Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3143/15.2T8FAR.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
NEGÓCIO USURÁRIO
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A causa de pedir é de considerar improcedente quando os factos aduzidos não têm, de todo, a aptidão para sustentar o efeito jurídico peticionado;
2 - Neste caso, impõe-se a antecipação do conhecimento de mérito (e não já o convite a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, ou a absolvição do réu por falta de causa de pedir), culminando na improcedência da acção.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3143/15.2T8FAR.E1

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: José (…)
Recorrida / Ré: Josefa (…)

Trata-se de uma acção declarativa sob a forma de processo comum por via da qual o A pretende que seja declarado anulado, por usurário, o contrato promessa de partilha celebrado entre a A e o R ou a promessa ali expressa.

II – O Objecto do Recurso

Decorrida a fase dos articulados, foi proferida sentença julgando a acção improcedente, absolvendo a R do pedido contra si deduzido, por inviabilidade da petição inicial, já que os factos alegados, ainda que viessem a provar-se, implicariam na improcedência da acção.

Inconformado, o A interpôs recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida, a substituir por outra que convide o Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial em cumprimento do disposto no art.º 590.º, n.º 2, al. b) e n.ºs 3 e 4, do CPC. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«I. A decisão recorrida encontra-se desprovida de fundamento legal, salvo o devido respeito.
II. Além de fazer errada interpretação dos factos e das próprias disposições legais aplicáveis, o Tribunal criou um incidente processual que culminou numa decisão anómala que não tem cabimento legal.
III. Ao invés de proferir a decisão ora em crise, uma de duas soluções se impunham ao Tribunal
A saber:
1ª) Os autos deveriam ter prosseguido os seus termos porquanto, e conforme veremos, foram sobejamente alegados (ao contrário do que entendeu o Tribunal) factos susceptíveis de qualificar o negócio como sendo usurário. Acresce que o dever de gestão processual consagrado no artigo 6º do CPC impunha ao Tribunal a realização das diligências pertinentes com vista ao suprimento de eventuais deficiências que considerasse existir vg através do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial nos termos do disposto no artigo 590º do CPC;
2ª) Assim não o entendendo, e caso considerasse que o A. não alegou factos suficientes, o que seria susceptível de consubstanciar falta de indicação da causa de pedir, e consequentemente, a declaração da ineptidão da petição inicial nos termos do disposto no artigo 186º n.º 2 al. a) do CPC, levando à absolvição da Ré da instância e nunca do pedido como o fez o Tribunal. Aliás, verificada a ineptidão da petição inicial, ao Tribunal era vedada a possibilidade de se pronunciar sobre os pedidos.
IV. A petição inicial centra-se integralmente na questão da qualificação do negócio como usurário e das razões para a sua invocação, sendo que os motivos pelos quais o Recorrente qualifica o negócio como sendo usurário e peticiona a sua anulabilidade foram sobejamente descritos na petição inicial.
V. De acordo com o entendimento sufragado no Ac. do STJ de 6-4-1983 in BMJ 326º-440 “Para que haja negócio usurário é indispensável a conjugação dos dois elementos essenciais seguintes: a) a obtenção de promessa ou concessão de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados; b) o aproveitamento consciente de uma situação de inferioridade de quem é contraparte (por necessidade, dependência, inexperiência ou deficiência psíquica), situação esta que terá de reportar-se à pessoa que exprima (por si própria ou por simples núncio) a vontade de contratar, uma vez que se traduz num verdadeiro vício da vontade. (…)”
VI. “A obtenção de promessa ou concessão de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados” foi alegada e verifica-se no preciso momento em que a Recorrida consegue outorgar a escritura de partilha nas condições por ela impostas;
VII. “O aproveitamento consciente de uma situação de inferioridade de quem é contraparte (…)” foi também alegado e verifica-se na pressão exercida sobre o Recorrente no momento da outorga escritura de compra e venda (à segunda tentativa), em que a Recorrida exerce pressão no sentido de ele outorgar a escritura de partilha sob cominação de não outorgar a escritura de compra e venda e assim ser obrigado a restituir o sinal em dobro.
VIII. Não se vê assim fundamentos bastantes para o Tribunal ter entendido que não foram alegados factos essenciais que consubstanciem uma situação de usura.
IX. Entendendo o Tribunal existir alguma deficiência na petição inicial, podia e devia ter formulado convite de aperfeiçoamento da mesma nos termos do disposto no artigo 590º, n.º 2, b), n.º 3 e n.º 4, do CPC em harmonia com o disposto no artigo 6º do CPC.
X. Entendendo o Tribunal existir falta da causa de pedir, como parece resultar da fundamentação da sentença onde menciona que não foram alegados factos, muito embora não tenha sido declarada a ineptidão da petição inicial, que era de conhecimento oficioso, devia tê-lo sido, caso, como vimos, o Tribunal entendesse não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento da petição.
XI. A ineptidão da petição inicial teria como consequência a absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 278º do CPC.
XII. A absolvição da instância que não impediria o Recorrente de intentar nova acção
XIII. Verificando-se ineptidão da petição inicial, ao Tribunal estava vedada a possibilidade de conhecer de questões de mérito.
XIV. A absolvição da Recorrida do pedido retirou ao ora Recorrente qualquer possibilidade de intentar nova acção e assim fazer valer a sua pretensão.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Assim, em face das conclusões da alegação do Recorrente, que delimitam o objecto do recurso[1], são as seguintes as questões a decidir:
- da falta de convite endereçado ao A para aperfeiçoamento da petição inicial;
- da falta de causa de pedir, implicando na absolvição da R da instância.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª instância
1) Em 12 de Janeiro de 2005, a Ré Josefa (…) outorgou procuração a favor do Autor José (…), seu marido, autorizando-o, em seu nome, a vender, pelo preço que entender, o prédio lote (…), sito em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da referida freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), podendo ainda assinar contrato-promessa de compra e venda, tal como resulta de fls. 21 e 22, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 5º da petição inicial).
2) Autor e Ré divorciaram-se por sentença de 7 de Abril de 2010, tendo a sentença transitado em julgado em 26 de Julho de 2010, reportando-se os efeitos do divórcio a 1 de Junho de 2006 (artigo 9º da petição inicial).

3) Em 27 de Dezembro de 2013, a Ré instaurou o inventário n.º 994/13 com vista aa partilha dos bens na sequência do divórcio do Autor (artigo 12º da petição inicial).

4) Em 12 de Março de 2015, o Autor outorgou, em seu nome e na qualidade de procurador da Ré, contrato-promessa de compra e venda do prédio referido em 1), no qual se compromete a vender o mesmo a John (…) e Joyce (…) pelo preço de € 325.000,00 e o respectivo recheio pelo preço de € 20.000,00, recebendo de sinal a quantia de € 34.500,00, devendo a escritura definitiva ser agendada no prazo de 45 dias após a assinatura do contrato, ficando o agendamento a cargo dos promitentes-compradores, tal como resulta de fls. 23 a agendamento a cargo dos promitentes- compradores, tal como resulta de fls. 23 a 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 22º da petição inicial).
5) No dia 24 de Novembro de 2015, por escrito particular com reconhecimento presencial de assinaturas na mesma data no Cartório Notarial sito na Rua A Voz de Loulé, lote 4, rés-do-chão direito, loja L, em Loulé, Autor e Ré celebraram “contrato promessa de partilha adicional”, no âmbito do qual o Autor, na qualidade de 1º outorgante, refere que atento o processo de inventário n.º 994/13 pendente do qual consta da relação de bens o prédio referido em 1) e um prédio urbano sito em (…), na França, ao qual foi atribuído o valor de € 200.000,00, compromete-se, por razões de registo a efectuar após a partilha, a alterar a descrição do imóvel sito em França, bem como o valor do mesmo, que passará a ser de € 325.000,00 e que, tendo assinado o contrato-promessa referido em 4),”sem intervenção da segunda outorgante” (Ré), a ora Ré se compromete a outorgar a escritura definitiva recebendo no acto da escritura a quantia de € 172.500,00 directamente dos promitentes-compradores correspondente à sua meação no preço do referido imóvel e respectivo recheio, assumindo o Autor, em exclusivo todos os encargos relativos a honorários e despesas com a imobiliária que refere ter contrato para promoção da venda do referido imóvel e, feita a venda, a Ré compromete-se a solicitar a eliminação de tal verba no processo de inventário. Mais acordaram que o 1º outorgante “se compromete a – no âmbito do inventário – a não licitar a casa de França e respectivo recheio pelo valor superior a € 345.000,00 (sendo € 325.000,00 relativos ao imóvel e € 20.000,00 ao recheio), podendo porém, licitá-la livremente até ao referido montante e tais verbas serem-lhe adjudicadas se a segunda outorgante não formular proposta pelos € 345.000,00 aqui referidos (cabendo ao primeiro outorgante a meação de € 172.500,00 a tal título)” e “Que, na eventualidade da segunda outorgante pretender, antes da conferência de interessados e/ou conclusão do inventário que a casa de França e recheio lhe sejam adjudicados por acordo, se compromete a participar nas diligências e actos necessários a tal fim, desde que lhe seja paga a contrapartida global de € 172.500,00 a título de tornas, eliminando-se, nessa eventualidade, da relação de bens, as verbas correspondentes ao recheio e ao imóvel em causa”, para além de “Que a segunda outorgante continuará a residir na casa de França, até à adjudicação desta a qualquer dos interessados, cabendo-lhe apenas proceder ao pagamento dos encargos relativos ao imóvel, (contribuições, água, luz, telefone, etc.)”, estabelecendo-se ainda que, em caso de incumprimento das obrigações assumidas, constitui-se o incumpridor no dever de indemnizar o outorgante não faltoso, a título de cláusula penal, pelo valor de € 172.500,00, sem prejuízo de o outorgante cumpridor poder optar pela execução específica do contrato nos termos do artigo 830º do Código Civil, tal como resulta de fls. 31 a 37, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 74º, 81º, 82º e 87ºº da petição inicial).
6) No dia 24 de Novembro de 2015, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial sito na Rua A Voz de Loulé, lote 4, rés-do-chão direito, loja L, em Loulé, Autor e Ré declararam vender a John (…) e Joyce (…) o prédio referido em 1), pelo preço de € 325.000,00, pago em 2 cheques no valor de € 162.500,00 cada um, tal como resulta de fls. 39 a 43, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 58º e 59º da petição inicial).

B – O Direito

No tribunal recorrido foi proferida decisão alicerçada na manifesta improcedência da acção, tendo-se entendido que os factos invocados na petição inicial, ainda que viessem a provar-se, não implicariam na caracterização como usurário do negócio que o A pretende anular.

Cabe, pois, analisar se assim é ou se, como sustenta o Recorrente, deveria ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da p.i. ou, assim não se entendendo, deveria antes ter sido declarada a ineptidão da p.i. por falta de causa de pedir.

A causa de pedir é o facto jurídico concreto de que emerge o direito do autor, e fundamenta legalmente a sua pretensão.[2]

Traduzindo-se na alegação de uma factualidade concreta que permite a afirmação do facto histórico no processo, com a finalidade de estabelecer, através dos meios de prova, a correspondência entre a afirmação e aquela factualidade[3], é através da alegação da causa de pedir que se vai individualizar a pretensão formulada em juízo, já que esse mesmo factualismo é constitutivo do efeito jurídico pretendido. Nestes termos, e para que tenha cabimento a pretensão formulada, «ao autor compete provar os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, são constitutivos da pretensão por ele formulada.»[4] De acordo com a Teoria da Norma[5], o autor há de alegar os factos que integrem a fatispécie da norma ou normas em que fundamenta a sua pretensão e dela constituem pressuposto.[6]

Nos termos do art.º 552.º n.º 1 al. d) do CPC, bem como do art.º 5.º n.º 1 do CPC, cabe ao autor, na petição por via da qual propõe a acção, expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à mesma acção.

Findos os articulados, cabe ao juiz, designadamente, analisar se ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (art.º 595.º n.º 1 al. a), 186.º n.º 2 al. a) e 577.º al. b) do CPC), se existem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que cumpra suprir mediante convite a endereçar à parte para o efeito (art.º 590.º, n.º 4, do CPC), ou se o estado do processo permite conhecer imediatamente do mérito da causa (art.º 595.º, n.º 1, al. b), do CPC).

Vem sendo entendido que é inepta a petição, por falta de indicação de causa de pedir, não só quando esta é, de todo, omitida mas também quando ela se apresenta gravemente mutilada, de tal sorte que não seja possível saber como dela emerge o direito cuja tutela se pretende[7] – é o que sucede designadamente quando, tratando-se de causa de pedir complexa, apenas se especifiquem alguns dos seus elementos e se refiram os restantes em abstracto.

Já a insuficiência da causa de pedir ocorre quando o quadro fáctico descrito pelo autor, integrando os factos essenciais em face do objeto do litígio, omite factos ou circunstâncias ainda assim relevantes para a procedência da pretensão deduzida em juízo, reclamando que a parte precise ou acrescente informação, concretize factualmente conceitos de direito ou conclusivos apostos no articulado. A imprecisão na exposição ou na concretização da matéria de facto, por seu lado, ocorre «quando a alegação é vaga ou ambígua, não sendo claro o sentido da afirmação da parte, prestando-se a diversas interpretações.»[8]

A causa de pedir é de considerar improcedente quando os factos aduzidos não têm, de todo, a aptidão para sustentar o efeito jurídico peticionado[9]. Se a matéria alegada é insuficiente para a obtenção do efeito jurídico pretendido, mas não estamos perante uma insuficiência de alegação, se a relação está devidamente descrita, mas os factos ocorridos não são idóneos à sustentação do efeito pretendido, então impõe-se um juízo de manifesta improcedência da acção.[10] «Se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova»[11], impondo-se a antecipação do conhecimento de mérito.

No caso em apreço, acompanha-se a sentença recorrida. Os factos invocados pelo recorrente não têm aptidão para sustentar o pedido formulado no sentido da anulação do negócio por usura.


Na verdade, nos termos do disposto no art.º 282.º n.º 1 do CC, «É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.»

Como é assinalado na sentença recorrida, exige-se, «como requisito da anulabilidade, a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência, ou deficiência física de alguém. A anulabilidade não resulta, portanto, apenas dum daqueles estados. É necessário que haja consciência (conhecimento) de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem. Só assim o negócio pode ser havido como usurário. Em segundo lugar, é necessário que a situação de inferioridade de uma das partes tenha sido aproveitada pela outra para alcançar a promessa ou a concessão de um benefício, em proveito desta ou de terceiro» e, por último, exige-se ainda que estes benefícios sejam excessivos ou injustificados.[12]

Ora, os factos alegados pelo autor, a situação fáctica que vivenciou e que relata em juízo (sendo, de todo, impertinente sugerir-lhe que lhe atribua contornos diversos ou que a afeiçoe ao efeito jurídico pretendido), não implicam na anulação, por usura, do negócio celebrado com a R.

Atente-se, pois, no quadro fáctico apresentado pelo A:
- Autor e Ré contraíram casamento entre si em 29 de Outubro de 1977 no regime da comunhão de adquiridos, tendo adquirido na constância do casamento vários imóveis;
- decidiram, em 2004, vender um imóvel sito em Vilamoura, tendo a Ré outorgado procuração conferindo poderes ao Autor para a venda em 12 de Janeiro de 2005;
- Autor e Ré divorciaram-se em 2010, por sentença transitada em julgado, mas continuaram a pretender vender o referido imóvel, para além de ter dado entrada um processo de inventário para partilha do património comum, onde foi relacionado o imóvel aqui em causa;
- em 12 de Março de 2015, o Autor, com a concordância da Ré, outorgou, por si e em representação desta, um contrato-promessa de compra e venda desse prédio pelo preço de € 345.000,00 e recebeu um sinal no valor de € 34.500,00, tendo sido agendada a escritura púbica de compra e venda para 13 de Abril de 2015, tendo a Ré solicitado que o Autor a representasse;
- no dia da escritura, o Autor tomou conhecimento de que não poderia representar a Ré com a procuração em causa uma vez que Autor e Ré já não estavam casados e a mesma teria caducado;
- os promitentes compradores interpelaram o Autor para realização da referida escritura em 7 de Maio de 2015, tendo a Ré recusado comparecer;
- a Ré designou a escritura para o dia 24 de Novembro de 2015, a que compareceu, tal como os promitentes compradores;
- a Ré exibiu ao Autor um contrato-promessa de partilha parcial invocando que só outorgaria a escritura definitiva de venda do imóvel de Vilamoura se o Autor outorgasse o referido contrato promessa de partilha e, uma vez que tinha sido o único a subscrever o contrato-promessa de compra e venda do imóvel de Vilamoura, teria de devolver o dobro do sinal aos promitentes compradores no valor de € 34.500,00;
- apenas porque estava em perigo de ter de pagar o sinal em dobro aos promitentes compradores o Autor acedeu a assinar o contrato promessa de partilha parcial, para que a Ré outorgasse a escritura definitiva, o que esta fez;
- o Autor apenas assinou tal contrato promessa de partilha por estar convicto de que se não o fizesse a Ré não outorgaria a venda por si prometida em seu nome e em representação daquela, tendo cada um deles recebido metade do preço de venda no ato da escritura;
- o Autor suportou os custos com a mediadora imobiliária, recusando-se a Ré a fazer tal pagamento com base no clausulado no contrato promessa de partilha parcial relativamente a tais despesas;
- do acervo comum do casal faz parte um imóvel sito em França que possui um valor de mercado de aproximadamente € 700.000,00, o que é do conhecimento da Ré;
- no referido contro promessa de partilha consta que o Autor se compromete no âmbito do processo de inventário a não licitar tal casa e respetivo recheio por valor superior a € 345.000,00, podendo licitá-la livremente até ao referido montante e tal verba ser-lhe adjudicada se a Ré não formular proposta pelos € 345.000,00, cabendo ao Autor € 172.500,00 a título de meação;
- apesar de no âmbito do processo de divórcio ter sido fixada uma contrapartida monetária a pagar pela Ré pelo uso da casa de França, no contrato promessa de partilha ficou estipulado que a Ré continuaria a usar a casa até à adjudicação, cabendo-lhe apenas proceder ao pagamento dos encargos relativos ao imóvel;
- a Ré aproveitou-se da situação de fragilidade em que o Autor se encontrava, em parte gerada por ela própria nas instruções que lhe transmitira, o que levou (forçou) o Autor a assinar o referido contrato promessa de partilha, sendo certo que se não fossem as referidas circunstâncias nunca aceitaria adjudicar à Ré o imóvel de França pelo valor de € 345.000,00, sendo tal negócio lesivo e provocando-lhe um prejuízo patrimonial relevante, provocando um enriquecimento sem causa da Ré;
- a Ré actuou tendo intenção de se aproveitar da situação de fragilidade do Autor por poder vir a ter de pagar o sinal em dobro aos promitentes compradores do imóvel de Vilamoura, para o obrigar a assinar o contrato promessa de partilha, conhecendo a Ré que o Autor estava numa situação de necessidade de ter de cumprir tal contrato promessa de compra e venda e explorou essa situação;
- o contrato promessa de partilha em causa é usurário, sendo anuláveis as cláusulas 7º, 8º e 9º relativas ao valor de licitação do imóvel de França e à desvinculação da Ré no pagamento de uma contrapartida monetária pelo uso exclusivo da casa de França.

Ora, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, atenta a versão factual por si trazida a juízo e atento ainda o teor do contrato-promessa de compra e venda junto aos autos, o Recorrente não foi o único sujeito outorgante do contrato-promessa na qualidade de promitente vendedor: outorgou o referido contrato por si e na qualidade de representante da Recorrida, pelo que ambos se constituíram promitentes-vendedores. Por conseguinte, tanto o Recorrente como a Recorrida se comprometeram a assinar a escritura de compra e venda do imóvel. Se a Recorrida confrontou o Recorrente com um contrato-promessa de partilha parcial, intimando-o a assinalá-lo sob pena de ela própria não cumprir, perante terceiros, a sua promessa de venda, tal acto não consubstanciou a exploração de situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do Recorrente: este, recusando a assinatura do contrato promessa de partilha adicional, poderia sempre assinar, ele próprio, a escritura pública de compra e venda; a recusa de assinatura por parte da Recorrida, em cumprimento da promessa que a onerava (atenta a versão trazida a juízo pelo Recorrente), seria atestada pelos serviços notariais, para os efeitos que pudessem vir a reputar-se convenientes. O facto de daí resultar a obrigação de pagamento, pelo Recorrente e pela Recorrida (promitentes vendedores), a terceiros da quantia de € 69.000,00 (a restituição do sinal recebido em dobro, por via do disposto no art.º 442.º. n.º 2. do CC), traduz um custo de € 34.500, já que o mais consistiria na devolução daquilo que foi recebido dos promitentes-compradores. Se o imóvel sito em França tem o valor na ordem dos € 700.000, não seria o custo de € 34.500, a suportar pelo Recorrente e pela Recorrida, que colocaria o Recorrente em estado de necessidade ou de dependência para abrir mão do valor de € 355.000 a atribuir ao imóvel sito em França, aceitando assinar o contrato-promessa de partilha adicional só para não arcar, juntamente com a Recorrida, com o custo de € 34.500.

Como bem é explicitado na sentença recorrida, o quadro factual submetido a apreciação judicial não configura a celebração de um negócio usurário.

Donde e como se referiu, trata-se uma situação de manifesta improcedência, não havendo lugar a convite ao autor para suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (já que estas insuficiências ou imprecisões não se verificam) nem sequer à absolvição da R da instância por falta de causa de pedir (já que não se trata de uma situação de falta de causa de pedir).

Improcedem, pois, as conclusões da alegação do recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre o Recorrente – art.º 527.º, n.º 1, do CPC.

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Évora, 09 de Fevereiro de 2017

Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Machado e Moura

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[1] Cfr. art.ºs 637.º n.º 2 e 639.º n.º 1 do CPC.
[2] Ac. STJ de17/01/1975, BMJ 243.º-206.
[3] Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, 1961, p. 533 e ss.
[4] Anotação Antunes Varela ao Assento n.º 4/83, in RLJ, Anos 116 e 117, p. 380.
[5] Sustentada por Rosenberg na Alemanha e com acolhimento entre nós - cfr. anotação de Antunes Varela referida.
[6] Cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, p. 37 a 42.
[7] Ac. TRL de 20/01/1981, BMJ 305.º, p. 344 e 345.
[8] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, p. 481.
[9] Ac. TRC de 06/03/2012 (Carlos Gil).
[10] Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., p. 480 e 481.
[11] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II,1997, p. 127.
[12] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. I, p. 259 e 260.