Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
694/11.1TBTVR-A.E1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O co-executado que não deduziu oposição à execução – sendo, pois, estranho ao processo de oposição - não pode ser reputado como oponente e, portanto, como contraparte de quem efectivamente deduziu oposição, pelo que não está impedido de depor como testemunha, não lhe sendo aplicável o impedimento previsto no artº. 617º do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

A executada BB deduziu oposição à execução comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no Tribunal Judicial de Tavira com o nº. 694/11.1TBTVR, em que é exequente CC e co-executada DD, alegando, em síntese, que não celebrou qualquer negócio com a exequente, nem lhe entregou o cheque dado à execução, no qual apenas a sua assinatura foi aposta pelo seu punho, sendo que tudo o resto deve ter sido preenchido pela co-executada, para além de que nunca manifestou perante a exequente o propósito de garantir o pagamento de quaisquer quantias pecuniárias, resultado de uma qualquer relação comercial entre a exequente e a co-executada.

Refere, ainda, que desconhecia, no momento em que apôs a sua assinatura no cheque, o destino que a co-executada daria ao mesmo, limitando-se a oponente a apor a sua assinatura nos cheques referentes à conta de que é titular juntamente com a co-executada, cuja movimentação obriga sempre às assinaturas de ambas as titulares, os quais ficavam na posse da co-executada, que os utilizava de acordo com o seu total arbítrio, procedendo ao seu preenchimento e entregando-os a quem entendia por conveniente.

A oponente desconhecia por completo qualquer negócio que tivesse sido celebrado entre a co-executada e a exequente, só tendo tido conhecimento do mesmo após a citação para a presente execução.

Acrescenta que o co-executada entregou o cheque ora apresentado como título executivo para garantia do pagamento da factura nº. 1603, no valor de € 96 809,50 e obrigou-se a proceder ao pagamento daquele montante nos meses subsequentes ao do negócio, tendo sido efectuados alguns pagamentos que discrimina, num total de € 103 287,00, os quais deveriam ter sido imputados à factura acima referida por ser a de maior montante, o que determinaria a extinção da obrigação subjacente.

Por outro lado, não existindo qualquer relação fundamental entre a oponente e a exequente subjacente à emissão do cheque dado à execução, entende que a exequente não poderá servir-se do mesmo como documento particular, nos termos do artº. 46º, nº. 1, al. c) do CPC.

Caso assim não se entenda, alega, ainda, que a exequente apresenta um montante de juros vencidos (€ 3 590,77) sem explicitar a fórmula de cálculo dos mesmos, qual a taxa de juro aplicável e a data de vencimento da obrigação a partir da qual calculou os juros.

Por último, acrescenta que, em sede de exposição dos factos no requerimento executivo, a exequente alterou dolosamente a verdade dos factos e deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo feito uso do processo executivo para fim manifestamente reprovável, devendo, por isso, ser condenada como litigante de má fé.

Conclui, pedindo a procedência da presente oposição e a condenação da exequente como litigante de má-fé, no pagamento de multa de valor não inferior a € 5 000,00 e indemnização a favor da oponente, a liquidar em sede própria.

A exequente apresentou contestação, na qual impugna o facto de a executada/oponente desconhecer o destino do cheque dado à execução aquando da aposição da sua assinatura no mesmo, sendo que, sem prejuízo de tal facto, a oponente reconhece que assinou o cheque em causa, à semelhança do que fez com outros cheques que disponibilizou à co-executada DD, sua filha, tendo deste modo a executada/oponente assumido o pagamento dos débitos contraídos mediante a entrega de tais cheques.

Mais acrescentou que foram efectuados outros fornecimentos que discrimina, tendo-lhe sido entregues, para reforço da garantia inicialmente prestada, dois outros cheques relativos à mesma conta bancária e assinados por ambas as executadas, no valor de € 25 000,00 cada um, garantias essas que, nos termos acordados, apenas seriam accionadas na eventualidade da co-executada DD, agora declarada insolvente, faltar à liquidação atempada das facturas emitidas pela exequente.

Refere, ainda, que um dos pagamentos parciais feitos pela co-executada (titulado pelo recibo nº. 8364) e imputado à factura nº. 1603, foi efectuado mediante a emissão e entrega de um cheque no valor de € 11 112,00 que, apresentado a pagamento, veio devolvido por falta de provisão, conforme se retira da conta-corrente junta com o requerimento executivo.

Assim, não obstante a emissão do dito recibo no valor de € 11 112,00 e a respectiva imputação à factura em causa, o certo é que tal crédito veio a ser posteriormente anulado pela emissão do aviso de lançamento nº. 143, onde se incluíram as despesas de devolução do cheque, fazendo renascer o débito correspondente, imputado à factura para cujo pagamento o cheque devolvido havia sido emitido.

Após se pronunciar sobre a liquidação dos juros e o pedido de condenação por litigância de má fé formulado pela oponente, termina, pugnando pela total improcedência da oposição.

Dispensada a realização da audiência preliminar, bem como a selecção da matéria de facto assente e controvertida, com fundamento na simplicidade da causa, foi proferido despacho saneador, onde se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância.

Após a prolação do despacho de fls. 70 a 73, no qual foram admitidos os requerimentos de prova apresentados por ambas as partes, e na sequência da informação prestada pela secretaria, de que a testemunha DD, arrolada pela oponente, ora recorrente, era executada no processo executivo a que os presentes autos se encontram apensos, foi proferido despacho datado de 17/05/2012 (refª. 1267556) com o seguinte teor [transcrição]:

«Uma vez que DD é co-executada encontra-se impedida de depor como testemunha, nos termos do art. 617º do Código de Processo Civil.

Notifique».

Inconformada com tal decisão, a executada/oponente dela interpôs recurso, o qual foi admitido por despacho de fls. 104, que determinou a sua subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, não tendo este Tribunal da Relação conhecido do objecto do recurso por considerar que o despacho em causa não é susceptível de recurso autónomo, julgando-o findo e ordenado a remessa dos autos à 1ª instância, conforme decisão proferida em 25/02/2013, ao abrigo do disposto nos artºs 700º, nº. 1, al. b) e 704º, nº. 1 ambos do CPC (fls. 238 a 242).

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após a resposta à matéria de facto alegada pelas partes nos respectivos articulados, que não sofreu qualquer reclamação, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a oposição à execução e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução a ela apensa, apenas para cobrança da quantia de € 4 634,50 referente ao primeiro título executivo apresentado (cheque nº. 1889112845), sem prejuízo do eventual prosseguimento da execução para cobrança dos restantes valores, tendo em conta o pedido de cumulação de execuções e a junção de outros títulos executivos.

Inconformada com tal decisão, a executada/oponente dela interpôs recurso, bem como do despacho de 17/05/2012 com a referência 1267556, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões (após convite ao aperfeiçoamento), que passamos a transcrever:

«A. Da Sentença

a) O cheque apresentado à execução, no valor € 96 809,50, foi entregue pela co-Executada DD à Exequente para garantia do pagamento da fatura nº 1603 cujo valor ascendia, também, a € 96 809,50 (cfr. alínea i) dos factos provados constantes da resposta à matéria de facto e art. 3º da Matéria de Facto Provada constante da fundamentação de facto da sentença);

b) A co-Executada DD pagou à Exequente a quantia global de € 103 287,00 (cfr. alínea j) dos factos provados constantes da resposta à matéria de facto e art. 9º da Matéria de Facto Provada constante da fundamentação de facto da sentença);

c) Todos os pagamentos efectuados pela co-Executada DD, foram feitos por conta, conforme resulta do depoimento de parte prestado pela representante da Exequente, EE (o qual se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal a quo, a qual se iniciou às 14:34:07 e terminou às 15:19:47), mais precisamente entre os 35m25 a 35m40 da gravação, quando, confrontada com o Doc. 2 junto com o Requerimento Executivo, confirma os totais de pagamentos e afirma que os pagamentos eram efectuados por conta (pagamento conhecido na gíria como pagamento parcial de uma dívida global constante de conta-corrente contabilística, sem indicação precisa de que factura se pretende pagar, em regra imputados à factura mais antiga);

d) Do parágrafo 4º a 6º da página 4 da fundamentação de direito da sentença (desde “Os valores entregues pela Executada (…)” até “tal como consta da matéria de facto provada”), o Tribunal a quo conclui que os montantes pagos “são superiores ao montante titulado pelo cheque dado à execução” e que “tais valores devem ser imputados ao pagamento da factura nº 1603”;

e) O cheque no valor de € 11 112,00 que foi devolvido e não pago não corresponde à quantia de € 103 287,00 que resultou provado ter sido paga (cfr. Doc. 2 junto com o Requerimento Executivo e Doc. 10 a 17 junto com a Contestação à Oposição à Execução);

f) O último pagamento de € 25 000,00, corresponde a quantia paga através de dois depósitos de 15/03/2013 (constante do recibo junto com a Contestação à Oposição à Execução como Doc. 15, conforme resulta do teor do mesmo), em momento anterior à data de apresentação do cheque de € 11 112,00 a pagamento e à emissão do seu respectivo recibo (cfr. recibo junto com a Contestação à Oposição à Execução como Doc. 14), tendo com esse pagamento sido integralmente paga a fatura nº 1603;

g) Atento o supra exposto, conclui-se que o tribunal a quo errou de forma manifesta, na análise jurídica dos factos provados, ao considerar, na fundamentação de direito, que da dívida garantida pelo cheque dado à execução, correspondente à fatura nº 1603, apenas se encontra paga a quantia de € 92 175,00, porquanto deduz ao montante pago, € 103 287,00, a quantia de € 11 112,00, correspondente a um cheque devolvido, cujo montante por ele titulado não se confundo com o montante pago,

h) devendo, dessa forma, ser rectificado tal erro material, e, consequentemente, concluindo-se que a dívida exequenda se encontra integralmente paga, rectificar a sentença julgando a oposição à execução totalmente procedente e, concomitantemente, a extinção da execução, nos termos do disposto no art. 667º nº 1 e 2 do CPC;

i) Caso assim não se entenda, atento o supra exposto, deverá concluir-se pela existência de uma oposição entre a fundamentação e a decisão, a qual deverá determinar a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 668º nº 1 alínea c) do CPC;

j) A Recorrente considera que foi incorrectamente julgado o facto constante do art. 30º da Oposição à Execução, o qual, no despacho de resposta à matéria de facto, datado de 06/11/2012, resultou como não provado (cfr. alínea l) do despacho de resposta à matéria de facto);

k) Tal facto deveria ter sido dado como provado, porquanto tal facto resultou confessado pela Representante Legal da Exequente, EE, quando, em sede de depoimento de parte (o qual se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal a quo, a qual se iniciou às 14:34:07 e terminou às 15:19:47), questionada se a co-Executada quanto efectuava pagamentos indicava quais as facturas ou mercadorias que pretendia pagar, a parte respondeu prontamente “Não senhor” (entre 38m40 e 39m00 da gravação do seu depoimento),

l) tendo ainda, no seguimento do seu depoimento, nos termos do disposto no art. 563º do CPC, sido elaborada a assentada, de onde consta o seguinte: “Quando entregava as quantias para pagamento dos bens fornecidos nunca identificada quais as facturas a que respeitava ou mercadorias fornecidas”;

m) Posto isto, atenta a confissão expressa da Exequente, feita constar da assentada e decorrente do seu depoimento gravado, deveria ter sido dado como provado o art. 30º da Oposição à Execução e, consequentemente, ser incluso o mesmo na matéria de facto provada;

n) A Recorrente considera que foi incorrectamente julgado o facto constante do art. 30º da Contestação à Oposição à Execução, o qual, no despacho de resposta à matéria de facto, datado de 06/11/2012, resultou como provado com reservas (cfr. alínea r) do despacho de resposta à matéria de facto e art. 13º da matéria de facto provada constante da fundamentação de facto da sentença – “um cheque entregue no valor de € 11 112,00, emitido pela co-executada DD, referente à factura nº1603, veio devolvido por falta de provisão);

o) Tal facto foi dado como provado, segundo o tribunal a quo, porque “resultou da análise dos documentos de fls. 37 a 47 da oposição – facturas de outros fornecimentos a DD e ainda o extracto de conta corrente de fls. 6 da execução, cheques de fls. 44, que foram corroborados e explicitados por FF, que demonstrou conhecimento directo e firme, pois tratava da contabilidade da exequente e dos assuntos administrativos. De facto, a testemunha corroborou que houve mais fornecimentos e qual o valor que DD não pagou, da existência de mais dois cheques da conta conjunta, entregues como garantia, ambos assinados pela oponente. A devolução do cheque resultou do extracto de conta corrente explicitado por esta testemunha. Adianta-se que a forma explicativa, espontânea e segura levaram-nos a acreditar no seu depoimento, sendo certo que demonstrou um conhecimento directo relevante, devido às funções exercidas.”;

p) Entende a Recorrente que não poderia ser dado como provado que o cheque de € 11 112,00 foi entregue para pagamento da fatura nº 1603, uma vez que deverá ter que ser dado como provados os factos constantes do art. 30º da Oposição à Execução, por confissão da parte, o qual está em contradição directa com este, e

q) atento o depoimento de parte da sua representante legal, EE, cujo depoimento e passagens foram supra identificadas nas alíneas k) e l) das presente conclusões, a qual confessou que nenhum pagamento efectuado pela co-Executada era efectuado com indicação das faturas ou mercadorias a pagar,

r) bem como da passagem do seu depoimento em que, confrontada com o Doc. 2 junto com o Requerimento Executivo, questionada sobre se o que está na coluna de créditos são pagamento, a parte responde “sim”, sendo que perguntada se são pagamentos por conta, responde igualmente “sim” (35m25 a 35m40 da gravação),

s) sendo certo que, por “pagamentos por conta” se entende na gíria pagamentos por relação à dívida existente em determinado momento e não pagamentos expressamente imputados ao pagamento de um qualquer bem ou factura;

t) Por outro lado, os documentos de fls. 37 a 47 da Contestação à Oposição à Execução e de fls. 6 do Requerimento Executivo, não permitem concluir pela prova de tal facto,

u) sendo que o documento de fls. 49 (junto pela Exequente com a sua Contestação), que foi considerado pelo tribunal a quo, no despacho de resposta à matéria de facto, conjuntamente com outros aí elencados, como documento cujo teor não foi impugnado (vide páginas 5 e 6 da ata de 06/11/2012),

v) quando foram objecto de impugnação, através do requerimento da Recorrente, apresentado em juízo por via electrónica no dia 30/05/2012, com a referência 314626;

w) Tal recibo, da lavra exclusiva da Exequente configura uma mera declaração unilateral da mesma, não se afigurando idóneo a provar qualquer imputação convencional de um pagamento;

x) Do depoimento da testemunha FF (cujo depoimento se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal a quo, a qual se iniciou às 15:50:18 e terminou às 16:26:27), mais precisamente das seguintes passagens da gravação do seu depoimento: entre 10m15 e 10m35; entre 14m30 e 15m10; entre 15m10 e 15m25; entre 15m25 e 15m35; e entre 33m55 e 34m15,

y) resulta que a testemunha não demonstra qualquer razão de ciência para poder afirmar o que o cheque de € 11 112,00 efectivamente se destinava a pagar, de acordo com regras de imputação acordadas entre as partes ou da aplicação das regras legais, mostrando desconhecer quando é que os cheques foram efectivamente entregues, a razão de ser da emissão dos recibos com as descrições deles constantes,

z) estando, além do mais, em contradição no que diz respeito ao que é que os cheques se destinavam a pagar, com o depoimento de parte da representante legal da Exequente;

aa) Em suma, do referido depoimento da testemunha FF não se pode concluir que o cheque de € 11 112,00 haja sido entregue pela co-Executada DD para pagamento de qualquer fatura em específico;

bb) Por tudo quanto é supra exposto, face à confissão da legal representante da Exequente de que os cheques eram entregues sem indicação do que se destinavam a pagar e à ausência de demais prova que permitisse concluir o contrário, deverá ser expurgada da alínea r) do despacho de resposta à matéria de facto constante de 06/11/2012, a parte em que se lê “referente à factura nº 1603”,

cc) devendo assim passar-se a ler “um cheque entregue no valor de € 11 112,00, emitido pela co-executada DD, veio devolvido por falta de provisão.”;

dd) Em resultado da requerida alteração da matéria de facto provada e não provada, deverá concluir-se que, atento o valor de pagamentos efectuado pela co-Executada, que ascende a € 103 287,00, e ao facto de tais pagamentos terem sido efectuados sem menção do que se destinavam a pagar, deverá considerar-se que os mesmos, de acordo com o disposto no art. 784º nº 1 do Código Civil, devem ser imputados ao pagamento da fatura nº 1603, no valor de € 96 809,50, para garantia da qual foi entregue o cheque dado à execução, e,

ee) consequentemente, revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo, julgar-se totalmente procedente por provada a oposição à execução e extinguir-se a execução;

Mesmo que assim não fosse, pelos motivos supra expostos que fundamentam o pedido de rectificação de erros materiais e nulidade da sentença,

ff) tendo o tribunal a quo concluído que os pagamentos ascenderam ao valor total de € 103 287,00, e que os pagamentos deveriam ser imputados de acordo com o disposto no art. 784º nº 1 do Código Civil, conforme consta da fundamentação de direito da sentença, deveria o tribunal a quo ter concluído, de forma diversa do que fez, pela total procedência da oposição à execução e a extinção da execução,

gg) porquanto não poderia o tribunal a quo deduzir, aos valores que considerou efectivamente pagos pela co-Executada à Exequente, o valor referente a um cheque que não foi pago e que não se encontrava contabilizado no valor global dos mesmos;

hh) Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no art. 659º nº 2 do CPC e o disposto no art. 784º nº 1 do CC;

ii) O título executivo dado à execução foi qualificado pela Exequente, quanto à sua espécie, como documento particular, ora tratando-se de um cheque, fê-lo enquanto quirógrafo da relação subjacente, nos termos do disposto no art. 46º nº 1 alínea c) do CPC;

jj) Da matéria de facto provada e não provada, mormente, e com interesse, dos factos provados correspondentes aos artigos 3º a 5º da Matéria de Facto provada constante da fundamentação de facto constante da sentença, resulta que não existiu qualquer negócio jurídico entre a Recorrente e a Exequente que servisse de relação subjacente à emissão do cheque;

kk) O tribunal a quo considera que apesar de a Recorrente “não ter celebrado qualquer negócio com a exequente, conforme resultou provado, nem ter sido ela a entregar-lhe o cheque dado à execução” que a mesma é obrigada por a sua obrigação ser “cartular”, resulta do cheque e tem nele a sua causa”;

ll) Entende a Recorrente que, tendo o cheque sido dado à execução enquanto documento particular, ora quirógrafo da relação subjacente, inexistindo qualquer negócio jurídico subjacente à emissão do cheque, não estão reunidos os requisitos necessários para que o cheque possa valor como título executivo enquanto quirógrafo, pelo que se deveria ter concluído pela inexistência de título;

mm) Pelo exposto, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 46º nº 1 do CPC, pelo que deverá, em consequência, ser revogada a sentença proferida, e substituída por uma que, julgando totalmente procedente a oposição à execução, determina a extinção da execução;

nn) Em sede de Oposição à Execução, a ora Recorrente alegou, entre outros fundamentos, que a Exequente não alegou a data de vencimento da obrigação ou o método de cálculo dos juros de mora peticionados, bem como que apenas poderiam ser peticionados juros de mora, em último caso, calculados à taxa de juro civil;

oo) Em sede de sentença, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à matéria dos juros de mora peticionados, mormente se são devidos e, a serem devidos, desde que data ou mesmo qual a taxa aplicável, o que consubstancia uma nulidade, nos termos do disposto no art. 668º nº 1 alínea d) do CPC, a qual desde já se argui para os devidos efeitos legais;

pp) Tendo resultado provado que a conta sobre a qual os cheques foram emitidos é conjunta (cfr. art. 7º da matéria de facto provada constante da fundamentação de facto da sentença), e estando os cheques assinados por ambas as executadas, a obrigação assumida pelas mesmas é conjunta, pelo que a Exequente não pode exigir dos dois obrigados a totalidade da obrigação, mas apenas a sua quota parte, a qual, na falta de outra prova, será em parte iguais, pelo que apenas poderia a ora Recorrente ser obrigada ao pagamento de metade do valor que se concluísse em dívida;

qq) Posto isto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 513º do Código Civil, pelo que deverá, em consequência, ser revogada a sentença proferida, por uma outra que, julgando parcialmente procedente a oposição à execução, determine o prosseguimento da execução para cobrança de metade do valor resultante em dívida;

B. Do Despacho com a referência 1267556 de 17/05/2012

rr) Na sequência da informação prestada pela secretaria, de que a testemunha DD, arrolada pela ora Recorrente, era co-Executada no processo executivo a que os presentes autos se encontram apensos, foi proferido despacho datado de 17/05/2012, com a referência 1267556, que veio a julgar a mesma impedida de depor como testemunha, nos termos do disposto no art. 617º do CPC, porquanto é co-Executada;

ss) A co-Executada não é parte na oposição à execução, atenta a autonomia estrutural do incidente de oposição à execução relativamente à acção executiva e a própria eficácia da decisão nela proferida, que se cinge à oponente e exequente,

tt) pelo não poderia depor como parte nos presentes autos, ao abrigo do disposto nos artigos 552º e ss. do CPC,

uu) o que determina que poderia depor como testemunha, cfr. art. 617º a contrario sensu CPC;

vv) Pelo exposto, o tribunal a quo não poderia declará-la impedida de depor enquanto testemunha, sendo que ao fazê-lo violou o disposto nos artigos 552º e ss. do CPC e 617º do CPC;

ww) Mesmo que se entendesse que a testemunha em apreço não poderia depor caso figurasse como co-Executada no processo executivo, a decisão que a impediu de depor como testemunha afigura-se intempestiva, porquanto o momento para aferir da admissibilidade da pessoa para depor como testemunha corresponde àquele em que a mesma se apresenta a depor, cfr. art. 636º e 637º do CPC;

xx) Por motivos variados, entre o momento em que a testemunha foi declarada impedida de depor e o momento em que a mesma deveria ter sido ouvida poderia mesma ter deixado de ser parte no processo executivo;

yy) Assim sendo, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo proferiu uma decisão intempestiva, porquanto proferida em momento anterior àquele em que legalmente deveria e poderia conhecer da admissibilidade ou não da testemunha, violando o disposto nos artigos 552º e ss., 617º, 636º e 637º do CPC;

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO REQUER A V.EXª. DIGNE ADMITIR A JUNÇÃO AOS AUTOS DAS NOVAS CONCLUSÕES, DESSA FORMA SE CONSIDERANDO SUPRIDAS AS DEFICIÊNCIAS DOUTAMENTE APONTADAS, E, CONSEQUENTEMENTE, CONHECER DO RECURSO, CONCLUINDO-SE NOS EXACTOS TERMOS OUTRORA PETICIONADOS».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 207 e 208, no qual a Mª Juíza “a quo” indeferiu a requerida rectificação da sentença e se pronunciou sobre a questão da nulidade da sentença invocada pela recorrente prevista no artº. 668º, nº. 1, al. d) do CPC (omissão de pronúncia), concluindo que a mesma não padece de qualquer nulidade.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 660º, nº. 2, 684º, nº. 3 e 685º-A, nº. 1 todos do Código de Processo Civil, na versão anterior à Lei nº. 41/2013 de 26/6, aplicável “in casu”.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela executada/oponente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso do despacho de 17/05/2012 (refª 1267556):

- Saber se a co-executada DD se encontra impedida de depor como testemunha.

B) – Recurso da sentença:

I) - Nulidade da sentença nos termos do artº. 668º, nº. 1, al. c) e d) do CPC;

II) – Saber se existe um lapso material por o Tribunal “a quo” ter errado na análise jurídica dos factos provados;

III) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

IV) – Da inexistência de título executivo em relação à executada/oponente;

V) – Da espécie da obrigação imputada à executada/oponente.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1. «A exequente é uma sociedade comercial, cujo objecto social consiste na indústria de ourivesaria e comercio por grosso e a retalho de artigos de ourivesaria.

2. No exercício da sua actividade comercial, a exequente encetou relações comerciais com a executada DD em Dezembro de 2009, tendo efectuado, desde então, diversos fornecimentos de artigos de ourivesaria a solicitação desta última.

3. Na sequência de fornecimento de ouro no valor de 96.809,50€ à DD por banda da exequente, esta foi informada que a conta de onde foi emitido um cheque pela primeira, não tinha saldo para fazer face ao montante nele titulado (96.809,50€), pelo que BB, assinou e entregou o cheque n° 1889112845, datado de 16/12/2009, no montante de 96.809,50€ de uma conta conjunta com DD, para assegurar a futura entrega de tal valor à exequente, por parte de DD.

4. A oponente não adquiriu qualquer material de ourivesaria ou outro comercializado pela exequente.

5. A oponente não entregou à exequente o cheque ora junto aos autos como título executivo.

6. Dos escritos que constam do título executivo, apenas a assinatura da oponente foi aposta pelo seu punho, sendo que tudo o mais foi preenchido pela co-executada DD.

7. A oponente é titular de uma conta bancária junto da instituição bancária "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo", juntamente com a co-executada, conta essa do tipo conjunta, e cuja movimentação obriga sempre a assinatura de ambas as titulares, mormente no que concerne à emissão de cheques.

8. A co-Executada entregou à exequente o cheque ora apresentado como título executivo para garantia do pagamento da factura n° 1603, no exacto montante de € 96 809,50, obrigando-se a co-Executada a proceder ao pagamento de tal montante nos meses vindouros ao do negócio.

9. A co-Executada procedeu aos seguintes pagamentos: € 21 800,00 no dia 12 de Janeiro de 2010; € 25 000,00 no dia 8 de Fevereiro de 2010; € 15 743,50 no dia 12 de Março de 2010; € 15 743,50 no dia 14 de Abril de 2010 e € 25 000,00 no dia 14 de Junho de 2010.

10. Para além dos produtos fornecidos ao abrigo da factura nº 1603, a exequente forneceu ainda os produtos constantes das facturas: nº 1633, datada de 21/12/2009, no montante de 5.270,12€; nº 164l, datada de 6/01/2010, no montante de 26.217,20€; nº 1666, datada de 08/02/2010, no montante de 3.610,12€; n° 1667, datada de 08/02/2010, no montante de 2.668,96€; nº 1668, datada de 09/02/2010, no montante de 2.097,56€ e nº 1726, datada de 22/03/2010, no montante de 2.726,41€.

11. Foram entregues outros dois cheques à exequente, um datado de 28/02/2010 e outro de 31/03/2010, relativos à mesma conta bancária e subscritos por ambas as executadas, no valor de 25.000,00€ cada um.

12. Os cheques referidos em 11 apenas serim accionados na eventualidade da co- executada DD faltar à liquidação atempada do valor das facturas emitidas pela exequente.

13. Um cheque entregue no valor de 11.112,00€ emitido pela co-executada DD, referente à factura nº 1603, veio devolvido por falta de provisão».

*

Apreciando e decidindo.

Apreciemos, em primeiro lugar, o recurso do despacho de 17/05/2012 (refª 1267556), que se subsume à questão de saber se, em relação a co-executada DD, ocorre o impedimento previsto no artº. 617º do CPC, como foi ali decidido.

O processo de execução a que os presentes autos se encontram apensos foi instaurado pela ora recorrida contra a ora recorrente e DD, tendo a presente oposição à execução sido deduzida somente pela executada BB, ora recorrente.

A oponente/recorrente, no seu requerimento probatório, arrolou como testemunha a co-executada DD (fls. 64 a 69), tendo por despacho de 19/04/2012 sido admitido o rol de testemunhas por ela apresentado (fls. 70 a 72).

Na sequência da informação prestada pela secretaria, de que a testemunha DD, arrolada pela oponente, era executada nos autos principais, foi proferido, em 17/05/2012, o despacho sob censura que decidiu que DD, por ser co-executada, se encontra impedida de depor como testemunha, nos termos do disposto no citado artº. 617º do CPC (fls. 76).

Adiantamos, desde já, que assiste razão à oponente/recorrente ao defender que a co-executada DD pode depor como testemunha.

Vejamos, então:

Não tendo a co-executada DD deduzido oposição à execução (outrora, embargos de executado), a mesma não é parte na presente oposição, atenta a autonomia estrutural do incidente de oposição relativamente à acção executiva e a própria eficácia da decisão nela proferida, que se cinge à executada/oponente e à exequente.

Sendo a DD estranha a este processo, não pode no mesmo ser reputada como parte oponente e, portanto, como comparte de quem efectivamente deduziu esta oposição, pelo que não poderia depor como parte nos presentes autos, ao abrigo do disposto nos artºs 552º e segtes do CPC, o que significa que poderia depor como testemunha (cfr. artº. 617º a contrario sensu do CPC),

Como ensina o Prof. Lebre de Freitas, “diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia”.

E mais adiante acrescenta: “um dos corolários da autonomia estrutural da acção de oposição à execução relativamente à acção executiva é a possibilidade de não serem as mesmas as partes num e noutro processo. Basta, para tanto que, havendo vários executados litisconsortes, nem todos deduzam oposição à execução.

“Em tal caso, a sentença proferida na oposição só é vinculativa entre o opoente (ou opoentes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado”.

E mais adiante: “Os restantes executados, terceiros relativamente ao processo de oposição, não são abrangidos pela eficácia directa do caso julgado que nele se forme, pelo que as situações jurídicas de que são titulares se limitam a registar, se for caso disso, as repercussões indirectas que lhes possam caber segundo o direito substantivo, em nada mais lhes aproveitando a dedução de oposição” (vide José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva – Depois da Reforma”, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 188 – 197).

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos tribunais superiores de que são exemplo os acórdãos da Relação do Porto de 15/04/2013, proc. nº. 3/12.2TBSJP-C e da Relação de Coimbra de 6/08/2004, proc. nº. 1700/03, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Deste modo, verificando-se que a co-executada DD, como já referimos, é estranha ao processo de oposição, não podendo ser reputada como oponente e, portanto, como contraparte da oponente BB, não ocorre o impedimento previsto no artº. 617º do CPC, pelo que deve ser ouvida como testemunha, uma vez que foi apresentado requerimento pela oponente para esse efeito.

Assim, deve julgar-se procedente, nesta parte, o recurso interposto pela executada/oponente e revogada a decisão recorrida, admitindo-se a indicada testemunha DD a depor em julgamento nesta qualidade, com as legais consequências, como seja a reabertura da audiência de julgamento e a anulação de todos os actos praticados posteriormente ao encerramento da discussão da causa e com esta relacionada, dando assim lugar a uma nova resposta à matéria de facto e à prolação de nova sentença.

Nesta conformidade, fica prejudicada apreciação das demais questões suscitadas no recurso de apelação, onde se incluem as nulidades da sentença invocadas pela recorrente.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela executada/oponente BB em relação ao despacho datado de 17/05/2012, com a refª. 1267556 e, em consequência:

a) - revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que admita a referida testemunha a depor em audiência de julgamento, com as legais consequências;

b) - determinar a reabertura da audiência de julgamento para o efeito;

c) - proceder à anulação de todos os actos praticados posteriormente ao encerramento da discussão da causa e com esta relacionada, dando assim lugar a uma nova resposta à matéria de facto e à prolação de nova sentença.

Sem custas.
Évora, 12 de Março de 2015
(Maria Cristina Cerdeira)
(Maria Alexandra Moura Santos)
(António Manuel Ribeiro Cardoso)