Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2085/06.7TBPTM-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: PARTILHA DOS BENS DO CASAL
LICITAÇÕES
QUINHÃO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- A partilha deve ser igual, justa e não lesiva.
II- Da aplicação da primeira parte da alínea b) do art. 1374° do C.P.C. em ordem ao preenchimento do quinhão do Interessado não licitante não poderá resultar numa atribuição excedente do valor do referido quinhão.
III- Se o quinhão do interessado não licitante não pode ser preenchido com as verbas não licitadas por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, a solução há-de resultar dos princípios que dominam o inventário, não repugnando que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Nos presentes auto de inventário instaurados para partilha dos bens do dissolvido casal de AA e BB, foi homologada a partilha constante do mapa de fls. 413 e adjudicado a cada um dos interessados o quinhão naquele mapa mencionado – art. 1382°, do Cód. Proc. Civil.
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Não se conformando com a sentença homologatória da partilha dela interpôs recurso o interessado AA, tendo concluído nos seguintes termos:
Os lotes deverão ser iguais para que a partilha seja também igual, justa e não lesiva, tornando-se necessário, para esse efeito, que em cada quinhão, monte ou lote, entrem bens de todas as espécies pelo que, a organização dos lotes e respectivo sorteio nem sempre poderá ser praticada e, designadamente, não o poderá ser se a herança for constituída por uma só verba, atribuindo-se, neste caso, a cada um dos Interessados uma quota parte dessa verba;
Também da aplicação da primeira parte da alínea b) do art. 1374° do C.P.C., em ordem ao preenchimento do quinhão do Interessado não licitante não podem resultar uma atribuição excedente do valor do referido quinhão, uma vez que, o objectivo «igualitário da norma não pode violar a vontade hipotética do não licitante, Pois que se este não concorreu às licitações foi porque não quis contrair dividas com tornas, pelo que, ao provocar a mesma consequência que o não licitante quis evitar, a aplicação do preceito com tal amplitude conduziria à produção de um efeito perverso ao transformar aquele interessado em devedor apenas para o inteirar no seu direito com bens cujo valor no inventario é incerto ou, pelo menos, duvidoso, ao ponto de não ter despertado a vontade dos licitantes;
Se o quinhão do interessado não licitante não puder ser preenchido com as verbas não licitadas, por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, não repugna que, por determinação Judicial, se estabeleça com propriedade entre os Interessados, designadamente no caso de não ser possível doutra forma obter-se a composição dos quinhões, conseguindo-se não só respeitar ao máximo a vontade dos Interessados livremente manifestada na licitação, como obter a Igualação da partilha operada através da atribuição de bens da mesma espécie e natureza a todos os Interessados;
Por estar vedado o non liquet ao tribunal, a solução para pôr termo à comunhão só poderá por vezes, conseguir-se determinando-se a compropriedade entre os Interessados, por nenhuma outra forma ser possível para a composição dos respectivos quinhões;
Isto é, em processo de inventário, os bens não licitados por qualquer dos Interessados deverão, em principio ser atribuídos em compropriedade aos Interessados, na proporção dos respectivos quinhões e procurando preencher o que estiver em falta no quinhão de cada um, concretizando-se essa composição, na falta de acordo, por uma atribuição efectuada pelo Tribunal, respeitando-se um principio de equilíbrio na distribuição, jamais podendo traduzir-se na criação de avultadas dividas de tornas de um interessado relativamente aos outros, em total desproporção com os bens efectivamente envolvidos na partilha – a função primordial de um Inventário é a de distribuir bens entre os interessados e não a de criar com a atribuição pelo Tribunal de bens não licitados, créditos e débitos avultados;
Acontece que, no caso presente. Não foram tidas em conta estas regras; de acordo com elas, decidindo-se a organização de lotes e respectivo sorteio, impor-se-ia a formação de dois lotes mas apenas para os bens móveis, Já o Imóvel, único bem dessa natureza, não poderia ser objecto da formação de lotes, impondo-se a respectiva adjudicação em comum;
Foram violadas as disposições do art.º 1274° do Cod. Processo Civil entendidas no sentido de que será permitida a formação e sorteio de lotes não iguais, originária de avultados débitos.
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A recorrida apresentou contra alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir

A factualidade provada e relevante para a apreciação do objecto do recurso é a seguinte:
O interessado AA, ora recorrente foi regular e validamente notificado da data designada para a realização da conferência de interessados, sendo que da referida notificação constava, além do mais, que a mesma se destinava a compor, no todo ou em parte o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados. Não sendo obtido acordo quanto à distribuição dos bens, haverá lugar, de imediato, a licitações entre os interessados’
Na data da realização da conferência de interessados o recorrente não compareceu, nem se fez representar por mandatário com poderes especiais, frustrando-se, assim, qualquer possibilidade de acordo ou licitações, tendo lugar o sorteio.
Formaram-se dois lotes, um lote constituído por todos os bens móveis e outro com o bem imóvel, e com os valores constantes da relação de bens, com excepção do imóvel que foi objecto de avaliação.
Na sequência do sorteio efectuado, coube à interessada (BB), o lote composto pelos bens móveis, pelo valor da relação de bens de fls. 127 e, em consequência, e por exclusão, ao interessado/Requerente, ora recorrente (AA) coube o bem imóvel descrito na verba n.º 11, pelo valor da avaliação de fls. 244 e seguintes, 53.300,00€ (cinquenta e três mil e trezentos euros).
Para o ora recorrente resulta um pagamento de tornas no valor de 24,212,50€.
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É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 639.º, CPC.
Para além da sentença homologatória da partilha, pretende o apelante recorrer do despacho que ordenou a organização de lotes e respectivo sorteio e do despacho que indeferiu a sua impugnação, uma vez que o recurso destes mesmos despachos apenas pode ser interposto com o da decisão que ponha termo á causa, conforme o exige o disposto no art.º 644° do Cód. Proc. Civil.
Sustenta o recorrente que se o quinhão do interessado não licitante não puder ser preenchido com as verbas não licitadas, por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, sobretudo nos casos que se traduzam na criação de avultadas dividas de tornas, deve manter-se a comunhão entre os interessado, na proporção das suas quotas, sob pena de desvio do objectivo igualitário que deve presidir à partilha.
No que respeita à organização dos lotes e respectivo sorteio, Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol.II, pag 469 refere que esta operação nem sempre poderá ser praticada e, designadamente, não o poderá ser nos seguintes casos:
Se os interessados houverem acordado por unanimidade na conferência sobre as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devam ser adjudicadas; Se todos os bens da herança foram licitados. Neste caso, preencher-se-ão as quotas dos não licitantes com as tornas que ficarão forçados a dar-lhes os que licitaram em mais bens do que cabiam nos seus quinhões; Se for só um o interessado na partilha; Se a herança for constituída por uma só verba e se todos os bens da herança foram distribuídos em legados ou constituíram objecto de doação; Se a herança consistir só em dinheiro e títulos de uma só espécie.
A partilha deve ser igual, justa e não lesiva. Para o conseguir torna-se preciso que em cada quinhão, monte ou lote, entrem necessariamente bens de todas as diversas espécies descritas, na mesma quantidade quando iguais os montes, na devida e correspondente proporção quando desiguais.É o grande principio para a igualdade.
Subscrevemos a argumentação expendida no Ac. da Relação do Porto proferido no Processo n.º 2519/06.0TBSTSoP1, disponível em www.dgsi.pt,
«Da aplicação da primeira parte da alínea b) do art. 1374° do C.P.C. em ordem ao preenchimento do quinhão do Interessado não licitante não poderá resultar numa atribuição excedente do valor do referido quinhão. Na verdade o objectivo igualitário da norma não pode violar a vontade hipotética do não licitante, pois que se este não concorreu as licitações foi porque, pelo menos – sem prejuízo de outros motivos – não quis contrair dividas com tornas originadas pelo excesso da respectiva quota, pelo que ao provocar a mesma consequência que o não licitante quis evitar, a aplicação do preceito com tal amplitude conduziria à produção de um efeito perverso, na perspectiva do fim prosseguido pela lei, ao transformar aquele Interessado em devedor, desprotegendo-o economicamente perante os restantes, apenas para o inteirar no seu direito com bens cujo valor no inventário, poderá, as mais das vezes, ser incerto ou, pelo menos, duvidoso, ao ponto de não ter despertado a vontade dos licitantes.
Mas se o quinhão do interessado não licitante não pode ser preenchido com as verbas não licitadas por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, nem se verificam os pressupostos necessários para se aplicar a segunda parte da alínea b) do art. 1374.º do CPC (seja pela impossibilidade do quinhão deste ser validamente preenchido com o bem não licitado, seja porque na herança existem bens de natureza e espécie idênticas aos licitados), a solução há-de resultar dos princípios que dominam o inventário, não repugnando que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados, designadamente no caso de não ser possível de outra forma obter-se a composição dos quinhões, conseguindo-se de tal forma não só respeitar, ao máximo a vontade dos interessados livremente manifestada na licitação, como obter a igualação da partilha operada através da atribuição de bens da mesma espécie e natureza a todos os interessados.
No fundo a solução é a do caminho residual que corresponde ao escopo da partilha - fazer quinhoar todos os interessados no bom e no mau, que se realiza com a atribuição do bem não licitado a todos os interessados em comum e proporcionalmente, em analogia com o prescrito na parte final do art.º 1374.º, al.c), CPC.
Estando vedado o non liquet ao tribunal, in casu, só resta relativamente ao imóvel estabelecer a compropriedade entre os interessados dado que nenhuma outra forma e possível para a composição dos quinhoes e com respeito aos princípios supra mencionados.
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Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento à apelação revogando-se a sentença homologatória da partilha e ordenando a repetição da conferência de interessados e dos actos subsequentes.

Custas a cargo da recorrida

Évora, 7 de Abril de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso