Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
340/21.5TBELV-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CRÉDITO BANCÁRIO
REGULARIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
2. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
3. A declaração recepienda, de acordo com o estatuído no artigo 224.º do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante logo que que é efectivamente conhecida pelo destinatário ou quando ao poder deste em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
4. Em sede de declarações recepiendas, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, incumbe ao Autor da declaração demonstrar que empregou um meio de transmissão que se revele idóneo a atingir a esfera do conhecimento do declaratário e que a declaração foi por ele efectivamente recebida, enquanto que compete a este último convencer que a declaração foi recebida em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida.
5. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10, não sendo exigível o envio de correio registado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local de Competência Cível de Elvas – J1
Processo n.º 340/21.5TBELV-A.E1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “(…), Sucursal da SA” contra (…), a sociedade exequente veio interpor recurso da decisão que julgou verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
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O executado não apresentou oposição ao requerimento executivo.
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Por despacho de 13/09/2021, a Meritíssima Juíza de Direito ordenou a notificação da sociedade exequente para, no prazo de 10 dias, informar se tinha dado cumprimento à obrigação de integração do executado no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, previsto no DL n.º 227/2012, de 25/10, juntando a prova documental da comunicação de integração do executado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e da sua extinção.
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A sociedade recorrente juntou autos carta simples dirigida ao recorrido, que foi enviada para a morada convencionada contratualmente a comunicar a sua integração em PERSI.
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Seguidamente, por decisão datada de 22/09/2021, o Tribunal «a quo» decidiu julgar verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, que constitui pressuposto da admissibilidade da acção executiva.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões:
«A. A ora recorrente intentou ação executiva para pagamento de quantia certa por incumprimento de um contrato de crédito celebrado com a Requerida tendo por base um procedimento de injunção.
B. Tendo notificada pela Meritíssima Juíza a quo para juntar prova documental de cumprimento da obrigação de integração do executado no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no DL nº 227/2012, de 25 de outubro.
C. A Recorrente juntou autos carta simples dirigida à Recorrida, e enviada para a morada convencionada contratualmente a comunicar a sua integração em PERSI.
D. Por despacho datado de 22/09/2021 a Mm.ª Juíza a quo rejeitou a execução intentada por considerar verificada a exceção dilatória inominada e insuprível, decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro que constitui pressuposto de admissibilidade da ação executiva.
E. Considerou assim a M. Juiz a quo que a Recorrente não fez prova, por suporte duradouro, do envio ou sequer da sua receção da comunicação de integração em PERSI à Ré pelo que não cumpriu com as exigências legais de integração da Executada em PERSI.
F. Não pode, no entanto, a aqui recorrente concordar com a decisão proferida.
G. Efetivamente a comunicação remetida à Recorrida não foi efetuada por correio registado.
H. Não obstante, e salvo melhor entendimento, tal não só não é exigível pela Lei, nem esse é o entendimento do Banco de Portugal em diretiva emitida e dirigida às Instituições financeiras de crédito.
I. Aliás, não se vislumbra qualquer previsão legal nesse sentido, porquanto o artigo 14.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro estipula que as comunicações de PERSI tem de ser efetuadas por comunicação em suporte duradouro, não existindo qualquer referência ao envio dessa comunicação por correio registado.
J. Sendo que, a Recorrente comunicou à Réu a integração e extinção do PERSI em suporte duradouro – carta – para a morada indicada pela Recorrida aquando da celebração do contrato.
K. Não tendo a Recorrida efetuado qualquer pedido de alteração de morada na pendência do contrato.
L. Ora, sendo as comunicações efetuadas para o domicílio convencionado da Recorrida em suporte duradouro não existe, salvo o devido respeito, necessidade de provar a natureza reptícia da declaração.
M. Acresce que o Réu foi devidamente citado no âmbito do procedimento de injunção não tendo apresentado qualquer contestação, o que levou à aposição de fórmula executória da injunção que serviu de título executivo à presente ação.
N. De referir que caso a exceção de incumprimento do PERSI pela Recorrente tivesse sido invocada pelo Requerido em sede de injunção ou de embargos teria a Recorrente a possibilidade de provar o envio e receção da comunicação operada ao Réu através de prova por confissão e/ou testemunhal.
O. Ora, não tendo a Recorrente sido convidada pela M.ª Juiz a quo a fazer outro tipo de prova que não a documental, à semelhança do que aconteceria em sede de ação declarativa ou embargos, viu-se privada de recorrer outros meios de prova que não a prova documental de cumprimento da obrigação de integração do Réu em PERSI.
P. Pelo que não pode a ora apelante concordar com a Douta Sentença proferida que julgou verificada a exceção dilatória insuprível prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro e que recusou o requerimento executivo.
Q. A Apelante está, pois, convicta que Vossas Excelências, analisando as normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida, ordenando a prossecução da ação executiva intentada.
Nestes termos e, nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando o douto despacho recorrido, farão como sempre, inteira e sã Justiça!».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da errada interpretação do Tribunal recorrido quanto ao suporte de comunicação da integração da dívida no plano PERSI.
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III – Matéria de facto:
A matéria de facto com interesse para a justa resolução da causa está referida no relatório inicial, aqui se dando por integralmente reproduzida.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Do erro de direito [Do incumprimento da notificação obrigatória prevista no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)]:
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1.º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte».
Em acréscimo, o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
O citado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro dispõe, no artigo 18.º[1], sobre as garantias do cliente bancário.
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Feito anúncio das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante, passemos à apreciação jurídica da decisão.
O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:
i) uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.
ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis). E, finalmente,
iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora.
A integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os seus pressupostos e a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012.
A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constituí violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
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A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
Em decisão datada de 06/10/2016, este colectivo de Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora debateu a questão da falta da notificação dos devedores e garantes do pagamento como uma questão de falta de condição objectiva de procedibilidade. Essa posição já foi por nós renovada no acórdão datado de 31/01/2019 e tem sido objecto de jurisprudência concordante noutras decisões do Tribunal da Relação de Évora, como por exemplo daquelas que foram proferidas em 28/06/2018, 02/05/2019 ou 16/05/2019, as quais podem ser consultadas em www.dgsi.pt.
Porém, a questão judicanda não é exactamente essa. Na verdade, aquilo que se discute nesta sede é simplesmente apurar se foi cumprida a obrigação de notificação expressa no diploma legal sub judice no plano do meio utilizado.
A sociedade recorrente juntou autos carta simples dirigida ao recorrido, que foi enviada para a morada convencionada contratualmente a comunicar a sua integração em PERSI.
O Tribunal «a quo» entendeu que «do requerimento executivo e do articulado que antecede apresentados pela exequente resulta a elaboração de um documento tendo por destinatário o executado, comunicando-lhe a integração no referido procedimento – mas não o seu envio ou sequer a sua recepção». Em função disso, concluiu «pela verificação da excepção dilatória inominada decorrente do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro».
É entendimento pacífico que que compete ao credor alegar e demonstrar que os devedores tiveram conhecimento da sua integração no PERSI, bem como da extinção desse procedimento.
Também não sofre contestação que se tratam de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada[2].
A Meritíssima Juíza de Direito entendeu que a prova da obrigação dependia da existência de correio registado com aviso de recepção ou instrumento equivalente[3] [4].
As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10.
Na realidade, resulta da letra da alínea h) do artigo 3.º do Regime Geral que se considera suporte duradouro qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações inalteradas.
A exigência legal de celebração por escrito e em suporte duradouro do contrato de edição constitui uma formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no n.º 2 do artigo 364.º[5] do Código Civil, sendo que a omissão deste documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor – carece de ser invocada pelo autor para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio.
No entanto, relativamente à necessidade de correio registado não é essa a posição dos Juízes Desembargadores que integram este colectivo[6] [7] [8]. A este respeito e com total razão, também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, ao referir que «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente»[9].
Efectivamente, a nosso ver, a lei não exige que as missivas dirigidas aos clientes pela instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando-se, a nosso ver, para o cumprimento da lei, o envio de tal documentação em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro[10].
A lei faz recair sobre o declarante o ónus de efectuar uma comunicação eficiente[11]. E na visão de Ferreira Pinto compete-lhe fazer com que a declaração seja recepcionada pelo destinatário em circunstâncias tais que possa este possa ter um efectivo acesso ao seu conteúdo[12].
Em sede de declarações recepiendas, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, incumbe ao Autor da declaração demonstrar que empregou um meio de transmissão que se revele idóneo a atingir a esfera do conhecimento do declaratário e que a declaração foi por ele efectivamente recebida, enquanto que compete a este último convencer que a declaração foi recebida em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida.
A declaração recepienda, de acordo com o estatuído no artigo 224.º[13] do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante logo que que é efectivamente conhecida pelo destinatário ou quando ao poder deste em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
A lei parte da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário (o declaratário) está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento. O saber se a chegada ao poder conduz realmente a uma situação, suposta pela lei, que permite o conhecimento efectivo, determina-se em conformidade com as concepções reinantes no tráfico jurídico para os negócios em causa[14].
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da remessa. Ou, por outras palavras, a exigência probatória ad probationem apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice.
Ademais, em concreto, sem cuidar aqui de se apreciar se houve uma confissão ficta, face à não apresentação de oposição por parte do executado, o Tribunal «a quo» não pode firmar posição no sentido que o envio da carta de comunicação de integração no PERSI e subsequente extinção não foi perfectibilizada e que o destinatário não tomou conhecimento do respectivo conteúdo.
E, assim, tal como foi decidido no supra citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[15], o conhecimento imediato da referida excepção dilatória em sede de saneamentos dos autos não poderia ter sido efectuado naqueles termos pelo Tribunal «a quo».
Em síntese final, da análise do suporte documental apresentado resulta que a instituição financeira não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice e que não existe notícia da falta de recepção da comunicação e do incumprimento das vinculações de integração e de extinção do PERSI. E, assim, consequentemente, julga-se procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem tributação nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 16/12/2021

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário



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[1] Artigo 18.º (Garantias do Cliente bancário):
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2, todas do artigo anterior”.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Em apoio desta tese sustenta a sua posição no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/2019, publicado www.dgsi.pt, defendeu que «o envio de uma carta, desacompanhada de aviso de recepção, na ausência de prova sobre o efectivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita».
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/06/2018, disponibilizado em www.dgsi.pt, também sublinha que «não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (artigo 224.º/1, do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo».
[5] Artigo 364.º (Exigência legal de documento escrito);
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/2020, pesquisável em www.dgsi.pt.
[7] No seio do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/09/2020, publicitado em www.dgsi.pt, ficou consignado que: «A lei não exige à instituição bancária que a comunicação do início do PERSI ou da sua extinção observe a forma de correio registado, exige uma comunicação em suporte duradouro como é o caso da comunicação por escrito em carta simples».
[8] O aqui primeiro adjunto – e ali relator – e a segunda adjunta também já se pronunciaram no âmbito de acórdão datado de 14/10/2021, também disponível em www.dgsi.pt, no sentido que: «1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência».
[9] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/11/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/02/2021, não publicado, prolatado no âmbito do processo registado sob o n.º 1983/20.0T8ENT.E1 (relator Silva Rato).
[11] José Alberto Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao regime do Código Civil (artigos 217.º a 295.º), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, página 30.
[12] Fernando A. Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, página 506.
[13] Artigo 224.º (Eficácia da declaração negocial):
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
[14] Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, página 449.
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/4/2021, consultável em www.dgsi.pt.