Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUESTÕES A RESOLVER NA SENTENÇA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL | ||
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Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A nulidade de uma decisão judicial é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito. Uma sentença é nula, por falta de fundamentação de facto, quando a decisão concretamente tomada – e não aquela que as partes entendam que deveria ter sido tomada – não se encontra assente em factos apresentados pela própria decisão, diretamente ou por remissão. II - Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. III - Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. IV - A nulidade da decisão por contradição ente os fundamentos e a decisão ocorre quando a fundamentação adotada conduz a uma conclusão e a decisão extrai outra, oposta ou divergente. V - Para que se verifique a inversão do ónus da prova é necessário que a conduta da parte tenha sido culposa e que tenha tornado impossível a prova ao onerado; VI - Tal não ocorre se estando em causa a prova de infiltrações na fração dos autores - não obstante o réu não ter junto aos autos os documentos relativos à empreitada que alegadamente foi a causa daquelas infiltrações -, aqueles podiam provar esse facto através de outros meios de prova, designadamente testemunhal e pericial, os quais tiveram efetivamente lugar. VII – Não se provando os factos demonstrativos da existência de culpa e do nexo de causalidade entre os danos sofridos e as obras realizadas pelo condomínio réu, não deve o Tribunal da Relação, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, reapreciar a matéria de facto relativamente a outros factos objeto de impugnação insuscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA e BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua ..., Edifício ..., representado pelo seu Administrador CC, e contra o mesmo CC[1], pedindo que os réus sejam condenados a pagar aos autores: i) € 7.439,80 a título de danos patrimoniais; ii) € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii) todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que, entretanto, se venham a verificar em virtude dos factos ocorridos, cuja determinação se deverá apurar em sede de liquidação de sentença; iv) os juros de mora civis desde a data da primeira interpelação extrajudicial até efetivo e integral pagamento, relegando o apuramento dos mesmos para efeitos de execução de sentença; e v) a repararem/retificarem definitivamente o terraço de cobertura do prédio urbano sito na Rua ..., "Edifício ..." – .... Alegam, em síntese, que os réus violaram os seus deveres legais resultantes da sua qualidade de proprietário das partes comuns do prédio e melhor descritas no artigo 5º da petição inicial, e também enquanto administrador dessas partes comuns e pessoalmente pelos atos praticados/omitidos, que causaram aos autores os danos alegados e de que se querem ver ressarcidos. Os réus contestaram, impugnando a generalidade dos factos alegados, concluindo pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas prova, tendo ainda sido considerada não escrita a resposta à contestação com exceção da impugnação dos documentos juntos com aquele articulado. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente por não provada e decide-se absolver do pedido os Réus, Condomínio do Prédio Urbano sito na Rua ..., Edifício ... e DD e EE (habilitadas de CC). Custas, solidariamente, a cargo dos autores. Valor da ação: 12.439,80 (doze mil quatrocentos e trinta e nove euros e oitenta cêntimos) euros.» Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, tendo finalizado as alegações com 122 prolixas conclusões, ao longo de cerca de 40 páginas, tendo, por isso, sido convidados a sintetizar as conclusões. Vieram então os autores apresentar 95 conclusões, em 33 páginas, as quais continuam a não satisfazer a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas. Das mesmas conclusões consegue ainda assim respigar-se que as questões submetidas à apreciação deste Tribunal da Relação têm a ver com a alegada nulidade da sentença e o erro de julgamento de facto e de direito. Assim, e porque os recorridos exerceram de forma efetiva o respetivo contraditório, considerando ainda o princípio da proporcionalidade, não deixará de se conhecer do objeto do recurso. O réu condomínio contra-alegou, assim como o Ministério Público, em representação das habilitadas/ausentes, pugnando ambos pela confirmação da sentença recorrida. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questões a decidir consubstanciam-se no seguinte: - nulidade da sentença; - impugnação da matéria de facto; - obrigação de indemnizar, a cargo dos réus, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual. III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[2]: 1. Os AA. são usufrutuários e legítimos possuidores da fração designada pelas letras “BH”, sita na Rua ..., Edifício ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº ...27, inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...06, da freguesia de Sesimbra (Santiago), concelho de Sesimbra, correspondente ao 6º Andar, apartamento 43, composta por uma sala, quarto, cozinha, casa de banho e varanda, e sem possuir qualquer lugar de garagem, com a área total de 64 m2; 2. Desde 23 de Fevereiro de 1990 que os AA. praticam todos os atos de uso, fruição e administração sobre o bem imóvel em questão, designadamente adquiriram e colocaram no seu interior todos os bens e utensílios necessários e úteis numa casa com as características da referida no artigo 1º da presente, bem como exclusivamente procederam a todas as manutenções e reparações que nele foram realizadas, o qual até à data dos factos adiante discriminados se apresentava em perfeitas condições e em bom estado de conservação; 3. A fração em questão não corresponde à habitação própria e permanente dos AA., sendo antes utilizada como uma segunda habitação; 4. O 1º R. é proprietário de todas as partes comuns do prédio urbano sito na Rua ..., "Edifício ...", sem prejudicar outras, o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio, o terraço de cobertura, as entradas, vestíbulos, escadas, corredores de uso ou passagem comum, as instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, gás, comunicações e semelhantes, habitação de porteiro, despensa, casa das máquinas, elevadores e conduta do lixo; 5. O 2.º R. era o administrador do condomínio na data da instauração da presente ação judicial e desde há seis anos; 6. O 2.º R. faleceu na pendência da presente ação judicial e foram habilitadas na sua posição processual EE e DD, respetivamente, filha e esposa; 7. O terraço de cobertura do prédio fica sito mesmo no patamar por cima da fração dos AA.; 8. Desde 24 de janeiro de 1974 que o 1.º R. pratica todos os atos de uso, fruição e disposição sobre as descritas partes comuns, entre as quais o terraço de cobertura do prédio; 9. Esse terraço de cobertura não possui qualquer telhado ou qualquer outra forma de cobertura similar, sendo apenas constituída por chão em betão com mosaico, o qual se destina a proteger toda a estrutura inferior do prédio e, consequentemente, todas as suas frações, fazendo-se o seu acesso pelas escadas comuns do prédio; 10. Entre o A. e o primitivo 2.º R. existiu uma longa amizade; 11. O quarto do imóvel dos AA. possui inserido na parede um roupeiro de quatro portas de madeira envernizadas, com um acrescento no seu topo com mais quatro portas, com cerca de 2,50m de cumprimento por 2,70m de altura; 12. Esse roupeiro encontrou-se alagado, o mesmo acontecendo com todas as coisas que se encontravam no seu interior, tais como roupas, lençóis, cobertores, chapéus-de-sol, edredões, cortinados, os quais se demonstraram inaproveitáveis tendo sido depositado no contentor do lixo; 13. O teto da sala e do quarto e o interior do roupeiro encontravam-se com bastante humidade, com infiltrações e cheio de água; 14. Os AA. sofreram os seguintes danos: - Tiveram que deitar roupas pessoais e de casa, e diversos utensílios para o lixo, - Os AA. viram-se impossibilitados de poderem guardar qualquer tipo de peça de roupa e/ou de casa no roupeiro do quarto, - Desde a inundação que os AA. deixaram de passar fins de semana e férias na fração; - Os AA. vivem com desgosto e angústia pelo estado em que se encontra o seu imóvel; 15. Os AA. são conhecidos pelo estado de organização, cuidado e limpeza em que mantêm quer a sua habitação de Sesimbra quer a sua residência em Sintra; 16. Todos os danos ocorridos foram comunicados aos RR., tendo-lhes sido concretamente pormenorizados os prejuízos causados; 17. Os danos importam as seguintes despesas: - A reposição de candeeiro destruído e limpeza de edredões, almofadas, toalhas e de diversos utensílios corresponde ao valor de € 1.419,80 (mil quatrocentos e dezanove euros e oitenta cêntimos); - A destruição de diverso tipo de roupa de pessoa e de casa equivalente a cerca de € 1.000,00 (mil euros), - A limpeza, reparação e pintura de paredes, e tetos do quarto e sala no valor de 3.000,00 euros, - Os arranjos de portas empenadas e de pintura de vernizes a “descascar” no roupeiro do quarto corresponde ao valor de € 1.870,00 (mil oitocentos e setenta euros), - As três deslocações a Sesimbra para efeitos de averiguação dos danos no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros) (€ 50,00x3, correspondente a 120 km em cada deslocação, sendo em portagens por cada viagem de ida e volta € 1,60), -Para efeitos de realização de obras irão deslocar novamente até Sesimbra, pelo menos mais duas vezes, - Os AA. deslocavam-se ao imóvel fazendo-se acompanhar de pessoas amigas e de pessoas de família, o que deixaram de fazer porque o mesmo não apresenta as condições mínimas para o efeito; 18. Por deliberação da assembleia de condóminos realizada em 30 de janeiro de 2010, do prédio sito na Rua ... Edifício ..., freguesia de Santiago, Sesimbra, concelho de Sesimbra, foi aprovada a realização de obras de reparação no terraço existente do mesmo edifício; 19. Os autores visitaram o seu imóvel e depararam-se com o “estaleiro”, plásticos e materiais de construção ainda montados; 20. Em 2010 foram adjudicadas à empresa PINTAX a realização de obras, de conservação e de reparação, da cobertura do edifício; 21. Uma vez encontrando-se no interior do imóvel dos AA., os RR. realizaram obras; 22. Os AA. em 14 de janeiro de 2020, receberam uma missiva que os convocou para a Assembleia Geral; 23. Nessa convocatória constava fixada a seguinte ordem de trabalhos: - Apresentação do relatório das atividades de 2019, - Apresentação das contas 2019, - Deliberar sobre as seguintes matérias: a) Isolamento do terraço do prédio; (…)”; 24. Nessa Assembleia foi deliberado proceder à impermeabilização dos cerca de 400m2 do terraço comum. E foram considerados não provados os seguintes factos: 1. Ao terraço somente tem acesso o 1.º R. e os administradores de condomínio, possuindo esse terraço uma porta de acesso em que só os aqueles possuem chave da mesma; 2. A porteira tinha na sua posse uma chave da porta de acesso a tal terraço a qual podia ser usada por qualquer condómino; 3. Desde o início de 2010 existiam infiltrações na fração dos autores, provenientes de deficiente isolamento e falta de manutenção do terraço de cobertura, e da insuficiente impermeabilização pelas obras que recentemente sofrera; 4. Em maio de 2010, o 1º R. através da sua administração e o 2º R. pessoalmente, entraram no imóvel dos AA.; 5. Tendo-o feito porquanto se encontravam temporariamente na posse de uma chave do imóvel dos AA., que se destinava a entregar a uma colaboradora dos AA., que efetua a manutenção regular do dito imóvel; 6. Tal situação ocorreu sem o conhecimento e sem o prévio consentimento dos AA.; 7. Devido à confiança mútua e uma grande cumplicidade, muito antes dos ora autores serem proprietários do imóvel em crise nos presentes autos e do R. CC ser nomeado administrador no ano de 2006, o A. AA entregou ao R. CC cópia de uma chave do seu apartamento; 8. A entrega desta cópia prendeu-se com o facto de existir uma total e plena confiança no primitivo R. CC pelos AA., ficando este último incumbido de tratar do apartamento dos AA. AA sempre que necessário; 9. Por mais que uma vez, o autor solicitou ao R. CC que este tratasse do acompanhamento de obras de beneficiação na fração dos AA., que assegurasse pequenas reparações efetuadas no seu interior, muitas destas contratadas a pessoas da confiança do primitivo R. CC; 10. O R. CC sempre acompanhou as obras e qualquer solicitação como da sua casa se tratasse, fazendo-o com a maior diligencia e zelando acima de tudo pelo património do seu amigo, o ora A. AA; 11. A relação de amizade e confiança, não se prendia apenas com aquela fração, mas também com os bens que os ora autores eram proprietários e que o R. CC sempre tratou como se dele fossem; 12. Os RR. após terem-se deslocado à fração dos AA., transmitiram que iriam contactar com o empreiteiro da obra para que o mesmo assumisse a responsabilidade; 13. A garantia foi acionada pelos RR. e assumida pela entidade empreiteira, quer nas partes comuns quer nas frações dos condóminos atingidos, com exceção dos AA.; 14. Em maio de 2010 os AA. depararam-se com o interior da fração ficou cheio de sujidade e nauseabunda; 15. E nessa mesma data depararam-se com o descrito nos factos provados 11. e 12.; 16. Os AA. tiveram transtornos e incómodos com deslocações ao imóvel devido à atuação dos RR., tendo para o efeito de abdicar não só da sua vida pessoal como da profissional; 17. Foi em consequência da deficiente execução das obras realizadas no terraço da cobertura, em 2010, assim como da referida intervenção feita pelo 1.º R., através do seu então administrador o 2.º R., na fração da qual os autores são usufrutuários, sofreram os danos e as despesas mencionados nos factos provados; 18. Os AA. decidiram não utilizar mais a fração até à reposição do estado da mesma antes da realização das obras de 2010; 19. Numa das idas dos AA. a Sesimbra, em que data que se não consegue precisar, mas depois da realização das obras em partes comuns no edifício, nomeadamente no terraço, os AA. abordaram o R. CC, chamando-o á sua fração para que este visse uma leve sombra que aparecia à volta de um candeeiro existente e suspenso no teto da sala, revelando problemas de infiltração; 20. Por achar que os indícios existentes não eram suficientes, o R. CC sossegou o ora autor informando-o que ia acompanhar a situação e se necessário falar com os responsáveis das obras do referido terraço; 21. O que, de facto, ocorreu, com os responsáveis da obra a justificarem tal situação, aparecimento e desaparecimento da mancha sobre o candeeiro, com a condensação que se acumulava no interior da sua fração, como aliás também ocorria com os restantes apartamentos do 6º andar; 22. Tendo sido sugerido a colocação de um produto isolante no teto do apartamento dos autores e respetiva pintura do mesmo; 23. Trabalho com a duração prevista de doze horas e com possibilidade do uso e fruição deste de forma imediata; 24. Desta forma, procedeu o R. CC á reparação na fração dos AA., pela confiança na informação técnica que lhe havia sido prestada; 25. Ocorre que o tempo de obra previsto foi claramente excedido, tendo esta durado dois a três dias; 26. A sujidade da fração dos AA. deveu-se às obras ainda estarem a decorrer; 27. Situação que ficou completamente resolvida com o fim das obras, decorridos dois/três dias; 28. A sala, local da realização da obra foi deixada em perfeitas condições de habitabilidade e de limpeza; 29. Tal procedimento apenas ocorreu devido ao facto de existir total e plena confiança entre o primitivo R. CC e os AA., com o único objetivo de prestar um bom trabalho; 30. A recusa dos AA. na realização das reparações na fração agravou os danos reclamados pelos autores; 31. Foi estabelecido haveria de ser construída uma caixa de ar na cobertura do terraço, para eliminar a condensação que aparecia nos apartamentos situados no último piso do edifício; 32. Os quais, porém, nunca teriam qualquer consequência ou seriam aptos a gerar em qualquer um dos apartamentos, nomeadamente no dos AA., infiltrações ou outra situação causadora de danos ou inabilidade de utilização dos mesmos em moldes normais; 33. As infiltrações na fração dos AA. foram causadas pelas chuvas intensas anormais ocorridas no inverno passado, pelo sismo verificado este inverno que afetou a placa da cobertura ao ponto de abrir fendas em paredes e tetos de várias frações, pela instalação elétrica do candeeiro de teto no interior da estreita laje da cobertura; 34. Os efeitos de tal ausência de estanquicidade na cobertura apenas se fizeram sentir nas frações que se encontravam encerradas durante largos períodos, pois que a humidade se concentrava no seu interior, o que era o caso da fração da qual os AA. eram usufrutuários; 35. A reparação que estava a ser efetuada na fração dos AA. teve de ser interrompida em virtude de se ter constatado que a placa de cobertura se encontrava ainda muito molhada, tendo sido agendado que o empreiteiro da obra iria repetir a operação em dias mais quentes e secos, de forma a garantir a plena satisfação do trabalho executado; 36. Tendo os AA. obstado a que os trabalhos de construção civil que estavam a ser executados fossem retomados e concluídos pela PINTAX; 37. Os autores procederam a obras não licenciadas que interferiram com o sistema de drenagem do prédio; 38. A 1ª R. assumiu perante os AA., na sequência dessa deliberação, que após a execução das obras no terraço de cobertura comum seriam efetuadas as obras no interior da fração dos AA., nomeadamente as que advieram das infiltrações causadas pelo terraço de cobertura e que se destinam a retificar os danos existentes no interior da fração dos AA., concretamente no teto e paredes do quarto e da sala da fração. Da nulidade da sentença A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º do CPC. Sustentam os recorrentes que a sentença recorrida enferma das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) e d), do CPC, pois «[a]o tribunal “a quo” era pedido que, entre outras questões colocadas, apreciasse e julgasse a inversão do ónus da prova - quer quanto à prova documental quer quanto à prova pericial -, a qual é de conhecimento oficioso, assim como os factos invocados nos artigos 29º, 32º a 35º, 38º, 39º, 48º, 54º e 55º, 66º a 71º, 75º a 80º, 87º, 88º, 91º e 99º, todos do articulado de petição inicial, o que não se verificou». Mais aduzem que «[n]stes dois casos (prova documental e pericial) estamos perante uma total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, inexistindo qualquer fundamentação da decisão sob recurso quanto a estes concretos pontos de tal modo que ocorre uma manifesta impossibilidade de revelação das razões que levaram à improcedência da demanda, sendo tais questões relevantes e determinantes para a finalização da causa» [conclusões 2, 3 e 4]. A causa de nulidade da sentença tipificada na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão. Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[3], «O due process positivado na Constituição Portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais». E, de entre os princípios através dos quais a doutrina e a jurisprudência têm densificado o aludido princípio do processo equitativo, encontra-se o direito à fundamentação das decisões. O dever de fundamentação das decisões dos tribunais, consagrado no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, obedece a razões que radicam, entre outros, e citando a terminologia dos mencionados autores[4], na teleológica jurídico-constitucional dos princípios processuais. Serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efetuado por instâncias judiciais superiores e contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais. Com efeito, a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação sempre colocaria em causa as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que estão ínsitas na motivação da decisão, ou seja, permitir às partes o eventual recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação em causa e, simultaneamente, permitir o controlo dessa decisão, colocando o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente. É por isso que na elaboração da sentença e na parte respeitante à fundamentação, deve «o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final» - art. 607º, nº 3, do CPC. E, nos termos nº 4 do mesmo artigo 607º, «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência». Como já referia Alberto dos Reis[5], a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão. O artigo 154º do CPC ocupa-se da densificação desse dever estatuindo, desde logo, que o mesmo se estende a todos os pedidos controvertidos e a todas as dúvidas suscitadas no processo (nº 1), não podendo a justificação consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (nº 2). Esta fundamentação não impõe, porém, uma enumeração exaustiva de todas as soluções possíveis, mas antes se basta com indicação das soluções determinantes que a fundam e que simultaneamente arredam outras possibilidades. Escreve, a propósito, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[6]: «A estatuição do citado nº4 do art. 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].» No caso em apreço, é fora de qualquer dúvida que a Sr.ª Juíza a quo motivou de forma circunstanciada a decisão sobre a matéria de facto, analisando de forma crítica e conjugada as provas, especificando claramente os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tudo em conformidade com o disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC. O que se retira das prolixas conclusões dos recorrentes, é que estes não se conformam com a decisão recorrida, por entenderem que o Tribunal a quo não apreciou «a inversão do ónus da prova - quer quanto à prova documental quer quanto à prova pericial», o que, como é bem de ver, não configura um caso de nulidade da sentença por falta de fundamentação, mas um eventual erro de julgamento. A nulidade de uma decisão judicial é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito. Uma sentença é nula, por falta de fundamentação de facto, quando a decisão concretamente tomada – e não aquela que as partes entendam que deveria ter sido tomada – não se encontra assente em factos apresentados pela própria decisão, diretamente ou por remissão. Em suma, a sentença não enferma da causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC. Dizem também os recorrentes que a sentença enferma da nulidade prevista na alínea d) do mesmo preceito. De acordo com esta norma, a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido[7]. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. O que se depreende das prolixas conclusões dos recorrentes, é que estes entendem que o tribunal recorrido não apreciou e julgou «a inversão do ónus da prova»[8], assim como os artigos da petição inicial a que alude na conclusão 6, o que, como se afigura evidente, nada tem a ver com a nulidade da sentença, mas com um hipotético erro de julgamento, pelo que a sentença não enferma da nulidade da omissão de pronúncia que lhe é assacada pelos recorrentes. Por último, dizem os recorrentes que a sentença enferma da nulidade da alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC Dispõe esta norma que a sentença é nula quando «[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». Segundo os recorrentes, verifica-se esta nulidade porque «[n]a sentença não discorre qual a prova testemunhal que serviu de base para que, no douto entendimento do tribunal “a quo”, permitisse a demonstração ou rejeição do artigo 10. dos factos provados e, ainda, do artigo 1. dos factos não provados» [conclusões 1 e 14]. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[9], esta nulidade verifica-se quando «a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto». Ou, nas palavras do acórdão do STJ de 02.12.2013[10]: «(…), quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente. Dito de outro modo, quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário). Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar. Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.» Ora, a esta luz, e lendo com a devida atenção a sentença recorrida, logo se vê, ao invés do que sustentam os recorrentes, que os seus fundamentos estão em total concordância com a decisão proferida, ou dito de outro modo, tal decisão tem o devido respaldo nos fundamentos nela invocados. Em suma, a sentença recorrida não enferma das nulidades invocadas pelos recorrentes. Da impugnação da matéria de facto Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental, pericial, declarações de parte do réu Condomínio e do autor e depoimentos das testemunhas registados em suporte digital. Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que os recorrentes cumpriram formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. Antes de entrarmos na análise dos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, importa apreciar a invocação pelos recorrentes da “inversão do ónus da prova”, princípio no qual assentam, no essencial, a sua impugnação, como fizeram, aliás, a propósito das putativas nulidades da sentença. Nos termos do art. 430º do CPC, «[s]e o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no nº 2 do artigo 417º». Por seu turno, o nº 2 do art. 417º dispõe que «[a]queles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil». Assim, em primeiro lugar há que indagar perante as circunstâncias do caso concreto e a eventual justificação que for oferecida, se a situação deve ser considerada como recusa de colaboração. Na hipótese de se concluir que houve falta de colaboração, então, respeitando essa falta a quem seja parte na ação, para além da apreciação livre dessa recusa para efeitos probatórios, a norma remete para o estabelecido no art. 344º, nº 2, do Código Civil [CC], referindo sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do aí preceituado. Vale isto por dizer, que para a parte ser sancionada com a inversão do ónus de prova é necessário que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no art. 344º, nº 2, do CC, dispondo a norma o seguinte: «[h]á (...) inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, (…)». A inversão do ónus da prova significa que a parte a quem competia demonstrar os factos que alegou, nos termos das regras sobre a repartição do ónus de prova, deixa de ter esse encargo, passando a recair sobre a parte contrária – que culposamente tornou impossível a prova desses factos - o ónus de provar o facto contrário. De acordo com o estabelecido naquele normativo, são dois os pressupostos para fazer operar a sanção da inversão do ónus de prova: i) que por ação da parte contrária, a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível; ii) que o comportamento dessa parte (contrária), lhe seja imputável a título culposo[11] . Assim, como se observa no acórdão do STJ de 21.04.2016[12], «[n]ão basta pois que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração. É ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, (…) e que esse comportamento tenha sido culposo». A dificuldade na produção da prova de um facto não é suficiente para preencher o primeiro dos apontados pressupostos, sendo imprescindível que a prova se tenha «tornado impossível». Escreveu-se no acórdão da Relação de Évora, de 25.05.2017[13]: «Como tem sido entendido pela jurisprudência [neste sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.02 (Proc. n.º 1411/02), de 26-02-03 (Revista n.º 2084/02), e de 12-01-2006 (Recurso n.º 2655/05), todos da 4.ª secção] e pela doutrina [entre outros, Manuel de Andrade (obra citada, pág. 203), de acordo com o qual a dificuldade da prova de um facto não altera a repartição do ónus das prova, e Vaz Serra (RLJ 106-315), que considera haver inversão do ónus da prova quando “...a prova não for possível ou for extremamente difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.º, teria de a fazer (...)”], só a impossibilidade de prova dos factos pela parte com ela onerada, determina a sua inversão, nos termos do art.º 344, n.º 2, do CC.» Ora, no caso em apreço, os autores alegaram a existência de danos na sua habitação provocados por infiltrações: como facto constitutivo da indemnização peticionada, competia-lhes provar que tais infiltrações ocorreram na sequência das obras aí mandadas realizar pelos réus. A lei não determina que tal facto apenas possa ser provado por documentos – v.g. o contrato de empreitada e os relatórios de fiscalização, supervisão e coordenação dos trabalhos -, não afastando, por isso, a prova testemunhal ou pericial [cfr. arts. 607º, nº 4, do CPC e 392º e 393º do CC], tanto assim que os autores também arrolaram testemunhas e requereram a realização de prova pericial, que veio a ter lugar. E da circunstância de o réu condomínio não ter procedido à junção dos documentos solicitados – que justificou[14] -, não decorre, por si só, que os autores estivessem impossibilitados de fazer prova por outros meios das alegadas infiltrações ocorridas na sua habitação em resultado das obras aí realizadas pela empresa que realizou os primeiros trabalhos de impermeabilização, sendo esta empresa que, em primeira análise, tinha de ter os elementos relativos à obra. Ademais, admitindo que alguma vez os documentos estiveram na disponibilidade da administração do condomínio, já decorreu o período legal em que a sua guarda era exigível, uma vez que o prazo de garantia da obra (de cinco anos)[15] já havia há muito decorrido. Aliás, são os próprios recorrentes a admitir que os documentos juntos pela empreiteira já se encontravam, no essencial, juntos aos autos com o articulado superveniente que apresentaram. Como bem aduz o condomínio recorrido na resposta ao recurso, «[a] prova do elemento não demonstrado nos autos que determinou o insucesso da pretensão da A. não era um elemento gerador de receio em termos de analise por parte do recorrido, nem constituía a única e exclusiva forma de fazer prova da existência de infiltrações geradas por acção ou omissão da Administração do Condomínio, desde logo porque sempre poderiam os recorrentes tentar comprovar tais factos mediante o confronto dos documentos por si (e pela CAETANO SA.) juntos com as diversas testemunhas que prestaram depoimento ou através de outros meios de prova». Assim, ao invés do que sustentam os recorrentes, não há que julgar provada a factualidade invocada com fundamento na inversão do ónus da prova[16]. Vejamos agora os concretos pontos da matéria de facto impugnados, seguindo a ordem indicada pelos recorrentes. Assim, em primeiro lugar, temos os pontos 3 e 17 dos factos não provados: «3. Desde o início de 2010 existiam infiltrações na fração dos autores, provenientes de deficiente isolamento e falta de manutenção do terraço de cobertura, e da insuficiente impermeabilização pelas obras que recentemente sofrera». «17. Foi em consequência da deficiente execução das obras realizadas no terraço da cobertura, em 2010, assim como da referida intervenção feita pelo 1.º R., através do seu então administrador o 2.º R., na fração da qual os autores são usufrutuários, sofreram os danos e as despesas mencionados nos factos provados». Defendem os recorrentes que estes factos deviam ter sido considerados provados com base no relatório pericial e nos esclarecimentos prestados pelos peritos, em conjugação com a prova documental junta aos autos, nomeadamente a ata da Assembleia Geral do condomínio réu de 30.01.2009 (doc. nº 5 junto com a p.i.), carta subscrita e enviada por aquele réu, de 30.09.2010 (dos. nº 9 junto com a p.i.), ata da Assembleia Geral do referido réu, de 29.01.2011 (doc. nº 12 junto com a p.i.), ata da Assembleia Geral do mesmo réu de 28.01.2012 (doc. nº 15 junto com a p.i.) e relatório da administração do réu condomínio, respeitante ao ano civil de 2019 (doc. nº 2 junto com o articulado superveniente e pela interveniente UNNI em 27.10.2020). Vejamos. Como resulta bem evidenciado do relatório pericial, foi impossível identificar a origem de infiltrações sem recurso a um ensaio de carga, ensaio de carga que, note-se, não teve lugar por inércia de intervenção processual e pessoal dos recorrentes. O relatório pericial limita-se a formular uma mera consideração hipotética quanto a infiltrações, sendo que, por isso, foram os Senhores Peritos solicitados a prestar esclarecimentos em audiência de julgamento, saindo ainda mais reforçada a ideia de que dificilmente terão ocorrido infiltrações resultantes da deficiente execução das obras realizadas no terraço da cobertura, em 2010. Ademais, os indícios de infiltrações que os peritos detetaram nunca podem relacionar-se com uma deficiente execução de obras de impermeabilização, tanto mais que os mesmos indícios persistiam já depois de ter ocorrido uma segunda intervenção no terraço de cobertura. Tais indícios revelam-se, aliás, inadequados para gerar os danos ocorridos na habitação dos recorrentes, como resulta de forma clara do depoimento da testemunha FF, engenheiro civil e amigo do falecido réu CC, tendo visitado o apartamento dos autores em 2013, por mais de uma vez, a solicitação do dito CC, e da testemunha GG, engenheiro civil, que na qualidade de consultor do condomínio fez inspeções ao edifício durante as obras realizadas em 2000 e 2010, as quais acompanhou diretamente, estando os seus depoimentos devidamente transcritos nas contra-alegações do condomínio, como pudemos verificar nas respetivas gravações. Referiu a testemunha FF a dado passo do seu depoimento: «Não creio que tenha sido a tela que tenha sido mal posta. Creio que foi um problema que aconteceu depois com variações de temperatura ou com a tela que seca com o calor que está, com os problemas que há. Isto também é um prédio que já foi sujeito a muita coisa. Já adornou, já fez muita coisa e a tela às vezes não acompanha. Não creio que seja uma tela mal posta, mas creio que sim, se me perguntar se tem a ver com algum problema com a tela que pudesse ter ganho depois, direi que sim, foi algum problema. (…). Não, não tem nada a ver com a atuação do condómino. Agora, é uma coisa pequenina e eu, pessoalmente, quando lá cheguei disse ao sr. CC “olhe isto já deve estar colmatado, já não escorre mais». E quando questionado pelo mandatário dos recorrentes se tinha conhecimento do que existia por cima da fração autónoma dos autores e se a partir daí houve uma infiltração pelo roupeiro que foi parar ao quinto andar, respondeu. «Isso é impossível. Isso é impossível. Isso é uma daquelas coisas que, meritíssima, nem que aquilo não tivesse tela, o cimento, por si só, é impermeabilizante. As piscinas antigas, os tanques, aquelas piscinas olímpicas do estado novo eram feitas em cimento. Mais nada. O cimento tinha menos areia e era mais impermeabilizado por si próprio. A laje de cobertura, depois a laje do piso do sexto andar, que é a cobertura do quinto andar, a água escorrendo do terraço. Para já, tinha de se juntar toda naquela zona do terraço, que é cobertura, sr. dr., e tinha de escorrer por ali, tinha de ser uma racha seria notória. Eu não vi lá nenhuma racha dessas. Ali naquelas fotografias não se vê racha nenhuma daquelas. Seria uma racha com, pelo menos, duas unhas de largura, talvez dois milímetros, que permitiria que a água escorresse com algum fluxo, que se juntasse no chão do sexto andar, se juntasse num lago no chão do sexto andar, o que não é possível, porque aquilo se o armário que está a falar é o armário do quarto, as casas são todas iguais, aquilo é um piso sempre com o mesmo nível. Depois tem uns degraus que descem para o corredor de acesso à rua. A água juntando-se aí iria sair pela porta da rua para o corredor da rua. Tinha de se juntar dali e, depois, passado algum tempo dela estar ali junta bastante tempo, é que ela ia infiltrar-se pela laje e ia sair exatamente no roupeiro de baixo». Por sua vez, a testemunha GG referiu que «as lajes de betão têm sempre fendas, ou na betonagem, ou com as retrações» e à pergunta formulada pela Sr.ª Juíza se essa fenda é provocada pelas variações térmicas, respondeu: «Pelas variações térmicas, precisamente. Porque aquela cobertura não tem isolamento térmico. Se tiverem quarenta graus cá fora, aquela cobertura está a sessenta, setenta graus.» Ou seja, tal como resulta do relatório pericial, os depoimentos destas testemunhas com conhecimentos técnicos sobre a matéria em causa, afastam a existência de algum elemento estrutural que fosse causador de infiltrações na habitação dos recorrentes. O depoimento da testemunha HH, que trabalhou para os autores há uns anos atrás a fazer a limpeza ao apartamento não pode, ao invés do que pretendem os recorrentes, infirmar o teor do relatório pericial e os depoimentos das testemunhas acima referidas. Não é verosímil que haja infiltrações provenientes do chão, como referiu a testemunha, sendo certo que a palavra infiltrações é utilizada em sentido comum, de existência de água ou humidade e não em sentido técnico. E, seja como for, o depoimento desta testemunha em nada contribuiu para se determinar ou aclarar dos motivos pelos quais ocorreu passagem de água para o interior da fração dos autores Já a testemunha II, por seu turno, identifica o inicio de infiltrações com os trabalhos realizados no interior da fração dos recorrentes, trabalhos esses em relação aos quais o condomínio é completamente alheia, na medida em que, caso o falecido réu CC tenha tido a iniciativa de realizar obras no interior do apartamento dos recorrentes, foi por sua exclusiva iniciativa, não estando mandatado pela assembleia do condomínio para as realizar. Também os documentos referidos pelos recorrentes supra mencionados não têm a virtualidade demonstrar - que desde o início de 2010 existiam infiltrações na fração dos autores, provenientes de deficiente isolamento e falta de manutenção do terraço de cobertura, e da insuficiente impermeabilização pelas obras que recentemente sofrera, nem que foi em consequência da deficiente execução das obras realizadas no terraço da cobertura, em 2010, assim como da referida intervenção feita pelo réu condomínio, através do seu então administrador, o falecido réu CC, na fração da qual os autores são usufrutuários - estes sofreram os danos e as despesas mencionados nos factos provados. Improcedendo a impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 3 e 17 dos factos não provados, torna-se desnecessário prosseguir com a análise de outros eventuais pontos da matéria de facto objeto de impugnação, atento o carácter instrumental da impugnação da decisão de facto, ou seja, a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma. De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (art. 130º do CPC). Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, isto é, segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação[17]. Ora, não logrando os autores provar os factos demonstrativos da existência de culpa e do nexo de causalidade entre os danos sofridos e as obras realizadas pelo condomínio réu, torna-se desnecessária qualquer outra reponderação sobre outros factos, os quais sempre seriam inidóneos para produzir o efeito jurídico visado pelos recorrentes. Da obrigação de indemnizar Escreveu-se na sentença recorrida: «Dos factos provados não resulta a responsabilidade civil dos RR. perante os AA. porque não se provou a causa das infiltrações e a data do seu começo em virtude do resultado da perícia efetuada no tribunal. Por conseguinte não se mostram preenchidos todos os pressupostos previstos no disposto no artigo 493.º do Código Civil (CC), desde logo, e mais concretamente foi ilidida a presunção legal de culpa a favor dos autores mediante a referida perícia, não se podendo imputar o facto ilícito com culpa ou pelo risco (artigo 499.º do CC), causador dos danos, aos réus. Provaram-se os danos e os respetivos valores, mas dado o não preenchimento de todos os pressupostos, que são cumulativos, da responsabilidade civil extracontratual no caso na vertente prevista na mencionada norma jurídica, não há lugar a qualquer indemnização aos autores pelos réus.» É sabido que em caso de danos resultantes de infiltrações de água provenientes de fração superior à do lesado presume-se a culpa dos proprietários de tal fração, isto porque o proprietário que tenha o imóvel em seu poder tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos originados no imóvel (infiltrações de águas, incêndios, etc.) salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa [art. 493º, nº 1, do CC]. No caso vertente, estando em causa o terraço de cobertura do prédio que se situa no patamar por cima da fração dos autores e sendo o condomínio que pratica todos os atos de uso, fruição e disposição sobre as partes comuns do edifício, entre as quais o terraço de cobertura, seria de presumir a sua culpa nos termos da referida disposição legal. Porém, não tendo os autores logrado provar que as infiltrações ocorridas na sua fração e que causaram os danos acima referidos provieram da deficiente execução das obras realizadas no terraço da cobertura, em 2010, assim como da referida intervenção feita pelo condomínio, através do seu então administrador, o falecido réu CC, a ação não podia deixar se ser julgada improcedente. Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. * Évora, 15 de junho de 2023 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado Albertina Pedroso Francisco Xavier __________________________________________________ [1] Na pendência da ação faleceu este réu, tendo sido habilitadas a sua mulher, DD, e a sua filha EE, por sentença transitada em julgado. [2] Mantém-se a redação e a numeração dos factos constantes da sentença. [3] Constituição da República Portuguesa Anotada, I Volume, pp. 414-415. [4] Ob. cit., pp. 526-527. [5] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, p. 139. [6] In Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351, citado no acórdão do STJ de 26.02.2019, proc. 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2. [7] Cfr., inter alia, o acórdão do STJ de 08.02.2011, proc. 842/04.8TBTMR.C1.S1. [8] Abordaremos esta questão infra na impugnação da matéria de facto. [9] Código de Processo Civil anotado, Volume V (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra – 1984, p. 141. [10] Proc. 110/2000.L1.S1, disponível, como os demais citados sem outra referência, in www.dgsi.pt. [11] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 15.11.2021, proc. 2586/20.4T8VFR.P1, que aqui seguimos de perto. [12] Proc. 564/10.0TTLSB.L1.S1. [13] Proc. 1216/15.0T8TMR.E2. [14] Vide requerimento de 14.04.2021. [15] Nos termos do nº 1 do art. 1225º do CC, o dono da obra passou a dispor de um prazo de cinco anos de garantia, salvo estipulação de outro prazo, durante o qual o empreiteiro, ou o vendedor, é responsável pelos defeitos apresentados na obra e, consequentemente, pelos prejuízos causados ao dono da obra (ou a terceiro adquirente). [16] Trata-se dos artigos 20º, 23º, 24º, 28º, 66º a 81º e 87º da petição inicial, e dos pontos 3 e 17 dos factos não provados. [17] Cfr., inter alia, os acórdãos da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proc. 5397/18.3T8BRG.G1 e da Relação de Coimbra de 14.01.2014, proc. 6628/10.3TBLRA.C1. |