Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
995/17.5T8STR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A prossecução da revitalização de devedores terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 995/17.5T8STR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…) vieram apresentar-se e submeter-se a processo especial de revitalização, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 17.º-A e segs. do CIRE, tendo sido admitido liminarmente o requerimento inicial de revitalização por eles apresentado, nomeando-se Administrador Judicial Provisório e dando-se início ao período de negociações entre os requerentes e os credores.
No seguimento da respectiva tramitação processual veio a ser junto aos autos, posteriormente, o plano de revitalização dos devedores, no qual é referido que o mesmo foi aprovado pela maioria dos credores com créditos reconhecidos (cfr. art.17º-F, nº 5, alínea b), do CIRE).
Tal plano de revitalização foi então remetido ao Tribunal para efeito de homologação ou recusa de homologação, nos termos do disposto no art. 17.º-F, nº 7, do CIRE, sendo que a M.ª Juiz “a quo”, em 13/9/2017, veio a proferir sentença na qual homologou o mencionado plano de revitalização dos devedores, ora requerentes.

Inconformado com tal decisão dela apelou o Banco (…) Português, S.A., na sua qualidade de credor reclamante, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu o pedido de não homologação formulado pelo aqui Recorrente e homologou o plano de recuperação apresentado pelos Devedores.
2. O Tribunal a quo concluiu pela não verificação da violação de qualquer regra procedimental ou relativa ao conteúdo do plano, pelo que o homologou nos termos do art.º 17.º-F, nos 5 e 6, do CIRE.
3. Ora, decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a douta sentença não fez correta aplicação do direito. Senão vejamos,
4. O ora Recorrente reclamou nos autos o crédito que detém sobre os Devedores, de natureza comum, que na data da reclamação (28.04.2017) ascendia ao valor de € 12.302,74 (doze mil, trezentos e dois euros e setenta e quatro cêntimos).
5. Notificado para proceder à votação do plano de recuperação apresentado pelos Devedores e, dentro do prazo conferido para o efeito, o aqui Recorrente fez chegar à Administradora Judicial Provisória a sua declaração de voto no sentido desfavorável/contra a aprovação do Plano de Revitalização, tendo manifestado desde logo a sua oposição à aprovação do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 216.º do CIRE.
6. Não obstante, o Plano de Revitalização foi aprovado com os votos favoráveis de 72,88% dos credores votantes.
7. Neste seguimento, o ora Recorrente requereu a não homologação do plano de recuperação, com base em três fundamentos:
A) Violação da regra procedimental decorrente de ter sido ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D;
B) Que da aprovação do plano resulta para o aqui Recorrente a existência de uma situação menos favorável do que inexistindo qualquer plano; e
C) Que os Devedores não apresentam um plano de negócios viável e credível que permita formar a convicção de não se tratar de mero expediente dilatório.
8. No que diz respeito ao primeiro fundamento invocado, a douta sentença recorrida apreciou o mesmo e decidiu pelo seu indeferimento, decisão com que o ora Recorrente se conforma.
9. Já no que diz respeito aos demais fundamentos invocados, não pode o aqui Recorrente conformar-se com a decisão de indeferimento dos mesmos.
A) Da violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do Plano:
10. O Plano aprovado prevê o pagamento aos credores comuns, onde se inclui o aqui Recorrente, nas seguintes condições:
- Pagamento de 100% da dívida de capital;
- Perdão de 100% de juros vencidos e vincendos;
- Pagamento em 120 meses;
- Sem carência;
- Prestações mensais constantes postecipadas.
11. Aparentemente, as condições de pagamento propostas para os credores comuns, mostram-se adequadas e proporcionais tendo em conta a existência de um valor total de créditos reconhecidos de € 206.107,22 (duzentos e seis mil, cento e sete euros e vinte e dois cêntimos), sendo a sua maioria crédito garantido.
12. Sucede que, no plano apresentado, é referido que o Devedor (…) aufere um vencimento mensal de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros), enquanto a Devedora (…) aufere mensalmente da actividade de formação, explicações e professora o vencimento de € 2.000,00 (dois mil euros).
13. Sendo que, com a aprovação do plano, os Devedores propõe-se a despender mensalmente com o pagamento aos credores da quantia global de € 1.196,40 (mil, cento e noventa e seis euros e quarenta cêntimos).
14. Ora, tendo em conta que, em conjunto, os Devedores auferem um rendimento mensal de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), isto significa que, depois de pagarem aos credores os valores que resultam do plano aprovado, eles ficam com um rendimento disponível de € 3.603,60 (três mil, seiscentos e três euros e sessenta cêntimos).
15. Referem ainda os Devedores que “os rendimentos mensais auferidos de € 4.800,00 é perfeitamente compatível com o encargo global de € 1.196,00, representa uma taxa de esforço de 25%, o que permite o rigoroso cumprimento do plano”.
16. Portanto, enquanto à generalidade dos credores é imposta uma extensão enorme do prazo em que serão ressarcidos dos seus créditos e aos credores comuns é imposto um perdão de juros vencidos e vincendos, os Devedores ficam livres de qualquer acção executiva e com um rendimento mensal disponível de € 3.603,60 (três mil, seiscentos e três euros e sessenta cêntimos), o que, importa salientar, corresponde a um valor superior a seis salários mínimos nacionais.
17. Não é de todo razoável, nem proporcional, que pessoas singulares como os Devedores, que auferem um rendimento mensal de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), imponham o sacrifício aos credores comuns de receberem os seus créditos em 10 anos e sem juros, enquanto os Devedores mantêm um rendimento disponível mensal de € 3.603,60 (três mil, seiscentos e três euros e sessenta cêntimos) e, por conseguinte, um nível de vida muito superior à média dos portugueses.
18. Não obstante o alegado, o Tribunal a quo efectuou a análise ao plano e concluiu, perfunctória e indiciariamente que o seu teor “é comparativamente mais favorável aos credores comuns do que o que resultaria caso inexistisse qualquer plano de recuperação”, pelo que indeferiu o alegado pelo aqui Recorrente.
19. Ora, não poderíamos estar mais em desacordo.
20. Na análise perfunctória e indiciária que o Tribunal a quo efectuou ao plano, não atendeu ao provável valor do imóvel dos Devedores, nem ao valor do capital social de que estes são titulares na sociedade identificada supra.
21. Se a alegação efectuada pelo Banco aqui Recorrente, no pedido de não homologação é classificada como genérica, a tal se responde que não podia ser de outra forma atendendo à inexistência de elementos essenciais nos autos.
22. Com efeito, face aos poucos elementos disponíveis, a análise que o Recorrente efectuou do Plano e dos seus efeitos foi tão perfunctória e indiciária quanto a que o Tribunal a quo efectuou, tendo apenas chegado a conclusões distintas.
23. Porquanto, no presente caso, os Devedores não juntaram aos autos quaisquer documentos comprovativos da sua situação patrimonial, ao aqui Recorrente restará fazer uma análise genérica e hipotética com base nos elementos de que dispõe.
24. O que se sabe, com base no requerimento inicial, no plano apresentado e nas informações de acesso público é que os Devedores são titulares da totalidade do capital social da sociedade “(…) – Transportadora, Limitada”, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
25. Que o Devedor (…)é gerente da referida sociedade “(…) – Transportadora, Limitada” e, ainda, trabalhador por conta de outrem na sociedade “Alumínios (…) – Portugal, Lda.” e que, alegadamente aufere um vencimento mensal de € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros).
26. Que a Devedora (…) exerce a actividade em nome individual de formadora, dá explicações e ainda é trabalhadora por conta de outrem enquanto professora, pelo que, alegadamente aufere um vencimento mensal de € 2.000,00 (dois mil euros).
27. Que são proprietários de um imóvel destinado a habitação, que construíram com recurso ao financiamento da Caixa Geral de Depósitos, que lhes concedeu para o efeito, três empréstimos no valor global de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), pelo que, tendo em conta que na concessão de financiamento imobiliário/hipotecário as instituições financeiras apenas financiam 80% do valor de avaliação do imóvel, conclui-se que o mesmo terá um valor de, pelo menos, € 212.500,00 (duzentos e doze mil e quinhentos mil euros).
28. Face a tais elementos, é legítimo que o Banco Recorrente perspective que no âmbito da execução que instaurou contra os Devedores e que ficou logo suspensa em virtude do PER, viesse a recuperar o seu crédito de forma integral e mais célere por via da penhora de bens e rendimentos dos Devedores do que através do plano de recuperação apresentado.
29. Mesmo num cenário de liquidação universal do património dos Devedores, é possível afigurar que os credores comuns ficassem numa situação mais favorável do que a decorreria da aprovação do plano, senão vejamos:
- o crédito garantido da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (no valor de € 139.182,59), o crédito da Autoridade Tributária (€ 8.826,07) e as custas judiciais ficariam, muito provavelmente assegurados, pelo resultado da venda do imóvel dos Devedores, que tem um valor estimado de € 212.500,00 (duzentos e doze mil e quinhentos euros);
- o remanescente dos créditos, no valor de € 58.098,56, seriam amortizados através da venda do capital social da sociedade “(…) – Transportadora, Limitada”, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), ainda que vendido por valor muito inferior;
- Sendo que, certamente os Devedores são proprietários de viaturas e bens móveis com valor e a que não fizeram referência nos autos;
- Acresce que, num cenário de cessão de rendimentos no âmbito do despacho inicial de exoneração do passivo restante, ainda que fosse fixado um rendimento indisponível correspondente a dois salários mínimos por cada um dos Devedores, sempre seria entregue ao fiduciário, mensalmente, a quantia de € 2.572,00 (dois mil, quinhentos e setenta e dois euros), o que no final dos cinco anos de cessão corresponde a um total de € 154.320,00 (cento e cinquenta e quatro mil e trezentos e vinte euros).
30. Pelo que, efectuando os cálculos e os juízos de prognose com base em todos os factores, é possível concluir com um grau elevado de certeza que, com a homologação do plano de recuperação apresentado, o Banco Recorrente ficará numa posição mais desfavorável do que aquela que ficará na ausência de qualquer plano, o que constitui fundamento de não homologação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 216.º, aplicável ex vi do 17.º-F, n.º 7, ambos do CIRE. Acresce que,
31. Não pode deixar de atender-se que a instituição do processo especial de revitalização representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime da insolvência com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses colectivos dos credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos.
32. A prossecução deste desiderato – da revitalização de devedores – terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, que constitui o verdadeiro interesse público.
33. Como é sabido, o plano de revitalização deve salvaguardar os direitos dos credores “contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, capazes de comprometer uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos” (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 20.02.2014, Proc. 3617/13.0TBBRG.G1, in dgsi.pt), o que, no caso em apreço, não sucede!
34. Não se vê, pois, como pode alcançar-se tal desiderato quando o Plano de Revitalização apresentado prevê o pagamento aos credores comuns num prazo de 10 anos, sem juros, enquanto os mesmos, sem qualquer sacrifício, destinam menos do que 25% dos seus rendimentos ao pagamento das dívidas e mantém o seu restante património salvaguardado de penhoras e outras ameaças.
35. O plano apresentado traduz-se, sim, na revitalização dos Devedores com o máximo sacrifício para os credores comuns, violando claramente os princípios orientadores do Processo Especial de Revitalização e sendo contrário à lei.
36. Logo decorre do art. 17.º-A do CIRE que a finalidade última do processo é a recuperação e revitalização do devedor, a qual terá de fazer-se por via de negociações a estabelecer entre o revitalizando e os seus credores – por forma a encontrar-se o desiderato da recuperação com o menor sacrifício destes últimos.
37. Os sacrifícios e as medidas impostos aos credores pelo objectivo de recuperação dos Devedores em sede de PER devem, pois – conforme decorre cristalinamente dos Princípios Orientadores da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011 – reconduzir-se exclusivamente àquela finalidade.
38. Face ao acabado de expor, é inequívoco que o Plano de Revitalização apresentado representa a imposição ao ora Recorrente de um prejuízo abusivo e desproporcional face às reais capacidades dos Devedores.
39. É, portanto, evidente que a situação do ora Recorrente é menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, bastando a leitura do Plano para se concluir pelo preenchimento da alínea a), do n.º 1, do artigo 216.º do CIRE.
40. Com a positivação deste normativo veio admitir-se que a reclamação se fundamente no facto de o reclamante, no caso de homologação do plano de insolvência, ficar colocado numa situação “previsivelmente menos favorável, do que a que interviria (…)”.
41. Referindo-se a este preceito, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, que “o modo com se acha formulada a alínea a), implica que na prova da situação nele referenciada se procede a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.
Relativamente aos credores, isso reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. Quanto ao devedor, sócios associados e membros, trata-se de avaliar eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património.
Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar á priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal”.
42. De tudo o acabado de expender resulta, assim, como evidente que, nesta situação, o que verdadeiramente assume um carácter primordial e decisivo e que sempre tem de estar subjacente à decisão de homologação, ou não, do plano, é a comparação entre a situação emergente da homologação e a que se verificaria na sua ausência.
43. Será, assim, indispensável, que sejam sérias as razões que permitam duvidar da recuperação do devedor e que ocorra uma flagrante e grave desproporcionalidade entre a recuperação do devedor, aceite pela maioria dos seus credores, e o sacrifício decorrente dela imposto ao credor reclamante.
44. E, parece-nos de linear evidência, que na situação vertente se verificam essas razões sérias ou graves que, tornando desproporcionais os sacrifícios exigidos ao Recorrente/credor, são passíveis de determinar a não homologação do plano de revitalização.
45. Com efeito, estes interesses ou direitos dos credores, tal como o do devedor, e dada a acuidade que inquestionavelmente também assumem, no contexto do desenvolvimento e normal funcionamento e desempenho da actividade económica, não podem ser esquecidos, são merecedores de tutela e têm de ser salvaguardados contra situações abusivas de chocante prejuízo ou compromisso de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses mesmos interesses ou direitos, que, por decorrência, serão também de extremo relevo para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público, que em última análise, cumprirá, por todas formas, promover, designadamente, e sem embargos da promoção da recuperação dos devedores, através da salvaguarda ou protecção de limitações, para além das quais não será legitimo sacrificar os direitos dos credores, salvo se nisso, o credor, por qualquer forma, anuir.
46. Pelas razões expostas, dúvidas não restam de que a situação do Recorrente/Credor é, previsivelmente, mais desfavorável caso ocorra a homologação do plano de recuperação, do que aquela que interviria na ausência dele, pelo que deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se a decisão recorrida no concernente à homologação do plano de recuperação.
B) Da violação não negligenciável de regras procedimentais:
47. No que tange à violação não negligenciável de regras procedimentais, e mercê do disposto no n.º 10 do art. 17.º-D do CIRE, importa atentar na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25.10, cujo décimo princípio plasma, com relevo, que “as propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros.”
48. Ora, analisando o plano apresentado, resulta que os Devedores na sua elaboração não apresentaram ou sequer esboçaram (a não ser em termos genéricos e conclusivos) um plano de negócios dotado de aparente viabilidade e credibilidade, o que não permite formar a convicção de que o mesmo não é um mero expediente.
49. De igual modo, deveria o plano conter informação concreta quanto aos passos a percorrer no sentido de serem ultrapassados os problemas financeiros, bem como deveria ser demonstrada a viabilidade e credibilidade do mesmo.
50. Não o tendo sido, verifica-se a existência da violação de uma norma procedimental, o que impõe a recusa oficiosa do plano apresentado, alegação que não foi apreciada pela douta sentença recorrida, mas que aqui se deixa alegada para os devidos efeitos.
51. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Muito doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida não homologar o Plano de Recuperação apresentado, tudo, com as demais consequências legais, com o que se fará inteira Justiça.
Não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam as suas alegações (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 685.º-A, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões das alegações (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões do recurso apresentadas pelo Banco (…) Português, S.A., na sua qualidade de credor reclamante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se devia ter sido recusada, nos termos do art. 216º do CIRE, a homologação judicial do Plano de Recuperação dos devedores, uma vez que, por um lado, da aprovação de tal Plano resulta para o credor acima identificado uma situação previsivelmente menos favorável do que inexistindo qualquer Plano e, por outro, os devedores não apresentaram nos autos um plano de negócios viável e credível, que permita formar a convicção de não se tratar de mero expediente dilatório.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pelo recorrente importa antes de mais referir a tal propósito que a finalidade ou o objectivo do processo especial de revitalização, criado pela Lei 16/2012, de 20/4 – mas na sua redacção anterior ao D.L. 79/2017, de 30/6 – mostra-se definido nos arts.17.º-A a 17.º-J do CIRE.
Assim, temos que o nº 1 do artigo 17.º-A do CIRE estipula o seguinte:
- O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
Por isso, para que o processo de revitalização possa ter lugar torna-se necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) que o devedor, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente;
b) que ainda seja susceptível de recuperação.
Nestes termos, destinam-se, por um lado, os arts.17.º-A a 17.º-H do CIRE a estabelecer negociações entre devedor e credores para a conclusão de acordo de revitalização e, por outro lado, o processo de revitalização previsto no artigo 17.º-I do CIRE visa a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa.
E, considera o artigo 17.º-B do CIRE em situação económica difícil, o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Todavia, tal dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já a situação de insolvência.
Nos termos do nº 1 do art. 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Além disso, o requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigida ao juiz, juntando a declaração ali mencionada.
Tal requerimento será acompanhado, além da declaração aludida no nº 2 do artigo 17.º-A do CIRE, atestando que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, a declaração escrita prevista no nº 1 do artigo 17.º-C do CIRE, da qual conste a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos um dos seus credores, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17.º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos arts. 32º a 34º, com as necessárias adaptações.
Tal despacho, que é notificado ao devedor e publicado no portal CITIUS, tem efeitos processuais, nomeadamente efeitos sobre o devedor e em relação aos credores.
Relativamente ao devedor, nos termos do nº 1 do art. 17.º-D do CIRE, logo que receba a notificação do despacho a nomear o administrador judicial provisório, deverá aquele comunicar aos credores que não subscreveram a declaração escrita, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso.
Com a prolação do despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do art. 17.º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no art.161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.
Por sua vez, estatui o nº 7 do artigo 17.º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.
Por outro lado, em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no CITIUS, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclame os seus créditos, incluindo os credores que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do artigo 17.º-C do CIRE.
Considerando que a lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o processo especial de revitalização, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o nº 1 do artigo 130.º do CIRE.
As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que tem um prazo de 5 dias para elaborar uma lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, será publicada no portal CITIUS. Após a publicação, a lista pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, conforme decorre dos nºs 2 a 4 do artigo 17.º-D do CIRE.
Terminado o prazo para as impugnações, as mesmas serão apreciadas pelo juiz, estabelecendo o nº 5 do artigo 17.º-D do CIRE um outro prazo de dois meses para que os declarantes concluam as negociações encetadas, prazo esse que poderá ser prorrogado verificadas certas circunstâncias.
Apresentada a lista definitiva de créditos, os credores nela constantes que decidam participar devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, nos termos do citado n.º 7 do artigo 17.º-D do CIRE.
Mas, como antes se disse, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório tem ainda outros efeitos processuais, já que a publicação daquele despacho no CITIUS tem como efeito a suspensão de processos de insolvência em curso contra o devedor «desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência», conforme decorre do n.º 6 do artigo 17.º-E do CIRE.
Havendo lugar à suspensão desses processos de insolvência, os mesmos extinguem-se se for aprovado e homologado plano de recuperação.
As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem, por conseguinte, conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores.
Mas, tais negociações também podem terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores.
O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do art. 212º do CIRE – uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções – sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.
Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor – com unanimidade e com intervenção de todos os credores, ou sem que tal unanimidade seja obtida – deverá tal plano de recuperação ser remetido ao tribunal e devidamente publicitado pelos credores reclamantes (cfr. artigo 213.º do CIRE, aplicável “ex vi” do nº 5 do artigo 17.º-F do mesmo diploma legal), a fim de que estes, querendo, se possam pronunciar sobre o mesmo e, eventualmente, possam impugnar o referido plano (tendo por base o estatuído no artigo 216.º do CIRE, também aqui aplicável “ex vi” do n.º 5 do artigo 17.º-F do mesmo diploma legal).
Posteriormente deverá o juiz decidir tais impugnações – se as houver – e, de seguida, por sentença, homologar ou recusar tal plano, nos termos do n.º 5 do citado artigo 17.º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215.º e 216.º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.
Ora, como já se referiu anteriormente, o processo especial de revitalização é um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo-se o controlo jurisdicional à gestão processual – cfr. Ac. da R.G. 18/12/2012, disponível in www.dgsi.pt – sublinhado nosso.

Voltando agora ao caso dos autos e à questão principal suscitada pelo recorrente – qual seja a de saber se a sua situação, ao abrigo do Plano de Revitalização é menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer Plano – importa referir o que, em anotação ao citado artigo 216º, afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda:
- O modo como se acha formulada a alínea a), implica que na prova da situação nele referenciada se procede a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.
Relativamente ao credores, isso reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele.
Ora, é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar á priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
E, continuam os referidos autores, casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil, como sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se prove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano – cfr. CIRE Anotado, 2009, pág. 718 (sublinhado nosso).

Ora, “in casu”, constata-se do Plano de Revitalização aprovado que o mesmo prevê o pagamento aos credores comuns – onde se inclui o credor aqui recorrente – nas seguintes condições:
- Pagamento de 100% da dívida de capital;
- Perdão de 100% de juros vencidos e vincendos;
- Pagamento em 120 meses;
- Sem carência;
- Prestações mensais constantes postecipadas.
Ora, as condições de pagamento propostas para os credores comuns, mostram-se – pelo menos aparentemente – adequadas e proporcionais tendo em conta a existência de um valor total de créditos reconhecidos de € 206.107,22, sendo a sua maioria crédito garantido.
Porém, não podemos, de todo, olvidar que, no Plano de Revitalização apresentado, é referido que o devedor (…) aufere um vencimento mensal de € 2.800,00, enquanto a devedora (…) aufere mensalmente da actividade de formação, explicações e professora o vencimento de € 2.000,00, o que tudo perfaz um rendimento global de € 4.800,00. Além disso, os devedores são titulares da totalidade do capital social da sociedade “(…) – Transportadora, Lda.”, no valor de € 125.000,00 (da qual o devedor é gerente), bem como proprietários de um imóvel destinado a habitação, que construíram com recurso ao financiamento da CGD, que lhes concedeu para o efeito, três empréstimos no valor global de € 170.000,00 e, tendo em conta que na concessão de financiamento imobiliário/hipotecário as instituições financeiras apenas financiam 80% do valor de avaliação do imóvel, será forçoso concluir que o mesmo não terá um valor inferior a € 200.000,00.
Por outro lado, importa ainda frisar que, com a aprovação do referido Plano, os devedores apenas irão despender, com o pagamento aos credores, a quantia global de € 1.196,40 mensais (menos de 25% dos seus rendimentos declarados…), pelo que ainda lhes sobra um rendimento disponível de € 3.603,60/mês, montante esse que corresponde a um valor superior a seis salários mínimos nacionais !!!
Ora, se é verdade que se mostra essencial que o Plano aprovado seja exequível e não comporte um esforço excessivo para os devedores, também é, de igual forma, essencial que o esforço que é exigido aos credores, quer por via do perdão, quer por via da moratória imposta, seja equilibrado e adequado às circunstâncias, o que, de todo em todo, não se verifica no caso em apreço.
Senão vejamos:
Enquanto à generalidade dos credores é imposta uma extensão enorme do prazo em que serão ressarcidos dos seus créditos e aos credores comuns – como o apelante – é imposto o pagamento num prazo de 10 anos, com perdão total dos juros vencidos e vincendos, já os devedores ficam livres de qualquer acção executiva que contra eles seja interposta e, ainda ficam para si (após pagamento aos credores) com o mencionado rendimento mensal disponível de € 3.603,60 – ou seja, destinam menos do que 25% dos seus rendimentos ao pagamento das dívidas e mantém o seu restante património salvaguardado de penhoras e outras ameaças – rendimento disponível aquele que, como é notoriamente consabido, corresponde a um nível de vida muito superior à média a que, actualmente, qualquer português, residente no nosso país, poderá almejar !!!
Daí que, o Plano apresentado nos autos – e homologado pelo tribunal “a quo” – se traduza, isso sim, numa total revitalização dos devedores com o máximo de sacrifício para os credores comuns, violando, claramente, os princípios orientadores do Processo Especial de Revitalização (PER).
Por isso, sempre se dirá que, face aos elementos disponíveis nos presentes autos – no que tange ao património (conhecido) dos devedores e ao rendimento mensal que auferem – é manifestamente expectável que o credor, aqui apelante, pudesse perspectivar que, na sequência da execução que instaurou contra os devedores (a qual ficou logo suspensa em virtude do PER), viesse a recuperar o seu crédito de forma integral e mais célere – por via da penhora de bens e rendimentos dos devedores – do que através do Plano de Recuperação homologado pelo tribunal “a quo”.
Com efeito, mesmo num cenário de liquidação universal do património dos devedores, será possível configurar que os credores comuns ficassem numa situação mais favorável do que a decorreria da aprovação do Plano.
Isto porque, o crédito garantido da CGD, no valor de € 139.182,59, o crédito da Autoridade Tributária, no valor de € 8.826,07 e as custas judiciais ficariam, muito provavelmente assegurados, pelo resultado da venda do imóvel dos devedores, o qual, como vimos supra, terá um valor estimado não inferior a € 200.000,00.
Por sua vez, o remanescente dos créditos, no valor de € 58.098,56, seriam amortizados através da venda do capital social da sociedade “(…) – Transportadora, Lda.”, no valor de € 125.000,00, ainda que fosse vendido por um valor muito inferior.
Além disso, será certamente natural que os devedores sejam (também) proprietários de viatura(s) automóvel(is) e de bens móveis com valor a que não fizeram referência nos autos.
Finalmente, e num cenário de cessão de rendimentos no âmbito do despacho inicial de exoneração do passivo restante, ainda que fosse fixado um rendimento indisponível correspondente a dois salários mínimos por cada um dos aqui devedores, sempre seria entregue ao fiduciário, mensalmente, a quantia de cerca de € 2.572,00, o que no final dos cinco anos de cessão corresponderia a um total de € 154.320,00 !!!
Pelo que, efectuando os cálculos e os juízos de prognose, tendo em conta todos os factores supra referidos, é possível concluir, com um grau elevado de probabilidade que, com a homologação do Plano de Revitalização dos devedores, por parte do tribunal “a quo”, o credor, aqui apelante, ficará numa posição mais desfavorável do que aquela em que ficaria na ausência de qualquer Plano, o que, indubitavelmente, constitui fundamento para a não homologação de tal Plano de Revitalização, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º, aplicável ex vi do artigo 17.º-F, n.º 7, ambos do CIRE.
Por outras palavras, diremos que se torna por demais evidente que, a situação do credor, aqui recorrente, é menos favorável do que aquela que teria na ausência de qualquer Plano, bastando ler o teor do Plano de Revitalização junto aos autos para se poder concluir, inexoravelmente, que se mostra preenchido, “in casu”, o requisito previsto na alínea a) do nº 1 do citado artigo 216º.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.G. de 20/2/2014, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) O que verdadeiramente assume um carácter primordial e decisivo e que sempre tem de estar subjacente à decisão de homologação, ou não, do plano, é a comparação entre a situação emergente da homologação e a que se verificaria na sua ausência.
E isto porque, independentemente dos objectivos que através da consagração deste meio processual se visou promover, e até da razoabilidade que, numa concreta situação, em termos globais, um determinado plano de revitalização possa representar como factor potenciador da promoção e concretização da recuperação económica do devedor, a prossecução do interesse público da defesa da economia, que lhe está subjacente, eles não se podem concretizar, sobrepondo-se, sacrificando, pondo em causa ou sequer, alheando-se, dos concretos interesses de cada um dos respetivos credores.
Na verdade, não obstante a prossecução desse público e relevante interesse, o legislador não esqueceu, e também quis salvaguardar, os interesses materiais dos credores, submetendo, em certas situações, como sucede na mencionada hipótese de plano representar um avultado ou significativo prejuízo para qualquer deles, a respetiva aprovação, a uma espécie de anuência, se não expressa, pelo menos, tácita, que sempre se depreenderá da sua não oposição à homologação de um plano, por sua parte, que se revista destas características, ou seja, que contenha, em si mesmo, uma qualquer razão que pudesse justificar a dedução de uma oposição ao proferimento de uma sentença homologatória, mas que, por eventuais e fundados motivos, não queira exercer na situação concreta.
Efetivamente, é verdade que o legislador consagrou o processo de revitalização num contexto de fragilidade económica, como um meio eficaz de combate ao desaparecimento de agentes económicos, isto porque, como é evidente, cada agente que desaparece, e essencialmente num contexto destes, representa um considerável custo para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico.
Mas, porque o legislador assim o não quis, este não pode ser, nem é, em si mesmo, um objectivo absoluto, pois que, mesmo perante indubitáveis situações do género, não se quis impor, sem quaisquer condições ou limites, aos credores, todo e qualquer plano de recuperação, desde que aprovado, nos termos legais, por estes últimos, e que, como é sabido, podem não ser todos.
E foi por isso que se consagrou no mencionado artigo 216º, n.º 1, do CIRE que “o Juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor (…) ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor (…)”, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, algumas das situações previstas nas alíneas a) ou b), desse mesmo preceito – sublinhado nosso.
(…)
Este tipo de processo tem subjacente a prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do coletivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor.
No entanto, e acrescentaremos nós, imprescindível se revela também que uma qualquer e concreta solução a adotar nesse âmbito – plano de recuperação – se não revele comprometedora de uma satisfação razoável do interesse, na boa cobrança dos seus créditos, por parte de cada um dos credores do insolvente.
Com efeito, estes interesses ou direitos dos credores, tal como o do devedor – na recuperação – e dada a relevância que inquestionavelmente também assumem, no contexto do desenvolvimento e normal funcionamento e desempenho da atividade económica, não podem ser esquecidos, são merecedores de tutela e têm de ser salvaguardados contra situações abusivas de chocante prejuízo ou compromisso de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses mesmos interesses ou direitos, que, por decorrência, serão também de extrema relevância para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público, que em última análise, cumprirá, por todas formas, promover, designadamente, e sem embargos da promoção da recuperação dos devedores, através da salvaguarda ou proteção de limitações, para além das quais não será legitimo sacrificar os direitos dos credores, salvo se nisso, o credor, por qualquer forma, anuir(sublinhados nossos).
Assim sendo, forçoso é concluir que, no caso em apreço, a situação do recorrente é, de todo, manifestamente menos favorável do que o eventual cenário de liquidação já acima explicitado neste aresto e, por isso – não será demais repetir – tal Plano viola, inexoravelmente, o disposto no artigo 216º, nº 1, alínea a), do CIRE.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos supra referidos, resulta claro que a sentença recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência – por força do estatuído no artigo 216º, nº 1, alínea a), aplicável ex vi do artigo 17.º-F, n.º 7, ambos do CIRE – recusa-se a homologação do Plano de Revitalização junto aos autos, com vista à revitalização dos devedores.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- A recusa de homologação do Plano de Recuperação pode ter na sua base o disposto no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, ou seja, o facto da situação do credor, aqui apelante, ser-lhe bem menos favorável do que aquela que teria na ausência de qualquer Plano, factualidade essa que o recorrente, manifestamente, demonstrou nos autos.
- Acresce que, a prossecução da revitalização de devedores terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, este sim, o verdadeiro interesse público.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo credor Banco (…) Português, S.A. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, recusando-se a homologação do Plano de Revitalização junto aos autos, nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pelos devedores, aqui apelados.
Évora, 21-12-2017
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).