sentença que decretar as medidas de acompanhamento deverá referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado.
[41] Artigo 147.º (Direitos pessoais e negócios da vida corrente):
1 - O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário.
2 - São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.
[42] Artigo 899.º (Relatório pericial):
1 - Quando determinado pelo juiz, o perito ou os peritos elaboram um relatório que precise, sempre que possível, a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis.
2 - Permanecendo dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do diretor respetivo, ou ordenar quaisquer outras diligências.
[43] Geraldo Rocha Ribeiro, O conteúdo da relação de cuidado: os poderes-deveres do acompanhante, sua eficácia e validade, in Revista Julgar on line, n.º 40, 2020, página 73 e seguintes.
[44] Mafalda Miranda Barbosa, Fundamentos, conteúdo e consequências do acompanhamento de maiores, CEJ, E-book.
[45] Mafalda Miranda Barbosa, O novo regime jurídico do maior acompanhado, Coimbra, 2019, pág. 63 e seguintes.
[46] Sobre a proporcionalidade e necessidade, pode ser consultado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/01/2020, integrado em www.dgsi.pt,em que se decidiu que «I - O n.º 2 do artigo 140.º do Código Civil prevê a inaplicabilidade de qualquer medida, caso a mesma se revele desnecessária, concretizando um princípio essencial consagrado no artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – o princípio da necessidade –, do qual decorre imperativamente que as medidas de apoio apenas devem ser tomadas se forem absolutamente necessárias e proporcionais».
[47] Mafalda Miranda Barbosa, Dificuldades resultantes da lei 49/2018, de 14.8, Revista Jurídica Luso-Brasileira, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano 5, n.º 1, 2019, págs. 1458-1474.
[48] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[49] Artigo 891.º (Natureza do processo e medidas cautelares):
1 - O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
2 - Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar.
[50] Pais do Amaral, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 2018, 14.ª edição, pág. 96.
[51] Artigo 986.º (Regras do processo):
1 - São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos 292.º a 295.º.
2 - O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
3 - As sentenças são proferidas no prazo de 15 dias.
4 - Nos processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso.
[52] Artigo 987.º (Critério de julgamento):
Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
[53] Artigo 988.º (Valor das resoluções):
1 - Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
2 - Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[54] Artigo 389.º (Força probatória):
A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
[55] Artigo 489.º (Valor da segunda perícia):
A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
[56] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.