Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CANELAS BRÁS | ||
Descritores: | PLANO DE PAGAMENTO PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | No regime legal da aprovação do Plano de Pagamentos vigora o princípio da igualdade dos credores, mas isso não significa que não possam ocorrer reduções nos créditos ou nas condições do seu ressarcimento, pois, a ser de outro modo, ficava em causa todo o regime legal e nunca haveria a possibilidade de aprovação de qualquer Plano. | ||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO Nº. 663/19.3T8STR-A.E1 – APELAÇÃO (SANTARÉM) Acordam os juízes nesta Relação: O Apelante “(…) Banco, S.A.”, com sede na Avenida da (…), nº 195, em Lisboa, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida em 20 de Setembro de 2019 (agora a fls. 99 a 105 dos autos), no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, e que veio a homologar o Plano de Pagamentos apresentado e aprovado pelos credores – com o fundamento que aí vem aduzido de que “em face do exposto, facilmente se conclui ser mais favorável aos credores a aprovação do plano de pagamentos” e de que “não se evidencia que o plano apresente uma diferença de tratamento que se tenha por significativa e injustificável, entre credores comuns, mas apenas entre credores de categorias diferentes (e tal não está legalmente vedado), donde não se reconhece ter havido violação do princípio da igualdade previsto no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE” – no presente incidente em que é interessada a requerente (…), residente na Rua (…), n.º 18, (…), Coruche, intentando a sua revogação e que o mesmo não venha agora a ser homologado pelo Tribunal, e apresentando alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões: 1ª) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que supriu a aprovação do plano de pagamentos pelos credores comuns (Recorrente e Banco …, SA) e que homologou o plano de pagamentos apresentado pela devedora (…). 2ª) O plano apresentado contemplou, como forma de pagamento para os créditos comuns (créditos do agora Recorrente e do credor Banco … SA): - Quanto aos créditos comuns do (…) Banco, S.A.: a) Crédito relativo à Conta à Ordem DO (…): i. Pagamento de 10% do capital em dívida; ii. Perdão da dívida em 90%; iii. Número de prestações: 18; iv. Perdão total de juros. b) Crédito relativo à Livrança: i. Pagamento de 10% do capital em dívida; ii. Perdão da dívida em 90%; iii. Número de prestações: 120; iv. Perdão total de juros. - Quanto ao crédito comum do Banco (…), S.A.: i. Pagamento de 10% do capital em dívida; ii. Perdão da dívida em 90%; iii. Número de prestações: 96; iv. Perdão total de juros. 3ª) Quanto ao crédito garantido do Banco (…), SA, a forma de pagamento que consta do plano de pagamentos é a seguinte: Sem alteração às condições contratualizadas e actualmente em vigor. 4ª) Os créditos comuns são objecto, no plano, de um tratamento discriminatório injustificado, manifestamente abusivo, pois a devedora pretendeu que, com apenas a anuência do credor maioritário hipotecário, cujo contrato se encontra a ser cumprido, e as condições iniciais se mantêm, imponha um perdão de 90% do capital aos credores comuns. 5ª) O plano propõe pagar ao credor hipotecário o montante total em dívida (de capital e juros) de € 88.830,34, e aos credores comuns apenas 10% do capital em dívida, ou seja, € 3.852,62, com total perdão de juros. 6ª) Dispõe o n.º 2 do artigo 212.º do CIRE que não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano, que é claramente o caso do credor hipotecário, pelo que fica sem direito de voto precisamente por o seu crédito manter todas as condições iniciais. 7ª) O credor garantido, Banco (...), S.A., não sai afectado pelas medidas implementadas no plano de pagamentos, uma vez que as condições iniciais se mantêm, encontra-se o crédito a ser pontualmente cumprido, pelo que não pode ficar em seu poder o destino do plano de pagamento dos demais credores comuns. 8ª) Nos termos daquela disposição legal e não tendo o Credor Hipotecário, Banco (…), SA, direito de voto, e face à posição dos credores (…) Banco, SA e Banco (…), SA, o plano mostra-se recusado pela totalidade dos créditos relacionados pela devedora, com direito de voto, pelo que o plano não foi aprovado. 9ª) O entendimento da aplicação do nº 2 do artigo 212.º do CIRE, ou seja, não ser conferido o direito de voto ao credor Banco (…), S.A. foi amplamente invocado pelo ora Recorrente, sendo que a douta sentença recorrida não aprecia a aplicação de tal normativo legal. 10ª) Neste entendimento de não poder ser conferido direito de voto ao credor hipotecário (Banco …, SA) confirma a Jurisprudência, veja-se os Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 12667/15.0T8SNT-1, de 06.12.2016 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 5996/15.5T8VNG.P1, de 06.04.2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, sendo que nos permitimos transcrever parte do último Acórdão “(…) Não sendo afectados pelo plano, estes credores não têm verdadeiro interesse no resultado do plano especial de revitalização, devendo os credores que observam os seus créditos modificados pelo plano ser os únicos a decidir se este deve ser aprovado ou não”. 11ª) Caso assim não seja acolhida esta posição, entende o ora Recorrente (…) Banco, S.A. que o voto do aqui credor não podia ser suprido, uma vez que o Plano de Pagamentos apresentado viola o disposto do artigo 258.º, n.º 1, alíneas) a) e b), do CIRE e, consequentemente, não poderá ser homologado. 12ª) Face ao Plano de Pagamento, o aqui Recorrente é objecto de um tratamento discriminatório injustificado, violando, assim, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 258.º, que atenta contra o princípio da proporcionalidade, enquanto manifestação do princípio da igualdade dos credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE. 13ª) O artigo 194º estabelece o princípio da igualdade dos credores da insolvência ressalvando, apenas, como excepções, situações assentes em diferenciações justificadas por razões objectivas. 14ª) O Plano de Pagamentos, sem que do mesmo conste qualquer justificação objectiva, limita-se a reduzir em 90% do capital, os créditos comuns, com perdão total de juros, mantendo inalterado o crédito do credor maioritário que o aprovou. 15ª) É certo que o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente, nomeadamente pela natureza dos Créditos. 16ª) Mas, no caso em apreço, é manifestamente abusivo, aceitar que a devedora, apenas com a anuência do credor maioritário hipotecário, imponha o perdão ‘quase’ total dos créditos comuns, de forma que a devedora possa, com a anuência do credor maioritário, recorrer ao Plano de Pagamento para ver diminuída de forma significativa a sua dívida relativa aos credores comuns. 17ª) Neste caso, a hierarquia entre os créditos em confronto não pode justificar a libertação de 90% da dívida e o perdão de juros contra a vontade desses credores, sem qualquer justificação segundo critérios objectivos relevantes. 18ª) O plano de pagamentos deve impedir que sejam alcançados de forma abusiva prejuízos para alguns credores. 19ª) Neste sentido também acompanha a Jurisprudência, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 13.03.2014, proferido no processo n.º 410/13.3TBALR-A.E1, e o Acórdão da Relação do Porto de 15/09/2015. 20ª) Com a homologação do Plano de Pagamentos, foi obtido exclusivamente à custa dos dois únicos credores comuns, numa percentagem de tal modo elevada que constitui a imposição de um ónus desproporcionado e irrazoável para com estes credores que a existência do crédito privilegiado e o interesse da devedora não justificam. 21ª) Bem como significa legitimar a insolvência (sem quaisquer prejuízos para a devedora que se mantém proprietária dos seus bens) como forma de reduzir créditos automaticamente e contra o credor em causa, potenciando o eventual acordo perverso de devedores com o credor maioritário. 22ª) O ora Recorrente entende que o Plano de Pagamentos apresentado pela devedora, para o (…) Banco, S.A, decorre uma desvantagem económica superior à que, mantendo-se idênticas as circunstâncias do devedor, resultariam do prosseguimento do processo de insolvência. 23ª) Ora, em cenário de liquidação, dificilmente os créditos comuns terão um cenário menos favorável: existe, que se saiba, um imóvel, e a devedora exerce uma actividade profissional remunerada e ainda recebe pensão de alimentos e abono. 24ª) Não consta do plano a existência de uma avaliação real do valor de mercado do imóvel, limitando-se a se ter por referência o valor matricial do mesmo, pelo que em cenário de liquidação, a probabilidade de o imóvel ser vendido por valor superior ao valor matricial é real. 25ª) Face ao exposto, verifica-se estar a sentença proferida em desconformidade com a lei, violando, no mínimo, o artigo 212.º, n.º 2, o artigo 258.º, alíneas a) e b), e o artigo 194.º, todos do CIRE. 26ª) Deve, desta forma, ser a mencionada sentença recorrida revogada. Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas., Senhores Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a sentença proferida. A Requerente (…) vem contra-alegar (a fls. 107 a 114 verso dos autos) para dizer, também em síntese, que não assiste razão à Apelante, pois que, quanto ao direito de voto, é invocada uma regra relativa a planos de insolvência, quando aqui está em causa um plano de pagamentos, que se mostra apresentado por pessoa singular. Depois, não há qualquer tratamento discriminatório injustificado entre os credores, porquanto “estão espelhadas na petição de insolvência, e no próprio plano de pagamentos, as razões objectivas e respectivas provas, para os termos do plano que se propôs”. Assim, “justificou o diferente tratamento dado ao credor hipotecário, dos restantes credores, por este deter junto da recorrida créditos garantidos” (“crédito por natureza diferente dos restantes credores”). É que “o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de um modo diferente” (e “o plano de pagamentos homologado apresentou tratamento diferenciado sim, mas para créditos de natureza distinta”). E nem há prejuízo para os credores comuns, já que, em caso de não homologação do plano, o valor da venda do imóvel nem chegará para satisfazer o crédito hipotecário. Pelo que “o plano de pagamentos apresentado contém uma proposta para satisfazer os créditos de sua titularidade, acautelando da forma possível os interesses dos credores, tendo em conta a situação financeira da recorrida”. Termos em que se deverá vir a manter a douta sentença impugnada, conforme se mostra proferida, de homologação do plano de pagamentos apresentado, e assim se julgando improcedente o recurso de Apelação que contra ela foi deduzido, conclui. * Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão: 1) Em 06 de Março de 2019 a devedora (…) deduziu por apenso ao processo de insolvência, o presente incidente de Plano de Pagamentos, logo juntando tal Plano e requerendo a sua homologação judicial (vide fls. 2 a 13, que aqui se dá por inteiramente reproduzido e a data de entrada que vem aposta a fls. 60 dos autos) – mais tarde, corrigido pela apresentante, a fls. 82 a 88 dos autos, aqui também dado por reproduzido na íntegra. 2) Em 08 de Março de 2019 foi tal incidente admitido liminarmente, bem como ordenada a citação dos credores para se pronunciarem (vide fls. 75). 3) Tendo-se pronunciado, então, os seguintes credores: a. “(…) Banco, S.A.” – não aderiu ao plano de pagamentos, e requereu, mesmo, a correcção do valor dos seus créditos em dívida (vide fls. 77 verso a 78 e 95 verso a 98 dos autos); b. “Banco (…), S.A.” – não aderiu ao plano e requereu a correcção do valor do seu crédito em dívida (vide fls. 92 verso a 93). c. O “Banco (…), S.A.” havia dado a sua anuência ao plano apresentado (vide a douta sentença recorrida, a fls. 99 dos autos). 4) Ao “(…) Banco, SA” foram reconhecidos créditos no montante total de € 28.746,92 (vinte e oito mil, setecentos e quarenta e seis euros e noventa e dois cêntimos) – (vide a douta sentença recorrida, a fls. 99 dos autos). 5) Ao “Banco (…), SA” foram reconhecidos no montante total de € 11.255,97 (onze mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e noventa e sete cêntimos) – (vide a douta sentença recorrida, a fls. 99 dos autos). 6) Ao “Banco (…), SA” foram reconhecidos créditos no montante global de € 88.830,34 (oitenta e oito mil, oitocentos e trinta euros e trinta e quatro cêntimos) – (vide a douta sentença recorrida, a fls. 99 dos autos). 7) Em 20 de Setembro de 2019 foi proferida a douta sentença ora objecto do presente recurso, a julgar aprovado o Plano de Pagamentos (vide o seu teor completo, a fls. 99 a 105 dos autos, aqui dada por inteiramente reproduzida). * Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se o Plano de Pagamentos apresentado foi correctamente avaliado pelo Tribunal a quo, que decidiu homologá-lo, apesar de não ter obtido a adesão de todos os credores, assim suprindo a dos que o não fizeram, isto é, se tal decisão veio a ser proferida de acordo ou ao arrepio das normas legais que a deveriam ter informado. É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e supra já transcritas para um melhor entendimento da situação que aqui vem colocada. [Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).] Mas estamos em crer, salva melhor opinião, que a douta sentença objecto do recurso não decidiu bem a matéria da homologação que lhe estava colocada, pelo que não poderá manter-se na ordem jurídica. Não que houvesse algum problema com a votação do Plano, porquanto se não aplicam aqui as restrições que vigoram na lei para o Plano de Insolvência – de o credor não afectado pelo Plano o não poder votar –, porquanto estamos no domínio do Plano de Pagamentos (e não de Recuperação ou de Revitalização), no qual a lei não colocou tais restrições. E, se as quisesse fazer valer, haveria de tê-las mencionado no regime que estabeleceu para este ou, pelo menos, remeter para aqueloutras, não o tendo feito, pelo que não pode o intérprete aqui colocar outros requisitos (mais restritivos) de aprovação do que aqueles que a lei previu (vide, respectivamente, os artigos 212.º, n.º 2, alínea a) e 257.º do CIRE). É certo ter o maior credor (“Banco …, SA”) aderido ao Plano; mas também não havia razão para o não ter feito, pois iria ser pago de tudo quanto estava contratado. O problema é que os demais credores (“… Banco, SA” e “Banco …, SA”) viram substancialmente reduzidos os seus créditos, ou as condições em que tinham contratado (designadamente a redução do capital para 10%, o perdão total dos juros e a extensão dos prazos de pagamento) e, por isso, não aderiram a tal Plano de Pagamentos, antes a ele se opuseram frontalmente. Ao Tribunal vem pedido que supra o consentimento desses credores não aderentes, o que veio a lograr-se na douta sentença recorrida, mas não podendo, porém, tal ser mantido, por se entender, salva melhor opinião, que, como está, o Plano trata discriminatoriamente os credores sem que se apresente alguma razão objectiva para tal. E, efectivamente, com aquelas condições que vêm estabelecidas no Plano de Pagamentos – podendo, é certo, entender-se as razões da devedora –, bem se compreende é a relutância dos visados em aceitar os seus termos. Pelo que cremos que à Apelante ora assistirá razão na dissensão que vem manifestar da douta sentença da 1ª instância que decidiu aprovar aquele Plano de Pagamentos, apresentado pela devedora. E isso porquanto, ao não concitar a adesão de todos os credores nele envolvidos, passa a ter que ser apreciado pelo Tribunal na perspectiva do suprimento dessas posições dos credores e aí com outro rigor de que não haveria de curar se todos lhe tivessem aderido, face ao regime previsto no artigo 258.º, n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – republicado no Decreto-lei nº 200/2004, de 18 de Agosto e ainda alterado, designadamente, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro. Tal preceito estabelece, com efeito, que o juiz terá que ter em atenção o facto de que “os oponentes não sejam objecto de um tratamento discriminatório injustificado”. [A este propósito, vide, paradigmaticamente, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Reimpressão, 2009, da ‘Quid Juris’, na anotação 6ª ao artigo 257.º, a páginas 825, onde escrevem: “Fixado, assim, o âmbito subjectivo do plano de pagamentos, duas hipóteses limite se podem verificar: a) a de todos os credores por ele abrangidos o terem aprovado, expressamente ou nos termos do artigo 256.º, n.º 2, alínea a); b) a de todos os credores a ele se terem oposto, nos termos do n.º 2 do artigo 257.º. Em qualquer destas situações, o regime que lhe corresponder só pode ser um: no primeiro caso, aprovação do plano; no segundo, rejeição, pois não é viável o suprimento previsto no artigo 258º. Pode, porém, haver casos em que os credores se dividem, aderindo uns ao plano e outros deduzindo-lhe oposição. (…) Segue-se, pois, daqui, a necessidade de distinguir duas hipóteses, conforme os aceitantes representem, ou não, mais de 2/3 dos créditos relacionados. (…) Em suma, a aprovação implica uma unanimidade dos credores, quer directamente expressa, quer por suprimento judicial” – sic.] Decorrentemente, com os elementos disponíveis – à data da prolação da sentença de aprovação ou rejeição do Plano de Pagamentos, em 20 de Setembro de 2019 –, o Tribunal tinha conhecimento das condições que vinham expressas nesse Plano, e que alguns dos credores que nele estavam envolvidos o tinham rejeitado. E teria o Tribunal que negar-se a homologá-lo, não vindo a suprir o consentimento desses credores relutantes, a partir da análise que teria que fazer das condições previstas no Plano, havendo que concluir-se pelo “tratamento discriminatório injustificado” a que eram votados alguns credores, na previsão da mencionada alínea b) do n.º 1 do artigo 258.º do CIRE. Note-se que, com isto, não pretendemos defender que não possam ocorrer reduções nos créditos ou nas condições do seu ressarcimento, pois, a ser assim, ficava em causa todo o regime legal e nunca haveria possibilidade de aprovação de um Plano deste tipo. Nada disso. Naturalmente que conta, aqui, verbi gratia, se os créditos têm ou não garantias reais a sustentá-los – o que sempre teria consequências prosseguindo o processo para a insolvência (daí que possa haver, evidentemente, discriminação entre os créditos e os credores). O que não cremos é que possa haver, sem quaisquer consequências para a sua homologação judicial, cortes ou extensões desta ordem de grandeza nalguns dos créditos (in casu, de 90%, ficando reduzidos a uns 10%), ao lado de outros absolutamente intocados (usualmente, os créditos de instituições bancárias com garantias reais é que são pagos a 100%), assim se fazendo a recuperação de uns à custa da ruína dos outros – pelo que terá que haver, aqui, algum rigor, cuidado e parcimónia (que o Plano sub judicio não se preocupou em ter), distribuindo-se os sacrifícios mais igualitariamente, assim se concitando a adesão dos credores, ou da maioria deles, e não somente a de um principal a quem se concede tudo para se obter a margem de aprovação da lei, menosprezando os demais. Não terá sido esse o fito da lei – a par de não ter sido, como se deduz do que vimos escrevendo, o seu fito, também, aqueloutro de pagar tudo a todos. Pois que se assim fosse, e se quisesse vir a beneficiar, esmagadoramente, no Plano de Pagamentos, um dos credores, bastar-se-ia a lei em dizer – mas não o diz, acolhendo-os a todos – que quem não tivesse garantias reais a sustentá-lo era simplesmente postergado nesse Plano. Pelo que são pertinentes as críticas ao presente Plano – precisamente na perspectiva do respeito pelo princípio da igualdade dos credores – quando trata credores com créditos bancários a serem pagos a 100%, com todos os juros e nos prazos inicialmente contratados (“Banco …, SA”) e outros somente a 10%, sem quaisquer juros e a muito longo prazo (“… Banco, S.A.” e “Banco …, S.A.”), sem que se vislumbre razão para essa solução, a não ser o facto de ter uma garantia sobre o imóvel em que a devedora habita (o que não releva, só por si, como se viu). Ao menos que fossem repartidos os sacrifícios, e mais equilibradamente. E mesmo, caso se mostrasse necessário invocá-la (não o sendo face ao já dito sobre a violação do princípio da igualdade), na perspectiva da situação em que os credores se veriam caso o processo seguisse para a liquidação dos bens – prevista no artigo 258.º, n.º 1, alínea a), do CIRE –, não é nada líquido que tais credores, que aqui ficaram relegados a receberem 10% dos seus créditos, num prazo alongado e sem quaisquer juros, não fiquem melhor posicionados a verem ressarcidos tais créditos se o imóvel em causa vier a ser vendido, ponderando, justamente, o valor dos créditos hipotecários, pagos à sua frente (€ 88.830,34), e o facto do imóvel estar a ser avaliado apenas pelo valor inscrito nas Finanças (€ 64.492,52). Mas esse já é, como o é sempre, um juízo de prognose mais complicado. Pelo que, neste enquadramento fáctico e jurídico, não cremos, salva outra melhor opinião, que a homologação do Plano de Pagamentos a que se reportam os autos possa manter-se, assim se devendo revogar da ordem jurídica a douta sentença que a decidiu, e procedendo o presente recurso de Apelação. * Decidindo. Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a douta sentença que homologou o Plano de Pagamentos apresentado pela devedora. Custas pela Apelada. Registe e notifique. Évora, 30 de Janeiro de 2020 Mário João Canelas Brás Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral |