Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
275/14.8TTPTM.E1
Relator: ALEXANDRE BAPTISTA COELHO
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:

1.A ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento só é aplicável nos casos em que o trabalhador pretende opor-se ao despedimento.

2.Se o trabalhador despedido, ainda que ilícita ou irregularmente, não vier deduzir oposição a esse despedimento, e não pretender submeter ao tribunal a apreciação da validade jurídica do mesmo, mas apenas reclamar créditos laborais que lhe sejam devidos, deverá socorrer-se do processo laboral comum.

3.Os créditos laborais, mesmo aqueles que derivem diretamente da cessação do contrato, não podem ser afetados pela caducidade do direito de ação, já que estão apenas sujeitos ao prazo prescricional de um ano previsto no art.º 337º, nº 1, do Código do Trabalho.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Portimão, L…, identificado nos autos, instaurou em 7/7/2014 acção com processo comum contra N…., com sede em E…, nesse âmbito pedindo a condenação da demandada no pagamento das quantias de 6.696,00 €, de compensação pela cessação do contrato de trabalho, operada pela R., e de 1.134,60 €, de dias de aviso prévio em falta, ambas acrescidas de juros até efetivo e integral pagamento. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitida ao serviço da R. em 4/6/2001, para trabalhar como escriturária de 3ª, auferindo ultimamente o salário mensal de 558,00 €, acrescido de subsídio de alimentação de 74,58 €; no dia 16/8/2013, recebeu da R. uma carta em que esta faz cessar a relação laboral existente, por extinção do posto de trabalho, com efeitos a partir de 1/9 seguinte; porém, a R. não pagou a compensação que lhe é devida nos termos dos arts.º 372º e 366º do Código do Trabalho (C.T.), e cumpriu apenas 9 dias do período de aviso prévio previsto no art.º 371º, nº 3, al. d), do mesmo diploma, devendo por isso pagar também a retribuição correspondente aos dias em falta.

Recebida a petição, a Ex.ª Juíza, considerando que ao caso era aplicável o disposto no art.º 387º, nsº 1 e 2, do C.T., julgou verificada a existência de erro na forma do processo, e determinou a convolação do mesmo para processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento, regulado nos arts.º 98º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.). Entendeu no entanto ser aproveitável a p.i. já apresentada, e por isso desnecessária a apresentação do formulário previsto na lei, e determinou ainda a correspondente correção da distribuição.

Frustrada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 98º-I do C.P.T., a R. veio de seguida juntar articulado motivador, nele em resumo invocando a nulidade de todo o processo, por falta do formulário próprio, e excecionando também a caducidade do direito a impugnar o despedimento, em virtude de a ação ter sido instaurada quando há muito estava expirado o prazo de 60 dias previsto no referido art.º 387º, nº 2; por impugnação, alegou ainda que a compensação que eventualmente seria devida à A. corresponderia ao valor total de 6.510,00 €, nada havendo também a pagar-lhe de aviso prévio em falta; referiu igualmente que desde 2008/2009 existe em Portugal uma forte crise no setor da construção civil, tendo a R. deixado de vender como vendia os produtos e artefactos de betão que comercializava, passando a haver trabalhadores sem nada para fazer, entre os quais a A., para a qual não havia na empresa outro posto de trabalho ou função onde a mesma pudesse ser reintegrada; e declarando ainda opor-se à reintegração da trabalhadora, concluiu pedindo a sua absolvição ‘do pedido e da instância’.

Contestou depois a A., mantendo a posição e os pedidos formulados na p.i., e alegando não pretender impugnar a regularidade e licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, mas apenas reclamar o pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos em consequência da cessação do vínculo laboral, tendo o prazo ordinário de um ano para poder fazê-lo.

Findos os articulados, a Ex.ª Juíza proferiu despacho, entendendo estar o processo isento de nulidades, e julgando também estar verificada a exceção de caducidade invocada pela R., que em consequência absolveu do pedido.

Escreveu-se designadamente nessa decisão:

‘… o presente processo especial é, efectivamente, a forma correcta de atacar um despedimento individual por extinção do posto de trabalho, no caso em que tal decisão de despedimento tenha sido comunicada por escrito ao trabalhador – como aconteceu no caso vertente – sendo certo que o pedido de prestações associadas à ilicitude ou irregularidade do despedimento pode, eventualmente, trazer implícito o pedido de declaração dessa mesma ilicitude.

No caso dos autos, porém, a autora – apesar dos manifestos indícios da ilicitude do despedimento de que foi alvo (desde logo, porque não foi colocada à sua disposição a compensação a que teria direito pela cessação do contrato e, também, porque a necessidade de recurso a um despedimento colectivo – como parece ocorrer no caso – obsta à licitude do despedimento individual) – apenas vem reclamar prestações relacionadas com a cessação do vínculo laboral, prescindindo de discutir essa ilicitude.

Não obstante, não reagiu contra a decisão de fls. 15 que, por isso, se mostra transitada em julgado.

E, assim sendo, não é possível agora regressar à forma de processo comum, antes devendo apreciar-se a invocada excepção de caducidade no quadro do processo especial em que nos encontramos.

Nesta conformidade, vistos os dados de facto avançados acima, é evidente que, na data em que foi intentada a acção, há muito se mostrava esgotado o prazo de 60 dias a que alude a lei substantiva, no preceito a que já fizemos referência.

Este é um prazo de caducidade, pelo que o respectivo decurso extingue o direito que por via da acção se pretendia fazer valer, com a consequente absolvição da ré do pedido – cf. artigos 298º, nº 2 e 331º, nº 1, ambos do Código Civil, e artigo 576º, nº 3 do Código de Processo Civil – sendo certo que, não sendo tal caducidade de conhecimento oficioso, foi invocada, em momento oportuno, pela parte a quem aproveita.

Em suma, nos presentes autos de processo especial, verifica-se a existência de uma excepção peremptória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que tem de ser conhecida neste momento.

Afigura-se-nos, porém, que a extensão de tal excepção peremptória se deverá restringir aos efeitos associados à (eventual) ilicitude do despedimento. Todavia, o reconhecimento de direitos não ligados a essa ilicitude (como será o caso dos créditos laborais), terá necessariamente de ser obtido numa outra acção, já que, como se disse, a presente forma de processo (contra a qual a autora não se insurgiu), não permite a sua apreciação – na medida em que se acha esgotado o prazo dentro do qual o trabalhador dela poderia lançar mão.

Termos em que, considerando verificada a excepção de caducidade do direito de impugnar judicialmente a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo a autora, decide-se absolver a ré desse pedido.

….’

*

Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a A., impugnando conjuntamente o despacho que mandara convolar a ação para processo especial. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa, conjuntamente, a impugnação da decisão contida no despacho de fls., proferido em 9 de Julho de 2014, com a referência electrónica 846689, e a sentença nos autos proferida.

2. O despacho antecedentemente referido julga verificado o vício de erro na forma do processo, tendo decidido, em consequência, convolar os autos - que àquele tempo corriam com a forma de processo comum -, em Acção Especial de Impugnação Judicial de Regularidade e Licitude do Despedimento.

3. A sentença proferida, discordando do entendimento vertido no despacho supra, considera estar-lhe vedado a convolação oficiosa da forma de processo adoptada em acção comum, vindo a proferir decisão julgando verificada a excepção de caducidade por ter sido preterido o prazo a que se alude no artigo 387º, nº 2 do Código do Trabalho.

4. A decisão contida no despacho mencionado constitui contravenção ao pedido formulado pela Recorrente na sua petição inicial, e aos factos que, naquele mesmo articulado, o fundamentam, estando a mesma directamente conexionada com o teor da decisão final que nos autos veio a ser proferida.

5. Entende, assim, a recorrente ser o despacho, proferido em 9 de Julho de 2014, passível de recurso e que está em tempo para fazê-lo (arts. 79º A, nºs 3. e 4. e artigo 80º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho).

6. O pedido formulado pela Recorrente na sua petição inicial foi o seguinte: “a) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho operada pela Ré (extinção do posto de trabalho), conforme peticionado no artº 10. desta peça processual, no valor 6.696,00, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento; e b) Ser a Ré condenada no pagamento da quantia 1.134,60€ a título de dias de aviso prévio em falta, conforme peticionado no artº 11. desta peça, acrescido de juros até efectivo e integral pagamento.”

7. Em momento algum alegou a recorrente a ilicitude do despedimento nem reivindicou para si qualquer quantia pecuniária conexionada com tal evento, conformando-se, plenamente, seja do ponto de vista substancial seja do ponto de vista procedimental, com a cessação do seu contrato.

8. Da análise atenta do pedido e factos articulados pela Recorrente é patente que esta lançou mão do meio processual adequado ao fim visado (a recorrente reclama compensação que deriva da extinção do seu posto de trabalho, e não indemnização conexionada com a ilicitude do seu despedimento).

9. Andou, pois, mal o Tribunal a quo quando proferiu o despacho com a referência electrónica 846689, datado de 09 de Julho de 2014, declarando a existência de erro na forma do processo e, oficiosamente, convolando os autos para forma de processo especial.

10. Sendo que ao assim decidir violou o Tribunal a quo, e fez incorrecta interpretação dos artigos 387º, do Código do Trabalho e artigo 98º C do Código do Processo do Trabalho.

11. Termos em que deve o despacho impugnado ser revogado, e em sua substituição ser proferido outro que decida que a forma processual perfilhada pela recorrente na sua petição inicial é a adequada, designando data para a realização da audiência de partes, a que se alude nos artigos 54º e 55º do Código de Processo do Trabalho, determinando-se ainda, em consequência, a anulação de todos os actos subsequentes à prolação do dito despacho.

Sem prescindir, e caso V. Exªs assim não entendam, a título de cautela de patrocínio, mais de dirá;

12. O Tribunal recorrido, na sentença proferida, referencia expressamente que a Recorrente enformou a sua pretensão, do ponto de vista processual, de forma correcta. No entanto, considera estar-lhe vedado conhecer do pedido efectivamente formulado pela recorrente por considerar que o despacho a que antes se aludiu havia transitado em julgado e que, como tal, não era já possível regressar à forma de processo comum.

13. Por um lado, a decisão contida no despacho proferido em 09 de Julho de 2014 não havia, à data da prolação da sentença, transitado em julgado.

14. Por outro lado, se constitui entendimento do Tribunal recorrido que os factos articulados e o pedido insertos na petição inicial são ajustados à forma processual adoptada pela Recorrente podia, e devia, oficiosamente, ter convolado a forma de processo para a forma comum.

15. Caso assim não entendesse, sempre o Tribunal a quo, ao julgar extinto por caducidade o direito de impugnar judicialmente a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo a recorrente (o que, de forma incessante se reitera, não constituiu jamais sua pretensão), deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos para Julgamento, a fim de conhecer do pedido efectivamente formulado nos autos.

16. Sendo que, ao assim não decidir, violou o Tribunal a quo e fez incorrecta interpretação do disposto nos artigos 196º e artigo 608 º do CPC.

Concluiu a recorrente pedindo a revogação do despacho impugnado, e a sua substituição por outro que decida ser adequada a forma processual perfilhada pela A., designando-se data para a audiência de partes prevista nos arts.º 54º e 55º do C.P.T., e anulando-se todos os atos subsequentes à prolação do dito despacho; caso assim se não entenda, ser a sentença revogada e ordenando-se o prosseguimento dos autos para julgamento, para conhecimento e decisão do pedido formulado pela recorrente.

*

Notificada da interposição do recurso, a R. veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:

1 - A Apelante intenta recurso da sentença e do despacho do MM. Juiz “a quo” proferido a fls.19, em 9 de Julho de 2014, o qual decidiu convolar a acção intentada em Acção Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento.

2 - O despacho de fls. 19 já transitou em julgado e por conseguinte é irrecorrível e disso mesmo deu conta a MM. Juiz “a quo” na sua douta sentença.

3 - Alega a Apelante que embora o despacho de fls. 19 tenha transitado em julgado, nos termos do disposto no art. 79.º-A, n.º 3, do CPT, é ainda admissível recorrer daquele despacho.

4 - No entendimento da Apelada já não é admissível recorrer daquele despacho, porque o mesmo enquadra-se no âmbito do alínea h), do n.º 2, do art. 79-A, do CPT, ou seja “Decisões cuja impugnação com o recurso de decisão final seria absolutamente inútil”.

5 - Por conseguinte, tendo o mesmo transitado em julgado, já não é admissível recorrer.

6 - Também a restante matéria alegada pela Apelante no seu recurso não merece qualquer provimento, pois que;

7 - Entende a Apelante, que a MM. Juiz “a quo”, deveria corrigir o erro do seu colega e voltar a convolar a Acção Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento em acção comum.

8 - Realizada a audiência de partes e após a contestação da Apelada e articulado motivador, o processo entrou na fase do saneador e aí já não era possível voltar a convolar a acção, conforme pretende a Apelante.

9 - Nos termos do disposto no art. 387, do CT, quando esteja em causa a regularidade e licitude do despedimento, o trabalhador pode-se opor ao mesmo mediante a apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do Tribunal competente, no prazo dos 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação, seguindo o processo a forma especial previsto no art. 98-B e seguintes do CPT.

10 - No caso em apreço, a Apelante recebeu a comunicação da Apelada a cessar o contrato de trabalho em 18-8-2013 e deu entrada da acção em 7-7-2014, ou seja, muito depois dos 60 dias previstos no art. 387, do CT, razão pela qual o seu direito de acção contra a Apelada caducou.

11 - Assim sendo, não restava outra alternativa à M.M. Juiz “a quo” absolver a Apelada do pedido com base na caducidade daquele direito. Razão pela qual a sua decisão não merece qualquer reparo.

*

Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da procedência da apelação, tal como propugnado pela recorrente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

Como já se referiu, com a apelação interposta a recorrente veio impugnar, nos termos do art.º 79º-A, nº 3, do C.P.T., quer o despacho que entendeu ocorrer erro na forma do processo e mandou convolar a ação para processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, quer o saneador/sentença que depois veio julgar verificada a exceção de caducidade, e nessa medida absolveu a R. do pedido. Logicamente, importa em primeiro lugar conhecer daquela decisão interlocutória, pois uma eventual procedência do recurso nessa parte interposto poderá vir a prejudicar o conhecimento das demais questões que vêm suscitadas pela apelante.

A tal propósito, importa no entanto sublinhar que, ao invés do sustentado pela recorrida na sua contra-alegação, e daquilo que a dado passo se afirma também na sentença recorrida, não pode considerar-se como tendo transitado em julgado o despacho liminar que julgou verificado o erro na forma do processo e determinou a convolação da ação, para efeitos de agora essa decisão já não poder agora ser questionada, na apelação interposta da sentença final.

Trata-se de uma hipótese que deve seguir a regra daquele art.º 79º-A, nº 3, e nessa medida a impugnação não podia deixar de ser conjunta com a da sentença.

Como bem se referiu no despacho que admitiu o recurso, ‘… a questão decidida nesse despacho – a verificação de nulidade decorrente de erro na forma de processo – não se enquadra em nenhuma das circunstâncias previstas no nº 2 do citado art.º 79º-A, não sendo, em consequência, tal decisão passível de recurso autónomo.

Na verdade, quando o legislador, na al. h) do nº 2 do preceito em questão, se refere a ‘decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil’, não tem em vista os casos em que a procedência desse recurso possa causar abalo na tramitação processual posterior, mas antes a circunstância de essa decisão já não poder produzir qualquer efeito útil no momento em que vier a ser tomada.

….

Entendemos, por isso, que tem de admitir-se, nesta altura, a interposição de recurso dessa decisão – que acompanhará o recurso da decisão final – já que o mesmo não podia ser interposto em momento anterior (sem prejuízo de a decisão que a final veio a ser proferida ter arrancado do pressuposto da consolidação daquela primeira – já que ao juiz a quo se acha vedada a possibilidade de, por sua iniciativa, alterar decisões anteriores que não sejam de mero expediente, como é o caso)’.

Nada obsta portanto a que a Relação possa agora abordar as duas decisões que vêm impugnadas.

*

Conhecendo assim do mérito do recurso, na sequência lógica que se apontou, convirá antes de mais relembrar que em processo do trabalho o processo declarativo pode ser comum ou especial: este aplica-se aos casos expressamente previstos na lei; o processo comum, por sua vez, é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial – art.º 48º, nsº 2 e 3, do C.P.T..

E a forma de processo que em cada caso cumpre observar é necessariamente aferida pelo pedido que é formulado pelo autor. Como refere Abrantes Geraldes[2], ‘a forma de processo escolhida pelo autor deve ser adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo,…’

Ora, na hipótese dos autos, após alegar ter visto cessado o vínculo laboral que o ligava à R. em consequência de despedimento por extinção do posto de trabalho, e sem questionar a validade jurídica dessa cessação contratual, a A. veio na p.i. formular dois pedidos cumulados:

- ser a R. condenada no pagamento da compensação devida pela cessação do contrato;

- ser a R. condenada no pagamento da quantia devida a título de dias de aviso prévio em falta.

À petição juntou ainda a A. a carta que lhe foi dirigida pela R. comunicando a cessação do contrato, por ser ‘insustentável a continuidade do seu posto de trabalho’.

Em face da ação assim instaurada, a Ex.ª Juíza a quo, considerando que a A. viera pedir a declaração de ilicitude do despedimento de que foi alvo, e que o deveria ter feito mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, nos termos do art.º 387º, nº 2, do C.T., julgou verificado o erro na forma do processo, e determinou a convolação da ação para processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

*

Não podemos no entanto concordar com semelhante entendimento. Vejamos porquê.

De acordo com o referido art.º 387º, nsº 1 e 2, a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial, podendo o trabalhador visado opor-se a essa desvinculação contratual mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior.

Na vertente adjetiva, os arts.º 98º-B e ss. do C.P.T., aditados pelo Dec.-Lei nº 295/2009, de 13/10, vieram regular a tramitação do processo especial que para aquele efeito foi instituído, e que é aplicável nos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto a ele imputável, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação (cfr. art.º 98º-C, nº 1).

Certo é que, em qualquer hipótese, é pressuposto da observância desta ação especial que o trabalhador pretenda opor-se ao despedimento. É o que se afirma expressamente nos referidos arts.º 387º, nº 2, e 98º-C, nº 1, e bem assim é o que resulta claramente do formulário aprovado pela Portaria nº 1460-D/2009, de 31/12.

Ou seja: sempre que o trabalhador despedido, ainda que ilícita ou irregularmente, não venha deduzir oposição a esse despedimento, e não pretenda submeter ao tribunal a apreciação da validade jurídica do mesmo, mas apenas reclamar créditos laborais que lhe sejam devidos, mesmo aqueles que derivem diretamente da cessação do contrato, deverá socorrer-se do processo laboral comum. Parece óbvio que, nesse caso, a ação especial que se referiu não se adequa à pretensão formulada, quando esta se resume afinal ao pedido de condenação da parte demandada no pagamento de uma determinada quantia pecuniária.

Sendo esse também o caso dos autos, há que concluir que também aqui não ocorria erro na forma do processo, e não havia motivos para operar a convolação da ação. E daí que o despacho recorrido deva ser revogado.

Entendemos aliás que uma hipotética caducidade do direito de ação, tal como foi declarada pelo Tribunal recorrido, não podia em caso algum extinguir ou de alguma forma afetar, por si só, os créditos que vêm peticionados pela A. Não estando estes sujeitos ao referido prazo de 60 dias, mas apenas ao prazo prescricional de um ano previsto no art.º 337º, nº 1, do C.T., não podem deixar eles de beneficiar eles do princípio da tutela jurisdicional dos direitos, acolhido no art.º 2º, nº 2, do Código de Processo Civil (C.P.C.)[3], e que é regra estruturante e basilar de um Estado de Direito.

Terá sido porventura por ter verificado tal incongruência que a Ex.ª Juíza a quo[4], no saneador/sentença que proferiu, veio referir que o reconhecimento de direitos não ligados a uma eventual ilicitude do despedimento, como será o caso de créditos laborais, terá de ser obtido numa outra ação, pois a presente forma de processo não permitiria a sua apreciação.

Essa outra ação, acrescentamos nós, é precisamente uma ação laboral comum: aquela que a recorrente instaurou, e para a qual agora há que reconduzir a forma do processo.

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A revogação do despacho impugnado afeta necessariamente os termos subsequentes da ação, desde logo porque fica prejudicada a dedução da caducidade, nos termos em que a R. a fez, e que pressupunha a aplicabilidade ao caso das regras da ação especial que ora se afasta (cfr. nº 4 do já referido art.º 79º-A).

Importando por isso anular o processado posterior a tal despacho, de acordo com a regra do art.º 195º, nº 2, do C.P.C., afigura-se também que a audiência de partes já realizada, nos termos do art.º 98º-I do C.P.T., não pode ser aproveitada, para efeitos de se considerar já cumprida aquela outra que se acha prevista nos arts.º 55º e 56º do mesmo código.

Efetivamente, e estando agora fora de questão a referida caducidade, a motivação das partes para um eventual acordo será decerto diferente, justificando-se por isso, para além do mais, que um nova diligência com tal finalidade possa vir a ter lugar.

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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação procedente, assim revogando o despacho proferido a 9/7/2014, que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da ação sob a forma de processo declarativo comum, e assim anulando também todo o processado subsequente ao referido despacho.

Custas pela recorrida.

Évora, 16/4/2015

(Alexandre Ferreira Baptista Coelho)

(Acácio André Proença)

(José António Santos Feteira)

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[1] Art.º 663º, nº 7 do C.P.C.

[2] In ‘Temas da Reforma do Processo Civil’, vol. I, 2ª ed., pág. 280/281

[3] ‘A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação ele e a realizá-lo coercivamente…’

[4] Magistrada diversa daquela que proferiu o despacho julgando verificado o erro na forma do processo.