Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
114/04.8TAVRS.E1
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: CRIME DE BURLA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
FACTO CONSTANTE DA CONTESTAÇÃO DE CO-ARGUIDO
Data do Acordão: 04/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Comunicada uma alteração substancial de factos, opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos, não podem os mesmos ser atendidos na sentença final, para o efeito de se imputar ao arguido crime diverso ou para agravar os limites máximos das sanções aplicáveis;

2. Tendo ainda assim relevo para a decisão da causa, tal como ela se mostra delimitada pela acusação/pronúncia, esses novos factos só poderão ser atendidos e ponderados, nessa exacta vertente, se for dado prévio cumprimento ao estatuído no artº 358º, nº 1 do CPP;

3. Não carece de ser comunicado a um arguido o aditamento de facto constante de contestação de co-arguido hostil, posto que aquele tenha tido a oportunidade de, quanto à mesma, exercer o respectivo contraditório.[1]
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. No processo comum colectivo que, com o nº 114/04.8TAVRS, corre termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, o arguido JP [2] foi julgado e condenado, pela prática de dois crimes de burla qualificada, p.p. pelos artºs 217º, nº 1e 218º, nº 2, al. a) do Cód. Penal, nas penas de 5 e 6 anos de prisão, respectivamente; em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão; na procedência parcial de um pedido cível, foi o arguido ainda condenado a pagar aos demandantes JS e AS, a quantia de € 79.616,12, com juros de mora à taxa anual de 4%, desde o dia de cada entrega e até integral pagamento; na procedência parcial de outro pedido cível, foi o mesmo arguido condenado a pagar aos demandantes H e S a quantia de € 200.160,48, com juros de mora à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível e até integral pagamento, bem como a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros à taxa anual de 4% desde a data do acórdão e até integral pagamento.

Inconformado, recorreu o arguido JP, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas a partir do respectivo suporte informático):

«I. No dia 09-06-2011, o Tribunal recorrido comunicou aos sujeitos processuais a alteração de alguns factos, alguns consistem numa alteração substancial dos factos (pontos 12. a 15.) e outros uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia (pontos 1. a 11.).

Quantos aos factos que consistem numa alteração substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, a mandatária do ora recorrente opôs-se ao conhecimento dos mesmos e, como tal, ao prosseguimento dos autos relativamente a esses factos.

II. Todavia, o Tribunal a quo, em clara violação ao regime jurídico imposto pelo artigo 359.º, n.º 1 do CPP, decidiu fazer constar do acórdão recorrido e considerar como provada a matéria descrita nos pontos 79. a 81. dos factos provados. Matéria essa que consiste, precisamente, nos factos elencados sob os pontos 12. a 14. do despacho proferido em 09-06-2011, acima mencionado, em relação aos quais a mandatária do recorrente se opôs ao seu conhecimento.

Sendo nitidamente violadora das garantias de defesa do recorrente e dos princípios do contraditório e do acusatório a valoração dos referidos factos pelo Tribunal a quo.

III. Como tal, tendo o acórdão recorrido violado o disposto no artigo 359.º, n.º 1 do CPP, é, por isso, nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP.

Igualmente, o acórdão recorrido é inconstitucional, por violação dos princípios do contraditório e do acusatório, bem como das garantias de defesa, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Pelo exposto, o acórdão recorrido deverá ser revogado e, em sua substituição, deverá ser proferida decisão na qual não sejam valorados os factos acima mencionados, descritos nos pontos 79. a 81. dos factos considerados como provados.

IV. Não obstante o Tribunal a quo ter anunciado, na audiência acima referida e realizada no dia 09-06-2011, alguns factos novos, ainda assim, no acórdão recorrido, decidiu aditar alguns factos que nunca foram comunicados ao recorrente e aos demais sujeitos processuais.

Assim, no acórdão recorrido, nomeadamente, foram alterados/aditados os factos descritos nos pontos 9. – desde “pessoa” até “não conheciam” e desde “que se apresentou” até “Storm, S.L.” -, 10., 11. - quanto à expressão “antes de se dirigirem ao Reino de Espanha” -, 12. – quanto à expressão “mas após terem regressado da visita a Espanha” -, 32., 36. – desde “bem sabendo” até “quantias” -, 52., 56., 58., 59. – desde “No mesmo contacto” até “contrato” -, 65. – desde “devendo antes” até “informado” -, 67. a 69., 71. – desde “o arguido João” até “compra e venda” -, 72., 74. a 76., 84. e 86. dos factos provados, factos esses novos relativamente aos que estão descritos no despacho de pronúncia, mas que não foram comunicados ao recorrente.

V. Como tal, o aditamento dos referidos factos novos configura uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, à qual o Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime previsto no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, ou seja, deveria ter comunicado aos arguidos os factos novos e concedido um prazo para preparação da defesa, caso tal fosse requerido. E, no presente caso, não se verifica a excepção prevista no n.º 2 do artigo 358.º do CPP.

VI. Sendo inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, que consagra os princípios do acusatório e do contraditório e as garantias de defesa do recorrente, as normas constantes do artigo 358.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, quando interpretadas no sentido de permitir que o Tribunal valore, para efeitos de condenação de um arguido, factos novos que consubstanciem uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, sem o presidente comunicar previamente a esse arguido a alteração e sem conceder, se ele o requerer, um prazo para a preparação da defesa, se esses factos novos tiverem derivado de factos alegados por outro co-arguido.

VII. Ao não ter agido como legalmente se impunha, o Tribunal recorrido fez uma valoração ilegal dos factos novos anteriormente referidos.

Assim sendo, o acórdão recorrido violou o artigo 358.º, n.º 1 do CPP, bem como os princípios do contraditório e do acusatório e as garantias de defesa do recorrente, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

Como tal, o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP e inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

VIII. Pelo exposto, o acórdão recorrido deverá ser revogado e, em sua substituição, deverá ser proferida decisão na qual não sejam valorados os factos acima mencionados, constantes dos pontos 9. – desde “pessoa” até “não conheciam” e desde “que se apresentou” até “Storm, S.L.” -, 10., 11. - quanto à expressão “antes de se dirigirem ao Reino de Espanha” -, 12. – quanto à expressão “mas após terem regressado da visita a Espanha” -, 32., 36. – desde “bem sabendo” até “quantias” -, 52., 56., 58., 59. – desde “No mesmo contacto” até “contrato” -, 65. – desde “devendo antes” até “informado” -, 67. a 69., 71. – desde “o arguido João” até “compra e venda” -, 72., 74. a 76., 84. e 86. dos factos considerados como provados na decisão recorrida.

IX. Quanto ao ponto 9. dos factos considerados como provados, não deverá ser considerado como provado que o recorrente se deslocou a Espanha com os assistentes e que se apresentou ou foi apresentado por AC como representante legal – mas, sim, como gestor de negócios - da sociedade B S S. L. e, como tal, deverá ser alterada a sua redacção do seguinte modo:

O arguido AC e o casal JS e AS dirigiram-se ao Reino de Espanha - tendo o arguido JP sido apresentado nas instalações da E. como advogado e gestor de negócios da empresa imobiliária Espanhola BS S.L, proprietária dos imóveis na cidade de Ayamonte - e ainda por CP e JA, ambos funcionários da G...- Mediação Imobiliária, Lda.;

X. Impondo decisão diversa da recorrida os depoimentos de CP, desde os 13m54s até aos 16m10s, e de JA, desde os 16m56s até aos 18m02s, prestados em audiência de julgamento, o contrato de fls. 57 e 58 e, principalmente, o fax de fl. 81;

Sendo certo que merece mais credibilidade a versão dos factos apresentada pelo assistente JS no referido fax de fl. 81 e o depoimento isento e imparcial de CP e JA, do que a versão apresentada pelos assistentes em audiência de julgamento, quando já tinham conhecimento do texto que consta do despacho de acusação e do despacho de pronúncia e depois de aconselhados pelo seu mandatário.

XI. Deverá considerar-se como não provada a matéria constante do ponto 27. dos factos provados, tendo em conta o depoimento de LS, desde os 20m52s até aos 22m00s e as regras da experiência comum, devendo, também quanto a este aspecto ser a decisão recorrida revogada.

XII. Deverá ser considerada como não provada a matéria descrita nos pontos 30. e 31. dos factos considerados como provados, impondo decisão diversa da recorrida o teor do documento de fls. 76 a 78.

XIII. Devem ser considerados como não provados os factos constantes dos pontos 36. a 41. e 89. dos factos provados, impondo decisão diversa da recorrida os documentos de fls. 57 a 68, 1577 a 1579, 1585 a 1587, 1672 a 1689 e fl. 2376, o depoimento de JT, desde 09m20s até 14m44s e os depoimentos de CP e de JA, nas passagens acima transcritas, em conjugação com os factos descritos nos pontos 12.1, 118., 119. e 12. dos factos provados.

XIV. Deverão ser considerados como provados os factos constantes do ponto LXXXI. dos factos não provados, desde “A 18 de Novembro” até “30 mil euros”, sendo a expressão “declarante” substituída pela expressão arguido AC, impondo decisão diversa da recorrida os documentos de fls. 1610 a 1612.

XV. Pelos fundamentos acima expostos, aquando da impugnação da matéria descrita no ponto 9. dos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, deverá ser considerada como provada a matéria descrita no ponto XCVIII dos factos não provados. Impondo decisão diversa da recorrida, nomeadamente, o fax de fl. 81.

XVI. O recorrente agiu em consciência e face a toda a documentação que viu, ao que conversou, em Portugal e em Espanha, com a plena convicção de que os contratos seriam depois ratificados.

Não tendo o recorrido actuado com a intenção de enganar os assistentes JS e AS ou de obter qualquer enriquecimento ilegítimo. Assim sendo, deverá ser revogada a decisão recorrida e o recorrente ser absolvido da prática do crime de burla qualificada.

XVII. Independentemente de não poder ser valorada a matéria constante do ponto 54. dos factos provados, sempre deveria a mesma ser considerada como não provada, por falta de prova credível que a comprove.

Com efeito, não existe também nos autos prova que comprove que o cheque não foi depositado numa conta da G.., Lda. ou numa conta titulada pelo arguido AC - v. g., extractos bancários de todas as contas por eles tituladas, no período em causa, ou informação do Banco de Portugal ou de todas as instituições bancárias.

Acresce que o e-mail de fl. 193 não menciona o que o acórdão recorrido refere.
Menciona, sim, que o arguido A. é que recebeu o dinheiro (a transferência e o cheque), por sua vez, o escritório do recorrente recebeu os documentos enviados pelos assistentes.

XVIII. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, não foi o recorrente que elaborou a minuta do contrato-promessa, nem enviou o e-mail com a mesma aos assistentes H e S, nem foi produzida qualquer prova nesse sentido.

Conforme atesta o passaporte do recorrente – cuja cópia integral e a cores está junta aos autos a fls. 3284 a 3300 - o recorrente ausentou-se para o Brasil na mesma data que o arguido PM, ou seja no dia 05-09-2005.

Tendo regressado a Portugal no dia 29 de Setembro de 2005 – cfr. 1.º carimbo da página 12 do passaporte.

Como tal, o arguido não estava presente no escritório na data em que foi enviado o e-mail (06-09-2005 – cfr. fls. 216 a 218), para poder enviar o e-mail e o ficheiro em causa.

XIX. Pelo exposto, deverá ser considerada como não provada a matéria de facto descrita nos pontos 71., 72. e 86. dos factos provados, impondo decisão diversa da recorrida o depoimento do Sr. Dr. JM, desde os 08m42s até aos 13m45s, acima transcrito e os documentos de fls. 216. a 218., 3284 a 3300, 1658 a 1662, 1694, 1691 e 1692, 1654, 1560 e 1693.

XX. Não sendo credível, nem estando, de modo algum, de acordo com as regras da experiência comum que o recorrente, apenas para criar a aparência de uma realidade, para alegadamente enganar os assistentes, já após ter sido pago integralmente o preço do imóvel pelos assistentes, em 29 de Setembro de 2005, tenha solicitado aos seus colegas de escritório – o arguido PM e à testemunha MP – que praticassem os seguintes actos: apresentação do requerimento de cancelamento de um ónus que incidia sobre o prédio, no dia 28 de Junho de 2006 - cfr. fls. 1658 a 1662; liquidação da dívida referente ao fornecimento de água do imóvel e celebração do contrato em nome dos assistentes, em 04 de Abril de 2006 - cfr. fl. 1694; apresentação de requerimento, no Serviço de Finanças de Castro Marim, para ser efectuada a rectificação das áreas constantes da caderneta predial, de modo a ficarem conformes com as que constam da certidão predial, em 20 de Julho de 2006 - cfr. fls. 1691 e 1692; realização de obras no imóvel, conforme solicitado pelos assistentes, no dia 09 de Outubro de 2005, ao arguido AC – cfr. e-mail de fl. 1654; pagamento a VA do valor de € 2.500,00, no dia 17 de Janeiro de 2006 e no total € 7.500,00, respeitante às obras realizadas no imóvel – cfr. fl. 1560; pedido de informação à Câmara Municipal de Castro Marim sobre o anterior nome da Rua onde se localiza o imóvel, pois nos documentos oficiais, a mesma não vinha identificada como Rua ---, apresentado em 2006. Pedido esse que foi apresentado pelo Dr. MP, colega de escritório o ora arguido – cfr. fl. 1693.

XXI. Ora, se a intenção do recorrente fosse, então, criar a aparência de um contrato, após a consumação do engano e o recebimento integral do preço do imóvel, porque motivo haveria necessidade de realizar todos os actos anteriormente referidos???

XXII. Acresce, ainda, a realização de obras foi realizada de acordo com as instruções específicas dos assistentes, não tendo, portanto, como finalidade posterior de vender a casa a qualquer outro interessado, como o acórdão recorrido refere. Em suma, nunca foi intenção do recorrente enganar os assistentes e obter, à sua custa, qualquer enriquecimento.

XXIII. Analisando o tipo legal do crime de burla, cuja prática é imputada ao ora recorrente, atenta a matéria acima alegada, salvo o devido respeito por melhor opinião, conclui-se que não se verificam os elementos constitutivos do referido tipo legal.

Não tendo havido, por parte do recorrente, qualquer indução em erro dos assistentes, através da criação da aparência de realidades que o recorrente sabia não existirem. Pois, o arguido actuou nos negócios em análise de boa fé, segundo o que acordou com os assistentes.

Todavia, por motivos alheios à vontade do arguido, acima explanados, os negócios não decorreram como estava, inicialmente, previsto.

XXIV. Acresce que, as diligências realizadas por instrução do recorrente, nomeadamente, após o pagamento integral do preço pelo casal Slann, são demonstrativas de que a real vontade do recorrente era fazer cumprir os contratos-promessa celebrados.

Não tendo ocorrido a prática de qualquer conduta pelo recorrente com vista a enganar os assistentes e a causar-lhes qualquer prejuízo.

Com efeito, o recorrente jamais actuou com a intenção de obter qualquer enriquecimento ilegítimo ou sem causa, não tendo praticado actos que configurem a prática do crime de burla.

XXV. Ao decidir de modo contrário, o acórdão recorrido violou o artigo 127.º do CPP e o artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, bem como o princípio da legalidade, consagrado no artigo 1.º, n.º 1 do C.P., no artigo 29.º, n.º 1 da C.R.P. e no artigo 11.º, n.º 2 da D.U.D.H..

Por todo o exposto, deverá o recorrente ser absolvido da prática dos crimes pelos quais foi condenado.

XXVI. Na determinação da medida concreta da pena, deve atender-se ao disposto no artigo 71.º do Código Penal, utilizando os critérios da culpa e da prevenção exigidos por aquele preceito legal, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra aquele.

XXVII. Ora, considera o recorrente que, mesmo que V. Exas. mantenham alguma das condenações do recorrente, o que por cautela de patrocínio se equaciona, as penas parcelares e a pena conjunta ou unitária que lhe foram aplicadas pelo Tribunal a quo não são proporcionais e pecam por excesso, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, os factos que deverão ser considerados como provados, as finalidades da pena e as necessidades de prevenção geral e especial, que não são acentuadas.

XXVIII. Assim, para a determinação da medida concreta da(s) pena(s) eventualmente a aplicar ao recorrente, há que ter em conta, nomeadamente, os seguintes aspectos: o recorrente não tem condenações registadas no seu C.R.C. – cfr. C.R.C.; actualmente, o recorrente tem 44 anos - cfr. relatório da decisão e passaporte de fls. 3284 a 3300; o recorrente é uma pessoa integrada a nível social, profissional e familiar; Factos estes que denotam menores exigências de prevenção especial, que assumem primazia na determinação da medida da pena.

XXIX. Embora não esquecendo que a qualificação do tipo legal do crime de burla prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 218.º do C. Penal atende ao valor do prejuízo patrimonial e não ao benefício ou enriquecimento do agente ou de terceiro, não pode deixar de dar-se relevo aos montantes, efectivamente, recebidos pelo agente e à medida do “enriquecimento” para graduar a medida da pena.

XXX. Daí assumir relevância, neste campo, o facto de o recorrente ter-se apropriado e não ter restituído aos assistentes JS e AS o montante global de € 79.616,12.

XXXI. Já quanto aos assistentes H e S, como acima se mencionou, não houve a apropriação ilegítima de qualquer montante pelo recorrente, pois, o montante de € 5.849,00, depositado na conta bancária titulada pela sociedade da qual o recorrente era administrador, é correspondente aos honorários e despesas dos serviços prestados por essa sociedade – cfr. facto 82.2. dos factos provados.

XXXII. Acresce que, já decorreram mais de 5 anos sobre a data da prática dos factos e, nos dois casos em apreço, apenas se ter verificado uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 218.º, sendo esse factor relevante para a graduação da pena, por contraposição com outras condutas que preencham 2, 3 ou até todas as circunstâncias qualificadoras previstas na referida disposição legal.

XXXIII. Acresce que a circunstância qualificadora em causa tem subjacente um valor, um montante pecuniário e não um especial ou mais acentuado desvalor da acção.

XXXIV. Ainda tem relevância o facto das condutas pelas quais o recorrente foi condenado lesarem um único bem jurídico – o património – por contraposição àquelas condutas que lesam vários bens jurídicos ou bens jurídicos de maior importância, resultando destas condutas uma danosidade social mais elevada (v.g., crimes contra a vida, a integridade física, a liberdade e autodeterminação sexual).

XXXV. Ainda ao nível das consequências dos factos, importa salientar que os montantes em causa não são muito elevados e que o número de ofendidos é relativamente reduzido.

XXXVI. Por todo o exposto, caso V. Exas. decidam manter a condenação do recorrente pela prática de um ou dos dois crimes de burla qualificada – o que apenas por cautela e dever de patrocínio se refere - consideramos que é adequada e proporcional, cumprindo as finalidades da pena e as necessidades de prevenção, a fixação das seguintes penas parcelares: no crime de burla qualificada, referente ao caso de JSe AS, a pena de 3 anos de prisão; no crime de burla qualificada, referente ao caso de H e S, a pena de 2 anos e seis meses de prisão.

XXXVII. Igualmente, a pena conjunta aplicada ao recorrente é excessiva, analisando a imagem global dos factos e a personalidade do recorrente.

XXXVIII. Tal como defendido por Figueiredo Dias, no presente caso, para determinação da pena conjunta a aplicar ao recorrente não
“será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

XXXIX. Assim sendo, ponderados todos os factores anteriormente expostos, incluindo os relativos às condições pessoais, sociais e económicas e à personalidade do recorrente, não tendo este antecedentes criminais – que aqui se dão por integralmente reproduzidos – e à “gravidade do ilícito global perpetrado”, caso seja condenado pela prática dos dois crimes em concurso de burla qualificada, deverá ser aplicada ao recorrente uma pena única não superior a 3 anos e 10 meses de prisão.

XL. Assim sendo, na eventualidade de V. Exas. considerarem que deve ser aplicada ao recorrente uma pena de prisão, o que, mais uma vez, por mera cautela de patrocínio se refere, em todo o caso, a pena de prisão a aplicar deverá ser suspensa na sua execução.

Uma vez que, no caso sub judice - atendendo, mais um vez, a todos os factores anteriormente expostos, incluindo os relativos às condições pessoais, sociais e económicas e à personalidade do recorrente – que aqui se dão por integralmente reproduzidos – existe uma expectativa fundada de que a simples censura do facto ínsita na decisão a proferir e a ameaça do cumprimento de uma pena de prisão são suficientes para que o recorrente se consciencialize e interiorize a antijuricidade da sua conduta e a necessidade de se abster de condutas criminosas para o futuro, realizando-se de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XLI. Pelo exposto, as penas parcelares e a pena única ou conjunta aplicadas ao recorrente na douta decisão recorrida são excessivas, violando o acórdão recorrido o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, n.º 1, 71.º, n.ºs 1 e 2 e 77.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.

XLII. Em consequência, deverá ser revogado o acórdão recorrido e serem aplicadas ao recorrente as penas parcelares não superiores a 3 anos de prisão e 2 anos e seis meses de prisão e uma pena conjunta não superior a 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Ser declarada a nulidade e a inconstitucionalidade do acórdão recorrido, sendo, consequentemente, revogado, nos termos supra expostos;

b) Ser o recorrente absolvido da prática dos dois crimes de burla qualificada em que foi condenado e absolvido dos pedidos de indemnização deduzidos;

c) Caso V. Exas. assim não o considerem, o que por mera cautela de patrocínio se concede, deverão ser aplicadas ao recorrente as penas parcelares não superiores a 3 anos de prisão e 2 anos e seis meses de prisão e uma pena conjunta não superior a 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução».

Respondeu o Exmº Procurador da República no círculo judicial de Faro, pugnando pela manutenção do decidido e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas a partir do respectivo suporte informático):

«a) independentemente do acordo dos sujeitos processuais, os factos que constituam uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia podem constar das sentenças, – e devem constar quando intrincados noutros que o Tribunal tenha que conhecer - nada havendo que determine que o Tribunal deva obliterar tais factos na descrição (factual) do ocorrido;

b) esses factos não podem é servir para “condenar” o arguido - conforme determina o art. 379, nº 1, b) do CPP – o que significa, em consonância com o princípio do acusatório e das garantias de defesa dos arguidos, que tais factos não podem de nenhum modo agravar a situação do arguido, seja levando á sua condenação por crime de que não estava acusado, seja suportando de alguma forma a decisão de condenação por crime de que estava acusado;

c) no caso em apreço, embora constem do acórdão factos que representariam uma alteração substancial dos descritos na pronúncia, o recorrente não foi condenado pelo crime de falsificação que tais factos consubstanciam nem tais factos foram de nenhum modo chamados a suportar ou justificar qualquer parte da sua condenação;

d) assim sendo, não se verificam nem a nulidade nem a inconstitucionalidade invocadas pelo recorrente quanto à alegada alteração substancial dos factos descritos na pronúncia;

e) as sentenças não têm que ser meras transcrições das acusações/pronúncias, têm é que respeitar, num processo de estrutura acusatório, os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objecto do processo;

f) alterações relevantes - do que consta da sentença por relação ao que consta da pronúncia – são somente as que prejudicam a possibilidade de uma “defesa eficaz” do arguido, sendo processualmente inócuas as alterações de factos não essenciais ou indiferentes para a decisão;

g) e, conforme determina o art. 358, nº 1 do CPP, só alterações “com relevo para a decisão da causa” implicam uma comunicação nestes termos ao arguido;

h) o acórdão recorrido – para além dos factos cuja alteração não substancial foi comunicada ao recorrente – limitou-se a explicar e detalhar alguns pormenores que não constavam da pronúncia, não sendo tais detalhes relevantes na verificação dos crimes ou na sua gravidade, nem tendo surpreendido ou prejudicado a defesa do recorrente;

i) motivos porque também nesta matéria não se verificam a nulidade e a inconstitucionalidade invocadas pelo recorrente;

j) o acórdão recorrido fundamenta devidamente a matéria de facto que dá por assente e esses elementos probatórios constituem, efectivamente, prova bastante dos factos que foram fixados;

l) por outro lado, não se verificou qualquer violação de normas, princípios ou lógica no processo que conduziu á aquisição ou á valoração das provas, valoração feita dentro dos limites da livre apreciação de provas não proibidas, tão-pouco havendo qualquer desrespeito ás regras da experiência na apreciação dessas provas (art. 127 do CPP);

m) como tal, a reapreciação (possível) das provas produzidas em 1ª instância não poderá conduzir a que sejam dados como não provados os factos impugnados pelo recorrente, devendo manter-se toda a matéria de facto fixada no acórdão recorrido;

n) a medida da(s) pena(s) aplicadas ao recorrente está devida e correctamente fundamentada no acórdão;

o) considerando as penas excessivas, o recorrente não invoca circunstâncias que ponham em causa tal fundamentação e justifiquem uma medida diferente;

p) pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido».

Também os assistentes H e S responderam, pugnando igualmente pela improcedência do recurso e desta forma concluindo (por transcrição, a partir do respectivo suporte informático):

«A. O Arguido JP interpôs recurso do Douto Acórdão propalado pelo Tribunal a quo, alegando, em suma, a nulidade e a inconstitucionalidade do Sobredito Acórdão, por violação do disposto no art. 359.º do CPP, na medida em que o Tribunal “a quo” alegadamente valorou factos que consubstanciam uma alteração substancial dos factos levados a julgamento e usou factos novos trazidos por outros arguidos, que consubstanciam uma alteração não substancial de factos, sem os ter comunicado ao arguido e sem lhe conceder prazo para defesa, violando o art. 358º, nºs 1 e do CPP e os direitos fundamentais, consagrados no art. 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

B. Salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão ao Arguido JP, sendo tal entendimento corroborado pela mera leitura do Douto Acórdão.

C. Para fundamentar a pretensa nulidade vem alegar que o Tribunal a quo terá conhecido de novos factos, factos que consubstanciam uma alteração substancial e que os levou à decisão ínsita no Douto Acórdão, como factos provados. Alega ainda que tais factos relevaram para a decisão propalada.

D. Como bem se entende pela simples leitura dos autos (do despacho de dia 09/06/2011, a fls. ...) e do Douto Acórdão em crise, os sobreditos factos a serem conhecidos poderiam determinar a condenação do arguido JP pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256.º, n.º 1 e 3 do Código Penal. Todavia, e em cumprimento do disposto no art. 359º e atendendo à oposição manifestas, o Tribunal a quo resignou-se a absolvê-lo.

E. Acresce que a lei não impede o Tribunal de conhecer de novos factos, o que impede, nos termos do disposto no artigo 359.º do CPP, é que uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia possa ser tomada em conta pelo Tribunal para o efeito de condenação no processo em curso.

F. Como resulta do Acórdão recorrido, tal matéria não foi levada em conta pelo Tribunal para efeitos da condenação, já que o Arguido JP foi apenas condenado como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º1, 218.º, n.º2, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.

G. O Tribunal comunicou a aquisição do conhecimento, pronunciou-se, mas não os considerou para efeitos de condenação e de medida da pena. Fez o que tinha que fazer. Se não o tivesse efectuado, cairia na nulidade relativa à omissão de pronúncia.

H. O fito do recurso, é aliás, é evidente: o Recorrente pretende apenas obstar ao trânsito em julgado, fá-lo tentando operar a confusão do Tribunal, com esta manobra processual, e, bem sabendo e não podendo ignorar, que tais factos não foram valorados pelo Tribunal a quo, nem o arguido foi condenado pela prática deste crime.

I. Não se mostram – de todo – violadas as garantias de defesa do recorrido e bem assim se mostram devidamente observados os princípios do contraditório e da acusação, termos em que não se verifica a arguida nulidade do Acórdão (alínea b), do n.º1, do art. 379.º do CPP).

J. Veio ainda o Recorrente alegar que ocorre violação do princípio da vinculação temática do processo penal e das garantias de defesa do Recorrente. Sem qualquer razão.

K. Sendo certo que o processo penal tem uma estrutura acusatória, sendo o seu objecto balizado pela acusação ou pela pronúncia, quando a houver, isso não significa que na fase do julgamento o Tribunal não possa tomar conhecimento de factos novos e que condene o arguido com base neles, verificados que estejam pressupostos aludidos nos artºs 358º e 359º CPP. Tal foi caso dos presentes autos.

L. Os factos a que o Recorrente alude são, como o próprio admite, factos trazidos aos autos pelos Arguidos com a sua defesa, nomeadamente, pelo Arguido AC.

M. Os factos são uma variação dos que constituem o objecto daquele processo em concreto, devem ainda incluir-se no âmbito do “mesmo facto histórico unitário” e neste sentido a melhor doutrina de Pinto de Albuquerque.

N. O Tribunal “a quo” fez um correcto uso dos factos e uma correcta aplicação do direito aos factos. O Tribunal a quo, não se socorreu para efeitos da condenação do Arguido JP, dos factos aos quais este se opôs que o Tribunal deles conhecesse, nem usou factos autónomos aos que constavam da pronúncia para a determinar a condenação do Arguido, pelo que não ocorreu uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (alínea b), do n.º1, do art. 379.º do CPP), devendo em consequência ser declarada improcedente a por não provada a alegada nulidade.

O. Alega ainda o Recorrente que: “Igualmente, o acórdão recorrido é inconstitucional, por violação dos princípios do contraditório e do acusatório, bem como das garantias da defesa, consagrados no art. 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Português (CRP).”, requerendo em consequência a sua revogação por este Venerando Tribunal.

P. Fê-lo, salvo melhor opinião, sem respeitar o estatuído na Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. A arguição de inconstitucionalidades – seja de aplicação, seja de interpretação de normas - terá de ser efectuada em cumprimento dos requisitos estatuídos no artigo 75ºA, nº 2, da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro:

a. As normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada e cuja (re)apreciação pretende;

b. As normas constitucionais e legais que a Recorrente considera violadas;

c. As peças processuais em que o Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade.

Q. No caso em apreço, tal ónus de alegação não foi cumprido pelo Recorrente (artigo 75-A da Lei n. 28/82, de 25 de Novembro), pelo que não deverá ser admitido, pelo que não poderá ser conhecido no presente recurso (por todos vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 27-01-1993).

R. Pugna ainda o Recorrente pela alteração da Matéria relevante para decisão do crime cometido contra o casal Slann.

S. Antes de se pronunciar quanto aos fundamentos (ou à sua falta) os Assistentes não podem deixar de suscitar uma questão prévia quanto à inobservância das regras processuais nos recursos.

T. Nos termos do disposto no nº 1, do artº 428º do CPP, impõe a lei processual penal que o Recorrente enuncie na motivação os fundamentos do recurso e que termine pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, resumindo as razões do pedido (vide n.º1, do artº 412º do CPP);

U. Ora, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões indicam, sob pena de rejeição: (i) as normas jurídicas violadas; (ii) o sentido em que, no entendimento do Recorrente, o Tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e (iii) em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do Recorrente, deve ser aplicada (nº2 do artº 412º do CPP).

V. Quando o Recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve ainda especificar: (i) os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados; (ii) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; (iii) as provas que devem ser renovadas e (iv) quando as provas tenham sido gravadas, estas especificações fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

W. Salvo melhor opinião, o Recorrente não cumpriu, nenhum dos requisitos, no recurso que interpôs, limitando-se a considerar que estamos perante uma pretensa nulidade de Acórdão, nos termos do disposto no art. 379.º do CPP, pelo que o mesmo deverá rejeitado.

Sem conceder,

X. O Recorrente considera que os pontos 52., 56., 58., 59., 65., 67., 68., 69., 71., 72., 74., 75., 76., 84., 86., são factos novos e que configuram uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, alteração que não foi comunicada ao Arguido, além do que não lhe foi facultado prazo para a apresentar a sua defesa quanto aos mesmos.

Y. Não assiste razão ao Recorrente.

Z. Reitera-se, por pertinente, que os factos enunciados pelo Recorrente, não só não consubstanciam uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, como são factos trazidos pela defesa ao processo (art. 358º, nº 2 do CPP) – como o próprio arguido refere na sua motivação do recurso, pelo que legalmente o Tribunal não estava obrigado a comunicá-los.

AA. Os factos levados aos pontos 52., 56., 58., 59., 65., 67., 68., 69., 71., 72., 74., 75., 76., 84., 86., são factos que constam da acusação ou pronuncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações dos Arguidos e no restante são factos inócuos e factos instrumentais, pelo que não se mostra violado o art. 358.º, n.º 1 do CPP, nem tão pouco o art. 32.º, n.º 1 e 5 da CRP.

BB. Carece pois de fundamento a alteração proposta pelo Recorrente quanto à matéria de facto dada como provada.

CC. O Tribunal a quo cumpriu todas as exigências processuais, bem como as de fundamentação.

DD. Acrescente-se que, pretendendo a mudança do sentido do Douto Acórdão veio o Recorrente indicar, para efeitos do n.º 4, do art. 412.º e n.º 2, do art. 364.º, ambos do CPP, o nome das testemunhas que prestaram depoimento, a data e a duração do depoimento, porém, não o fez como estatuído pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP. Tal normativo dispõe que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364.º do CPP, devendo o Recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a sua impugnação.

EE. O n.º 2, do art. 364.º, que quando houver lugar a gravação magnetofónica ou áudio-visual, deve ser aplicável consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração, ora, tal exigência formal não foi cumprida pelo Recorrente, o que per si, implicará que o recurso não deverá ser admitido no que concerne à revisão da prova produzida, o que se requerer.

FF. Alega o Recorrente que os factos provados nos pontos 54., 71., 72., 86. e 87. são falsos. E, quanto ao facto 54. que discorre que “O cheque n.º 1133074, no valor de € 14 500 foi entregue ao arguido AC ao Arguido JP que se apropriou do respectivo valor;”

GG. A convicção do Tribunal quanto ao facto 54. formou-se tendo também em conta o depoimento prestado pelo Arguido AC, que asseverou que tal quantia não entrou nas suas contas bancárias nem na conta bancária da GH.

HH. Ao invés do que pretende o Recorrente, ficou absolutamente demonstrado que o Recorrido JP recebeu e fez suas as quantias de € 71.000,00, por força de transferência bancária operada pelo Arguido AC para o aqui Recorrente (veja-se o art. 36.º da contestação do Arguido AC) e as declarações do Arguido em sede de audiência de julgamento.

II. Entende o Recorrente que o documento junto a fls. 193 dos autos, não prova o que o Acórdão diz provar. Não lhe assiste razão.

JJ. Bastará atentar no teor do documento de fls. 193, para concluir como concluiu o Tribunal a quo.

KK. Quanto ao conjunto de factos dados como provados nos art. 71., 72., 86. e 87., foram trazidos aos autos pela defesa do arguido PS, veja-se a contestação do Arguido e prova documental e testemunhal produzida.

LL. O Recorrente insurge-se, na medida, em que considera que a cópia simples do seu passaporte, junto aos autos a fls. 3284 a 3300, demonstra que naquelas datas este se ausentou para o Brasil e que assim não poderia ter remetido o e-mail do computador em causa (atente-se ao facto provado 72.).

MM. Falta à verdade o Recorrente quando afirma que tal documento não mereceu impugnação por parte dos Assistentes, o que foi feito em requerimento datado de 09.05.2011, junto a fls. ... dos autos, com os fundamentos de que:

- O Arguido JP, aqui Recorrente, promoveu a junção aos autos, no passado dia 04/05/2011, uma simples fotocópia do seu passaporte, com o fito de provar que não estava em Portugal no dia 05 de Setembro de 2005;

- Ora, a cópia simples deste documento não preenche os requisitos do artigo 387º, nº 1 do CC, pelo que não são aptas a fazer prova plena dos factos alegados.

- Acresce que, na medida em que nunca esteve presente em qualquer audiência de discussão e julgamento, não é possível aferir se a identidade e foto constantes no documento correspondem ou não ao Arguido e aqui Recorrente JP.

- Pelo que os Assistentes pugnaram na medida em que o Tribunal “a quo” considerasse que o documento não é apto a fazer a prova pretendida pelo Recorrente.

NN. Bem sabendo que a cópia simples documento junto aos autos a fls. 3284 a 3300 não lhe permitia fazer a prova que carecia, procurou fazer recair a prova da sua ausência do país, no depoimento do Sr. Dr. JM, sócio do Recorrente na Sociedade de Advogados com o nome do aqui Recorrente.

OO. Porém, tal meio de prova também não é apto a provar o que o Recorrente pretende. É aliás, expressivo, que o mesmo apenas tenha conseguido afirmar as ausências para o Brasil de forma genérica e quanto ao espaço temporal em que o e-mail foi remetido, apenas referiu:

JM: “(...) E pronto, mais uma vez foi alvo de brincadeira porque o Dr. JP também foi, foi nesta viagem, não é? Mas lá ter-se-iam separado, foi o que o Dr. JP me disse. Pronto, mas como lhe digo as minhas conversas com ele eram conversas de almoço.” (depoimento prestado no dia 09/03/2011, conforme atestado no auto de diligência de videoconferência, do Tribunal de Comarca da Grande Lisboa-Noreste, Sintra, Juízo Grande Inst. Criminal – 1ª Secção – Juiz 3, com a referência: 11382953, depoimento prestado entre as 15h03m e as 15h36, através do sistema da linha “RDIS” de Vila Real de St. António – Tribunal Judicial)

PP. Para além de ser um depoimento de ouvir dizer, não é sequer algo que tenha merecido total credibilidade pela própria testemunha que necessitou de referir que foi o que o Recorrente lhe disse. A testemunha não mencionou qualquer facto ou ocorrência – como por exemplo vi fotografias, comprei o bilhete de avião, fui levar/buscá-lo ao aeroporto, etc. – que pudessem dar ao seu testemunho qualquer relevo. O Tribunal a quo não valorou tal prova, e bem.

QQ. Vem ainda o Recorrente alegar, se bem se entende, que o “contrato promessa foi celebrado, pois, de outro modo, não compreende como iria a sociedade proprietária do imóvel receber qualquer montante sem previamente estar celebrado esse contrato.”

RR. E afirma ainda o Recorrente que, se assim não fosse, para quê praticar os actos de (i) apresentação de requerimento de cancelamento de um ónus que incidia sobre o prédio – Casa A (ii) liquidação da dívida relativa ao fornecimento de água, (iii) rectificação de áreas na Repartição de Finanças de Castro Marim, etc., tudo 2006.

SS. O intrincado raciocínio, só peca por deixar a nu a data em que praticaram os factos: JUNHO de 2006Um ano após a citada celebração do Contrato-promessa.

TT. O que o Recorrente não menciona, porque não lhe interessa, é que o ónus que incidia sobre a casa A, como bem refere o Douto Acórdão, era o registo de uma acção de execução específica de (outro) contrato promessa – anterior ao contrato dos Assistentes – conforme resulta das certidões prediais juntas aos autos (fls. 158, 224 e 1572 e segs. e 2055 e segs.) [3] e reforçado pela testemunha JP, sócio da sociedade U, proprietária do imóvel.

UU. Os Assistentes não conseguem compreender esta alegação porque a mesma é contraditória nos seus termos.

VV. Procura ainda o Recorrente confundir este Venerando Tribunal, para convencê-lo da regularidade e validade do contrato promessa usado para levar os Assistentes a dispor das avultadas quantias monetárias dadas como provadas nos autos. Sem sucesso, vejamos a factualidade que atravessa os autos:

- O Contrato – Promessa está datado 07 de Junho de 2005, sendo que nesse mesmo contrato (tido para o Recorrente como válido) os Assistentes, representados pelo Recorrente, que agia na qualidade de Advogado dos vendedores e dos compradores (os aqui assistentes), aceita comprar livre de ónus e encargos;
- Assinado (alegadamente) pelos sócios da promitente vendedora e pelo Recorrido, na qualidade de mandatário dos Assistentes;
- Preço total da venda - € 140.000,00;
- Pagamento de € 92.414,20 a título de sinal no dia 07 de Junho de 2005;
- Pagamento de € 47.585,80 – na data da escritura;
- Escritura a 90 dias após a celebração do Contrato Promessa;
- Os Vendedores dão quitação do valor de € 92.414,20 em 07 de Junho de 2005.
- Minuta de Contrato – Promessa está datado 07 de Junho de 2005, sendo que nesse mesmo contrato (tido para o Recorrente como válido) os Assistentes, representados pelo Recorrente, que agia na qualidade de Advogado dos vendedores e compradores aceita comprar livre de ónus e encargos;
- Preço total da venda - € 185.000,00 [4];
- Pagamento de € 92.414,20 a título de sinal no dia 07 de Junho de 2005;
- Pagamento de € 92.585,80 – na data da escritura;
- Escritura a 90 dias após a celebração do Contrato Promessa,
- Os Vendedores dão quitação do valor de € 92.414,20 em 07 de Junho de 2005.

WW. A prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos foi bem valorada pelo Tribunal a quo, para quem ficou claro que o intuito do Recorrente foi de enganar os Assistentes e deles obter a disposição patrimonial, ou, usando a terminologia do legislador cometer o crime de burla, o mesmo é dizer: burlar os Assistentes!

XX. Acresce a tudo o que se deixou expresso e que retira qualquer boa fé ao Arguido o facto de nunca ter marcado a escritura pública de compra e venda do imóvel. Tal, é facto objectivo – aliás admitido pelo próprio - que o Recorrente não provou que a escritura estivesse sido marcada, pela simples razão de que nunca foi.

YY. Acaso estivesse de boa fé e não com o intuito de enganar os Assistentes, como enganou, não seria expectável que o Arguido Recorrente, Advogado e procurador dos Assistentes, sabendo como sabia e não podia ignorar, que sobre o imóvel impendiam ónus – um anterior contrato promessa não cumprido e a consequente execução específica – não os teria alertado para isso? De não fixar – ou ficcionar - um prazo para a realização da escritura pública – e para a obtenção do remanescente do preço - que sabia não poder cumprir?

ZZ. Seria o expectável para quem estivesse de boa fé, ainda mais para um Advogado a quem dois cidadãos estrangeiros, que apenas se expressam na língua inglesa, entregaram a incumbência de garantir a defesa dos seus direitos e o cumprimento de todas as formalidades atinentes à celebração do contrato de compra e venda do imóvel, assim como as poupanças de um vida de trabalho.

AAA. Nunca, até à presente data, o Arguido procurou ressarcir ou reembolsar os Assistentes das quantias com que se locupletou, pelo contrário, furtou-se a qualquer contacto. Residindo actualmente no Brasil, nem se dignou a comparecer perante o Tribunal de julgamento, aliás, como aconteceu no decurso da instrução, para explicar o negócio que diz apenas ter corrido mal, contra todas as evidências!

BBB. Aliás, não podem os Assistentes deixar de sublinhar a forma de actuar do Arguido com dois casais ofendidos no processo.

CCC. Pugna ainda o Recorrente pela sua absolvição do pedido cível deduzido pelos Assistentes.

DDD. Resultou provado nos autos, por prova documental e pelos depoimentos do dos Assistentes, os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes advieram pela conduta do Arguido.

EEE. Bem com a contrariedade de tal conduta à lei vigente e aptidão da mesma para provocar os aludidos danos.

FFF. Para apreciação da matéria e criminal e cível que sustentou a decisão ínsita no Douto Acórdão recorrido releva a seguinte prova documental:

i) fls. 158, 224, 1572 e segs., 2055 e segs. – que são certidões de registo predial do imóvel objecto do contrato promessa;
ii) fls. 169 – cópia da procuração outorgada pelos Assistentes Slann a favor do Arguido Recorrente;
iii) fls. 170 e segs., 191, 195 e segs e 224, mensagens de correio electrónico trocadas entre os assistentes e o Arguido;
iv) fls. 182 – comprovativo de transferência de conta depósito de que os Assistentes são titulares;
v) fls. 184 – cópia de extracto bancário que atesta o pagamento do cheque já identificado e no valor de €14.500,00;
vi) fls. 187 – cheque no valor de €92.505,80;
vii) fls. 189 - cópia de extracto bancário que comprova o pagamento de €2.300,00;
viii) fls. 199 – cópia de fax datado de 30/08/2005;
ix) fls. 216 e 217 – impressão de anexo de e-mail contendo um contrato de promessa datado de 07/06/2005;
x) fls. 242 – cópia de contrato promessa contendo as assinaturas atribuídas aos legais representantes da U;
xi) fls. 299 – cópia de cheque datado de 29/09/2005;
xii) fls. 755 e segs. – certidão de registo comercial de Sintra com as inscrições em vigor da U.

GGG. Pelo que não merece o Douto Acórdão qualquer censura também quanto à decisão sobre o pedido cível, termos em que deverá ser integralmente mantido.

HHH. O Recorrente foi, quanto aos factos imputados pelos Assistentes, condenado pela prática de crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), por referência ao art. 202.º, al. b) do Código Penal;

III. O Arguido JP é Advogado, está inscrito na Ordem dos Advogados, sendo titular da cédula nº ----L, e exerce a profissão de advogado também através da sociedade “J--- & Associados – Sociedade de Advogados”,

JJJ. Foi-lhe conferida procuração, cobrou e recebeu honorários no montante de € 5.849,00, sem que tivesse cumprido o mandato que lhe foi conferido e representava também se o indicar a sociedade proprietária do imóvel a adquirir.

KKK. Prevalecendo-se da relação de confiança inerente à profissão de advogados, os Arguidos determinaram (e convenceram) os Assistentes (Casal Slann) a fazem uma disposição patrimonial no montante total € 94.805,80 (€ 92.505,80 + €2.300,00),

LLL. Valor do qual se apropriou, sem que os Assistentes obtivessem qualquer contrapartida - os € 92.505,80 destinavam-se a ser entregues no acto de assinatura da escritura de compra e venda e como contrapartida da transferência da propriedade e os € 2.300,00 destinavam-se a pagar obras que nunca foram feitas.

MMM. O Arguido JP, aqui Recorrente, sendo, como é, formado em Direito e exercendo profissionalmente a advocacia, sabia e não podiam ignorar que estavam a determinar a vontade dos seus constituintes contra o que era os seus interesses,

NNN. O Recorrido aproveitou-se do desconhecimento dos Assistentes – Casal Slann quanto à realidade portuguesa, tanto social como jurídica;

OOO. Ao não diligenciarem a marcação da escritura pública de compra e venda e permitirem a entrega do valor da totalidade do preço de aquisição do imóvel lesaram intencionalmente os interesses dos Assistentes – Casal Slann, em grave violação dos deveres que lhe foram incumbidos causando-lhes um avultado prejuízo económico.

PPP. O Arguido, deliberada e conscientemente faltou à verdade, omitiu factos importantes e adaptou documentos de acordo com a conveniência de outros que não os aqui Assistentes – Casal Slann e seus clientes.

QQQ. Ao agir desta forma o Arguido JP cometeu o crime de burla, tal como foi condenado.

RRR. Veio – também o Recorrente alegar – que o Tribunal “a quo” não fez uma correcta aplicação da medida da pena.

SSS. Ora, não assiste razão ao Recorrente, não só se mostram preenchidas as finalidades da pena, bem como, a necessidade de prevenção geral e especial, que são absolutamente acentuadas face à personalidade do Arguido, sua profissão, ausência do país e o modo de vida deste.

TTT. O Tribunal Recorrido bem andou em considerar que a este crime deverá ser aplicada uma pena privativa da liberdade, porquanto, qualquer outra medida não privativa de liberdade violaria a finalidade e adequação da punição, nos termos do art. 70.º do CP.

UUU. O prejuízo causado pela conduta do Recorrente é de valor consideravelmente elevado, nem foram reparados e fê-lo de forma reiterada no tempo, demonstra a clara intenção de lesão dos bens jurídicos protegidos.

VVV. Na aferição da pena atendendo à medida da culpa do Recorrente e aplicando os limites do art. 77.º do CP, é evidente que o Arguido – analisando os factos que integram a conduta criminosa e a personalidade (incluindo o facto de se encontrar insolvente) deverá ser sempre aplica pena privativa da liberdade (atente-se à similitude de actuação e comportamentos no caso de ambos os Assistentes, o casal S e Slann).

WWW. Assim, mostra-se absolutamente evidente que também deve ser mantido o Acórdão Recorrido no que concerne à condenação do Recorrente no pagamento de indemnização aos Assistentes.

XXX. O art. 128.º do CP estabelece que deverá ser regida pela lei civil a indemnização que vier a caber pela perdas e danos emergentes de um crime.

YYY. Ficou cabalmente demonstrado que a actuação do Recorrente é geradora de responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos do disposto nos arts. 483º, nº 1, 487, n.º2, 562º e 563º todos do CC, e que causou aos Assistente angústia, a insegurança e a inquietação (artigo 496.º do Código Civil), Pelo que também não merece qualquer reparo o Acórdão do Tribunal Recorrido por ter também condenado o Recorrente no pagamento da quantia de € 200.160,48, acrescida de juros à taxa calculados à taxa de 4% ao ano desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento e ainda no pagamento da quantia de € 15.000, a título de danos não patrimoniais, calculados à mesma taxa até integral e efectivo pagamento.

ZZZ. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada na totalidade a decisão propalada no Douto Acórdão».

Louvando-se na resposta oferecida em 1ª instância pelo Digno Magistrado do MºPº, o Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, em douto parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve resposta.

II. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam o âmbito do recurso - artºs 403º e 412º, nº 1 do CPP [5] - cumpre dizer que em discussão nos presentes autos está o saber se

a) É nulo o acórdão recorrido por nele terem sido incluídos factos não constantes da pronúncia e que se traduzem em alteração substancial, sem o consentimento do arguido? O tribunal recorrido aditou, no acórdão sob censura, alguns factos novos, sem prévia comunicação, nos termos do artº 358º, nº 1 do CPP? E violou tal peça normas constitucionais, nomeadamente as relativas aos princípios do acusatório e do contraditório?

b) Deve ser modificada a matéria de facto fixada em 1ª instância e, por força dessa modificação, absolvido o arguido dos crimes por cuja autoria foi condenado, bem como dos pedidos cíveis contra ele formulados?

c) Devem ser reduzidas as penas parcelares e única aplicadas ao arguido, sendo esta última suspensa na sua execução?

O tribunal recorrido deu como assente a seguinte factualidade:
I
1. O arguido AC, é o sócio gerente da sociedade por quotas “G... -..., Lda.”, matriculada sob o n.º ---, com NIF ---, com sede em Rua..., em Vila Real de Santo António, que tem por objecto a mediação imobiliária, gestão e administração de imóveis, exercendo a actividade de mediação imobiliária em Vila Real de Santo António através de uma agência de mediação da E, conhecida como E de Vila Real de Santo António;

2. Os arguidos JP, advogado, com a cédula profissional nº ----L, e PM, advogado com a cédula nº ----L, foram sócios da sociedade de advogados J... & Associados (responsabilidade limitada), sita na Rua...., Lisboa, registada na Ordem dos Advogados com o n.º ---/2001;

2.1. A referida sociedade de advogados foi constituída em Novembro de 2001, sendo o arguido JP um dos sócios fundadores;

2.2. O arguido PM integrou, como sócio, a referida sociedade, em Dezembro de 2006;

2.3. Na data dos factos adiantes descritos e antes de Dezembro de 2006, o arguido PM trabalhava, como advogado, para a sociedade “J... & Associados (responsabilidade limitada)”;

3. Os arguidos AC e JP, foram sócios gerentes, da sociedade por quotas, “T...- Sociedade de Construções Civis Lda.”, com sede na Rua..., Lisboa, matriculada na conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n.º ---, e que tem por objecto a construção, reconstrução e compra e venda de imóveis;

II - Processo n.º ---/06.3TAVRS
4. Em data não apurada de 2004, JS e AS, decidiram realizar investimentos imobiliários e adquirir imóveis em Vila Real de Santo António e em Ayamonte, Reino de Espanha, sendo que neste último caso pretendiam adquirir imóveis (do empreendimento Costa Esuri) à empresa denominada F;

5. JS e AS contactaram a agência imobiliária da “G... – Mediação Imobiliária, Lda.”, na pessoa do gerente, o arguido AC;

6. O arguido AC informou JS e AS que tinha imóveis para vender em Portugal;

7. Mais informou o mesmo casal que, em Ayamonte, Reino de Espanha, tinha apartamentos da F e da BS, aconselhando-o a adquirir a esta última empresa;

8. A fim de JS e AS tomarem conhecimento dos prédios que estavam para venda em Ayamonte, Reino de Espanha, o arguido AC prestou-lhes informações sobre o empreendimento denominado “Sea & Sun Costa Esuri” (que estava para ser construído), exibiu-lhes os projectos da BS, S.L. e propôs-lhes uma visita a Ayamonte, Reino de Espanha, para verem o local onde seria construída a casa cuja compra lhes estava a aconselhar, o que aqueles aceitaram;

9. O arguido AC e o casal JS e AS dirigiram-se ao Reino de Espanha acompanhados pelo arguido JP (pessoa que JS e AS não conheciam e a quem foi apresentado por AC), que se apresentou como advogado e representante em Portugal da empresa imobiliária Espanhola BS, S.L, proprietária dos imóveis na cidade de Ayamonte e ainda por CP e JA, ambos funcionários da G... - Mediação Imobiliária, Lda.;

10. No local os arguidos AC e JP mostraram a JS e AS o local onde iria ser construído o empreendimento de que a casa cuja compra lhe propunham faria parte;

11. No dia 24 de Abril de 2004, antes de se dirigirem ao Reino de Espanha, JS e AS, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma em construção (correspondente ao 1º andar) com parqueamento, no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António, sob o n.º --- e inscrito na matriz predial com o n.º --, sito em Lazareto, Vila Real de Santo António, na qualidade de promitentes compradores, com AC, na qualidade de gestor de negócios da promitente vendedora “F... – Construções Lda.”, com sede em Rua ...,Cruz de Pau;

12. Para além desse contrato, e no mesmo dia [mas após terem regressado da visita a Espanha (tal como descrito nos pontos 8. a 10. supra)], JS e AS, outorgaram um contrato-promessa de compra e venda com o arguido JP, este na qualidade de gestor de negócios em Portugal da empresa espanhola BS, S.L, com sede no Centro Comercial ...., San Pedro de Alcantara, Málaga, Reino de Espanha, no qual este prometia vender uma fracção autónoma em construção, apartamento T2, que se situaria no empreendimento Sea & Sun - Puente Esuri, Costa Esuri, lote 10, nº 127, sita em Ayamonte, Espanha;

12.1. Consta ainda do mesmo contrato-promessa que “o presente contrato será ratificado pelos representantes legais da Primeira Outorgante, tendo até essa data efeitos obrigacionais”;

13. Nesse mesmo dia, JS, a pedido do arguido JP, preencheu, assinou e entregou-lhe os seguintes cheques (ambos emitidos á sua ordem):

13.1. Cheque n.º 0800000286, datado de 29 de Abril de 2004, sacado da conta n.º --- de JS, do Banco Totta & Açores, no valor de € 37 055,70 à ordem do arguido JP, para pagamento do sinal relativo ao contrato-promessa do apartamento situado em Ayamonte;

13.2. Cheque n.º 9600000287, datado de 29 de Abril de 2004, sacado da conta n.º --- de JS, do Banco Totta &Açores, no valor de € 2 593,89, à ordem do arguido JP, para pagamento de IVA relativo ao contrato referido supra;

14. Os cheques número 0800000286, no montante de € 37 055,70 e número 9600000287, no montante de € 2 593,89, foram depositados pelo arguido JP, em conta aberta por si titulada no Banco Popular, quantias estas que fez suas;

15. No dia 30 de Agosto de 2004, JS e AS deslocaram-se ao escritório de advocacia do arguido JP, sito..., Lisboa e aí, preencheram à sua ordem, assinaram e entregaram-lhe em mão os seguintes cheques:

15.1. Cheque nº 8600000341, datado de 30 de Agosto de 2004, sacado sobre a conta nº----, de JS, do Banco Totta & Açores, no montante de € 25 000,00, passado à ordem do arguido JP, para reforço do sinal;

15.2. Cheque n º 8600000342, datado de 30 de Agosto de 2004, sacado sobre a conta n.º ---- de JS, do Banco Totta & Açores, no montante de € 1 750,00, passado em nome do arguido JP, para pagamento do IVA;

16. Os referidos cheques números 8600000341 e 8600000342 foram depositados pelo arguido JP na sua conta pessoal, nº ----, da Caixa Económica Montepio, quantias estas das quais se apoderou e que fez suas;

17. O arguido JP, emitiu um recibo datado de 30 de Agosto de 2004, em nome da empresa espanhola denominada BS, S.L., na qualidade de seu gestor de negócios, declarando que recebeu de JS e AS as quantias tituladas nos cheques, de € 25 000,00, acrescido de IVA no valor de € 1 750,00;

18. O arguido JP não tinha qualquer procuração emitida pela BS, S.L.;

19. O arguido JP não tinha celebrado qualquer contrato com a BS, S.L. que lhe conferisse poderes de representação da mesma ou quaisquer outros poderes para celebrar contratos-promessa ou receber quantias em dinheiro por conta da aquisição de prédios ou fracções autónomas, construídas ou a construir;

20. No dia 13 de Abril de 2005, JS e AS deslocaram-se novamente ao escritório de advocacia do arguido JP, sito em Lisboa, e aí JS preencheu à ordem daquele arguido, assinou e entregou-lhe em mão os seguintes cheques:

20.1. Cheque nº 4500000422, datado de 13 de Abril de 2005, sacado sobre a conta nº --- de JS do Banco Totta & Açores, no montante de € 12 351,90, passado em nome do arguido JP, a titulo de reforço de sinal;

20.2. Cheque nº 3600000423, datado de 13 de Abril de 2005, sacado sobre a conta nº --- de JS do Banco Totta & Açores, no montante de € 864,63, passado em nome do arguido JP, a titulo de pagamento de IVA;

21. Os cheques número 3600000423, no montante de € 864,63 e número 4500000422, no montante de € 12 351,90, foram depositados na conta número --- da Caixa Económica Montepio, titulada pelo arguido JP, quantias estas das quais se apropriou e fez suas;

22. Nessa mesma ocasião, o arguido JP, emitiu um recibo de reforço de sinal datado de 13 de Abril de 2005, em nome da empresa Espanhola, BS, S.L., na qualidade de seu gestor de negócios, declarando que recebeu de JS e AS, as quantias tituladas naqueles dois cheques;

23. Após terem efectuado a entrega das referidas quantias monetárias ao arguido JP, JS e AS contactaram-no periodicamente, via telefone e carta, tendo-os este informado que as obras dos referidos prédios estavam a decorrer com normalidade e sem quaisquer problemas;

24. Inicialmente, sempre que instado por JS e AS, o arguido AC dizia que tudo estava a correr bem;

25. Mais tarde, a partir do último pagamento referente à casa de Ayamonte efectuado por JS e AS, o arguido AC, contactado por aqueles, disse que o negócio era com o arguido JP e que estava a ficar preocupado;

26. Posteriormente, JS e AS, dado o lapso de tempo decorrido e sem que os arguidos AC ou JP lhes fornecessem informações concretas sobre os prédios em construção, decidiram deslocar-se a Ayamonte, sem previamente os terem contactado, para no local verificarem a evolução das obras do prédio que tinham prometido comprar;

27. No local, JS e AS constataram que nada estava a ser construído, nem sequer havia indícios de qualquer construção;

28. Em face do que presenciaram JS e AS, contactaram com os arguidos JP e AC, tendo o primeiro se comprometido perante eles a averiguar junto da proprietária do empreendimento em Espanha as razões do atraso na construção;

29. Ao solicitarem informação sobre as quantias que já haviam pago e entregues ao arguido JP, este informou JS e AS que havia entregue a totalidade de tais quantias, à empresa da qual era gestor de negócios em Ayamonte e que as quantias referentes ao pagamento de imposto, as havia entregue junto do serviço de impostos em Espanha;

30. No dia 20 de Setembro de 2005, JS e AS exigiram que o arguido JP lhes enviasse um documento comprovativo de que o mesmo tivesse feito a entrega e pagamento das importâncias recebidas no montante de € 79 616,12 e as razões de ainda não ter sido iniciada a construção da fracção autónoma prometida comprar em Ayamonte;

31. JS e AS pediram ainda ao arguido JP que lhes desse as “garantias” de reembolso do dinheiro (garantias que o arguido JP disse que existiam);

32. Todavia, este arguido nunca exibiu ou entregou tais garantias a JS e AS;

33. No dia 17 de Novembro de 2005, JS e AS solicitaram informações via fax à sociedade BS, S.L., sobre os contratos-promessa celebrados e as quantias entregues ao arguido JP;

34. No dia 29 de Novembro de 2005 e via fax, a sociedade espanhola BS, S.L. informou JS e AS (através de advogado que estes entretanto contrataram) que a empresa desconhecia a pessoa do arguido JP, por isso jamais lhe dera poderes para assinar negócios em nome da empresa; que os seus escritórios se situavam no Centro Comercial G.., em San Pedro de Alcantara, Marbella e a sua sede social em Málaga; que não é proprietária do Projecto Costa Esuri, pelo que era impossível que tivesse sido autorizada a assinatura do contrato-promessa em nome da BS, S.L. pelo arguido JP, e informando, ainda, que jamais recebera qualquer quantia monetária da parte do arguido JP;

35. Os arguidos AC e JP não entregaram a JS e AS as quantias que estes entregaram a JP no montante total de € 79 616,12;

36. O arguido JP urdiu um plano para se locupletar à custa de JS e AS, tendo para tal elaborado um documento que intitulou como contrato-promessa relativo a uma fracção de um prédio que nunca chegou a ser construído e apresentou tal documento perante os referidos demandantes, bem sabendo que não tinha poderes nem autorização da BS, S.L. para, em sua representação, em seu nome ou no seu interesse prometer vender quaisquer bens e receber quaisquer quantias;

37. Os arguidos AC e JP sabiam que não podiam celebrar quaisquer contratos referentes aos prédios ou fracções da BS, S.L. nem receber quaisquer quantias em dinheiro referentes a tais prédios ou fracções;

38. Ao usar a expressão “gestor de negócios” quis o arguido JP convencer JS e AS que tinha poderes para prometer vender o apartamento e receber as quantias que recebeu visando disso convencer aqueles JS e AS e a levá-los a fazerem pagamentos por conta da aquisição, o que conseguiu;

39. Ao agir da forma descrita, quis e logrou o arguido JP convencer JS e AS a entregar-lhe as quantias tituladas nos cheques acima referidos, deste modo os enganando e pretendendo, assim, à custa destes, obter um lucro que sabia ser ilegítimo e que nessa conformidade, prejudicava, como prejudicou, o património dos mesmos;

40. Os arguidos JP e AC agiram de forma livre e consciente;

41. O arguido JP agiu bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal;

III - Processo n.º ---/06.6TAVRS

42. H e S, de nacionalidade inglesa, casados, na data dos factos a seguir descritos residentes nos Emirados Árabes Unidos, em Maio de 2005, decidiram comprar um imóvel no Algarve;

43. Para tal e em data não apurada de Maio de 2005, deslocaram-se a Portugal e contactaram a sociedade denominada G... – Mediação Imobiliária, Ldª (com sede e loja na Rua ..., em Vila Real de Santo António) na pessoa do gerente o arguido AC;

44. No dia 10 de Maio de 2005, H e S, deslocaram-se a Castro Marim, para verem um imóvel que se encontrava à venda pela referida imobiliária e designado por “Casa A...”, edifício térreo com quintal, sito na Rua ..., descrita na conservatória do registo predial de Castro Marim, sob o n.--- e inscrito na matriz predial sob o n.º ---, tendo ali contactado com o arguido AC, que lhes abriu a porta;

45. H e S, no local, informaram o arguido AC que pretendiam comprar o imóvel denominado “Casa A..”, pelo que queriam negociar com o proprietário o respectivo preço. Todavia, como residiam nos Emirados Árabes Unidos, gostariam de ter um advogado que os representasse em Portugal, na celebração do contrato de compra e venda;

46. O arguido AC, sugeriu-lhes de imediato, como advogado, o arguido JP, a quem poderiam outorgar uma procuração antes de regressarem ao país onde residiam, a fim de o mesmo os representar na negociação e outorga do contrato;

47. Assim, no dia 11 de Maio de 2005, H e S dirigiram-se ao Cartório Notarial de Vila Real de Santo António e aí lavraram uma procuração a favor do arguido JP (na presença do arguido AC, que lhes forneceu o texto que deveria constar da procuração) conferindo ao arguido JP poderes para, entre o mais, “comprar pelo preço, cláusulas e condições que entender, quaisquer prédios rústicos, urbanos ou fracções autónomas, pagar preços, outorgar e assinar as respectivas escrituras, nomeadamente a escritura respeitante”;

48. O arguido AC ficou incumbido de efectuar a mediação entre H e S e a proprietária da denominada casa A, a empresa U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.;

49. H e S acordaram comprar a “Casa de A...”, pelo preço de € 185 000,00 (neste preço se incluindo obras de restauro e outras que deveriam ser feitas por conta do vendedor);

50. No dia 27 de Maio de 2005, o arguido AC, contactou o casal H e S através de correio electrónico para o endereço h....@hotmail.com, e informou-os que a proprietária aceitava a proposta de venda da “Casa A”, pelo preço de € 185 000,00 desde que eles efectuassem o pagamento de 50 % do preço;

51. No dia 28 de Maio de 2005, o arguido AC, contactou H e S para o mesmo endereço electrónico e informou-os que tinham de efectuar o pagamento de € 92 500,00, para a celebração de um contrato-promessa de compra e venda e que deveriam enviar tal montante para a G... - Mediação Imobiliária, Ldª, devendo fazê-lo, através da entrega de dois cheques, um deles no valor de € 47 500,00 e o outro no valor de € 45 000,00;

52. No dia 30 de Maio de 2005, o arguido AC informou (por email) os assistentes H e S de que deveriam efectuar o pagamento dos 50% do preço do imóvel sob pena de o mesmo poder vir a ser vendido a outras pessoas;

53. No dia 2 de Junho de 2005, o arguido AC, mediante contacto com H e S, para o endereço h...@hotmail.com, informou-os que deveriam enviar a quantia acordada (de € 92 500,00) tão rápido quanto possível para a conta nº --- da Caixa Económica Montepio titulada pela sociedade sob a denominação G.... – Mediação Imobiliária, Lda.;

54. No dia 21 de Junho de 2005, H e S, efectuaram uma transferência bancária no montante de € 78 000,00 da sua conta bancária nº MBOS -----USD do Banco HSBC, Bank PLC, London UK, para a conta nº ----, titulada pela “G... - Mediação Imobiliária, Lda.”, da Caixa Económica Montepio;

55. No dia 23 de Junho de 2005, H e S, emitiram, assinaram e preencheram o cheque nº --- da sua conta nº ---- do Banco Credit Agricole Montpon France, no valor de € 14 500,00 à ordem da sociedade G... - Mediação imobiliária Ldª”, que remeteram ao arguido AC;

56. No dia 24 de Junho de 2006, o arguido AC transferiu para a conta nº ----, de que é titular o arguido JP, a quantia de € 71 000,00;

57. Na mesma data, a sociedade G... - Mediação Imobiliária, Lda. emitiu uma factura relativa à comissão pela venda da casa sita na Rua..., em Castro Marim, no valor de € 7 000,00 (com IVA incluído);

58. O cheque nº ---, no valor de € 14 500 foi entregue pelo arguido AC ao arguido JP, que se apropriou do respectivo valor;

59. No dia 7 de Julho de 2005 H e S contactam com o arguido JP, para o endereço electrónico deste, j....@adv.oa.com, a fim de este os informar se efectivamente tinham recebido os cheques e as transferências bancárias efectuadas, se o arguido tinha recebido os documentos que lhe tinham sido enviados e se ambos os arguidos se encontravam a diligenciar no sentido da outorga do contrato-promessa de compra e venda da “Casa de A...”. No mesmo contacto, informam que se deslocarão a Portugal no final de Setembro, início de Outubro para verificarem as obras e para assinarem o contrato;

60. Todavia não obtiveram do arguido JP, qualquer resposta às mensagens de correio electrónico enviadas para o endereço electrónico deste, j....@adv.oa.com;

61. No dia 7 de Agosto de 2005, H e S, mediante mensagem electrónica para o endereço j....@adv.oa.com, informaram o arguido JP que se deslocariam a Portugal no dia 27 de Setembro de 2005;

62. No dia 29 de Agosto de 2005, H e S, receberam uma mensagem electrónica, remetida a partir do endereço electrónico do arguido PM (pm.....@adv.oa.pt);

63. Tal mensagem electrónica está assinada com o nome de PM, que se identifica como colega de JP;

64. Na mesma mensagem electrónica, são H e S informados de que a escritura de compra e venda da “Casa A...”, estava agendada para o dia 7 de Setembro de 2005 e que como tal, deveriam efectuar uma transferência bancária no montante de € 110 000,00, sendo tal quantia destinada ao pagamento do remanescente do preço do imóvel (€ 92 585,80), dos emolumentos da escritura pública de compra e venda, do imposto de transmissão do imóvel e dos honorários dos advogados, e que as obras estavam a correr de acordo com o que houvera sido acordado e quase concluídas;

65. No dia 30 de Agosto de 2005, H e S, enviaram um fax para a sociedade J... & Associados (fax que dirigiu aos arguidos JP e PM), onde afirmavam que a data acordada para a outorga do contrato definitivo não era aquela (devendo antes ter lugar nos finais de Setembro, princípios de Outubro tal como previamente haviam informado);

66. No dia 30 de Agosto de 2005, através do endereço electrónico pm...@adv.oa.pt (pertencente ao arguido PM) foi respondida uma mensagem (que tinha sido enviada por H e S), reiterando que estes teriam de proceder à transferência bancária de € 110 000,00 para pagamento do preço final e encargos, após o que lhes remeteria o contrato-promessa de compra e venda do imóvel;

67. No dia 30 de Agosto de 2005, os assistentes H e S enviaram uma mensagem para o endereço electrónico pm....@adv.oa.pt dizendo que se deslocariam a Portugal no final de Setembro / início de Outubro e que as suas finanças estavam preparadas de acordo com tal data e pediram ao arguido PM como é que se poderia ultrapassar essa dificuldade;

68. No dia 31 de Agosto de 2005, os assistentes H e S enviaram nova mensagem electrónica para o mesmo endereço reafirmando que ambos disseram ao Dr. A e à E.. que viriam a Portugal no final de Setembro / Outubro para completar os contratos. Na mesma mensagem perguntavam se as reparações estavam feitas e se já tinham a garantia da reparação da infiltração;

69. No dia 1 de Setembro de 2005, a partir do endereço electrónico pm...@adv.oa.pt (pertencente ao arguido PM) foi enviada uma mensagem electrónica a H e S para o endereço h....@hotmail.com (mensagem essa que estava assinada com o nome de PM) em que se dizia que este já tinha falado com o advogado do vendedor e tratou de prorrogar o prazo para a escritura pública até ao dia 12 ou 13 de Setembro. Na mesma comunicação, foram os assistentes advertidos de que se o resto do dinheiro não for pago até então, os donos podem ficar com o dinheiro que já receberam até agora;

70. No dia 31 de Agosto de 2005, através do endereço electrónico pm....@adv.oa.pt (pertencente ao arguido PM) foi enviada uma mensagem electrónica a H e S para o endereço h...@hotmail.com e exigiu que estes, efectuassem a transferência a bancária até ao dia, 7 de Setembro de 2005, afirmando que, “não há qualquer outra forma de ultrapassar este assunto, a não ser que o preço (e as outras despesas que referi) sejam pagas no dia da escritura pública. Eu acredito que é complicado para vós entenderem, mas para assinar o contrato-promessa naquela data era a única forma de assegurar que ficavas com a casa. Acredita também em mim que é muito fora do comum fazer uma escritura pública só 90 dias após a assinatura do contrato-promessa. Ninguém espera tanto tempo. Repara que muitas pessoas pagam o preço completo imediatamente ou em prazos reduzidos. Esta solução (esta era a única que asseguraria que compravas a casa) foi feita no teu melhor interesse….Se não pagarmos o resto do dinheiro até ao dia 7, tu perderás o dinheiro que já pagaste até agora, porque considera-se que o contrato-promessa não foi respeitado…estou a dar-te o IBAN da nossa sociedade de advogados”J... & Associados - Sociedade de Advogados, para fazeres a transferência directamente para nós, Banco Millenium BCP, NIB, PT-----”;

71. Dadas as insistências de H e S no sentido de que não efectuariam a transferência bancária solicitada através das mensagens electrónicas a que se referem os números anteriores (a partir da conta de correio electrónico do arguido PM), a não ser que lhes fosse remetida a cópia do contrato-promessa celebrado, as plantas da casa e informações sobre o decurso das obras, o arguido JP elaborou um texto que denominou de “contrato-promessa de compra e venda”, datado de 7 de Junho 2005, sem quaisquer assinaturas e que nunca houvera sido celebrado, no qual figuravam como promitente-vendedora a sociedade “U... – Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, com sede na Rua..., Várzea de Sintra e promitentes-compradores H e S;

72. Na posse de tal texto de “contrato-promessa”, contendo factos que não correspondiam a verdade e no intuito de ludibriar H e S e de se locupletar à sua custa, no dia 6 de Setembro de 2005, através do endereço electrónico pm....@adv.oa.pt (pertencente ao arguido PM) o arguido JP remeteu-o a H e S sem quaisquer assinaturas;

73. No dia 12 de Setembro de 2005, o arguido AC, remeteu via fax a H e S, cópias da caderneta predial e da certidão da Conservatória do Registo Predial de Castro Marim do teor da descrição e de todas as inscrições em vigor relativas ao prédio denominado “Casa de A...”;

74. Por mensagem electrónica de 13 de Setembro de 2005 e respondendo a uma mensagem electrónica que lhe foi enviada pelos assistentes H e S, o arguido AC informou-os que o contrato de compra e venda, teria lugar entre os dias 25 e 30 de Setembro de 2005 e que o advogado precisa do cheque de € 92 500,00 para parar o problema e fazer a “passagem legal”;

75. O arguido JP, por e-mail datado de 16 de Setembro de 2005, sugeriu aos assistentes H e S que emitam o cheque para pagar à U..., pois, sendo um cheque internacional, ele apenas seria cobrado 15 dias após a sua emissão;

76. Os assistentes recusaram-se a emitir um cheque nas condições referidas no número anterior;

77. No dia 27 de Setembro de 2005, H e S vieram a Portugal, para apurarem o verdadeiro estado das obras, obterem o original do contrato-promessa que alegadamente teria sido celebrado pelo seu procurador, o arguido JP, e outorgarem a escritura de compra e venda do imóvel;

78. No dia 29 de Setembro de 2005, teve lugar uma reunião entre os arguidos JP e AC e os assistentes H e S, reunião que teve lugar no escritório de advocacia do primeiro;

79. Nessa reunião, o arguido JP apresentou aos assistentes H e S o documento cuja cópia constitui folhas 243 a 245, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, de onde consta que a sociedade sob a denominação U... – Empreendimentos Imobiliários, S.A. (na qualidade de dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado à habitação, sito na rua..., em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim sob o nº ---, com o artigo matricial nº ---) promete vender o identificado prédio a H e S pelo preço de € 140 000,00;

80. O referido documento, que foi elaborado pelo arguido JP estava datado de 7 de Junho de 2005 e continha duas assinaturas no local destinado às assinaturas dos legais representantes da promitente-vendedora e, por baixo das mesmas, um carimbo da sociedade U... – Empreendimentos Imobiliários,SA.;

81. As referidas assinaturas não foram apostas pelos sócios-gerentes da dita sociedade, JF e CF, mas sim pelo arguido JP;

82. Ainda nessa reunião, os assistentes H e S emitiram dois cheques:

82.1. O cheque nº 1133228 da conta nº --- do Banco Credit Agricole Montpon France, emitido a favor da sociedade denominada U...- Empreendimentos Imobiliários, S.A., no valor de € 92 505,80 quantia esta que foi depositada na conta nº --- da referida sociedade U... – Empreendimentos Imobiliários S.A., com sede na Rua ..., Várzea de Sintra, S. Martinho, Sintra; e

82.2. O cheque nº 1133229, sacado sobre a conta n.º ---- do Banco Credit Agricole Charente – Perigord, no valor de € 5 849,00, datado de 30 de Setembro de 2005, emitido à ordem da sociedade de advogados “J... & Associados” quantia essa correspondente aos honorários e despesas dos serviços prestados por esta sociedade;

83. O cheque nº 1133229, no valor de € 5 849,00 foi depositado na conta titulada pela sociedade de advogados “J... & Associados” do BNC - Banco Nacional de Credito, S.A., agência de Oeiras, quantia essa da qual se apoderou e que fez sua;

84. Nessa reunião, foi dito aos assistentes H e S que a escritura pública seria realizada e que não precisavam de se preocupar mais, no que os assistentes acreditaram;

85. No dia 8 de Novembro 2005, H e S efectuaram uma transferência bancária da sua conta do Banco CCAM Sotavento Algarvio CRL, agência de Vila Real de Santo António, para a conta com NIB ---, titulada pelo arguido AC e pela sociedade denominada G... - Mediação Imobiliária Ldª da CCAM – Caixa de Credito Agrícola Mutuo do Sotavento Algarvio, agência de Vila Real de Santo António, no montante de € 2 300,00, quantia esta que se destinava ao pagamento das obras de construção de uma janela da sala de jantar, colocação de uma viga no telhado, remoção de árvores e raízes do jardim, serviços que os mesmos tinham solicitado;

86. O arguido JP, ao agir da forma descrita, elaborando o texto a que se referem os pontos nº 71. e 72. supra (que intitulou como “contrato-promessa” o qual nunca foi outorgado) logrou convencer os assistentes H e S a entregar-lhe (e bem assim ao arguido AC) as quantias monetárias que vieram a ser depositadas em contas por si tituladas e tituladas por terceiros, assim os enganando e pretendendo, à custa deles, obter um lucro que sabia ser ilegítimo e que nessa conformidade, prejudicava, como prejudicou, o património dos mesmos;

87. O arguido JP agiu sempre de forma livre voluntaria e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas;

Do pedido de indemnização civil deduzido por JS e AS

88. JS e AS confiaram no arguido JP também por ele ser advogado, o que lhes inspirava confiança;

89. O arguido JP ao emitir os recibos das quantias que ia recebendo de JS e AS, mais os convenceu de que estavam a entregar as quantias em causa a um representante da promitente-vendedora.

Do pedido de indemnização civil deduzido por H e S

90. Em Janeiro de 2006, ainda convictos que eram proprietários da "Casa A...", os assistentes H e S visitaram a mesma e verificaram que as obras não tinham sido concluídas, que a casa tinha sofrido infiltrações várias e que parte do telhado ruíra;

91. O arguido PM está também inscrito na Ordem dos Advogados, sendo titular da cédula nº --- e exercia a profissão de advogado no mesmo escritório que o arguido JP e no âmbito da referida sociedade;

92. Os arguidos JP e PM e a sociedade de advogados supra referida, tem como cliente também a sociedade “U...— Empreendimentos Imobiliários, S.A.”;

93. O arguido JP representava a “U...— Empreendimentos Imobiliários, S.A.” no negócio da venda da casa aos assistentes H e S;

94. Os assistentes H e S pretendiam adquirir o imóvel, para nele desfrutarem das suas férias e, eventualmente, para se mudarem em definitivo aquando da sua reforma;

95. Confiando que a compra da casa se tinha realizado, os assistentes H e S adquiriram mobiliário para a sua casa no Algarve;

96. Uma vez que o final das obras ia sendo sucessivamente adiado, os assistentes H e S tiveram que contratar uma empresa de mudanças e armazenamento de mobílias para transportar e armazenar mobílias (que tinham numa casa no Reino Unido) destinadas á casa do Algarve;

97. Para o efeito contrataram a sociedade denominada "The British Removal Company", que armazenou as mobílias num dos seus armazéns em Espanha mediante o pagamento de uma retribuição;

98. As mobílias mantiveram-se armazenadas no armazém da sociedade "The British Removal Company" desde o dia 28 de Março de 2006 até ao dia 28 de Setembro de 2008, tendo os assistentes H e S suportado o preço de tal serviço no montante de € 3 480,00;

99. Não podendo continuar a suportar os encargos decorrentes do armazenamento das mobílias e não querendo adquirir qualquer outro imóvel em Portugal, os assistentes H e Sa diligenciaram pela transferência das suas mobílias armazenadas até então em Espanha, para uma propriedade sua em França;

100. O custo, do transporte das mobílias dos assistentes para França foi de € 1 477,84, valor que foi integralmente pago por H e S;

101. Os assistentes H e S pagaram as seguintes quantias:

101.1. Despesas com o fornecimento de água canalizada ao imóvel, no valor de € 63,56;

101.2. Despesas com o fornecimento de electricidade ao imóvel, no valor de € 108,00;

102. Os assistentes H e S pagaram o prémio de seguro de habitação referente ao imóvel no valor de € 227,91;

103. Os assistentes H e S confiaram no arguido AC (por ser funcionário de uma respeitada agência imobiliária) e no arguido JP (por ser advogado) e por isso outorgaram a procuração acima referida, mandatando este último para os representar no negócio de compra da casa;

104. Dado o modo como os assistentes H e S tomaram conhecimento de que foram enganados, sentiram os mesmos angústia;

105. E passaram a sentir insegurança nas relações com as pessoas e a ter dificuldade em acreditar nelas;

106. H teve que pedir à entidade patronal para continuar a trabalhar por ter ficado sem as supra referidas poupanças;

107. No dia 30 de Março de 2006, os assistentes H e S deslocaram-se, de avião, a Londres, tendo pago pelos bilhetes de avião;

108. No final do mês de Março de 2006, os assistentes H e S deslocaram-se a Portugal para diligenciarem pelo andamento das obras e arrumarem móveis que queriam colocar na casa;

109. No dia 28 de Setembro de 2008, os assistentes H e S deslocaram-se de avião do Dubai até Paris e daqui até Bordéus, tendo regressado (via Paris) ao Dubai (também de avião) no dia 4 de Outubro, tendo o custo dos bilhetes, no montante de € 3 650,00, sido pago no dia 22 de Agosto de 2008;

110. No período de tempo referido no número anterior, os assistentes H e S alugaram um veículo, tendo pago pelo aluguer a quantia de € 371,12;

111. Nos dias 5 a 8 de Julho de 2006, os assistentes H e S deslocaram-se a Portugal, tendo ficado albergados num hotel em Lisboa, tendo pago pela estada a quantia de £ 160,99;

112. No dia 26 de Junho de 2009, os assistentes H e S prestaram declarações (naquela qualidade) no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, no âmbito da fase de instrução, tendo suportado os custos dos bilhetes de avião, no montante de € 244,00;

113. Nessa ocasião, ficaram albergados no Hotel Eva (sito em Faro), tendo pago a quantia de € 318,00, sendo € 3,00 de telefone;

114. Os assistentes H e S deslocaram-se do Azerbaijão (onde actualmente residem) a Portugal no dia 12 de Janeiro de 2011 a fim de prestarem declarações naquela qualidade no âmbito do julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, tendo despendido a quantia de € 959,78 para aquisição dos bilhetes de avião para realizar a viagem;

115. No referido período de tempo alugaram veículo automóvel, tendo pago a quantia de € 129,59;

Das contestações do arguido AC
116. No dia 17 de Março de 2004, FM, em representação da sociedade denominada F..., S.A. e o arguido AC, em representação da E... Vila Real de Santo António, foi assinado o escrito cuja cópia constitui folhas 1483 e seguintes, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, segundo o qual, a E... Vila Real de Santo António se vinculou a desenvolver as actividades de intermediação comercial previstas na cláusula primeira de tal contrato;

117. O arguido JP tinha, na qualidade de advogado, um contrato de avença para apoio jurídico à E... de Vila Real de Santo António;

118. Em data não apurada, os arguidos JP e AC deslocaram-se a Marbella, Reino de Espanha, onde se reuniram com RE, arquitecto;

119. Em data não apurada, RE entregou aos arguidos AC e JP material promocional do projecto da UB para a Costa Esury, Ayamonte, Reino de Espanha, do qual constava brochuras, flyers e um livro de capa dura com elementos informativos do empreendimento (desde vistas aéreas do terreno, mapas de localização, listas de apartamentos por bloco, com áreas, preços, condições de pagamento, características de construção de cada apartamento e respectiva divisão, plantas interiores), etc.

120. A E... de Vila Real de Santo António iniciou a comercialização do empreendimento “Costa Esuri”, publicitando-o pelas agências de Portugal da E...;

121. JS e AS encetaram negociações com o arguido AC com vista a obterem compensação pelas quantias pagas por conta da aquisição do apartamento em Espanha e do apartamento sito no Lazareto, negociações que não culminaram com qualquer acordo;

122. O imóvel identificado em 44. supra foi colocado à venda na E... de Vila Real de Santo António pela “U... — Empreendimentos Imobiliários, S.A.” através do arguido JP, que, para o efeito, usou uma procuração daquela sociedade, não tendo, o arguido AC mantido quaisquer contactos com a proprietária do referido imóvel;

123. O valor de € 2 300,00 a que se refere o facto nº 85. supra foi entregue a VA a fim de este realizar as obras que se comprometeu fazer;

Da contestação do arguido PM:

124. O arguido PM estabeleceu contactos com os assistentes H e S a pedido do arguido JP;

Da contestação do arguido JP

125. O arguido JP também participou nas negociações referidas supra (ponto 121.);

126. A única vez que o arguido JP esteve na presença dos assistentes H e S foi na reunião ocorrida no dia 29 de Setembro de 2005;

127. AC contratou os serviços do pedreiro VA, para a realização de obras na casa que os assistentes H e S pretendiam comprar, obras que incluíam a reparação do telhado da casa;

128. Após ter ocorrido a danificação do imóvel (com derrocada do telhado), no final de Março de 2006, o arguido JP solicitou ao arguido PM que se deslocasse a Castro Marim, para se encontrar com os assistentes H e S e juntos verem os estragos, o que eles pretendiam fazer e, de seguida, contratar alguém que fizesse as obras necessárias;

129. No dia 5 de Abril de 2006, a sociedade B... Construções, Ldª enviou (por mensagem electrónica cuja cópia constitui folhas 1667 e 1668) ao arguido JP um orçamento para realização das obras solicitadas, no valor de € 62.000,00;

130. O arguido JP deu a conhecer aos assistentes H e S o valor do orçamento referido no número anterior;

Outros factos resultantes da discussão

131. O arguido PM é casado;
132. Continua a exercer a profissão de advogado;
133. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais;
134. O arguido AC continua a exercer a profissão de mediador imobiliário, tendo perdido a representação da E... de Portugal;
135. O arguido JP é casado;
136. Vive no Brasil;
137. Foi declarado insolvente;
138. A sociedade J... & Associados foi também declarada insolvente;
139. O arguido JP é tido por alguns colegas e amigos como pessoa empreendedora, empenhada, delicada e de bom relacionamento com outras pessoas.

O tribunal recorrido considerou que “não se provaram os demais factos descritos no despacho de pronúncia, nos pedidos de indemnização civil e nas contestações, sendo certo que aqui não interessa considerar as alegações conclusivas, de direito, argumentativas ou meramente probatórias (que deverão ser ponderadas em sede própria deste acórdão) nem as alegações manifestamente irrelevantes para a decisão.

São alegações manifestamente irrelevantes para a decisão aquelas atinentes ao pedido de indemnização civil deduzido por JS e AS por factos que deixaram de constituir objecto dos presentes autos. Neste caso estão (na parte não considerada na discriminação dos factos provados e não provados), entre outras, as alegações contidas nos artigos 15º e 16º; 22º a 33º; 36º; 62º; 68º a 71º; 76º do articulado em que foi deduzido o falado pedido de indemnização civil.

Tal como flui da acta da audiência de discussão, os pedidos de indemnização civil deduzidos por JN, MN, MB e SB deixaram de constituir objecto dos presentes autos. Como tal, são absolutamente irrelevantes, nesta parte, as contestações dos demandados cíveis.

São alegações manifestamente irrelevantes (para o efeito de serem aqui discriminadas) aquelas em que os sujeitos processuais repetem alegações já contidas na pronúncia (ou noutros articulados) e as alegações em que sujeitos processuais se limitam a impugnar factos constantes da pronúncia ou dos pedidos de indemnização civil ou invocam meios de prova para contrariar factos invocados por outros sujeitos processuais».

E em concreto, entendeu considerar não provados os seguintes factos:

Da pronúncia

II - Processo n.º ----/06.3TAVRS

I. JS e AS tenham decidido (em 2004) adquirir imóveis apenas em Vila Real de Santo António;

II. Mediante um plano previamente traçado entre os arguidos AC e JP, em conjugação de esforços, a fim de obterem lucro para ambos, à custa de JS e AS, o arguido AC tenha informado aqueles que tinha imóveis para vender quer em Portugal, quer em Espanha, mais concretamente na cidade de Ayamonte, tendo-se antes demonstrado o que consta dos pontos nº 4., 6. e 7. da matéria de facto julgada provada;

III. Do contrato referido no ponto 11. da matéria de facto julgada provada constasse que a fracção autónoma prometida vender e comprar estivesse descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António (só por mero e evidente lapso de escrita da pronúncia se fez constar Conservatória do Registo Comercial) sob o nº --- e inscrita na matriz predial com o n.º --, tendo-se antes demonstrado o que consta da matéria de facto julgada provada;

IV. JS e AS se tivessem dirigido a Ayamonte, Reino de Espanha, acompanhados apenas por CP e JA;

V. AS tenha também preenchido, assinado e entregue ao arguido JP os cheques a que se refere o ponto 13. da matéria de facto julgada provada;

VI. (O) Cheque a que se refere o pagamento aludido nos pontos 13.2. e 14. tivesse o nº ----, mas sim o número que consta da matéria de facto julgada provada;

VII. O arguido JP, ao emitir os recibos a que aludem os pontos nº 17. e 22. da matéria de facto julgada provada, sabia que estava a emitir documentos baseados em factos falsos;

VIII. As mesmas informações [constantes do ponto 23. da matéria de facto julgada provada] foram transmitidas a JS e AS pelo arguido AC, tendo-se antes demonstrado o que consta da matéria de facto julgada provada;

IX. O facto contido no ponto nº 33 tenha ocorrido no dia 20 de Setembro de 2005 mas na data ali referida;

X. O facto contido no ponto nº 34 tenha ocorrido no dia 20 de Setembro de 2005 mas na data ali referida;

XI. O arguido AC tenha urdido ou participado no plano a que alude o ponto nº 36. dos factos provados em conjugação de esforços com o arguido JP, para se locupletar (o arguido AC) à custa de JS e AS;

XII. O documento intitulado contrato-promessa a que alude o facto provado nº 36. contém as declarações que não traduziam factos verdadeiros, do que o arguido JP sabia, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XIII. O arguido AC soubesse que as declarações contidas no contrato-promessa relativo à aquisição da fracção autónoma à BS, S.L. não traduziam factos verdadeiros;

XIV. O arguido AC tenha recebido de JS e AS quaisquer quantias relativas à aquisição da fracção autónoma à BS, S.L.;

XV. Ao agir da forma descrita, tivesse sido o arguido AC (por si ou em colaboração com JP) a convencer JS e AS a entregar-lhe (ou ao arguido JP) as quantias tituladas nos cheques acima referidos, deste modo os enganando e pretendendo, assim, à custa destes, obter (para si ou / e para o arguido JP) um lucro que sabia ser ilegítimo e que nessa conformidade, prejudicava, como prejudicou, o património dos mesmos, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XVI. O arguido AC agiu sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal;

III - Processo n.º ---/06.6TAVRS
XVII. A sede ou loja da sociedade denominada G... – Mediação Imobiliária Ldª se situe na Rua ...em Vila Real de Santo António mas sim na morada constante da matéria de facto julgada provada;

XVIII. A conta nº.... fosse também titulada pelo arguido AC;

XIX. No dia 10 de Maio de 2005, H e S se tenham deslocado a Castro Marim (tal como descrito no ponto 44. dos factos provados) acompanhados do arguido AC, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XX. O contacto a que se refere o ponto nº 53. da matéria de facto julgada provada tenha tido lugar no dia 30 de Maio de 2005;

XXI. Que foi dada a ausência de informações quanto às negociações da Casa A... ou de qualquer contacto por parte de ambos os arguidos AC e JP que, na mensagem electrónica do dia 7 de Agosto de 2005 (e que se refere o ponto nº 61. da matéria de facto julgada provada) H e S informaram o arguido JP que, se deslocariam a Portugal no dia 27 de Setembro de 2005, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XXII. A mensagem electrónica remetida no dia 29 de Agosto de 2005 a H e S a partir da conta de endereço electrónico pm...@adv.oa.pt tivesse sido enviada pelo arguido PM, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XXIII. No dia 29 de Agosto de 2005, H e S, tenham enviado uma mensagem electrónica ao arguido PM, onde afirmavam que a data agendada para a outorga do contrato definitivo, não era aquela que tinha sido designada pelo arguido JP e por conseguinte, não tinham o dinheiro disponível para o pagamento do remanescente do imóvel, mas apenas nos finais de Setembro de 2005;

XXIV. A mensagem electrónica do dia 30 de Agosto de 2005 e a que se refere o ponto nº 66. da matéria de facto julgada provada tenha sido enviada pelo arguido PM tendo-se provado apenas o que consta daquele ponto dos factos provados;

XXV. Na mensagem referida no número anterior os assistentes H e S afirmavam que a data agendada para a outorga do contrato definitivo não era aquela, mas sim o que consta da matéria de facto julgada provada;

XXVI. A mensagem electrónica do dia 1 de Setembro de 2005 e a que se refere o ponto nº 69. da matéria de facto julgada provada tenha sido enviada pelo arguido PM tendo-se provado apenas o que consta daquele ponto dos factos provados;

XXVII. Os arguidos PM e AC, de comum acordo e em conjugação de esforços entre eles ou de cada um deles ou de ambos com o arguido JP, tivessem tido alguma participação na elaboração do documento data de 7 de Junho de 2005, sem quaisquer assinaturas e a que se refere o ponto nº 71. dos factos provados;

XXVIII. Tenha sido o arguido PM a enviar o ficheiro do contrato-promessa a que alude o ponto 71. dos factos provados a H e S e que tal arguido tenha actuado em execução de qualquer acordo com os demais arguidos e no intuito de ludibriar aqueles assistentes;

XXIX. A reunião do dia 29 de Setembro de 2005 tenha tido lugar por imposição dos arguidos JP e AC;

XXX. Foram os arguidos JP e PM quem depositou o cheque nº 1133229, na conta titulada pela sociedade “J... & Associados” e que aqueles arguidos se apoderaram da quantia inscrita no cheque, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XXXI. O texto denominado “contrato-promessa” a que aludem os pontos nº 71. e 72. dos factos provados contivesse declarações (e, por consequência, que elas fossem falsas);

XXXII. O arguido JP, ao elaborar o texto a que se referem os pontos nº 71. e 72. da matéria de facto julgada provada (que intitulou como “contrato-promessa” o qual nunca foi outorgado) logrou convencer os assistentes H e S a comprar um prédio que estava para venda, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada e nos termos que aí estão descritos;

XXXIII. Os arguidos AC e PM tenham actuado em conjugação e comunhão de esforços (entre eles ou cada um deles ou ambos com o arguido JP) na elaboração do texto a que se refere o número anterior;

XXXIV. Os mesmos dois arguidos (AC e PM) tenham logrado convencer H e S a comprarem o prédio sito em Castro Marim, mais bem identificado nos factos provados;

XXXV. O arguido PM tivesse recebido dos assistentes H e S quaisquer quantias;

XXXVI. Os arguidos AC e PM tivessem actuado com o intuito de obter, á custa dos falados assistentes, um lucro que sabiam ser ilegítimo e que nessa conformidade, prejudicavam, como prejudicaram, o património dos mesmos;

XXXVII. O prédio a que se refere o número anterior não estava para venda;

Do pedido de indemnização civil deduzido por JS e AS

XXXVIII. O arguido AC desenvolvesse actividade de mediação imobiliária por si próprio, mas sim em representação da G... – Mediação Imobiliária Ldª, tal como consta da matéria de facto julgada provada;

XXXIX. O arguido AC, quando propôs a JS e AS uma visita ao Reino de Espanha (tal como referido no ponto 8. da matéria de facto julgada provada) sabia que estes pretendiam visitar os imóveis (ou o local onde seriam construídas as fracções cuja compra aconselhava) para possivelmente os adquirirem para investimento, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XL. O arguido AC tivesse apresentado o arguido JP como o representante em Portugal da BS, S.L., tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

XLI. A deslocação de JS e AS ao escritório do arguido JP em Lisboa (tal como referido no ponto 15. da matéria de facto julgada provada) tivesse sido precedida de contacto telefónico entre aqueles e este;

XLII. Os cheques identificados no ponto 15. da matéria de facto julgada provada foram emitidos e entregues ao arguido JP a pedido deste;

XLIII. A deslocação de JS e AS ao escritório do arguido JP (tal como referido no ponto 20. da matéria de facto julgada provada) tivesse ocorrido a pedido daquele arguido;

XLIV. Os cheques identificados no ponto 20. da matéria de facto julgada provada foram emitidos e entregues ao arguido JP a pedido deste;

XLV. Os contactos descritos no ponto 23. da matéria de facto julgada provada tivessem ocorrido entre 24 de Abril de 2004 e Novembro de 2005, tendo-se antes demonstrado o que consta da matéria de facto julgada provada;

XLVI. JS e AS tenham, na circunstância de tempo a que se refere o ponto 29. dos factos provados, tenham questionado o arguido AC sobre as quantia entregues por conta do negócio de Ayamonte;

XLVII. O descrito no ponto 30. dos factos provados tenha ocorrido por interpelação pessoal de JS e AS e JP, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

Do pedido de indemnização civil deduzido por H e S

XLVIII. A sociedade G.... – Mediação Imobiliária, Ldª tenha ou tivesse tido sede na Rua ..., em Vila Real de Santo António;

XLIX. As negociações ficariam asseguradas pelo arguido AC (por telefone e email), mas, os assistentes H e S queriam ter um advogado que os representasse na celebração do contrato e que tratasse dos demais trâmites legais, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

L. Os assistentes H e S deixaram Portugal tranquilos, podiam concluir as negociações da aquisição do imóvel com recurso ao telefone e ao e-mail, estando a prossecução de todos os ulteriores tramites legais assegurados por um mandatário;

LI. No dia 29 de Maio de 2005, os assistentes H e S tenham efectuado o pagamento do remanescente do preço - € 92.505,80 - através do cheque nº 1133228, da conta de que são titulares junto do Banco Credit Agricole Montpon France, emitido a favor da sociedade proprietária do imóvel, a U..., já que tal pagamento (tendo em conta o montante, o número de cheque e entidade bancária sacada) foi efectuado no dia 29 de Setembro de 2005, como, de resto, já consta da matéria de facto julgada provada;

LII. Na comunicação do dia 7 de Julho de 2005, os assistentes H e S tenham informado que a sua vinda a Portugal (em finais de Setembro, inícios de Outubro de 2005) se destinava, entre o mais referido na matéria de facto julgada provada, a assinarem o contrato de compra e venda, tendo-se demonstrado apenas o que consta dos factos provados;

LIII. Os assistentes H e S tenham informado, via fax e email, o arguido PM que não tinham o valor correspondente ao remanescente do preço do imóvel disponível, que tal só estava programado para finais de Setembro, altura em que se deslocariam a Portugal, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LIV. Perante a insistência do arguido PM, no mesmo dia, os assistentes H e S reiteram que seria necessário alterar a data da celebração da escritura pública de compra e venda já que não dispunham dos meios monetários necessários ate final de Setembro de 2005, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada e o contexto ali descrito;

LV. Não se provou que as mensagens electrónicas dos dias 30 e 31 de Agosto de 2005 e 1 de Setembro do mesmo ano tivessem sido escritas e enviadas pelo arguido PM, mas sim e apenas o que está descrito na matéria de facto julgada provada;

LVI. Insatisfeitos por lhes ter sido apenas facultada minuta do contrato-promessa de compra e venda do imóvel, os assistentes H e S, no dia 8 de Setembro de 2005, contactaram telefonicamente o arguido JP e insistiram para que lhes fosse facultado o documento na versão final e definitiva e, bem assim, a restante documentação solicitada;

LVII. O arguido JP confirmou que tinha em seu poder os documentos e que lhos enviaria no dia seguinte;

LVIII. No email enviado aos assistentes H e S no dia 13 de Setembro 2005, o arguido AC tenha referido que se torna necessário o envio dos cheques com os valores para pagamento do remanescente do preço, emolumentos notariais e honorários dos advogados, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LIX. Na sequência da mensagem do dia 13 de Setembro de 2005, os assistentes H e S reafirmaram que não tinham o dinheiro até finais de Setembro;

LX. No dia 27 de Setembro de 2005, chegados a Portugal, os assistentes H e S iniciaram diligências para apurar o verdadeiro estado das obras, obter o original do contrato-promessa de compra e venda do imóvel devidamente assinado e para, pessoalmente e sem procurador, assinarem a escritura pública de compra e venda, tendo-se provado apenas o que resulta da matéria de facto julgada provada;

LXI. Na reunião de 29 de Setembro tivesse sido garantido aos assistentes H e S que a escritura pública seria realizada e que não precisavam de se preocupar mais, tendo-se apenas demonstrado o que consta da matéria de facto julgada provada;

LXII. Embora seja alegação algo conclusiva, não se demonstrou que prevalecendo-se da relação de confiança inerente à profissão de advogados, os arguidos determinaram (e convenceram) os assistentes a fazem a entrega de um montante total € 94 805,80 (€ 92 505,80 + 2 300,00);

LXIII. Os assistentes H e S tenham feito a viagem do Dubai a França e daqui para o Dubai (tal como descrito na matéria de facto julgada provada) para tratar de assuntos relacionados com as mobílias;

LXIV. A viagem a Londres (a que se refere a matéria de facto julgada provada) tenha custado € 371,96;

LXV. Em viagens de avião do Emirados Árabes Unidos para o Reino Unido, Portugal, Espanha e França para tratar de assuntos relacionados com as mobílias que pretendiam colocar na casa e de assuntos relativos á compra da casa ou do presente processo judicial, os assistentes tenham gasto a quantia de € 4 021,96;

LXVI. O aluguer de automóvel referido na matéria de facto julgada provada tenha custado € 377,12, mas sim o valor que consta dos factos provados;

LXVII. O arguido AC sabia e não podia desconhecer igualmente que colaborava com os arguidos JP e PM no plano que estes elaboraram com o objectivo de se apropriarem do dinheiro dos assistentes, tendo-se demonstrado apenas o que já resulta da matéria de facto julgada provada;

LXVIII. Tenham sido os arguidos a celebrar (em nome dos assistentes H e S) com a sociedade "Rural Seguros", um seguro destinado a habitação;

Das contestações do arguido AC

LXIX. No Reino de Espanha, JS tenha visitado a urbanização Costa Esuri, tendo visto vários imóveis que estavam a ser comercializados pela F e pela United Buildings, SA.;

LXX. JS resolveu optar pelo imóvel que estava no início da construção e que era comercializado pela última daquelas empresas, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LXXI. O director da “F”, Sr. I.E., apresentou o arquitecto Shimon ao arguido AC informando o arquitecto que a “F” tinha vendido um terreno à firma “United Buildings, SA.” e que esta estava interessada em adquirir uma empresa em Portugal para comercializar o empreendimento “Sea & Sun Costa Esuri”;

LXXII. Os representantes da United Buildings compareceram na Convenção da E., Imobiliária, em 19 de Março 2004 no Algarve, a fim de mostrarem os respectivos empreendimentos;

LXXIII. Os arguidos JP e AC se tivessem reunido nos escritórios da “United Buildings”, sitos em Marbella, Reino de Espanha, com representantes desta sociedade e que nessa reunião tivesse ficado estabelecido o contrato de mediação entre a E. de Vila Real de Santo António e a “United Buildings, S.A.”

LXXIV. O contrato foi redigido pela empresa espanhola e aceite pela E. de Vila Real de Santo António, tendo esta enviado tal contrato, devidamente assinado, para Espanha, a fim de ser subscrito também pela “United Buildings, S.L.”, o que nunca aconteceu;

LXXV. A E. de Vila Real de Santo António tivesse publicitado a comercialização do empreendimento (referido na matéria de facto julgada provada – e apenas esse, pois na contestação á acusação o arguido não distingue se a publicitação se refere ao empreendimento da United Buildings, BS, F. ou a todos ou alguns deles) em diversos meios de comunicação social, tendo inclusivamente publicado em jornais nacionais, em especial o Expresso;

LXXVI. Os responsáveis da empresa espanhola que estava a desenvolver o empreendimento (onde se situaria o apartamento prometido comprar por JS), solicitaram ao arguido AC que, logo que aparecesse algum cliente, deveria o mesmo fazer as reservas dos apartamentos e / ou contratos, pois, aquando do começo da construção tais contratos seriam devidamente ratificados.

LXXVII. Entretanto, o arguido AC deveria aguardar pelo contrato assinado pela empresa United Buildings, S.L, com sede em Espanha, o que nunca ocorreu devido aos problemas ocasionados pela crise imobiliária em Espanha, agravada, no caso concreto, pelo colapso financeiro das empresas United Buildings e BS, representadas pelo israelita E. D., administrador único daquelas sociedades;

LXXVIII. O arguido AC contactou então o co-arguido JP, para que redigisse os contratos, por forma a que os promitentes compradores (JS e AS), ficassem mais tranquilos, e simultaneamente ir avançando com as vendas, tal como lhe havia sido solicitado pela proprietária do empreendimento;

LXXIX. O arguido AC, face a toda a documentação que analisou e sobre a qual manteve, várias vezes, conversações com a empresa acima referida, actuou com a plena convicção de que os contratos seriam depois ratificados;

LXXX. A construção do empreendimento entretanto já se iniciou e que o preço do apartamento se mantém o mesmo.

LXXXI. Entretanto, e por decorrência da situação que se passava com o apartamento de Espanha, e tendo em conta que a construção não se iniciava, foi acordado com os queixosos, que ficariam com dois apartamentos no prédio de Lazareto em Vila Real de Santo António, creditando-se para isso todo o dinheiro entregue para o apartamento de Espanha, atrás referido; Todo esse processo resultou de negociações entre o advogado dos queixosos Dr. AG e o Dr. PM, os quais, telefonicamente, via fax e em reuniões articularam toda essa situação e ainda dos contactos que foram levados a cabo directamente entre o queixoso marido, seu filho e o requerente; A 18 de Novembro de 2005, o declarante remeteu ao arguido JP, um fax, dando conta que o queixoso, pretendia adquirir um apartamento no prédio do Lazareto, aproveitando as quantias entregues para o apartamento de Espanha. Em 21 de Novembro de 2005, o arguido recebeu resposta do arguido JP, dizendo que não se opunha a tal solução. Tudo se manteve inalterado, até que em 6 Dezembro de 2006, o advogado dos queixosos remete um fax ao Dr. PM, informando que as condições que aceitava era considerar o apartamento do rés-do-chão já pago (apartamento a que foi imputado os valores do apartamento de Espanha), e no que respeitava ao outro imóvel prometido comprar directamente no prédio de Lazareto, pretendia receber ao invés um duplex, acrescido da importância de 30 mil euros. Estas condições eram totalmente inaceitáveis, razão pela qual nada foi formalizado até à presente data, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LXXXII. O arguido AC tivesse informado H e S que havia 2 ou 3 advogados em Vila Real Santo António que falavam inglês e que a E. tinha contrato de avença com o Dr. JP, com escritório na rua da sede da imobiliária;

LXXXIII. H e S, após primeiro contacto com o mencionado causídico, tivessem solicitado ao arguido AC que se deslocasse ao Cartório Notarial de Vila Real de Santo António para outorgarem uma procuração, cuja minuta lhes tinha sido facultada pelo mesmo advogado, tendo-se demonstrado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LXXXIV. O cheque nº 1133074, no valor de 14.500€ tenha sido endossado pelo arguido AC e entregue ao arguido JP, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

LXXXV. O arguido AC actuou no negócio da venda da casa a H e S na plena convicção da sua legalidade e legitimidade para o celebrar;

LXXXVI. O contrato-promessa datado de 11 de Março de 2005 tenha sido registado na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim;

LXXXVII. VA tivesse realizado todas as obras que H e S pretendiam;

LXXXVIII. Foram H e S que pediram ao arguido AC para os acompanhar a Lisboa com vista à reunião que teve lugar no dia 29 de Setembro de 2005;

LXXXIX. O arguido AC não tenha chegado a assistir a essa reunião e que tenha ficado com a convicção que a escritura pública se iria realizar no prazo máximo de 8 dias.

XC. A escritura ter-se-ia realizado não fossem os problemas decorrentes das obras solicitadas por H e S ao arguido JP;

XCI. Tenha sido o arguido JP a contratar o VA para a renovação do telhado;

XCII. Ficou acordado o preço da obra pela quantia de 15.190,00€;

XCIII. Do valor pedido, o citado VA só recebeu € 7 500,00 uma vez que não acabou a obra, deixando-a sem o telhado;

XCIV. A casa continua por vender, é propriedade da U., S.A., e encontra-se livre de ónus e encargos;

Das contestações do arguido PM:

XCV. A primeira comunicação do arguido PM com os assistentes H e S ocorreu no final de Agosto de 2005;

XCVI. O arguido JP, por estar ausente do escritório, tenha pedido ao arguido PM para entrar em contacto com os assistentes H e S para os manter informados sobre o que se ia passando e era necessário fazer;

Da contestação do arguido JP

XCVII. A imobiliária G... - Mediação Imobiliária, Lda. tinha exclusividade de venda do empreendimento denominado “Sea & Sun Costa Esuri”;

XCVIII. AC informou os assistentes JS e AS que o ora arguido actuaria no negócio como gestor de negócios;

XCIX. Os responsáveis da empresa espanhola que estava a desenvolver o empreendimento transmitiram ao arguido AC que assim que tivesse clientes, deveria fazer as reservas dos apartamentos e / ou contratos e, posteriormente os contratos seriam ratificados;

C. Antes da celebração do contrato-promessa relativo ao apartamento do Reino de Espanha, o arguido JP deslocou-se ao local do empreendimento, viu toda a documentação e, inclusive, na companhia do arguido AC, deslocou-se a Marbella, onde se encontrou com o Sr. S. Edenburg, que entregou toda a documentação ao arguido AC;

CI. Foi feita uma minuta do contrato de exclusividade, tendo sido depois remetido o contrato para ser assinado pelo arguido AC, o qual o assinou e devolveu a Espanha, para ser assinado pela “United Buildings, S.L.” (sociedade pertencente ao grupo BS) o que nunca veio a suceder;

CII. O arguido JP sempre disse aos assistentes JS e AS que era a E. de Vila Real de Santo António (nome comercial pelo qual é conhecida a imobiliária de que é gerente o arguido AC quem estava a acompanhar esse processo, uma vez que era a promotora da venda.

CIII. Mais tarde, uma vez que a construção dos apartamentos não se iniciava, foi proposto aos assistentes JS e AS pelos arguidos JP e AC que aqueles ficariam com mais um apartamento no prédio sito em Lazareto, aproveitando-se todos os montantes entregues para esse efeito;

CIV. O arguido JP agiu em consciência e face a toda a documentação que viu, ao que conversou em Espanha, com a plena convicção de que os contratos seriam depois ratificados;

CV. A negociação do preço de aquisição pelos assistentes H e S do imóvel foi efectuada por intermédio do arguido AC, sem intervenção do arguido JP;

CVI. De acordo com as instruções dadas pela proprietária do imóvel - a sociedade “U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.” - inicialmente, o arguido AC solicitou aos assistentes H e S o pagamento do montante de € 92.500,00, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

CVII. Montante esse que veio a ser entregue à sociedade imobiliária “G..., Lda.” - € 78.000,00 no dia 21 de Junho de 2005 e € 14.500,00 no dia 23 de Junho de 2005 - que, de seguida, fez a sua entrega à “U... — Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, tendo-se provado o que consta da matéria de facto julgada provada e nos termos que ali estão descritos;

CVIII. A emissão, pela G.... - Mediação Imobiliária, Lda. da factura do dia 24 de Junho de 2005 foi motivada pelo facto descrito no número anterior;

CIX. O recibo de quitação que constitui folhas 1657 emitido pela “U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.” foi emitido por esta sociedade ter recebido o cheque a que alude o ponto 82.1. dos factos provados;

CX. O arguido JP informava os assistentes H e S apenas quando havia novidades, porventura, nem sempre com a regularidade que pretendiam, dado o facto de o arguido desenvolver outras actividades para além da advocacia, que o impediam de estar com regularidade no seu escritório;

CXI. Motivo pelo qual o arguido solicitou ao arguido PM que fosse seu interlocutor junto dos assistentes H e S, tratando de lhes transmitir informações, nomeadamente, quanto à liquidação do preço e à realização da escritura pública, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

CXII. AC contratou os serviços do pedreiro VA, para a realização de obras na casa que os assistentes H e S pretendiam comprar, obras que incluíam a demolição/remoção do telhado da casa e colocação de um telhado novo, tendo-se provado apenas o que consta da material de facto julgada provada;

CXIII. VA apresentou um orçamento, no valor de € 15.190,00, para a realização das obras solicitadas pelos assistentes, por intermédio de AC;

CXIV. Houve adjudicação por parte do arguido AC;

CXV. Do valor do orçamento, VA apenas recebeu € 7.500,00, uma vez que não acabou a obra, deixando a habitação sem telhado e sem qualquer protecção;

CXVI. Sendo as obras realizadas no imóvel acompanhadas directamente pelo arguido AC e, eventualmente, por outros funcionários da “G..., Lda.”.

CXVII. No dia em que ocorreu o facto a que se refere o facto provado nº 128., o senhor B. N. deslocou-se ao imóvel, onde conheceu os assistentes e verificou quais as obras que os mesmos pretendiam realizar;

CXVIII. O orçamento a que se refere o facto provado nº 129. tenha sido enviado pelo senhor B.N;

CXIX. O e-mail a que se refere o facto provado nº 129 tenha sido reencaminhado pelo arguido JP para os assistentes H e S, com a informação de que a proprietária do imóvel não era responsável, uma vez que não tinha sido ela a contratar as pessoas que realizaram as obras e não as acabaram, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada;

CXX. Em resposta, os assistentes comunicaram ao arguido que não aceitavam aquele orçamento e, como tal, não iriam pagá-lo;

CXXI. Passadas poucas semanas, o arguido foi contactado pelos mandatários dos assistentes, não tendo sido possível, até à presente data, realizar a escritura pública de compra e venda.

E desta forma fundamentou o tribunal recorrido a sua convicção:

«O decidido em matéria de facto funda-se em todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento e bem assim nos documentos, autos e relatórios periciais valorados (cada um de per si e no confronto com os demais meios de prova) de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum.

As declarações do arguido, assistentes e demandante e os depoimentos das testemunhas apenas foram positivamente valorados na medida em que os respectivos declarantes demonstraram ter conhecimento directo e pessoal sobre os factos e as declarações e depoimentos se revelaram claros, precisos e isentos de contradições.

Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos e autos de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção foram.

O Tribunal não ponderou quaisquer autos cujo acesso em julgamento lhe está vedado por lei.

No que tange ao primeiro conjunto de factos da pronúncia (relativos às sociedades “J... & Associados (responsabilidade limitada)”, G... - Mediação Imobiliária, Lda. e “T... - Sociedade de Construções Civis Lda.”, as suas actividades, sedes e sócios, o decidido funda-se essencialmente na prova documental junta aos autos (que não foi posta em crise por nenhum sujeito processual nem contrariada por qualquer outro meio de prova), designadamente, a folhas 114 (que consiste numa cópia da cédula profissional de advogado do arguido JP (sendo que a sua inscrição como advogado data de 20 de Outubro de 1992 e a cédula tem validade até Novembro de 2007), folhas 352 (que consiste numa cópia da certidão da matrícula e de todas as inscrições em vigor relativa à sociedade G... - Mediação Imobiliária, Lda., de onde se extrai, entre o mais que aqui não interessa considerar, que o arguido AC era o gerente da sociedade em causa e que esta tinha por objecto a mediação imobiliária, gestão e administração de imóveis), folhas 378 (que constitui uma certidão da matrícula e de todas as inscrições em vigor relativas á sociedade “T... - Sociedade de Construções Civis Lda.”) e 2177 e seguintes [(havendo várias cópias e certidões nos autos deste documento) relativa à sociedade de advogados referida na matéria de facto julgada provada e ao seu registo na conservatória competente e na Ordem dos Advogados e de onde se retira a sua constituição, sócios (incluindo a entrada como sócio do arguido PM), quotas, alterações ao pacto social, etc.]. Deste último documento se extrai também a qualidade de advogado do arguido PM e o número de cédula profissional.

Relativamente ao caso de JS e AS, diversos meios de prova documental estão juntos ao processo de onde resultam demonstrados vários factos constantes na matéria de facto julgada provada.

- o documento de folhas 34, que consiste no contrato-promessa datado de 24 de Abril de 2004 a que se refere a matéria de facto referente ao prédio sito no Lazareto, Vila Real de Santo António;

- o documento de folhas 57, que consiste no contrato-promessa da mesma data a que se refere a matéria de facto julgada provada referente à fracção do empreendimento denominado “Sea & Sun Costa Esuri”, sito em Ayamonte, Reino de Espanha;

- os documentos que constam de folhas 69, que consistem nas cópias dos cheques referidos no ponto nº 13. dos factos provados;

- os documentos que constam de folhas 72, que consistem nos duplicados dos cheques a que alude o ponto nº 15. dos factos provados;

- os documentos que constam de folhas 75, que consistem nas cópias dos cheques a que alude o ponto nº 20 dos factos provados;

- o documento de folhas 71 e 74, que consistem em recibos emitidos em nome da BS, S.L. referentes ás quantias entregues pelos assistentes JS e AS ao arguido JP;

- o documento de folhas 83, que consiste numa cópia de uma comunicação dirigida à BS, S.L. pelo advogado dos assistentes JS e AS;

- o documento de folhas 91, que consiste numa cópia da resposta enviada ao referido mandatário por JT(que invocava a qualidade de administrador da BS, S.L.);

Trata-se de documentos cuja autenticidade não foi posta em causa por nenhum sujeito processual (antes tendo sido confirmada por JS e AS e pelo próprio arguido AC – único arguido que prestou declarações na audiência de discussão).

A versão dos factos trazida a juízo pelos demandantes JS e AS (e pelo arguido AC) é absolutamente concordante com o que é possível extrair dos falados documentos.

Assim, resultou claro das declarações do assistente JS que este e sua esposa tomaram a decisão de adquirir dois bens imóveis (um em Portugal e outro no Reino de Espanha). Para o efeito, decidiram recorrer aos serviços do arguido AC (que tinha uma imobiliária – a E... de Vila Real de Santo António), o que fizeram no dia 24 de Abril de 2004.

Já antes desta data, o assistente tinha visto num stand de vendas da F (em Ayamonte, Reino de Espanha) um cartão de visita com o nome de AC. Por tal razão, sabia que este era representante daquela empresa.

Esclareceu o assistente que a F era uma empresa que, já na altura, tinha como muito prestigiada (já que era a grande patrocinadora de um famoso clube de futebol espanhol).

Naquele dia 24 de Abril, nas instalações da E... de Vila Real de Santo António, o demandante JS expôs ao arguido AC as suas intenções (comprar um imóvel em Vila Real de Santo António e outro à F. em Ayamonte).

Após ter concluído o contrato-promessa de compra e venda relativo a uma fracção a construir situada no Lazareto, Vila Real de Santo António, o arguido AC sugeriu que os assistentes JS e AS adquirissem antes uma fracção autónoma a construir pela empresaBS no mesmo empreendimento espanhol. Mais referiu que o representante desta empresa era um advogado que tinha escritório na mesma rua da E... de Vila Real de Santo António e que rapidamente compareceria no local. Pouco tempo após, surgiu no escritório da ERA o arguido JP, que se arrogou “gestor de negócios” da BS, aconselhando também a compra de uma fracção autónoma a esta empresa.

Nessa ocasião, o arguido AC exibiu documentação diversa sobre o empreendimento e as fracções a construir e vender pela BS, referiu o respectivo preço e modalidades de pagamento.

De seguida, os demandantes, os arguidos AC e JP (todos acompanhados de dois funcionários da E... de Vila Real de Santo António, sendo um deles homem e a outra uma senhora que falava “espanhol”) deslocaram-se à Costa Esuri, Ayamonte, Reino de Espanha para ali os demandantes poderem ver o local onde iria ser desenvolvido o empreendimento (sendo que, na altura, a construção não se tinha sequer iniciado).

Regressados aos escritórios da ERA, os demandantes JS e AS acabaram por assinar o contrato-promessa acima identificado. Na ocasião, o arguido JP referiu que a BS emitiria garantias bancárias para assegurar aos compradores que, caso a construção das casas não tivesse lugar, eles receberiam tudo o que tivessem pago.

Anote-se que, tal como referiu o demandante JS, a expressão “gestor de negócios” foi por si entendida como significando o “representante ou mandatário para os negócios”. Confirmou ter efectuado todos os pagamentos referidos na matéria de facto julgada provada, tendo o arguido JP emitido e entregue aos demandantes os competentes recibos em nome da BS. Nenhuma destas quantias lhes foi restituída apesar de as ter reclamado junto do arguido JP, que afirmou que entregara o dinheiro à BS e que as quantias relativas ao IVA as entregara aos competentes serviços fiscais do Reino de Espanha.

Confirmou ainda os factos constantes da matéria de facto julgada provada relativos ás informações que ira recebendo acerca do “andamento” das obras e o modo como descobriu que estas ainda não se tinham iniciado. Esclareceu que inicialmente, tanto o arguido JP como o arguido AC asseguravam que as obras da casa de Ayamonte estavam “a andar”. O primeiro dos falados arguidos assegurava que as obras estavam a avançar sempre que era interpelado pelos demandantes e, concretamente, sempre que estes iam ter com ele para efectuar pagamentos em cumprimento do que estava determinado no contrato-promessa. Porém, a partir de Abril de 2005, o arguido AC passou a remeter o demandante para o arguido JP (pois ele é que era o “gestor de negócios”) e começou a mostrar-se preocupado com a possibilidade de o negócio não se chegar a concretizar. De resto, segundo o assistente, o arguido AC chegou a dizer ao arguido JP para devolver o dinheiro da casa de Ayamonte aos assistentes precisamente por o negócio poder não se concretizar.

Esclareceu que confiou nos arguidos JP (por ser advogado) e AC por ser dono de uma agência de uma prestigiada empresa de mediação imobiliária (a E...).

Referiu que, numa ocasião em que se deslocou à loja da E... de Vila Real de Santo António (após a conclusão dos contratos-promessa), referiu ao arguido AC que já tinha procedido a outros pagamentos ao arguido JP. Nessa ocasião, o arguido AC fez uma consulta ao “processo” da E... e disse que o JP nada tinha comunicado sobre tais pagamentos. De seguida, anotou-os no mesmo “processo”.

A demandante AS (pessoa que acompanhou o marido - JS– sempre que ele se deslocou a Vila Real de Santo António ou ao escritório do arguido JP para tratar de assuntos relacionados com as compras dos dois imóveis) confirmou os factos trazidos a juízo por JS. Esclareceu que o arguido AC se referiu ao arguido JP como sendo o “gestor” de uma empresa espanhola que vendia apartamentos.

LS, filho dos demandantes JS e AS, foi com os seus pais ao estabelecimento da E... de Vila Real de Santo António no dia 24 de Abril de 2004. Nessa ocasião já os seus pais e ora demandantes sabiam o que pretendiam adquirir: um apartamento em Portugal e um outro em Espanha, o qual deveria ser adquirido a uma empresa denominada F... (empresa que era conhecida do seu pai e que este sabia estar a desenvolver um projecto em Ayamonte, na zona do golfe, projecto que JS já tinha estado a ver). Foi o arguido AC que sugeriu ao seu pai a compra de um apartamento à BS (afirmando que estes apartamentos eram melhores, tinham piscina e tinham mais quartos). Exibiu aos demandantes as plantas da construção, os preços e modalidades de pagamento e afirmou que as obras iriam arrancar brevemente. No mesmo encontro, o arguido AC apresentou aos assistentes o arguido JP como advogado da E... de Vila Real de Santo António e como responsável legal da BS em Portugal.

No mais, LS confirmou que foram ao local onde o empreendimento iria ser construído, verificando que já havia (na área) arruamentos e outras infraestruturas e que já se havia iniciado a construção de alguns edifícios (mas não na zona onde iria ser o empreendimento da BS – aqui ainda as obras não se tinham iniciado).

Confirmou ainda os pagamentos efectuados no dia 24 de Abril de 2004.

Mais tarde, LS tentou ir ver como estavam as obras do apartamento de Espanha. Porém, nessa ocasião foi impedido de o fazer por o acesso à urbanização estar condicionado. Ainda tentou lá ir com o arguido AC no carro deste. Todavia, não conseguiram chegar ao local porque o estado do piso, na Costa Esuri não permitia que o carro lá chegasse. Nessa ocasião, o arguido AC disse a LS que as obras estavam a correr como planeado, mas que, ainda assim, iria contactar o arguido JP para saber mais pormenores.

Porque as obras do apartamento de Portugal não avançavam, os demandantes dirigiram-se ao stand de vendas existente na entrada na Costa Esuri e ali disseram que não havia qualquer contrato com a BS e que desconheciam quem era JP. No local verificaram que as obras não se tinham iniciado. Por fim, referiu que seus pais não receberam qualquer quantia que entregaram ao arguido JP por conta do contrato referente ao apartamento de Ayamonte.

Andreia C, que foi escriturária na agência da E... de Vila Real de Santo António, identificou o arguido AC como o seu “patrão” e o arguido JP como advogado que prestava serviços para a E... de Vila Real de Santo António (desconhecendo, contudo, se era ou não “avençado”). Embora Andreia C. não trabalhasse na parte comercial, declarou recordar-se de ter visto na loja prospectos referentes à Costa Esuri e à empresa F. Mas não se recorda de ter ouvido falar na sociedade BS..

SV, também foi funcionária da E... de Vila Real de Santo António e tinha por função recolher todos os elementos documentais para preparar as escrituras. Declarou não conhecer os assistentes JS e AS. Declarou ainda que na loja da E... havia publicidade do empreendimento da Costa Esuri, publicidade que se destinava á promoção da venda de apartamentos daquele empreendimento. Confirmou que tal publicidade é a que consta de folhas 1651 e seguintes.

C. Perez foi trabalhadora da E... de Vila Real de Santo António, onde exerceu as funções de comercial (promotora de vendas).

A dada altura, o arguido AC encarregou-a de tratar de assuntos relacionados apenas com o empreendimento Costa Esuri, em Ayamonte. Inicialmente, a promoção era da empresa F. Posteriormente, a E... de Vila Real de Santo António passou a trabalhar também com aBS. Declarou não conhecer uma empresa denominada United Buildings.

Esclareceu que com a BS inicialmente só se relacionava por correio electrónico e telefone. Mais tarde, surgiram na loja 3 pessoas daquela sociedade: um chamado Shimon, outra pessoa que falava inglês e uma senhora de nome Francesca. No encontro que estes tiveram na loja da E... de Vila Real de Santo António com C. Perez e o arguido AC apresentaram o projecto da BS para a Costa Esuri (a que a testemunha também se referiu como Puente Esuri) e foram ao próprio empreendimento (em Ayamonte) mostrar onde se situaria o projecto da BS. Na loja deixaram um livro promocional e documentos referentes aos preços dos apartamentos, plantas de localização e todas as informações necessárias para as vendas. Depois desta reunião, os arguidos AC e JP deslocaram-se a Málaga (Reino de Espanha) para uma nova reunião com os responsáveis da BS.

As 3 pessoas que apareceram na loja deixaram os 3 cartões de visita que estão juntas a folhas 2376 do processo.

C. Perez confirmou que na área destinada á construção pela BS nada chegou a ser construído (as construções só se iniciaram na área da F). Segundo a mesma testemunha, para si e para os comerciais da E...de Vila Real de Santo António era indiferente venderem apartamentos da F ou BS. No caso das vendas de apartamentos da BS havia a assinatura de um documento, fazia-se uma reserva da venda do apartamento e o promitente-comprador entregaria um cheque (desconhecendo em que conta o cheque seria depositado).

Por fim e de relevante, C. Perez referiu que o seu pai fez, a pedido do arguido AC, um vídeo promocional de todo empreendimento da Costa Esuri, vídeo que foi fornecido a todas as agências E... de Portugal.

Duas outras testemunhas prestaram depoimento sobre este caso.

A primeira foi R. Edimburg, arquitecto, que reconheceu ser também conhecido por S. Edimburg.

R.Edimburg tinha uma empresa de arquitectura e desenvolveu um projecto de arquitectura na Costa Esuri a pedido da sociedade United Buildings. Na Costa Esuri não fez nenhum projecto a pedido da BS.

Revelou ainda que, numa altura em que o seu trabalho estava em ante-projecto (pois o projecto ainda não tinha sido aprovado pela autarquia local) veio a Portugal (a um congresso da E...) e aí teve oportunidade de marcar reuniões com várias agências imobiliárias para apresentar o ante-projecto. Tal apresentação era feita, entre o mais, com a entrega de documentação referente ao empreendimento (fachada dos edifícios, tipo de apartamentos, acessórios, local de implantação e outras informações). Não tinha (e por isso não forneceu) elementos referentes aos preços que iriam ser praticados e modalidades de pagamento, pois não dispunha desses dados nem lhe incumbia promover a venda. Os contactos que estabeleceu em Portugal tinham por objectivo promover a sua empresa de arquitectura e não venda de apartamentos.

Na reunião que teve em Portugal (e mesmo em Espanha) não se recorda de ter falado na BS já que esta sociedade na(da) tinha que ver com o projecto (sendo ainda certo que R. Edimburg prestou serviços de arquitectura para a BS, mas não na Costa Esuri). Pelos mesmos motivos, referiu a aludida testemunha, não tem sentido que a documentação que deixou na agência de Vila Real de Santo António da E... fizesse alusão á BS.

Quanto à reunião em Espanha, referiu apenas que o arguido AC (acompanhado por um advogado) pediu tal reunião, que durou pouco tempo.

A outra testemunha que prestou depoimento sobre o caso em exame foi J. Toran, advogado, fundador da BS da qual foi administrador único até Maio ou Junho de 2005.

Esclareceu que a BS era associada da United Buildings. Aquela era administradora desta e J. Toran era a pessoa física nomeada para em representação da administradora, gerir a BS. E. Deissi era uma pessoa da plena confiança de J.Toran. Por isso, este outorgou procurações dando-lhe poderes para representar plenamente a BS e a United Buildings.

Foi peremptório ao afirmar quea BS não teve qualquer projecto para a Costa Esuri. Aí apenas a United Buildings teve terrenos e queria promover um empreendimento, tendo mandado fazer os necessários projectos. Segundo a mesma testemunha, embora não se tivesse chegado a iniciar a construção, chegou a haver “venda sobre projectos”, tendo as partes chegado a concluir contratos-promessa de compra e venda. Todavia, nenhum desses negócios foi feito com a colaboração da E.... Foi peremptório ao afirmar que no projecto da United Buildings na Costa Esuri não houve a intervenção de nenhuma pessoa de nacionalidade portuguesa nem nenhuma pessoa ou empresa portuguesa fez chegar á United Buildings (ou à BS) quantias em dinheiro.

Referindo-se a R. Edimburg (também conhecido por S. Edimburg), afirmou que este trabalhou para o grupo de empresas da BS e United Buildings e tinha funções essencialmente comerciais: competia-lhe promover as vendas e ocupar-se de questões administrativas. Não tinha, contudo, poderes de representação de nenhuma das empresas. J. Toran admitiu com naturalidade que R. Edimburg, mais conhecido por S. Edimburg, tivesse cartões de visita com referência à BS.

Esclareceu que F. Ligorio era sua secretária e de E. Deissi e trabalhava para a BS.

A empresa F era uma empresa muito conhecida em Espanha (e cotada em bolsa). Foi a esta empresa que a United Buildings adquiriu terrenos para construção na Costa Esuri.

No que ao caso dos autos diz respeito, J. Toran referiu ter tido conhecimento de uma queixa apresentada por um advogado relativa a clientes que adquiriram, por intermédio de um advogado português, um apartamento à BS. A referida testemunha respondeu a tal queixa informando que a promotora do projecto era a United Buildings e que esta não tinha feito qualquer acordo com qualquer advogado português.

Por fim, esclareceu que quando vendiam apartamentos (a United Buildings e a BS), usavam o serviço de empresas imobiliárias. Todavia, em caso nenhum estas recebiam dinheiro dos clientes. O dinheiro era recebido directamente pela empresa vendedora.

Cumpre, por fim, ter presentes as declarações que o arguido AC prestou sobre este caso.

AC confirmou que a sociedade G.... - Mediação Imobiliária, Lda. (por si gerida) tinha um contrato de franchising com a E... de Portugal. No âmbito de tal contrato, a referida sociedade exercia actividade de mediação imobiliária num estabelecimento comercial conhecido por E...de Vila Real de Santo António.

Confirmou ainda que mediou a venda aos assistentes JS e AS de um apartamento no Lazareto, Vila Real de Santo António, e um outro em Ayamonte, Espanha. Também confirmou que aquele casal efectuou os pagamentos referidos na matéria de facto julgada provada (pagamentos que foram feitos ao arguido JP, sendo certo que tomou conhecimento de que aqueles fizeram pagamentos para além dos que ocorreram no dia 24 de Abril de 2004 porque os assistentes lhe referiram tal facto).

Esclareceu que a G...- Mediação Imobiliária, Lda., tinha um contrato de mediação imobiliária com a sociedade F. Esta empresa tinha vendido parte dos terrenos do empreendimento Costa Esuri a uma outra sociedade. Nesta parte, o empreendimento iria ser construído pela United Buildings. A BS era a empresa que assumia a parte comercial do projecto.

Este projecto foi apresentado ao arguido AC inicialmente numa convenção anual da E... de Portugal. Mais tarde, o arguido teve reuniões com pessoas da BS, a saber: E Deissi (que era seu administrador único), S. Edimburg (pessoa que o director da F referiu como sendo a pessoa que se ocupava das áreas de projecto e comercial dos apartamentos a construir e vender nos terrenos que aquela vendeu à United Buildings) e uma senhora chamada Francesca). Nesses encontros ficou acordado que o arguido JP iria representar a BS em Portugal. Chegaram a enviar para o arguido AC um contrato de mediação escrito em inglês, contrato que aquele arguido mandou traduzir para português, assinou e remeteu para a BS ficando estes de remeter uma versão do contrato em português assinada pelo administrador daquela sociedade. Tal documento, todavia, nunca foi remetido à E.... de Vila Real de Santo António.

Esclareceu ainda o arguido AC que a “minuta” do contrato de mediação imobiliária tinha como parte a United Buildings e não a BS

Ainda de acordo com o mesmo arguido, a BS tinha o projecto do empreendimento aprovado. Mas não tinha alvará de construção nem tinha iniciado as obras. Como tal, não queria aquela empresa receber quaisquer quantias em dinheiro. Todavia, as indicações da BS eram claras: receber o dinheiro das pessoas que queriam comprar apartamentos, pedir a ratificação do contrato que elas assinassem e enviar o dinheiro para a BS quando esta obtivesse o contrato de mediação. Por outro lado, os contratos-promessa de compra e venda de apartamentos do empreendimento da BS estavam sujeitos a ratificação precisamente porque as obras ainda não se tinham iniciado e era necessário confirmar ou alterar os prazos.

E. Deissi, S. Edimburg e Francesca, nos encontros que tiveram com o arguido AC entregaram-lhe a documentação necessária para iniciar o processo de promoção das vendas em Espanha (brochuras do empreendimento, preços, modalidades de pagamento, etc.). Por tal razão e porque apenas estava a aguardar a chegada do documento assinado pela BS, o arguido AC pensou que tinha autorização para iniciar as vendas. Por outro lado, o arguido JP, advogado que dava apoio jurídico á E... de Vila Real de Santo António, sugeriu que as vendas fossem feitas através de contrato-promessa em que ele próprio actuaria como gestor de negócios da BS, ficando este depositário das quantias que deveriam ser entregues à sociedade vendedora. Tal garantiria mais segurança na restituição do dinheiro aos promitentes-compradores caso o negócio não se chegasse a realizar. Aceitando tal sugestão e tendo em conta todos os factos supra referidos, o arguido AC e o arguido JP assinaram o documento que constitui folhas 1546 e seguintes do processo. A propósito deste documento AC referiu que o mesmo foi assinado antes de os seus subscritores terem tido uma reunião em Marbella com E. Deissi, S. Edimburg e Francesca e antes ainda de a United Buildings ter enviado a minuta do contrato de mediação acima referido. O arguido JP dizia que aquele contrato era necessário para que se pudesse começar a vender apartamentos da BS na Costa Esuri, mesmo antes de as obras se iniciarem. Segundo o arguido AC, o contrato seria substituído pelo contrato de mediação imobiliária a concluir com a empresa espanhola.

Foi assim que o contrato-promessa celebrado com os assistentes JS e AS foi assinado por estes (na qualidade de promitentes compradores) e pelo arguido JP (na qualidade de gestor de negócios da BS). O arguido JP ficaria fiel depositário do dinheiro que recebesse, quantia que deveria ser devolvida aos promitentes-compradores caso o negócio não se pudesse concretizar. O arguido AC referiu ainda que nunca pensou que o negócio visse a ter o desenvolvimento que teve (as obras não se iniciarem e os assistentes terem ficado sem o dinheiro) e que sempre confiou no arguido JP.

Tendo em conta a prova assim produzida, incluindo os documentos juntos aos autos, logo se pode concluir que a versão dos factos trazida a juízo pelo arguido AC se revela, em parte, contraditória e, em parte, incompleta.

Contraditória porque não tem qualquer sentido que aquele declarante estivesse a preparar um negócio de mediação imobiliária com a United Buildings (tendo chegado a assinar um contrato de mediação imobiliária com aquela sociedade) e, ao mesmo tempo, aceitar mediar a venda de fracções a construir através de contratos em que o promitente vendedor era outra sociedade (no caso, a BS). Por outro lado, não tem qualquer sentido o mesmo arguido aceitar mediar a venda de fracções a construir, sendo o promitente-vendedor representado por um “gestor de negócios”. De resto (e não querendo, para já, desenvolver o conceito e regime da gestão de negócios como instituto jurídico) a gestão de negócios pressupõe a inexistência de poderes de representação. Muito nuclearmente, estabelece o artigo 464º do Código Civil: “dá-se gestão de negócios quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.

A versão é incompleta porque não explica porque razão o arguido JP haveria de ter intervenção no negócio (pois tal nem sequer resultaria do contrato de mediação imobiliária em negociação caso fosse concluído). Não explica ainda porque razão no contrato concluído entre a G... - Mediação Imobiliária, Lda. e o arguido JP se prevê a possibilidade de renovação do mesmo por períodos de um ano se o objectivo era que esse contrato apenas produzisse efeitos enquanto não era assinado pela United Buildings o contrato de mediação imobiliária a que o arguido AC se referiu.

Das provas produzidas resulta que o arguido AC não ficou com qualquer quantia que tivesse sido entregue pelos demandantes JS e AS. Todas as quantias por estes entregues por conta do negócio do Reino de Espanha foram entregues ao arguido JP. Foi este quem redigiu o contrato, recebeu os cheques e emitiu os recibos das quantias por ele recebidas dos demandantes, invocando sempre a qualidade de gestor de negócios.

Tal circunstância, aliada ao facto de o arguido AC ter celebrado com o arguido JP o contrato a que acima já se fez referência e ponderando o facto de a agência da E... de Vila Real de Santo António ter colocado funcionários a mostrarem os terrenos da United Buildings e a promoverem a venda de apartamentos que ali iriam ser construídos, suscita uma questão: o arguido AC sabia e quis que JS e AS entregassem ao arguido JP as quantias correspondentes ao preço do apartamento sem que a construção do mesmo se iniciasse? Sabia (e quis) o arguido AC que o arguido JP iria ficar com o dinheiro do preço (e IVA) e não o entregaria aos demandantes logo que se verificasse que o contrato não poderia ser cumprido por causa que não lhes era imputável? E, por último, sabia o arguido AC que o arguido JP não podia, a qualquer título (incluindo o de gestor de negócios), prometer vender fracções e receber as diversas fracções do preço da futura venda?

Em face das declarações do arguido (que, repete-se, não foram completas nem totalmente coerentes) e dos demais meios de prova, entende-se que não é possível, com toda a segurança, responder àquelas perguntas de forma afirmativa. A circunstância de no contrato-promessa de compra e venda e nos recibos de quitação das quantias pagas se fazer referência expressa à qualidade de “gestor de negócios”, o facto de os dois referidos arguidos terem concluído o contrato de folhas 1546 (de onde resultaria a obrigação da E... de Vila Real de Santo António ter que pagar € 1 000,00 ao arguido JP por cada contrato-promessa concluído), tendo em conta que foi o arguido JP que ficou com o dinheiro que os demandantes lhe entregaram (sendo certo que de nenhum meio de prova resulta que o arguido AC ficou com parte de tal dinheiro) e considerando que a E... de Vila Real de Santo António era já mediadora do empreendimento da F (podendo, pois, legitimamente promover a venda de imóveis daquela empresa, auferindo a respectiva retribuição) funda no julgador a dúvida quanto à eventual boa fé deste último arguido (que, de resto, afirmou em julgamento, que este procedimento foi aconselhado pelo arguido JP, pessoa em quem confiava). Por essa razão, o Tribunal julgou não provados os factos relativos á intenção do arguido AC querer induzir os demandantes em erro, levando-os a praticar actos que lhes causaram prejuízo patrimonial com intenção de (por si ou em execução de plano que traçou com o arguido JP) obter, para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo.

O mesmo raciocínio não se pode fazer relativamente ao arguido JP.

Em face do que consta do teor do documento que constitui folhas 1546 e seguintes, é evidente que o mesmo tinha o intuito de obter lucros com a celebração de contratos-promessa de compra e venda actuando como gestor de negócios da BS. Isso mesmo resulta da cláusula quarta de tal contrato (o arguido JP receberia da G....- Mediação Imobiliária, Lda. € 1 000,00 por cada contrato-promessa que venha a ser realizado).

Mas, mais do que isso. Do contrato consta que a G... - Mediação Imobiliária, Lda. ficaria na posse dos montantes recebidos (cláusula primeira). Mas, na verdade, quem ficou com todos os montantes foi o próprio arguido JP. Significa, pois, que este arguido tinha interesse na realização do contrato-promessa que veio a ser concluído com os demandantes JS e AS (e, porventura, na realização de outros contratos-promessa).

Acresce que o contrato em causa (tal como o contrato-promessa celebrado por JS e AS relativo ao apartamento da Costa Esuri) contém termos técnicos específicos do direito que pode confundir as pessoas que não estão familiarizadas com tal linguagem.

Desde logo, a utilização da expressão “gestor de negócios” é susceptível de induzir em erro outras pessoas, que podem entender que estão a lidar com alguém a quem foi legitimamente cometido o poder de gerir negócios de outra pessoa. Anote-se que nem mesmo PM(que foi director da agência de Lagos da E... e que, posteriormente, passou a desempenhar funções de consultor de operações da E... de Portugal, sendo, pois, uma pessoa habituada a lidar com contratos-promessa de compra e venda, advogados e empresas) sabia o que significava a expressão gestor de negócios (admitindo que se trata de pessoa que está autorizada a praticar os actos que, nessa qualidade, pratica). Também JA, empregado da G.... - Mediação Imobiliária Lda., onde desempenhou actividade de comercial, referiu que, no seu entender, o gestor de negócios deve ter poderes por procuração, para praticar o acto. Mas admitiu que nunca fez ou viu qualquer contrato em que uma das partes actuasse sob aquele título.

Poder-se-ia dizer que a inclusão no contrato-promessa da expressão “O presente contrato será ratificado pelos representantes legais da Primeira Outorgante, tendo até essa data efeitos obrigacionais;” (alínea d) dos considerandos do contrato que constitui folhas 57 dos autos) visa vincar a ideia de que a pessoa que, em nome da “Primeira Outorgante”, surge a assinar o contrato está a actuar como gestor de negócios, isto é, como alguém que, sem autorização da dita primeira outorgante, está a actuar no interesse e por conta do dono do negócio. Mas tal ideia não é correcta. Por um lado, fica por explicar porque razão se refere que, até á ratificação do negócio, o contrato tem “efeitos obrigacionais”. Tratando-se de contrato-promessa ou, no caso do contrato de folhas 1546, de contrato de prestação de serviços, nenhum deles tem a capacidade de gerar outro tipo de efeitos que não obrigacionais. Questão diversa seria se, em virtude da gestão, as partes assumissem que o contrato, até ser ratificado, não produz, entre elas, efeitos obrigacionais, actuando a cláusula em causa como um termo suspensivo dos efeitos do negócio. Aliás, afirmar que o contrato será ratificado pode induzir também em erro, pois, o dono do negócio é que tomará a decisão de ratificar ou não a gestão.

Note-se que os contratos (e os recibos) não eram feitos por JP na qualidade de gestor de negócios da sociedade BS. Deles consta que a “BS (…) aqui representada pelo gestor de negócios em Portugal, o Exmº Sr. Dr. JP, advogado. Ora, já se viu que o gestor de negócios não tem quaisquer poderes de representação. Afirmar que resulta claro do texto do contrato que este arguido não se fazia passar por representante da sociedade BS só porque invocou expressamente a qualidade de gestor de negócios é esquecer claramente que também são invocados poderes de representação.

Não deixa, ainda no que se refere ao contrato-promessa a que nos vimos referindo, de se anotar que nele se afirma que a BS é “legítima proprietária de uma fracção autónoma em fase de construção, que se situará no empreendimento” referido em tal contrato. Porém, no contrato que o arguido JP concluiu com a G... - Mediação Imobiliária, Lda. reconhece-se que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado entre a G...- Mediação Imobiliária, Lda. e a United Buildings. Para legitimar a actuação como gestor de negócios da BS, fez-se, de seguida, constar que a United Buildings é integrada por outras empresas, como seja aBS,, S.L., que é a responsável pelo projecto.

É evidente que o arguido JP sabia que não podia representar a BS, promovendo a venda de apartamentos a construir por esta sociedade na Costa Esuri. Por um lado não era ela a dona do projecto (o que aquele arguido não podia deixar de saber dado que sabia que o contrato de mediação que “tinha sido concluído” era com outra sociedade). Por outro lado não tinha mandato ou indicações para receber quantias em dinheiro nem por parte da BS nem por parte de qualquer outra entidade (designadamente a United Buildings). Por fim, não tinha qualquer razão para, uma vez recebidas as quantias em causa, não as entregar imediatamente ao promitente-vendedor (fosse ele quem fosse) e ao Fisco do Reino de Espanha.

Anote-se que não consta que o arguido JP, em algum momento, deu a conhecer ao dono do negócio (fosse ele qual fosse) que assumiu a gestão ou que tivesse prestado contas. Dos depoimentos de S. Edimburg e J. Toran (depoimentos contraditórios entre si em grande parte, mas absolutamente concordantes neste aspecto) resulta que a nenhum deles nem a qualquer outra pessoa foi dada a conhecer a intenção de aquele arguido vir a assumir a gestão ou de que já o tivesse feito.

Tendo presentes os meios de prova acima referidos e considerando que o arguido JP é que recebeu todas as quantias que os demandantes JS e AS pagaram e emitiu os recibos de quitação e tendo presente que se trata de advogado líder de uma sociedade de advogados (tal como resulta da matrícula da sociedade e dos depoimentos prestados por vários advogados que trabalharam para tal sociedade e a que mais adiante nos referiremos) e consultor de uma agência imobiliária, impõe-se concluir que tal arguido actuou com o fito de obter quantias em dinheiro que não lhe eram devidas, induzindo JS e AS em erro (quanto aos poderes que tinha para, em representação da BS, assinar contratos-promessa, receber dinheiro, dar quitação e mesmo quanto á legitimidade substantiva daquela sociedade para celebrar o negócio em causa).

Especificamente, quanto aos contactos telefónicos estabelecidos entre os demandantes e os arguidos, o que lhes era comunicado e respondido, o decidido funda-se essencialmente nas declarações dos próprios demandantes. Tal como se referiu, não se detectaram contradições relevantes nas suas declarações, as quais, na sua maior parte, estavam suportadas documentalmente e não foram contrariadas por outros meios de prova.

É certo que se demonstrou que, em data não apurada, os arguidos JP e AC deslocaram-se a Marbella, Reino de Espanha, onde se reuniram com R. Edimburg, que é arquitecto e que, também em data não apurada, aquele R. Edimburg entregou aos arguidos AC e JP material promocional do projecto da United Buildings para a Costa Esury, Ayamonte, Reino de Espanha, do qual constava brochuras, flyers e um livro de capa dura com elementos informativos do empreendimento (desde vistas aéreas do terreno, mapas de localização, listas de apartamentos por bloco, com áreas, preços, condições de pagamento, características de construção de cada apartamento e respectiva divisão, plantas interiores), etc.

Mas, daqui não se segue que os dois arguidos ficaram convencidos de que poderiam comercializar (designadamente, nos termos em que o fizeram com os demandantes JS e AS e por intermédio do já analisado contrato celebrado entre a G... - Mediação Imobiliária, Lda. e o arguido JP). E, isto, por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque não consta que tenha sido celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária entre a G..... - Mediação Imobiliária, Lda. (ou o seu gerente ou o arguido JP) e a BS. Em segundo lugar, porque (tal como resulta do que acima já se deixou referido), a dona do empreendimento era a United Buildings e não a BS (facto de que os arguidos tinham conhecimento, pois fizeram constar tal facto do contrato concluído entre a GH - Mediação Imobiliária, Lda. e o arguido JP.

A prova produzida impõe que se considere que no empreendimento Costa Esuri da United Buildings já houvesse um plano dos preços a praticar e modalidades de pagamento. Tal foi referido pelo arguido AC e pela testemunha C. Perez. Mas o gerente da United Buildings referiu, no depoimento que prestou, que chegou a haver “vendas sob projecto” ou contratos-promessa de compra e venda de fracções a construir por aquela sociedade no empreendimento em causa. Admite-se ainda que os arguidos AC e JP tivessem sido informados desses preços). Mas daqui não se segue que os mesmos tivessem sido autorizados a promover a venda dos apartamentos a construir pela United Buildings (ou pela BS) nem que o arguido JP tivesse sido autorizado a actuar como gestor de negócios da BS.

Por um lado, nem o arguido AC nem de nenhum outro meio de prova resulta a explicação minimamente credível ou razoável para o facto de o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção a construir no empreendimento Costa Esuri ter alguma relação com a BS. Esboço de tal explicação pode encontrar-se nas declarações do arguido AC, segundo a qual a BS seria (de acordo com o que lhe foi dito por responsáveis desta empresa nas reuniões que teve com elas e em que o arguido JP estava presente) a sociedade encarregada da parte comercial do empreendimento e o arguido JP iria representar aquela empresa em Portugal. Sem explicações adicionais, esta tese não tem qualquer sentido: por um lado, uma empresa (a United Buildings) iria fazer o investimento. Mas, o recebimento dos adiantamentos por conta do preço das fracções prometidas vender caberia a sociedade diversa. Ora, sabidamente, aqueles adiantamentos constituem uma fonte de financiamento da própria construção. Menos sentido tem a tese, segundo a qual, o arguido JP iria representar a BS em Portugal.

Por um lado, para que tal tese tivesse algum merecimento era necessário demonstrar que a BS iria assumir a parte comercial do empreendimento a levar a cabo pela United Buildings (o que, como se viu, não tem sentido). Por outro lado, ficaria por explicar porque razão o arguido AC estava a preparar um contrato de mediação imobiliária com a United Buildings. Se esta é que se iria vincular perante a G....- Mediação Imobiliária, Lda. mediante o contrato de mediação imobiliária, tal significa – só pode significar – que a BS, pelo menos em Portugal, não iria desempenhar o papel (de responsável comercial do projecto) que o arguido AC lhe quis dar.

Um outro esboço explicação da participação da BS no negócio é o facto de o seu nome estar referido no contrato celebrado entre a G...- Mediação Imobiliária, Lda. e o arguido JP a que já se fez referência. Sucede que a referência que ali é feita áBS em nada ajuda a explicar a sua intervenção na questão da construção e comercialização do empreendimento da United Buildings. Analisado o referido contrato, dele consta que a United Buildings é dona de parte do empreendimento e que esta celebrou com a G...- Mediação Imobiliária, Lda. um contrato de mediação imobiliária. Logo de seguida refere-se que esta sociedade integra um Grupo do qual também faz parte a BS. Tal Grupo pode referir-se a um grupo de empresas que, em conjunto e de modo articulado, contribuem para a realização de um determinado projecto. Pode também referir-se a uma relação de grupo estabelecida entre várias sociedades. Seja de que modo for, a mera circunstância de duas sociedades (e/ou empresas) terem uma relação de grupo, nada permite concluir que os direitos e obrigações de uma se transmitem a outras. E, contra, não se diga que se fez constar do falado contrato que a BS seria a responsável pelo projecto. Projecto de quê: de arquitectura? De construção? De coordenação de obra? De comercialização e exploração do empreendimento? A expressão é, para os efeitos em exame, absolutamente lacónica.

Aqui chegados, importa recordar que, com a celebração do contrato-promessa concluído entre o arguido JP e os demandantes JS e AS apenas aquele lucrou (e sempre lucraria). O arguido AC sempre poderia promover a venda de fracções autónomas a construir no empreendimento da F. Os agentes comerciais da G... - Mediação Imobiliária, Lda. (e bem assim o arguido AC) tanto ganhavam com a promoção da venda de fracções da F como da BS.

Inevitável é, pois, concluir que o arguido JP actuou do modo descrito na matéria de facto julgada provada com intenção de obter para si próprio vantagem patrimonial, induzindo, para tanto, JS e AS em erro, bem sabendo que, desse modo, causaria nestes prejuízo patrimonial.

Quanto aos factos não provados relativamente ao caso dos demandantes JS e AS, o decidido funda-se ou nos meios de prova atrás analisados, de onde resulta que os mesmos não ocorreram (ou não ocorreram no contexto em que foram alegados) ou da circunstância de nenhum meio de prova se ter produzido sobre os mesmos.

Acrescenta-se apenas que do documento que constitui folhas 2782 não resulta que E.Daysi fosse, na altura, o único administrador da United Buildings nem da BS. O documento em causa não tem data de emissão, referência completa ao registo da sociedade (nem mesmo dada da inscrição a que o facto em causa se refere, nem sequer está certificada a origem do documento, nem o fim a que o mesmo se destina, nem o facto jurídico que lhe está na origem. Como tal, não tem aquele documento valor probatório. Por outro lado, o facto foi contrariado por prova testemunhal (designadamente por J. Toran).

No que tange ás negociações entabuladas para compensar os demandantes dos prejuízos que sofreram com a não realização do negócio impunha-se julgar os factos alegados não provados (com excepção de um facto referente á existência de tais negociações).

Embora não constitua objecto do presente processo, a prova foi clara no sentido de demonstrar que JS e AS também quiseram adquirir uma outra fracção autónoma a construir (situada no Lazareto, Vila Real de Santo António). Resultou da mesma prova que tal aquisição não se chegou a concretizar apesar de os demandantes terem feito pagamentos a título de sinal. Ora, as negociações entre os arguidos AC, JP e os demandantes não tiveram exclusivamente por objectivo a compensação dos prejuízos por estes sofridos com o naufrágio do negócio de Ayamonte, mas também do Lazareto. Em que medida um e outro negócio influenciaram as negociações não foi possível apurar. Como tal, apenas se demonstra que houve as negociações a que alude a matéria de facto julgada provada, não se podendo julgar o mais que foi alegado a este propósito.

A prova produzida (e acima analisada) impede que se considere que o arguido JP tenha visto todos os elementos documentais para actuar como actuou e que ficou convencido de que assim poderia actuar em face do que foi falado nas reuniões que teve e na documentação que lhe foi entregue (ou foi entregue ao arguido AC). Tanto assim, que o arguido JP actuou invocando a qualidade de gestor de negócios e não consta que tenha entregue um cêntimo ao promitente-vendedor ou à competente entidade fiscal espanhola. Por outro lado, sabia que a United Buildings era a dona dos terrenos e actuou como gestor de negócios de outra sociedade (apenas por esta pertencer ao mesmo Grupo daquela).

No que se refere ao caso da chamada casa A... e dos assistentes H e S existe nos autos numerosa prova documental de vários dos factos julgados provados. Assim, juntos aos autos estão, entre outros (a que mais adiante se fará alusão), os seguintes documentos:

- folhas 158: cópia de certidão da Conservatória do Registo Predial de Castro Marim da descrição e de todas as inscrições em vigor relativa à casa A.., de onde resulta que a aquisição da mesma estava inscrita a favor da sociedade U... - Empreendimentos Imobiliários S.A.. A folhas 224 consta uma outra cópia da mesma certidão predial cujo conteúdo, porém, não é totalmente equivalente. Outra cópia está junta a folhas 1572 e seguintes. Certidão da mesma ficha está ainda a folhas 2055 e seguintes do processo;

- folhas 169: cópia da procuração outorgada pelos assistentes H e S a favor do arguido JP, outorgada no Cartório Notarial de Vila Real de Santo António no dia 11 de Maio de 2005, com o respectivo termo notarial de autenticação;

- folhas 170 e seguintes, 191, 195 e seguintes, 224: impressão de diversas mensagens trocadas por via electrónica entre os assistentes e arguidos. De tais impressões se retira a conta de correio electrónico a partir da qual foram enviadas e para onde foram remetidas, o dia em que tal ocorreu, se a mensagem electrónica constitui resposta a outra, para além do respectivo teor [apesar de não haver tradução de algumas dessas mensagens electrónicas, não deixam elas de poder ser valoradas pelo Tribunal tendo em conta que, diversamente do que consta do Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal não se exige que os documentos estejam escritos em português (artigo 166º). De resto, os documentos foram analisados e discutidos no decurso da audiência de discussão e julgamento, tendo todos os sujeitos processuais formulado perguntas sobre os mesmos, não se vislumbrando qualquer necessidade da sua tradução];

- folhas 182: comprovativo da transferência de conta de depósito de que os assistentes são titulares;

- folhas 184: cópia do extracto bancário do Banco Credit Agricole Montpon France referente ao pagamento do cheque no valor de € 14 500,00 (de onde se retira, entre o mais, a data e número de cheque a que se refere a operação bancária em causa);

- folhas 187: cópia do cheque emitido á ordem da U... - Empreendimentos Imobiliários S.A., no valor de € 92 505,80, de onde se extrai também o número do cheque em causa;

- folhas 189: cópia de extracto de conta da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Algarvio referente ao valor de € 2 300,00 (de onde se retira conta creditada de tal valor);

- folhas 199: cópia do fax emitido no dia 30 de Agosto de 2005;

- folhas 216 e 217: impressão de anexo de email contendo um contrato-promessa datado de 7 de Junho de 2005;

- folhas 242: cópia de contrato-promessa contendo assinaturas atribuídas aos legais representantes da U...- Empreendimentos Imobiliários Lda. e assinaturas dos assistentes H e S;

- folhas 229: cópia do cheque de 29 de Setembro de 2005;

- folhas 755 e seguintes: que consiste na certidão (emitida em 11 de Junho de 2008 pela Conservatória do Registo Comercial de Sintra) da matrícula e de todas as inscrições em vigor da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A, de onde se extrai a identificação dos gerentes e o objecto social de tal sociedade;

Por outro lado, os assistentes H e S nas declarações que prestaram, confirmaram a generalidade dos factos que o Tribunal julgou provados. As suas declarações foram claras, precisas, isentas de contradições. Por seu lado, a versão dos factos surge corroborada por outros elementos de prova, tendo, por essa razão, merecido credibilidade. Anota-se que, relativamente a datas dos factos, montantes e a outros detalhes, H e S socorreram-se de notas que tinham coligido num dossiê.

Assim, H declarou que ele e esposa andavam á procura de casa para comprar no Algarve. Para o efeito contactaram a E... de Vila Real de Santo António. Um comercial daquela agência (de nome Paulo) mostrou várias casas. Para mostrar a casa A...deslocou-se ao local o arguido AC (já que o falado comercial não dispunha da chave). Após visitarem a casa e por lhes ter agradado, disseram que queriam negociar a compra da mesma. Todavia, porque, na altura, residiam no Dubai (Emirados árabes Unidos), disseram ao arguido AC que necessitavam de um advogado para os representar em Portugal nas negociações. Foi aquele arguido que sugeriu o advogado JP (não sugerindo outro), tendo, no mesmo dia, outorgado procuração no Cartório Notarial de Vila Real de Santo António (H referiu que a procuração foi feita no rés-do-chão do edifício deste Tribunal onde se situava, na altura, o cartório notarial).

Poucos dias depois, os assistentes regressaram para o Dubai. A partir dessa altura, as comunicações estabelecidas entre eles e os arguidos AC e JP eram feitas essencialmente por correio electrónico. Confirmou as comunicações electrónicas estabelecidas de e para o endereço h...@hotmail.com. Foi por via dessas comunicações que deram a conhecer ao arguido AC que decidiram adquirir a casa por € 185 000,00, desde que fossem feitas reparações de alguns defeitos que viram na casa (defeitos que estão referidos na matéria de facto julgada provada).

H foi peremptório ao afirmar que, desde sempre, ficou assente que a escritura não poderia ser feita antes de Setembro, pois até lá não disporiam de fundos para proceder ao pagamento do preço acordado.

Confirmou todos os pagamentos referidos na matéria de facto julgada provada.

Esclareceu que na reunião de 29 de Setembro estiveram presentes, para além dos assistentes, os arguidos AC e JP. O contrato-promessa que em tal reunião assinaram já continha as assinaturas dos responsáveis da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.. Quando saiu da reunião estava convencido que nada mais teria que tratar relativamente á casa e que já era dono da mesma (fiz tudo o que me disseram para fazer, paguei tudo o que me disseram para pagar). Por essa razão, obtiveram a chave da casa, onde colocaram coisas (móveis) suas que adquiriram para a casa (que indicou por género e que se vieram a estragar na sequência da derrocada do telhado e da chuva). Começaram a diligenciar por transportar, a partir do Reino Unido, mobílias para a casa (mobílias que já lhes pertenciam), tendo contratado empresa para garantir o transporte e armazenamento das mesmas enquanto não pudessem ser colocadas na casa (em virtude de esta ainda necessitar de obras). Tais mobílias acabaram por ter que ser levadas para uma casa dos assistentes em França já que as obras não terminavam e, por fim, ocorreu a derrocada de grande parte do telhado.

Relativamente ao arguido PM, referiu tê-lo visto apenas uma vez em Castro Marim quando ali se deslocou por problemas relacionados com a casa (designadamente, na sequência de o telhado da casa ter ruído). No mais, apenas comunicou com aquele arguido por correio electrónico e por telefone. Estes contactos deviam-se ao facto de não ser possível contactar com o arguido JP e porque os assistentes receberam mensagens electrónicas a partir do endereço electrónico de PM que se apresentou como colega do JP. O arguido PM, naquelas comunicações, mostrava estar a par do negócio.

Esclareceu ainda H que pretendiam fazer da casa de Castro Marim uma casa de férias e, na reforma de ambos assistentes, nela morar ou passar temporadas.

Confirmou que pagou as contas do fornecimento de electricidade e água referidas na matéria de facto julgada provada (apesar de não ter autorizado ninguém a celebrar os respectivos contratos de fornecimento nem o pagamento através de entidade bancária). Pagou também o seguro da casa que pensava ser sua.

Para tratar de assuntos relacionados com a casa ou para estarem presentes em diligências ordenadas nas fases preliminares do processo deslocaram-se a Portugal (a partir do Dubai) nos meses de Setembro de 2005, Janeiro, Março e Julho de 2006 e Janeiro de 2011. A assistente veio sempre com H excepto no mês de Janeiro de 2006.

Esclareceu ainda o modo como tomou conhecimento de que a casa a final não tinha sido adquirida pelos assistentes e como se sentiu na sequência de tal facto.

A assistente S no essencial, apresentou uma versão dos factos semelhante á que foi apresentada por H, tendo-se socorrido das mesmas anotações e demonstrando lembrar-se bem dos factos.

Sobre o mesmo caso prestaram depoimento várias testemunhas. Assim, VA (actualmente técnico de telecomunicações, mas que, em 2004 e 2005 trabalhava na construção civil) confirmou que o arguido AC o contratou para fazer trabalhos numa casa de Castro Marim. Foi o único trabalho que fez naquela localidade (não havendo, pois, o risco de a testemunha se estar a referir a outro caso). Consistia tal trabalho na reparação do telhado e de outros danos que a casa apresentava. Para tanto, apresentou um orçamento àquele arguido. Ainda começou a desenvolver o trabalho que foi contratado (levantando uma parte do telhado, substituindo os troncos de madeira, abatendo 5 árvores do jardim e pouco mais). Não fez mais coisas porque o arguido AC apenas lhe entregou cerca de € 2 500,00. O mesmo arguido dizia que iriam mandar mais dinheiro, mas o certo é que à testemunha não foi entregue qualquer outra quantia. Por tal razão, não desenvolveu na casa qualquer outro trabalho. Este depoimento, na medida em que não foi contrariado por nenhum outro meio de prova, impede que se julguem provados os factos alegados pelo arguido JP segundo os quais aquele VA só não recebeu mais dinheiro porque não cumpriu com a sua obrigação.

JA, que na altura era funcionário da G...-Mediação Imobiliária, Lda. (onde desempenhava funções de comercial), confirmou ter mostrado várias casas aos assistentes. Uma dessas casas foi a chamada Casa A..., em Castro Marim (tendo sido o arguido AC quem ali levou a chave a fim de a casa poder ser mostrada aos assistentes, já que JA não tinha, na altura, a chave daquela casa). Referiu-lhes o preço e H e S ficaram de pensar. No mais, declarou a testemunha acima identificada que chegou a receber a comissão pela venda desta casa.

João P e CS são sócios e gerentes da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. Declararam que a Casa A... estava para venda.

De acordo com o depoimento de João P (a que de seguida nos referiremos) o arguido JP, tendo tomado conhecimento de que a U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. queria vender a casa, perguntou a João P. se poderia também tentar vendê-la, no que aquele consentiu. Mais tarde, aquele João P. recebeu uma carta de um Tribunal de onde resultava que um estrangeiro tinha posto uma acção por ter comprado a casa e a casa não lhe foi entregue. Na altura, falou com o arguido JP e o mesmo disse para não se preocupar, pois o negócio em causa não se tinha chegado a realizar. Porque confiava naquele arguido (advogado da U... - Empreendimentos Imobiliários S.A, há vários anos), nada fez. Algum tempo depois recebeu um cheque de uma pessoa estrangeira no valor aproximado de € 100 000,00. Na altura, o arguido JP referiu que tinham que fazer umas obras no telhado e após fazia-se a escritura. O certo é que nada mais recebeu por conta desse negócio. Esclareceu que nunca indicou ao arguido JP qualquer prazo para a realização da escritura, muito embora lhe tivesse dito, a dada altura (e após ter recebido aquele cheque) para tratar de tudo o que era necessário para realizar a venda por estar a precisar do resto do dinheiro do preço. Mais tarde (em data que também não conseguiu precisar), o arguido PM (no único contacto que teve com este arguido relacionado com a venda da casa) disse a João P. que podia vender a casa a outras pessoas pois o negócio não ia para a frente. A U...- Empreendimentos Imobiliários S.A, acabou por vender a casa a outras pessoas.

Foi peremptório ao afirmar que o único cheque que recebeu era de um banco estrangeiro e que o número de conta que está no verso do cheque cuja cópia constitui folhas 187 é da U... - Empreendimentos Imobiliários S.A. Recebeu esse cheque como sinal e não como pagamento do remanescente do preço.

Relativamente ao documento que constitui folhas 242 e seguintes, afirmou que o carimbo usado pela U... - Empreendimentos Imobiliários S.A não é igual ao que consta do documento. Por outro lado, não reconheceu que a assinatura que lhe é atribuída e que consta de tal documento tivesse sido por si escrita (afirmou ter dúvidas quanto a tal facto). Referiu ainda não se recordar de ter assinado aquele documento.

Mais referiu a mesma testemunha que no escritório de advogados do arguido JP havia cópias do seu bilhete de identidade e bem assim do seu sócio.

Por seu turno, CS declarou que o seu sócio (a testemunha João P.) lhe disse que tinha colocado a casa de Castro Marim à venda e que o arguido JP é que estava a tratar disso. Afirmou não se lembrar de ter assinado qualquer contrato-promessa de compra e venda daquela casa (admitindo, porém, que se o sócio lhe tivesse dado o documento para assinar assinaria sem ver do que se tratava). A este propósito, as duas testemunhas (João P. e CS) explicaram que, não obstante serem sócios da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. (e de outras sociedades), o primeiro ocupa-se essencialmente do comércio de imóveis e de automóveis. O segundo ocupa-se principalmente da exploração de uma propriedade agrícola. Porque têm inteira confiança um no outro, não necessitam de reunir para decidir por à venda um dado imóvel nem para definir o preço e demais condições da venda. O que, a este nível, for decidido por João P. tem a inteira concordância de CS..

Perante o documento que constitui folhas 242 e seguintes afirmou peremptoriamente que a assinatura de CS dele constante não foi feita por si e que o carimbo que o mesmo documento exibe não é igual ao carimbo em uso na U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A..

MP, advogado, trabalhou para a J.... & Associados como “avençado”. Demonstrou saber que a sociedade tinha como sócios o arguido JP e o advogado JM. Mais tarde, em 2006, o arguido PM também se tornou sócio da mesma sociedade. Ainda assim, o arguido JP detinha quotas que representavam 90% do capital social. Era este arguido quem angariava a generalidade dos clientes e distribuía pelos advogados que trabalhavam no escritório as tarefas que deveriam desempenhar. Estes iam dando conta ao arguido JP do que faziam e este, por seu turno, comunicava aos clientes.

Foi ainda claro ao afirmar que apenas a partir de 2008 o arguido JP se começou a ausentar mais do escritório (indo para o Brasil). Até lá, passava muito tempo no escritório (de Lisboa ou de Vila Real de Santo António).

Do mesmo modo, a testemunha demonstrou lembrar-se bem que o arguido PM se ausentou do escritório na semana que antecedeu o seu casamento (que ocorreu no dia 3 de Setembro de 2007). Após o casamento, aquele arguido foi passar uns dias ao Brasil, de onde regressou no dia 27 de Setembro.

Porém, porque, por essa altura, faleceu um familiar da esposa, acabou por apenas regressar ao escritório no início de Outubro. Durante esse tempo esteve quase sempre incontactável (quer por parte de colegas de escritório quer por parte de clientes).

A mesma testemunha referiu ainda que o arguido JP este sempre presente no escritório no período de ausência do arguido PM (tal como estavam presentes os demais advogados que ali trabalhavam, que indicou especificadamente – tudo isto sem prejuízo de os advogados que permaneceram no escritório, incluindo o arguido JP, terem passado um ou outro dia sem ali terem comparecido).

Por fim, referiu que o arguido PM lhe pediu ajuda para diligenciar pela marcação da escritura de compra pelos assistentes H e S da casa de Castro Marim. Foi na sequência de tal que MP tomou várias diligências necessárias à marcação da escritura (pois na matriz e na descrição predial o nome da rua não coincidia, as áreas também não eram equivalentes, estava pendente no registo comercial um ónus ou encargo que foi preciso cancelar). Em Setembro de 2006 todos estes problemas estavam “regularizados” e podia-se marcar a escritura. Bastava, para tanto, que fosse pago o IMT, a restante parte do preço e combinar a disponibilidade de uma data.

Afirmou nunca ter visto os documentos de folhas 206 e 242 e seguintes. No mais, sobre as negociações com os H e S declarou nada saber a não ser o que lhe foi contado pelo arguido PM.

A testemunha RD, também advogado e que estagiou na J... & Associados (onde ficou a trabalhar após o estágio ter terminado), confirmou a generalidade dos factos relatados pela testemunha anterior excepto no que se refere às diligências tomadas no sentido de ser marcada a escritura de compra e venda (nas quais não teve qualquer participação). Relativamente ao caso da Casa A... e dos assistentes H e S declarou saber apenas que eram clientes do escritório e que pretendiam adquirir uma casa no Algarve.

No mais, declarou que no escritório, os advogados utilizavam os computadores uns dos outros (sendo que a utilização dos mesmos não requeria palavra-passe). Chegou, a pedido do arguido JP a enviar mensagens electrónicas a partir da conta de correio electrónico deste.

EB também depôs na audiência de discussão. EB é também advogada e trabalhou para a J... & Associados nos anos de 2003 e 2004, mas já conhecia o arguido JP desde os tempos em que ambos andavam na universidade. Confirmou que a generalidade dos clientes do escritório eram angariados por aquele arguido. Em concreto, os processos que foram distribuídos à referida testemunha foram-lhe entregues pelo arguido PM. Declarou não se recordar que o computador que utilizava no escritório estivesse protegidos por palavra-passe. O que ocorria com os demais computadores não sabe. Recorda-se de ter visto o arguido PM e uma outra advogada (que identificou) a mexerem no computador de JP.

A testemunha JM é advogado e foi sócio da J... & Associados. Todavia, nunca trabalhou naquela sociedade. A testemunha e o arguido JP estagiaram juntos e mantêm relação de amizade muito estreita. Esclareceu que foi “sócio de favor” do arguido JP. Na prática nada sabia (nem queria saber) acerca da actividade e organização daquele escritório. Quando lá ia era, essencialmente, para se encontrar com o seu amigo JP e para ir almoçar com ele. Demonstrou ainda recordar-se de ter assinado uma acta aquando da entrada para a sociedade do arguido PM. No mais, o seu depoimento foi abonatório, devendo, nessa parte, ser apreciado mais adiante.

O arguido AC também prestou declarações relativamente ao caso em exame.

Segundo tal arguido e muito sumariamente, a G...- Mediação Imobiliária, Lda. diligenciou pela venda da casa de Castro Marim a pedido do arguido JP (que era procurador da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.) mediante contrato de mediação imobiliária concluído com esta sociedade (e representada por aquele arguido como procurador dela).

Admitiu que, após ter sido mostrada aos assistentes H e S a referida casa (entre outras) estes mostram-se interessados em adquiri-la. Por mensagens electrónicas trocadas entre os assistentes e os arguidos JP e AC foi acordado o preço referido na matéria de facto julgada provada, a necessidade de haver um sinal e princípio de pagamento de 50% do preço, sendo certo que a vendedora teria que reparar infiltrações que foram detectadas na casa.

Confirmou terem os assistentes outorgado a procuração a favor de JP referida na matéria de facto julgada provada. A este propósito, o arguido AC confirmou que os assistentes lhe disseram que precisavam de um advogado para os representar nas negociações. Segundo o arguido, não sugeriu apenas o nome de JP, tendo sugerido dois ou três advogados de Vila Real de Santo António que falam inglês. Todavia, na audiência, nunca referiu o nome dos outros advogados que sugeriu. O arguido declarou ainda que pensa ter referido que o arguido JP também representava o vendedor. Mas, neste particular, o arguido não foi peremptório.

Confirmou ter recebido as quantias referidas na matéria de facto julgada provada (correspondentes a metade do preço acordado). Tal montante foi transferido (esclarecendo que o cheque do Crédit Agricole foi endossado ao JP e a ele remetido) para uma conta de depósito titulada pelo arguido JP (com excepção da quantia de € 6 000,00 (correspondente ao total da comissão da G... - Mediação Imobiliária, Lda. pela intermediação imobiliária).

Segundo o arguido AC, não se preocupou em ter na loja da G... - Mediação Imobiliária, Lda. cópia do contrato-promessa nem diligenciou pela marcação da escritura pois, quando o cliente é o vendedor e está representado por advogado, normalmente é este quem trata de todas as questões atinentes á celebração da escritura.

De qualquer modo, ficou o arguido convencido de que o contrato-promessa foi celebrado logo após o recebimento do pagamento de metade do preço (tal como acordado). De resto, o arguido JP representando as duas partes, poderia fazer o contrato-promessa sem intervenção de mais ninguém.

Referiu ainda, a este propósito, ter visto a “minuta” do contrato-promessa por a mesma lhe ter sido enviada pela Dr.ª J (advogada que trabalhava na J...& Associados.

Referiu ainda que, a dada altura, os assistentes lhe pediram para os acompanhar a uma reunião com o arguido JP no escritório de advocacia deste, em Lisboa. Aceitou e foi com os assistentes. Embora não tenha assistido à reunião, apercebeu-se que os assistentes entregaram ao arguido JP cheques (que exibiram no percurso entre Vila Real de Santo António e Lisboa) para pagamento do remanescente do preço, IMT, despesas de escritura e honorários de advogado e que, no final da reunião, todos os assuntos referentes á escritura de compra e venda estavam tratados, devendo esta ter lugar entre 8 e 10 dias a contar dessa reunião. Foi o que o arguido JP lhe disse em inglês na presença dos assistentes. Também o arguido AC ficou convencido que tudo estava tratado.

Confirmou o arguido que a casa em causa nos autos é a que está representada nas fotografias de folhas 1989 e seguintes.

Relativamente á intervenção do arguido PM importa ainda ter presente o depoimento de FD técnico informático. Relatou que, a pedido daquele arguido, verificou que o email de 6 de Setembro de 2006 (enviado para os assistentes e que não tem qualquer conteúdo, tendo apenas um ficheiro anexo denominado contrato-promessa) foi enviado a partir do computador do arguido PM. Tal comprova-se porque o email em questão estava “arquivado” no item “mensagens enviadas” do Outlook. Se a mensagem em causa (tal como outras, enviadas nos dias 29, 30 e 31 do mês de Agosto) tivesse sido enviada directamente a partir do servidor da Ordem dos Advogados (sem ser a partir do Outlook e do computador examinado pela testemunha) não estaria ali arquivada.

Fazendo uma análise crítica dos falados meios de prova e tendo em conta ainda os meios de prova documentais juntos aos autos, verifica-se que o arguido JP recebeu dos assistentes (por intermédio do arguido AC a quantia (com excepção de € 7 000, a que adiante nos referiremos) que estes remeteram a este último arguido por transferência bancária e cheque e que corresponde a metade do preço acordado para a compra da casa de Castro Marim.

Não há dúvida (e tal não foi posto em causa por nenhum sujeito processual) que os assistentes H e S fizeram a transferência e remeteram à G... - Mediação Imobiliária Lda. a quantia e o cheque referidos nos pontos nº 54 e 55 dos factos provados (sendo ainda certo que tal resulta dos documentos bancários supra referidos). Resulta também dos documentos que constituem folhas 2373 a 2375 que, no dia 24 de Junho de 2006 foi creditada na conta da G... - Mediação Imobiliária, Lda. a quantia a que se refere o ponto nº 54 dos factos provados (tendo sido efectuado o competente câmbio). No mesmo dia foi ordenada a transferência da quantia de € 71 000,00 para uma conta de depósito de que é titular a J... & Associados e emitida uma factura pela G... - Mediação Imobiliária Lda. (no montante de € 7 000,00) referente á comissão da intermediação da venda da casa de Castro Marim.

Por outro lado, o arguido AC referiu que endossou o cheque referido no ponto nº 55 dos factos provados e o entregou ao arguido JP. Tal endosso não está provado documentalmente nos autos. O certo é que dos elementos bancários constantes dos autos resulta que o cheque em causa foi pago (folhas 184), mas não foi depositado em qualquer conta da G... - Mediação Imobiliária, Lda. ou do arguido AC. Resulta ainda de uma mensagem electrónica de folhas 193 (emitida a partir da conta de correio electrónico do arguido JP e dirigida aos assistentes) que todas as quantias remetidas ao arguido AC foram recebidas pela J....& Associados. Daí que se tenha que considerar que também o cheque foi recebido pelo arguido JP, que ficou com o respectivo valor.

Resulta, pois, dos falados documentos que, dos montantes pagos pelos assistentes à G... - Mediação Imobiliária, Lda. (gerida pelo arguido AC) esta ficou apenas com € 7 000,00, que facturou por serviços prestados. No mesmo dia, transferiu/remeteu os demais montantes para a sociedade que era administrada pelo arguido JP.

Importa ainda ter presente que resulta do cheque a que se refere o ponto nº 25. dos factos provados (conjugado com o depoimento de João P. e o documento que constitui folhas 187) que o valor do mesmo foi pago á U...- Empreendimentos Imobiliários, S.A. Donde se impõe concluir que o arguido AC apenas se apropriou de quantias que lhe eram devidas pelo serviço prestado, nada mais tendo ganho com o negócio da casa de Castro Marim. Dos meios de prova resulta que, antes da data a que se refere aquele cheque, nada havia sido pago à sociedade U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.. Daí que, o arguido JP se tenha apropriado da restante quantia (com excepção dos falados € 7 000,00, correspondente á comissão da G... - Mediação Imobiliária Lda.).

O arguido João Paulo de Albuquerque Pinto de Abreu foi, pois, a pessoa que beneficiou da referida quantia sem que tivesse qualquer título para dela se apropriar.

É certo que resulta dos autos, designadamente dos documentos de folhas 1691 e 1673 e do depoimento essencialmente da testemunha MP, que a sociedade de advogados J... & Associados diligenciou por que a documentação referente á casa estivesse em ordem para celebrar a escritura pública. Mas daqui não se segue que o arguido JP tomou todas as diligências para que o negócio em causa tivesse bom termo.

Com efeito, os sócios da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A que depuseram na audiência (e a cujo depoimento já nos referimos), concretamente João P, referiu que a sociedade U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A apenas recebeu um pagamento. Tal pagamento foi feito por cheque. Tal cheque apenas poderia ter sido o cheque emitido pelo assistente no dia 29 de Setembro de 2005, pois no verso do mesmo consta o número de conta da referida sociedade. Assim sendo, como é, é inevitável concluir que o arguido JP recebeu as quantias a que acima se fez alusão (que foram transferidas para a sociedade J... & Associados pelo arguido AC) e disso não deu conhecimento à U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A (nem aos seus gerentes).

Por outro lado, a circunstância de estar inscrita na ficha do prédio da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A uma acção em que se pede a execução específica de um contrato-promessa indicia que já antes havia sido celebrado um contrato-promessa de compra e venda do referido prédio. Ora, João P. referiu ter recebido uma carta do Tribunal de onde resultava que um estrangeiro tinha posto uma acção por ter comprado a casa e a casa não lhe foi entregue. De acordo com o depoimento da mesma testemunha, o arguido JP estava a par do que se passava, pois referiu a João P que a falada carta do Tribunal estava relacionada com um negócio da venda da casa que não se chegou a concretizar. Ora, não consta que tal acção tenha sido intentada pelos ora assistentes (mas sim por outrem, tal como se colhe do registo da acção na ficha da Conservatória do Registo Predial de Castro Marim a que acima se fez alusão). Por outro lado, a mesma testemunha referiu que, pouco depois, recebeu um cheque de uma pessoa estrangeira no valor aproximado de € 100 000,00. Este cheque é o cheque emitido pelo assistente e que foi emitido no dia 29 de Setembro de 2005 (a que também já se fez alusão). Tendo em conta os falados meios de prova e considerando que João P, várias vezes ao longo do seu depoimento, referiu ter dito ao arguido JP para apressar o negócio da venda da casa, é evidente que este arguido tinha que diligenciar pela preparação da documentação da venda da casa. Esta, mais cedo ou mais tarde, teria que ser vendida. Mas não necessariamente aos assistentes. De resto, tendo o arguido JP ficado com o dinheiro que o arguido AC lhe enviou (por transferência bancária) em Junho de 2005, não poderia representar a U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A na venda da casa sem entregar a tal sociedade a quantia que anteriormente tinha recebido.

A tudo acresce o facto de o arguido, em 29 de Setembro, ter recebido já os honorários que entendeu cobrar pelo patrocínio, as despesas da escritura e o IMT. Todavia, nessa altura (nem posteriormente) diligenciou pelo registo provisório da aquisição. Ora, o registo provisório da aquisição impunha-se por elementar prudência, pois o preço já estava todo pago e não havia condições para celebrar o contrato definitivo, havendo, assim, a possibilidade de a casa poder ser vendida a terceiros sem quaisquer garantias registais para os promitentes-compradores).

Para além disso, para conseguir que os assistentes pagassem os restantes 50% do preço e demais despesas, teve o arguido JP que convencer os assistentes de que o negócio efectivamente se iria realizar. Para tanto, deu aos assistentes para assinar um contrato-promessa de onde constavam as assinaturas dos legais representantes da sociedade vendedora. Porém, não obstante tais assinaturas estarem reconhecidas pelo arguido PM, o certo é que as mesma(s) não foram feitas por João P. nem por CS. É o que resulta dos seus depoimentos (um afirma que a assinatura é parecida com a sua mas não afirma o facto. Ou outro nega peremptoriamente que a assinatura seja dele. Ambos afirmam que o carimbo constante do documento em causa não é igual ao carimbo em uso na U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. Nenhum deles afirma ter assinado um contrato-promessa). A conclusão que se impõe é a de que aquelas duas assinaturas não foram feitas pelas pessoas a quem são atribuídas. A pessoa que, inquestionavelmente, poderia beneficiar com tal falsificação é o arguido JP.

A certificação das assinaturas pelo arguido PM foi feita por semelhança. Ora, decorre do depoimento de João P. e CS e bem assim de MP que no escritório havia cópias dos bilhetes de identidade dos dois primeiros. Tendo em conta a circunstância (confirmada por todas as testemunhas que trabalhavam nos escritórios da J... & Associados) de o arguido JP ser a pessoa que mandava no escritório, fácil é concluir que aquela certificação poderia ter sido feita pelo arguido PM a pedido ou ordem do arguido JP, pedido ou ordem que aquele cumpriu tendo em conta a comparação que fez das cópias dos bilhetes de identidade dos sócios da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. que estavam arquivadas no escritório.

Porque tal era possível e porque não se vislumbra que outro interesse poderia ter o arguido PM (que, na altura, não era sequer sócio da J....& Associados) em certificar as assinaturas dos sócios e gerentes da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A., o Tribunal não pode deixar de julgar não provado (quanto mais não seja em homenagem ao princípio de que, em caso de dúvida, a decisão de facto do Tribunal deve beneficiar o arguido) que o arguido PM sabia que estava a reconhecer a autenticidade de assinaturas sabendo que as mesmas não tinham sido escritas pelos punhos das pessoas a quem eram atribuídas: João P. e CS.

No que ao arguido AC respeita, verifica-se que o mesmo apenas se apropriou de quantia que decidiu cobrar (ignora-se se em conformidade ou não com o acordo de mediação imobiliária que celebrou com o arguido JP em representação da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A.) a título de comissão pelos serviços prestados. Para além disso, nada mais beneficiou. Por outro lado, o acordo que tinha com a E...de Portugal ficou em risco. Nada permite afirmar que o mesmo estava a par das trocas de mensagens electrónicas havidas entre os assistentes e o escritório da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. Dai que, muito embora se tenham detectado contradições na versão dos factos apresentadas na audiência e naquelas que apresentou em sede de instrução, não se possa concluir que o mesmo tenha actuado em conjugação de esforços com os arguidos JP e PM (e muito menos em execução de acordo com eles estabelecido) para induzir os assistentes em erro de modo a entregarem quantias visando benefício económico do próprio arguido AC ou de terceiros.

Não se olvida que o arguido AC, além de apresentar a casa, exibindo-a aos assistentes, negociou com o arguido JP o respectivo preço final de acordo com as indicações de H e S (isto mesmo foi afirmado pelo arguido AC. Por outro lado, os sócios da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. disseram que sobre o assunto apenas falaram com o arguido JP e uma única vez com o arguido PM, que lhes disse que o negócio já não ia por diante) e contratou, a pedido dos assistentes, o VA. No mais, as trocas de correspondência electrónicas entre o arguido AC e os assistentes não permitem concluir que o mesmo estava a par de tudo o que se passava (designadamente, se a U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. tinha ou não recebido o sinal, se tinha ou não sido elaborado e concluído o contrato-promessa, etc.).

O mesmo se pode dizer relativamente ao arguido PM. A prova produzida não permite concluir que o mesmo quisesse induzir em erro os assistentes de modo a levá-los a fazer pagamentos indevidos com vista a obter o enriquecimento ilegítimo de terceiros (pois não resulta minimamente indiciado que o arguido PM algo tivesse beneficiado com os factos).

É certo que a troca de mensagens electrónicas com os assistentes de e a partir do endereço electrónico do arguido PM convida a tomar conclusão diversa. Todavia, se é certo que o teor de tais comunicações não é (por si só) decisivo (em face dos demais meios de prova), o certo é que não é possível concluir que as mensagens foram emitidas e recebidas pelo próprio arguido PM. De um lado, sabe-se que os emails recebidos e enviados o foram a partir do seu computador pessoal. Por outro lado (e neste particular a prova foi unívoca) sabe-se que tal arguido, desde uma semana antes do seu casamento até ao início do mês de Outubro esteve ausente do escritório e incontactável. O já falado princípio de direito processual penal impõe que, na dúvida, se decida a questão de facto do modo mais favorável ao arguido.

Tem-se também presente que o arguido PM teve intervenção activa na realização das diligências para regularização dos documentos necessários para a realização da escritura. Já se referiram vários documentos demonstrativos de diligências que aquele arguido tomou junto de entidades públicas várias (finanças, município etc.). Porém, resulta de tais documentos e essencialmente do depoimento de MP que a documentação estavam em ordem em Setembro de 2006, isto é, cerca de um ano após a reunião que os assistentes tiveram com o arguido JP no seu escritório (e que teve lugar no dia 29 de Setembro de 2005. Nada permite, pois, concluir, que o arguido PM estava a par de tudo quanto antes se havia passado.

Poder-se-á questionar se o mesmo princípio (in dubio pro reo) não vale para o arguido JP. A resposta é clara: o princípio vale para todos os arguidos. Não há, porém, razões para considerar que relativamente ao arguido JP se suscitem dúvidas quanto aos factos que praticou: nenhuma outra pessoa tinha interesse em enganar os assistentes (pois o arguido JP era o único beneficiário de tal engano); foi esse o arguido quem promoveu a venda do imóvel através da G... - Mediação Imobiliária, Lda.; era esse o arguido que representava a sociedade interessada na venda; passou, após, a representar também as pessoas interessadas na compra (não obstante ter omitido aos assistentes tal facto, como se comprova da mensagem electrónica a que se refere o facto provado 69., designadamente onde consta que o respectivo emissor “já tinha falado com o advogado do vendedor e tratou de prorrogar o prazo para a escritura pública”); foi ele o único a beneficiar economicamente com os factos; era ele a pessoa que dominava os assuntos do escritório da sociedade J....& Associados; foi ele quem teve contacto com os sócios da U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A..

Relativamente aos factos não provados, o decidido funda-se nos meios de prova acima referidos, de onde resulta que os mesmos não ocorreram ou na circunstância de nenhum meio de prova se ter produzido sobre os mesmos.

No particular atinente ao texto do contrato-promessa enviado por correio electrónico aos assistentes, anota-se que o Tribunal não considerou – em termos de facto – que o mesmo contenha quaisquer declarações. Tratando-se de documento escrito (ainda que possa não ter sido corporizado em papel), o certo é que o mesmo não contém quaisquer assinaturas. Como tal, não contém declarações, podendo, no máximo, conter factos.

Não se vislumbra o relevo probatório do documento que constitui folhas 1657, sendo certo que dele não se retira o facto que com ele se pretende demonstrar. Desde logo, o recibo em causa está datado de 2008 e está assinado por GP. Por outro lado, nele se refere que a U... - Empreendimentos Imobiliários, S.A. nada mais tem a receber dos promitentes-vendedores. Mas tal não pode significar que aquela sociedade considera paga a totalidade do preço (pois esse facto foi contrariado por João P. e pela circunstância de a casa ter sido vendida a terceiros e não aos assistentes). Também não pode significar que após o pagamento de parte do preço, as partes tenham acordado em resolver o negócio, ficando a promitente-vendedora com o montante relativo ao sinal. Em suma, do falado documento não se extrai qualquer facto relevante (que já não resulte da prova testemunhal), sendo certo que a data da sua emissão lhe retira qualquer efeito probatório.

Do mesmo modo, ao documento que constitui folhas 1559 dos autos não deve ser reconhecido relevo probatório. É certo que VA reconheceu a sua assinatura em tal documento, mas declarou não se recordar de o ter elaborado e assinado. Por outro lado, o seu depoimento contraria o que ali consta. Por fim, do documento em causa não resulta que foi apresentado um orçamento e que, por conta do mesmo, tenham sido recebidas as quantias dele constantes. É que, tendo em conta tal documento, o mesmo foi elaborado após a apresentação de qualquer eventual orçamento. Trata-se, claramente, de um documento elaborado para atestar factos anteriores ao próprio documento e não para demonstração de factos contemporâneos e obrigações com efeitos futuros.

Quanto às viagens que os assistentes fizeram, o seu propósito e valor (e bem assim o valor de outras despesas com alojamento e aluguer de veículo automóvel), o decidido funda-se essencialmente nas declarações dos próprios assistentes e nos documentos por eles juntos ao processo com o pedido de indemnização civil (respectiva ampliação e requerimento autónomo). Sucede que nem de todos aqueles documentos resulta o motivo da viagem (como é o caso da viagem a partir dos Emirados Árabes Unidos para França e regresso).

No que tange aos factos atinentes à vida pessoal, familiar e económica dos arguidos, o decidido funda-se nas declarações do arguido AC, no depoimento das testemunhas EB, JM e JL.

Relativamente ao arguido JP não foi ordenada a realização de relatório social uma vez que o mesmo reside no Brasil, não se dispondo a vir a Portugal (pois, de outro modo, teria vindo para o julgamento).

Por outro lado, resulta dos autos a situação insolvente da sociedade J... & Associados e do próprio arguido JP, não descortinando o Tribunal (nem tal lhe foi sugerido por nenhum sujeito processual) que outras diligências tomar no sentido de demonstrar outros factos relevantes quanto ao modo de vida pessoal, familiar e económico do arguido.

De nada valeria recolher informações junto dos serviços de finanças quanto ao património do arguido JP, já que o seu património (e o da sociedade) deixa de estar na sua disponibilidade e deve ser apreendido pelo respectivo liquidatário judicial».

III. Decidindo:

a) É nulo o acórdão recorrido por nele terem sido incluídos factos não constantes da pronúncia e que se traduzem em alteração substancial, sem o consentimento do arguido? O tribunal recorrido aditou, no acórdão sob censura, alguns factos novos, sem prévia comunicação, nos termos do artº 358º, nº 1 do CPP? E violou tal peça normas constitucionais, nomeadamente as relativas aos princípios do acusatório e do contraditório?

Na sessão de julgamento que teve lugar em 9/6/2011, o Mº Juiz Presidente proferiu para a acta o seguinte despacho:

«Produzidas as provas, o tribunal pode vir a conhecer dos seguintes factos:
I
1. Em data não apurada de 2004, JS e AS, decidiram realizar investimentos imobiliários e adquirir imóveis em Vila Real de Santo António e em Ayamonte, Reino de Espanha, sendo que neste último caso pretendiam adquirir imóveis (do empreendimento Costa Esuri) à empresa denominada F;

2. O arguido AC informou o mesmo casal que, em Ayamonte, Reino de Espanha, tinha apartamentos da F e da BS, aconselhando-o a adquirir a esta última empresa;

3. A fim de JS e AS tomarem conhecimento dos prédios que estavam para venda em Ayamonte, Reino de Espanha, o arguido AC prestou-lhes informações sobre o empreendimento denominado “Sea & Sun Costa Esuri” (que estava para ser construído), exibiu-lhes os projectos da BS, S.L. e propôs-lhes uma visita a Ayamonte, Reino de Espanha, para verem o local onde seria construída a casa cuja compra lhes estava a aconselhar, o que aqueles aceitaram;

4. O arguido JP não tinha celebrado qualquer contrato com a BS, S.L. que lhe conferisse poderes de representação da mesma ou quaisquer outros poderes para celebrar contratos-promessa ou receber quantias em dinheiro por conta da aquisição de prédios ou fracções autónomas, construídas ou a construir;

5. Os arguidos AC e JP sabiam que não podiam celebrar quaisquer contratos referentes aos prédios ou fracções da BS, S.L. nem receber quaisquer quantias em dinheiro referentes a tais prédios ou fracções;

6. Ao usar a expressão “gestor de negócios” quis o arguido JP convencer JS e AS que tinha poderes para prometer vender o apartamento e receber as quantias que recebeu visando disso convencer aqueles JS e AS e a levá-los a fazerem pagamentos por conta da aquisição, o que conseguiu;

7. Inicialmente, sempre que instado por JS e AS, o arguido AC dizia que tudo estava a correr bem;

8. Mais tarde, a partir do último pagamento referente à casa de Ayamonte efectuado por JS e AS, o arguido AC, contactado por aqueles, disse que o negócio era com o arguido JP e que estava a ficar preocupado;

9. JS e AS pediram ainda ao arguido JP que lhes desse as “garantias” de reembolso do dinheiro (garantias que o arguido JP disse que existiam);

II
10. H e S, acordaram comprar a “Casa de A...”, pelo preço de € 185 000,00 (neste preço se incluindo obras de restauro e outras que deveriam ser feitas por conta do vendedor);

11. Não se prova que as mensagens electrónicas enviadas (e recebidas) a partir da conta de email identificada na pronúncia como pertencente ao arguido PM tivessem sido por este arguido enviadas e recebidas;

12. Nessa reunião, o arguido JP apresentou aos assistentes H e S o documento cuja cópia constitui folhas 243 a 245, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, de onde consta que a sociedade sob a denominação U... – Empreendimentos Imobiliários, S.A. (na qualidade de dona e legítima proprietária do prédio urbano destinado à habitação, sito na rua..., em Castro Marim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim sob o nº ----, com o artigo matricial nº ---) promete vender o identificado prédio a H e S pelo preço de € 140 000,00;

13. O referido documento, que foi elaborado pelo arguido JP estava datado de 7 de Junho de 2005 e continha duas assinaturas no local destinado às assinaturas dos legais representantes da promitente-vendedor e, por baixo das mesmas, um carimbo da sociedade U... – Empreendimentos Imobiliários, S.A.;

14. As referidas assinaturas não foram apostas pelos sócios-gerentes da dita sociedade, João P e CS mas sim pelo arguido JP;

15. Este arguido procedeu do modo descrito para convencer H e S a entregar-lhe as quantias que nessa data lhe entregou.

Os factos supra descritos de 1. a 11. não implicam a condenação dos arguidos por crime diverso nem a sua sujeição a penalidade de limite máximo mais gravoso. Como tal configura uma alteração não substancial de factos.

Os factos supra descritos sob os números 12. a 15. configuram uma alteração substancial de factos na medida em que podem implicar a condenação do arguido JP pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256º, nº 1 e 3 do Código Penal».

Consta da mesma acta que foi dada, de seguida, a palavra a todos os intervenientes processuais, os quais declararam “nada terem a opor quanto às alterações não substanciais”, constando da mesma peça que a ilustre mandatária do arguido ora recorrente declarou “opor-se a que o Tribunal conheça dos factos que consubstanciam uma alteração substancial”.

Posto isto:

É efectivamente verdade que a matéria de facto referida nos pontos 12 a 14 do despacho transcrito, tida pelo Mº Juiz Presidente do tribunal colectivo como susceptível de configurar uma alteração substancial dos factos, se mostra igualmente vertida no factualismo tido como assente no acórdão recorrido (pontos 79 a 81).

Como é igualmente certo que o recorrente, através da sua il. mandatária, manifestou oposição ao conhecimento desses factos, por banda do Tribunal.

Estatui-se no artº 359º, nº 1 do CPP:

«1 – Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.

2 – A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.

3 – Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.

(…)»
Posto que, in casu, o arguido ora recorrente manifestou o seu desacordo quanto à continuação do julgamento pelos novos factos, o tribunal não poderia, nos termos do nº 1 do artº 359º do CPP, tomar em conta tal alteração substancial, para o efeito da condenação no processo em curso.

E fê-lo?

Parece-nos evidente que não (ao menos enquanto alteração substancial, isto é, para o efeito de condenação por crime diverso ou de agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis).

Os factos novos, note-se, poderiam implicar a condenação do recorrente pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º, nºs 1 e 3 do Cod. Penal (e por essa razão foi efectuada a comunicação, conforme da acta consta).

E, como é bom de ver e dispensa grandes considerações, o recorrente não foi condenado pela prática de qualquer crime de falsificação de documentos.

O arguido/recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de burla, com base em factos já constantes da pronúncia. Os factos aditados e tidos pelo tribunal recorrido como susceptíveis de integrarem uma alteração substancial dos descritos na pronúncia não justificaram a condenação do arguido por crime diverso, nem a agravação das sanções aplicáveis, relativas aos crimes de burla qualificada.

Proceda-se a este pequeno exercício de imaginação: se à matéria de facto assente subtrairmos a constante dos pontos 79 a 81, alguma consequência daí resultaria em termos de qualificação jurídica dos restantes factos apurados?

Parece-nos claro que não.

Portanto, os factos descritos nos pontos 12 a 14 do despacho de fls. 3324/3327, constantes da matéria de facto assente em 1ª instância sob os nºs 79 a 81, não foram considerados no acórdão final enquanto alteração substancial de factos, porquanto não implicaram a condenação do arguido/recorrente por crime diverso, ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, relativamente aos crimes por cuja autoria se mostrava já pronunciado.

Mas a verdade é que eles constam da matéria de facto.

E não são manifestamente inócuos (mal se compreenderia a sua inclusão no rol dos factos apurados se o douto colectivo entendesse que os mesmos nenhum relevo assumiam para a decisão da causa).

É certo que a factualidade já constante da pronúncia e que resultou provada em julgamento era suficiente em ordem a imputar a prática ao arguido de um crime de burla qualificada (relativamente aos ofendidos H e S.

Mas os factos aditados nos pontos 79 a 81 (rectius, os constantes dos pontos 12 a 14 do despacho proferido a fls. 3324/3327), não sendo considerados – como o não foram – para efeito de condenação por crime diverso ou de agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, foram seguramente atendidos na condenação do arguido pela prática do crime de burla qualificada que teve por ofendido o casal Slann. Até pela inserção sistemática desses factos no rol dos apurados se torna evidente o seu relevo para a decisão: foi na sequência da apresentação aos assistentes Slann do pretenso contrato-promessa com as assinaturas alegadamente forjadas pelo arguido/recorrente que os ofendidos procederam à entrega de mais dois cheques, um no montante de € 92.505,80, outro no montante de € 5.849,00.

Tratam-se, pois, de factos que embora não alterem substancialmente os constantes da pronúncia, têm relevo para a decisão da causa (arriscamo-nos, mesmo, a dizer que tiveram influência na determinação da medida concreta da pena aplicada, um ano de prisão superior à reservada ao crime de burla qualificada de que foram vítimas J e A ambos ...S).

Quer isto dizer que estamos perante uma alteração não substancial dos factos, com relevo para a decisão da causa, que não foram comunicados, nessa exacta vertente, ao arguido.

Dir-se-á: mas foram-no enquanto susceptíveis de se traduzirem em alteração substancial, de onde cumprida se mostra a formalidade.

Assim seriam as coisas, se tudo não passasse de cumprimento de puro formalismo.

Mas não é – não pode ser – assim.

Comunicados determinados factos enquanto susceptíveis de configurarem uma alteração substancial de factos (dessa forma anunciados no despacho que os comunicou), ao arguido basta-lhe, em sua defesa, afirmar que se opõe à continuação do julgamento pelos novos factos, para os mesmos não serem, nesse processo, atendidos.

Comunicados enquanto susceptíveis de configurarem uma alteração não substancial de factos, a sua oposição à continuação do julgamento é, de todo em todo, irrelevante. O arguido tem que, neste caso, desenvolver uma actividade acrescida, pronunciando-se sobre os factos, requerendo eventualmente prazo para preparar a sua defesa e, subsequentemente, apresentá-la em tribunal.

Ora, foi essa oportunidade de oferecer defesa quanto aos novos factos, requerendo eventualmente prazo para o fazer, que no caso em apreço foi negada ao arguido JP.

A inserção desses factos no rol dos apurados, posto que indiscutivelmente possuem relevo para a decisão da causa, constituiu – quanto a ele – uma inadmissível decisão surpresa e uma óbvia violação do seu direito a um processo leal e equitativo.

E, como nos parece evidente e dispensa grandes considerações, traduz-se em desrespeito ostensivo pelo princípio do contraditório, de consagração constitucional – artº 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

Posto que o acórdão recorrido condenou por factos diversos dos descritos na pronúncia, fora dos casos e das condições previstas no artº 358º do CPP, enferma o mesmo de nulidade – artº 379º, nº 1, al. b) do CPP – o que, a final, se declarará.

Afirma-se ainda na motivação de recurso que o tribunal recorrido aditou, no acórdão sob censura, factos que não constavam da pronúncia, sem prévia comunicação aos intervenientes processuais, em particular ao arguido/recorrente.

Vejamos:
Nos termos do artº 32º, nº 1 da CRP, “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”; e, nos termos do nº 5 do mesmo artigo, “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

A consagração constitucional da estrutura acusatória do nosso processo penal implica, como refere Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, I, 62, que pela acusação se define e fixa o objecto do processo. Dito de outra forma: é pelos factos constantes da acusação (ou da pronúncia, quando a houver) que o arguido irá ser julgado, garantia que lhe permite organizar a sua defesa, de forma atempada e eficaz.

Esta vinculação temática do julgador aos factos descritos na pronúncia é imposta sob pena de nulidade da própria sentença. Com efeito, dispõe-se no artº 379º, nº 1, al. b) do CPP que é nula a sentença que condenar por factos diversos da pronúncia, “fora dos casos e das condições previstos nos artºs 358º e 359º”.

Como sustenta Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1974, p. 145, “objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (…) e a extensão do caso julgado”.

Porém, como é sabido, a vinculação do tribunal quer aos factos descritos na acusação quer à respectiva qualificação jurídica não é absoluta. A alteração (substancial ou não substancial) dos factos ou da respectiva qualificação jurídica é possível desde que cumprido o formalismo enunciado nos artºs 358º e 359º do CPP.

O recorrente entende que os aditamentos introduzidos no acórdão sob censura à matéria de facto constante da pronúncia consubstanciam uma alteração não substancial e que, consequentemente, o tribunal colectivo não os poderia ter tomado em consideração sem prévia comunicação dos mesmos, nos termos do artº 358º, nº 1 do CPP.

Ora, nem toda a alteração (não substancial) dos factos descritos na pronúncia deve ser comunicada ao arguido.

De um lado, nos termos do estatuído no nº 2 do artº 358º do CPP, caso a alteração derive de factos alegados pela defesa, não há que proceder a qualquer comunicação.

De outro, como claramente decorre do nº 1 do artº 358º do CPP, aquela comunicação só é exigível quando se trate de alteração “com relevo para a decisão da causa”.

Relativamente à primeira excepção, compreende-se facilmente a razão da mesma.

Como bem refere o Digno Procurador da República na 1ª instância, o Tribunal Constitucional vem considerando que “decisivo para aferir da compatibilidade de uma determinada interpretação normativa dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal com a Constituição é, como se concluiu no Acórdão n.º 674/99, a questão de saber se essa interpretação normativa impede a possibilidade de uma defesa eficaz do arguido. Como então se afirmou, resumindo a anterior jurisprudência do Tribunal sobre a questão, “erige-se assim em critério orientador a defesa eficaz do arguido, permitindo que ele tome conhecimento das alterações de factos que sejam relevantes do ponto de vista daquela defesa [...]”» - Ac. TC nº 72/2005.

Ora, se o facto aditado é alegado pela defesa do arguido A, obviamente que a consideração do mesmo em sede de decisão final não o surpreende de modo algum e, por isso, em nada o pode ter prejudicado.

Mas assim também quando se trata de facto alegado na contestação [6] do seu co-arguido B: nesta situação, o arguido A teve conhecimento, com a junção aos autos da contestação do arguido B, do facto por ele alegado; a eventual consideração desse facto na sentença não constitui, para si, qualquer surpresa, porquanto, estando o mesmo alegado, sempre o tribunal sobre o mesmo teria que se pronunciar, dando-o como provado ou não provado (e se assim o não fizesse, a sentença enfermaria do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, enunciado no artº 410º, nº 2, al. a) do CPP). Aliás, não são raras as vezes em que a defesa de um arguido consiste, precisamente, no “empurrar” da responsabilidade pela prática dos factos delituosos para o seu co-arguido, obrigando este último a defender-se não só dos factos que lhe são imputados na acusação mas, também, na contestação de co-arguido hostil. A consideração, em sede de sentença, de factos assim alegados, em nada belisca os princípios constitucionais do acusatório e do contraditório, posto que ao arguido seja assegurada a efectiva possibilidade de contraditar os factos alegados pelo co-arguido.

De outro lado e quanto ao “relevo para a decisão da causa”:

Explica Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, I, 1981, p. 33, que o objecto do processo é “o facto na sua existência histórica, que importa averiguar no decurso do processo, e cuja verificação é pressuposto da aplicação da pena”.

Mas esse facto, esse acontecimento histórico, «não é o facto naturalístico isoladamente considerado, ou exclusivamente apreciado de um ponto de vista jurídico, ou um “dado” de uma questão de direito que coloca um problema jurídico. O acontecimento histórico é “um pedaço de vida” que se destaca da realidade e como tal, isto é, como pedaço da vida social, cultural e jurídica de um sujeito, se submete à apreciação judicial. (...) O facto processual, como acontecimento ou pedaço de vida, não corresponde, do ponto de vista ontológico, a um único facto, mas a uma pluralidade de factos singulares que se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores que permitem a sua compreensão, de um ponto de vista social, como um comportamento que encerre em si um conjunto tal de elementos que tornam possível identificá-lo e individualizá-lo como um autónomo pedaço de vida (…)» - Frederico Isasca, “Alteração substancial dos factos e sua relevância no processo penal português”, 93.

É esse facto, com essa exacta dimensão, que constitui objecto do processo. E é em função desse facto que se determina o (des)respeito pelo princípio da identidade. É que, como sublinha Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, 1967/1968 [7], «a identidade aqui considerada não deve entender-se em termos de uma identidade euclideana, de uma identidade-igualdade que se defina por uma coincidência ponto por ponto e em todos os pontos, ou como diz BELING, “não é determinável de um modo lógico-matemático”. (…) Não se trata, portanto, de (nem se poderá impor) uma identidade descritiva (que esqueça os momentos problemático e de investigação que aqui concorrem), mas apenas de uma identidade problemático-intencional, daquela identidade unicamente em que se pensa (e em que só é possível pensar) quando se diz que o objecto intencional de um problema posto e a da correspondente investigação, com a respectiva solução, é “o mesmo”».

Daí que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tenha vindo a pronunciar-se repetidamente pela não inconstitucionalidade de uma interpretação normativa dos artºs 358º e 359º do CPP no sentido de se não considerar como alteração de factos a consideração no acórdão de circunstâncias relativas «a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes, isto é, que se não apresentem “com relevo para a decisão da causa” (assim o tem entendido também o STJ, citando-se, entre outros, o Acórdão de 3 de Abril de 1991, BMJ 406º, 287, o Acórdão de 11 de Novembro de 1992, BMJ 421º, 309 e o Acórdão de 19 de Outubro de 1995, no processo nº 48271, www.dgsi.pt., nº convencional JSTJ00029484)» - Ac. TC nº 674/99.

No mesmo sentido vem apontando, igualmente, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores [8].

Presentes os parâmetros assim definidos, importa agora verificar se os aditamentos introduzidos pelo tribunal colectivo, não comunicados aos arguidos, se traduziram em alteração não substancial de factos e, sendo-o, se deviam ter sido objecto de comunicação.

No que concerne ao ponto 9 da matéria de facto:

Consta de tal ponto que o recorrente se apresentou a JS e AS como advogado e representante em Portugal da BS. Constava da pronúncia que havia sido apresentado, nessa qualidade, pelo co-arguido AC. Mas constava igualmente do pedido cível deduzido contra o recorrente por JS e AS (fls. 1237 e segs.) que, não obstante o arguido AC lhes ter apresentado o ora recorrente como advogado e representante da BS, SL – artº 12º - “o referido JP, também ele próprio, nas conversações mantidas, apresentou-se aos assistentes como sendo o representante em Portugal da empresa espanhola BS, SL, proprietária dos imóveis em Ayamonte – Espanha” – artº 13º. O facto que ora consta no ponto 9 da matéria assente não é, por isso, novo: foi alegado no pedido cível deduzido pelos referidos demandantes contra o arguido JP, o qual teve todas as oportunidades de, relativamente ao mesmo, exercer o competente contraditório.

Carece de qualquer relevo para a decisão da causa (no que concerne à verificação da factualidade típica ou à ocorrência de circunstância agravante) o facto contido no ponto 10 da matéria de facto. Dizia-se na pronúncia que os arguidos se deslocaram, com os ofendidos, a Ayamonte, sob proposta do arguido AC e a fim de estes “tomarem conhecimento dos prédios que estavam para venda” nessa localidade. Acrescentou-se (facto nº 3 dos comunicados aos arguidos na sessão de julgamento que teve lugar em 9/6/2011, aí considerado como constituindo alteração não substancial de factos) que a fim de J e A, ambos ...S, “tomarem conhecimento dos prédios que estavam para venda em Ayamonte, Reino de Espanha, o arguido AC prestou-lhes informações sobre o empreendimento denominado Sea & Sun Costa Esuri (que estava para ser construído), exibiu-lhes os projectos da BS, SL e propôs-lhes uma visita a Ayamonte, Reino de Espanha, para verem o local onde seria construída a casa cuja compra lhes estava a aconselhar, o que aqueles aceitaram”. Esclarece-se no acórdão (não mais do que isso) que aí os arguidos lhes mostraram o local onde iria ser construído o empreendimento de que a casa cuja compra propunham faria parte.

Os esclarecimentos temporais (no caso, sem qualquer relevo quer para a verificação do ilícito, quer para a ocorrência de qualquer circunstância agravante, quer para a determinação da pena) constantes dos pontos 11 e 12 são perfeitamente inócuos, como parece claro e dispensa outras considerações.

A expressão constante do ponto 36 da matéria de facto (relativa ao conhecimento que o recorrente tinha de que não possuía quaisquer poderes ou autorização da BS para, em seu nome ou no seu interesse, prometer vender bens ou receber quaisquer quantias) consta, contrariamente ao que afirma o recorrente, da pronúncia (com redacção algo diversa mas de sentido idêntico), mais propriamente no último parágrafo de fls. 2523 e no quinto parágrafo de fls. 2524, in fine.

A matéria constante do ponto 52, na parte relevante, constava igualmente da pronúncia, mais concretamente no terceiro parágrafo de fls. 2528 (não se refere aí a expressão 50% do imóvel; mas refere-se o pedido de pagamento da quantia de € 92.500,00, isto é, 50% do preço acordado - € 185.000,00). E no que respeita à cominação constante da parte final desse ponto 52 (“sob pena de o mesmo poder vir a ser vendido a outras pessoas”), trata-se de matéria devidamente alegada pelos demandantes cíveis (artº 22º do pedido cível de fls. 1256 e segs.), relativamente à qual o ora recorrente se pôde defender.

A matéria constante dos pontos 56 e 58 foi alegada pelo arguido AC na sua contestação (artº 36º), não constituindo assim qualquer surpresa para o recorrente a sua inclusão no rol dos factos apurados, sendo certo que quanto à mesma teve oportunidade de exercer o contraditório.

No que concerne à expressão aditada no ponto 59 da matéria de facto (relativamente à redacção constante da pronúncia - 3º parágrafo de fls. 2529), trata-se de matéria de todo em todo irrelevante para a decisão da causa. E o mesmo se diga relativamente à expressão aditada (respeitante ao momento em que deveria ser celebrada a escritura) e que consta do ponto 65 da matéria de facto. Em todo o caso, sempre se acrescentará que, no que respeita à expressão aditada no ponto 59 da matéria de facto, ela foi expressamente alegada no artº 30º do pedido cível deduzido pelos demandantes H e S, a fls. 1256 e segs.; no que respeita à expressão aditada no ponto 65 da matéria de facto, ela foi devidamente alegada nos artºs 35º e 36º do mesmo pedido cível, complementados pelo doc. de fls. 198/200 (doc. 18 junto com a participação criminal, dado como reproduzido no artº 35º do citado pedido cível).

Os factos constantes dos pontos 67, 68 e 69, foram devidamente alegados pelos demandantes cíveis H e S, nos artºs 38º, 40º e 41º, complementados com os documentos nºs 20 a 23 juntos com a participação criminal (referidos nesses artigos do pedido cível), que constam de fls. 203/214 dos autos. Também quanto a eles pôde o ora recorrente exercer, pois, o respectivo contraditório.

No que concerne à matéria aditada/alterada no ponto 71: É um facto que consta desse ponto que foi o arguido ora recorrente quem elaborou um texto que denominou de contrato-promessa de compra e venda, expressão que não constava da pronúncia. Mas desta constava – 2º parágrafo de fls. 2531, que dadas as insistências dos ofendidos, “os arguidos PM, AC e JP, de comum acordo e em conjugação de esforços, forjaram um contrato promessa de compra e venda (…)”. Ou – e dito de outra forma: da pronúncia constava já que o recorrente havia forjado (embora em conjunto com os restantes arguidos) o documento em causa. Nada de relevante se aditou, portanto, no ponto em questão. De onde, o ter-se dado como provado que foi ele, recorrente, quem afinal forjou o documento em questão não pode, por esse motivo, constituir para ele qualquer surpresa.

Quanto aos factos constantes dos pontos 74, 75 e 76 da matéria assente: estamos, mais uma vez, perante factualismo alegado pelos demandantes H e S no pedido cível de fls. 1256 e segs., nos artºs 47º (e doc. 26 junto com a participação criminal, a fls. 224/225 dos autos, aí referido), 48º (e doc. 27, junto com a participação criminal, a fls. 226/227 dos autos, aí referido) e 49º, respectivamente. De novo: a inclusão de tal matéria no factualismo assente não constituiu qualquer surpresa para o arguido ora recorrente que foi, inclusive, notificado para a contestar…

Idem no que concerne ao ponto 84 da matéria de facto: trata-se de factualismo alegado pelos mesmos demandantes, agora nos artºs 53º, in fine, e 54º do pedido cível.

No que diz respeito ao ponto 86 da matéria de facto, cumpre dizer que o facto em questão consta, na parte relevante, da pronúncia – último parágrafo de fls. 2532, nenhuma novidade (com relevo para a decisão da causa) assumindo a redacção que lhe foi dada pelo tribunal colectivo.

Propositadamente reservámos para o final a apreciação das situações que nos parecem mais nebulosas.

Apreciemo-las agora:

No que diz respeito ao facto contido no ponto 32 da matéria assente, o mesmo não consta, efectivamente, quer da pronúncia, quer dos pedidos cíveis. Surge na sequência do facto aditado sob o nº 31, comunicado na sessão de audiência que teve lugar em 9/6/2011 (ponto 9). Ora, se o douto colectivo entendeu que este último facto tinha relevo para a decisão da causa (e, por isso, comunicou tal aditamento, considerando que o mesmo se traduzia em alteração não substancial de factos), então e pela mesmíssima razão terá relevo para a decisão da causa o facto que aditou sob o nº 32 no acórdão recorrido e relativamente ao qual não procedeu à comunicação a que alude o artº 358º, nº 1 do CPP.

Quer dizer: não se pode sustentar que tem relevo para a decisão saber se os demandantes exigiram ao ora recorrente as “garantias” do reembolso do dinheiro, que este disse existirem e, simultaneamente, que não tem relevo para a mesma decisão saber se o arguido ora recorrente exibiu (ou entregou) as ditas garantias ou se jamais o fez.

Depois (e fundamentalmente),

Quanto à alteração introduzida no ponto 72 da matéria de facto:

Consta da pronúncia (2º parágrafo de fls. 2531): “Dadas as insistências dos ofendidos Slann no sentido de que não efectuariam a transferência bancária solicitada pelo arguido PM, a não ser que lhes fosse remetida a cópia do contrato-promessa celebrado, as plantas da casa e informações sobre o decurso das obras, os arguidos PM, AC e JP, de comum acordo e em conjugação de esforços, forjaram um contrato promessa de compra e venda, datado de 07 de Junho de 2005, sem quaisquer assinaturas e que nunca houvera sido celebrado, no qual figuravam como promitente vendedora, a sociedade “U... – Empreendimentos Imobiliários, SA”, com sede na Rua..., Várzea de Sintra e promitentes compradores H e S”. E acrescenta-se no parágrafo seguinte: “Na posse de tal documento, pelos arguidos fabricado, contendo factos que não correspondiam à verdade e no intuito de ludibriar os ofendidos Slann e de se locupletarem à sua custa, no dia 06 de Setembro de 2005, o arguido PM, remeteu-o aos ofendidos Slann, sem quaisquer assinaturas”.

Consta, porém, do acórdão recorrido que foi o arguido JP quem enviou aos ofendidos Slann o referido “contrato-promessa”, através do endereço electrónico pertencente ao arguido PM.

Entende o recorrente, mais uma vez, que se está perante uma alteração não substancial de factos.

De entendimento contrário é o Digno Procurador da República no círculo judicial de Faro, o qual sustenta que “face aos factos que constavam da pronúncia, não se vislumbra o que é que de relevante se alterou, como é que a defesa do recorrente pode ter ficado prejudicada; ou, dizendo de outra forma, retirando-se aquele facto do acórdão – que foi o recorrente a enviar o contrato promessa aos ofendidos – a decisão que envolve o recorrente de nenhuma forma seria afectada, manter-se-ia milimetricamente a mesma”.

A argumentação utilizada pelo Digno Magistrado do MºPº seria absolutamente convincente, não fora dar-se o caso de o tribunal recorrido ter considerado não provado não só que tenha sido o arguido PM a enviar aos ofendidos o referido documento como, também, a existência de uma actuação conjunta e mediante plano previamente acordado entre os 3 arguidos; ou seja, o tribunal colectivo deu como não provada a co-autoria (pontos XXVII, XXVIII e XXXIII do factualismo não provado).

E assim sendo, não é inteiramente verdade que, retirando-se do factualismo constante do ponto 72 da matéria de facto, que foi o recorrente a enviar o contrato-promessa aos ofendidos, a decisão que o envolve seria “milimetricamente” a mesma. É que, retirando-se tal menção, o que resulta é que nem sequer provado ficaria o envio do dito contrato-promessa (ou, ao menos, o envolvimento do recorrente no envio do mesmo) posto que, repetimos, não só não ficou provada a existência de qualquer plano formulado entre os três arguidos como, de igual modo e nesta hipótese, não teria ficado provado que o envio tivesse sido feito por um deles.

Parece-nos, assim, que o aditamento em questão é tudo menos inócuo. Provado que foi o arguido quem elaborou e enviou o dito contrato aos ofendidos e que o fez “no intuito de ludibriar H e S e de se locupletar à sua custa” (ponto 72 da matéria de facto), é manifesto que tal facto tem relevo para a decisão da causa. De mais a mais, quando conjugado com o teor do ponto 86 da matéria de facto, onde se afirma que ao redigir (e, naturalmente, enviar) o dito contrato-promessa, o recorrente “logrou convencer os assistentes H e S a entregar-lhe (e bem assim ao arguido AC) as quantias monetárias que vieram a ser depositadas em contas por si tituladas e tituladas por terceiros, assim os enganando e pretendendo, à custa deles, obter um lucro que sabia ser ilegítimo e que nessa conformidade, prejudicava, como prejudicou, o património dos mesmos”.

Repare-se bem:

Constando da pronúncia que o arguido B agindo em execução de plano previamente traçado com o arguido A praticou determinado facto, ao arguido A não interessará demonstrar que não foi ele quem praticou o facto (porque disso não vem acusado/pronunciado); interessar-lhe-á mais, porventura, tentar desmontar a tese da co-autoria; não provada a co-autoria, seguir-se-ia a sua absolvição.

Aqui, porém, sucedeu coisa diversa; não ficou demonstrada a co-autoria mas, para além disso, ficou provado que foi ele, A, quem praticou o facto. E isto, para ele, constitui seguramente uma surpresa, tratando-se de facto contra o qual nunca pôde defender-se (porque nunca lho havia sido imputado). A consideração desse facto na decisão final sem prévio cumprimento do disposto no artº 358º, nº 1 do CPP traduz-se em manifesta violação do princípio do contraditório e do direito do arguido a um processo equitativo e leal.

Não implicando os factos acabados de referir a condenação do arguido por crime diverso ou a agravação do limite máximo da sanção aplicável, estamos perante uma alteração não substancial de factos com relevo para a decisão, relativamente aos quais deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no artº 358º, nº 1 do CPP.

Não o tendo sido e tendo o tribunal recorrido condenado o recorrente pela prática dos mesmos, deparamo-nos perante a nulidade da sentença a que se reporta o artº 379º, nº 1, al. b) do CPP.

Declarada a nulidade há que, em obediência ao estatuído no nº 2 do artº 122º do CPP, determinar a reabertura da audiência (obviamente pelo mesmo tribunal) para aí ser dado cumprimento ao estatuído no artº 358º, nº 1 do CPP, seguindo-se os ulteriores termos do processo, com prolação de novo acórdão.

Assim decidida esta questão, prejudicadas ficam as demais suscitadas no recurso: reaberta a audiência para cumprimento do disposto no artº 358º, nº 1 do CPP, o que, a final, se ordenará, nada garante que a matéria de facto a fixar pelo tribunal de 1ª instância, no acórdão que posteriormente elaborará, seja a mesma que ora fixou, que seja a mesma a respectiva fundamentação, que seja a mesma a decisão final e, sendo-o, que sejam as mesmas as penas (parcelares e única) aplicadas. Declarada nula a sentença e ordenada a reabertura da audiência para cumprimento do estatuído no nº 1 do artº 358º do CPP, tudo recomeça a partir desse momento processual.

Em jeito conclusivo:

a) Comunicada uma alteração substancial de factos, opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos, não podem os mesmos ser atendidos na sentença final, para o efeito de se imputar ao arguido crime diverso ou para agravar os limites máximos das sanções aplicáveis;

b) Tendo ainda assim relevo para a decisão da causa, tal como ela se mostra delimitada pela acusação/pronúncia, esses novos factos só poderão ser atendidos e ponderados, nessa exacta vertente, se for dado prévio cumprimento ao estatuído no artº 358º, nº 1 do CPP;

c) Não carece de ser comunicado a um arguido o aditamento de facto constante de contestação de co-arguido hostil, posto que aquele tenha tido a oportunidade de, quanto à mesma, exercer o respectivo contraditório.

IV. Por tudo quanto exposto fica e em conclusão, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

a) conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido JP do acórdão final, declarando o mesmo nulo e ordenando a reabertura da audiência, a fim de aí ser dado cumprimento ao disposto no artº 358º, nº 1 do CPP relativamente aos factos supra referidos ( e que ora constam da matéria de facto assente sob os nºs 32, 72, 79, 80 e 81), diligência a ser realizada pelo mesmo tribunal colectivo que procedeu ao julgamento e subscreveu o acórdão recorrido;

b) não tomar conhecimento, por prejudicadas pela decisão acabada de tomar, das demais questões suscitadas nesse recurso.

Sem tributação.

Évora, 30 de Abril de 2013 (processado e revisto pelo relator)

Sénio Manuel dos Reis Alves
Gilberto da Cunha
__________________________________________________
[1] - Sumariado pelo relator.

[2] Com o recorrente foram julgados os co-arguidos AC e PM, o primeiro acusado da prática de dois crimes de burla qualificada, p.p. pelos artºs 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a) do CP e de dois crimes de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º, nº 1, al. a) do CP, o segundo acusado da prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento, p.p. pelas disposições legais acabadas de citar; a final, foram estes dois arguidos absolvidos dos crimes cuja autoria lhes era imputada.

[3] As que contém o registo de todos os ónus e encargos do prédio.

[4] Um incremento de 45 mil euros no preço.

[5] Obviamente, sem prejuízo das questões que oficiosamente importa conhecer, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, DR 1ª Série, de 28/12/1995).

[6] Diferente é a situação em que o facto é alegado pelo co-arguido B, em plena audiência de julgamento, durante as suas declarações. Neste caso, tratando-se de facto novo e posto que, quanto ao mesmo, o arguido A não teve oportunidade de se defender de forma eficaz, a sua consideração em sede de decisão final, sem prévia comunicação nos termos previstos no artº 358º, nº 1 do CPP ao arguido A, afectará a sentença de nulidade.

[7] Consultado na colectânea de textos de Direito Processual Penal de Teresa Pizarro Beleza e Frederico Isasca, ed. da AAFDL, 1992, p. 135 e segs.

[8] A título meramente exemplificativo, decidiu-se no Ac. RP de 22/6/2011 (rel. Artur Vargues), www.dgsi.pt, que «se o tribunal a quo se limitou a introduzir, na factualidade provada constante do acórdão, pontuais alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes e a, fundamentalmente, descrever e concretizar, por palavras suas, os factos imputados ao recorrente que se encontravam já integralmente enunciados na acusação, não se está sequer perante uma “alteração não substancial dos factos”, muito menos uma “alteração substancial”».

No acórdão da mesma Relação de 28/11/2007 (rel. Joaquim Gomes), www.dgsi.pt, entendeu-se que «a comunicação prevista no citado art. 358.º, apenas tem lugar quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa. (…) Para o efeito tem-se considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, (…) quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16 [BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt ]. Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13 [DR II 2005/Out./19]» (subl. do texto).

No Ac. RC de 23/5/2012 (rel. Jorge Jacob), www.dgsi.pt, defendeu-se entendimento semelhante: «A correspondência entre os factos constantes da acusação e os factos constantes da decisão final não implica necessariamente a correspondência entre os respectivos textos. Se o tribunal da condenação dá como assentes factos que já constavam da acusação ainda que conferindo-lhes um encadeamento diverso, desde que este lhes não retire a identidade naturalística, não ocorre qualquer alteração relevante da matéria de facto, pelo que nem sequer se torna necessário proceder à comunicação pressuposta pela alteração não substancial. Do mesmo modo, se o tribunal descreve os mesmos factos por outras palavras, ou confere maior pormenor ao relato apenas para precisar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto».

No Acórdão da mesma Relação, de 28/9/2011 (rel. Alberto Mira), www.dgsi.pt , decidiu-se do mesmo modo: «Não constitui “alteração não substancial dos factos” toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação ao texto da acusação ou pronúncia. A modificação dos factos constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa».

Ainda no mesmo sentido, cfr. o Ac. RG de 8/3/2010 (rel. Estelita de Mendonça), www.dgsi.pt.