Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2474/16.9T8STR.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
DOCUMENTOS
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A norma contida no artigo 24.º, n.º 1, alínea f), do CIRE não impõe ao devedor requerente da insolvência a junção com a petição inicial da sua Declaração de IRC.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2474/16.9T8STR.E1 - 2.ª secção



Acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora.

“(…) – Sociedade de Administração de Imóveis, S.A., NIPC (…), sociedade anónima, com sede social na Rua (…), n.º 10 Bairro (…), 1.º Esq.º, (…) veio ao abrigo do disposto no art.º 18.º do CIRE apresentar-se à Insolvência.

A requerente foi notificada para juntar aos autos, alem do mais, as contas anuais (IRC e IRS) relativas aos 3 últimos exercícios (2015 se tiverem sido apresentadas, 2014, 2013 e 2012); e relatório de contas de 2015 (se existir), sob pena de indeferimento liminar.

Apesar de notificada a requerente nada juntou quanto às declarações de IRC dos 3 últimos exercícios, nem se pronunciou quanto às mesmas.

Foi então proferido despacho de indeferimento liminar (art.º 27, n.º 1, alínea b), CIRE) essencialmente com o fundamento em que a lei impõe no art. 24º/1-f do CIRE a junção das contas, o que compreende as declarações de IRC e IES no caso de pessoas colectivas.

Inconformada recorreu a requerente tendo concluído nos seguintes termos:

De acordo com o artigo 24.º, n.º 1, alínea f), do CIRE, “com a petição inicial, o devedor quando seja o requerente, junta ainda os seguintes documentos; tendo o devedor contabilidade organizada, as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, bem como os respectivos relatórios de gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização e documentos de certificação legal, se forem obrigatórios ou existirem, e informação sobre as alterações mais significativas do património ocorridas posteriormente à data a que se reportam as últimas contas e sobre as operações que, pela sua natureza, objecto ou dimensão extravasem da actividade corrente do devedor”.

Assim que o exercício social se encontra concluído o órgão de gestão, neste caso o administrador único tem obrigação de elaborar as contas da sociedade para serem apreciadas pelos sócios, recorrendo para o efeito a serviços de contabilidade interna ou externa, conforme estabelece o artigo 65.º, n.º 1, do CSC.

Segundo o n.º 4 do referido artigo “o relatório de gestão e as contas do exercício são elaborados e assinados pelos gerentes ou administradores que estiverem em funções ao tempo da apresentação”.

A Recorrente, devedora, apresentou juntamente com a petição inicial de apresentação à insolvência os Relatórios e Contas dos seus 3 últimos exercícios, 2012, 2013 e 2014.

Os Relatórios e Contas entregues com a petição inicial contemplam um relatório de gestão e contas, balanço, demonstração de resultados, demonstração de fluxos de caixa, demonstração das alterações no capital próprio, relatório e parecer do fiscal único e certificação legal das contas, tudo conforme os art.ºs 65.º a 70.º, CSC.

Entende o Tribunal a quo que “a lei impõe no artigo 24.º, n.º 1, do CIRE a junção das contas, o que compreende as declarações de IRC e IRS no caso das pessoas colectivas”.

No entanto, esta interpretação do artigo 24.º, n.º 1, alínea f), do CIRE é contra a letra da lei, pois as contas anuais relativas ao exercício são as Contas que devem ser elaboradas pelo órgão de gestão para serem apreciadas pelos sócios, conforme estabelece artigo 65.º, CSC.

O registo das contas é obrigatório pelo disposto no art.º 70.º, n.º 1, CSC e 3.º, n.º 1, alínea c), do Código de Registo Comercial sendo efectuado através de IES.

O IES agrega num único documento o registo da prestação de contas, a entrega da declaração anual contabilística e fiscal, a entrega de informação anual Contabilística ao INE para efeitos estatísticos, entrega de informação relativa a dados contabilísticos anuais para fins estatísticos ao Banco de Portugal, conforme artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 08/2001, de 17 de Janeiro.

Ao contrário das contas de exercício da sociedade a IES não é assinada pelo administrador único.

O Tribunal o quo, exige igualmente que sejam entregues documentos não previstos no referido artigo.

Onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do CC “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete: o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Sendo assim, ao entregar os relatórios e contas, nos termos supra descritos, a requerente cumpriu o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea d), do CIRE.

Por exposto, o Tribunal a quo, ao indeferir liminarmente a petição inicial, violou o artigo 24.º, n.º 1, alínea f), do CIRE.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º CPC).

Discute-se a questão de saber se a norma contida no art.º 24.º, n.º 1, alínea f), CIRE impõe ao devedor requerente da insolvência a junção com a petição inicial de declaração de IRC.

Dispõe a citada norma legal que com a petição, o devedor, quando seja o requerente, junta, para alem, do mais, tendo o devedor contabilidade organizada, as contas anuais relativas aos três últimos exercidos, bem como os respectivos relatórios de gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização e documentos de certificação legal, se forem obrigatórios ou existirem, e informação sobre as alterações mais significavas do património ocorridas posteriormente à data a que se reportam as ultimas contas e sobre as operações que, pela sua natureza, objecto ou dimensão extravasem da actividade corrente do devedor.

Os elementos a que se reporta o art.º 24.º do CIRE tem como objectivo favorecer a melhor ponderação dos credores acerca do caminho a seguir. No que respeita aos elementos a que se refere a alínea f) do n.º 1 do art.º 24.º do CIRE (elementos de informação e contabilísticos) importa para vários efeitos, seja o que decorre ainda do n.º do art.º 149.°, seja o da qualificação da insolvência, seja o de permitir a análise de actos praticados, com vista à sua eventual resolução em benefício da massa de acordo com as regras consagradas no art.º 120.º e seguintes, ou ainda a avaliação do interesse na opção pela satisfação dos credores por uma alternativa à liquidação universal do património, traduzida na aprovação de um plano de insolvência (Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, página 154).

Ou seja, a generalidade dos documentos exigidos pela lei tem por função a simples facilitação de produção das consequências que estão ligadas à declaração de insolvência, mas não são estruturalmente condicionantes da apreciação da situação do devedor.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 163, exactamente pelas razoes supra o Tribunal deve revelar-se tolerante.

A lei não elenca expressamente a declaração de IRC como um dos documentos a juntar com a petição inicial. Nada obsta a que o Tribunal aproveite a oportunidade para, desde logo, tentar trazer ao processo elementos úteis, ainda que não estritamente necessários à marcha do processo, então, a omissão do devedor requerente não impedirá a declaração da insolvência.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida ordenando o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.

Sem custas.

Évora, 09 de Março de 2017
Jaime Castro Pestana
Paulo de Brito Paulo
Francisco José Matos