Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
457/18.3T8ABF.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
PROVA DOCUMENTAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Sendo a autora titular de prédio rústico que resultou de desanexação de outro prédio rústico no qual se provou que já em 21 de Agosto de 1829 se exerciam atos de domínio privado, não pode deixar de reconhecer-se a propriedade privada daquele prédio (art. 15º, nº 1, da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro).
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
GLENMAJOR LIMITED intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo que este seja condenado a reconhecer a propriedade privada do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...38, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, com a configuração que concretiza, fixando a linha de delimitação do prédio como aquela que resulta da ligação do marco 3, definido pelo processo de delimitação nº 3922/86 com o outro marco que identifica.
Alegou ser dona e legítima proprietária do referido prédio, o qual resultou da desanexação do prédio rústico descrito sob o nº ...11 na extinta Conservatória do Registo Predial de Albufeira, a qual foi feita à vista de uma escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829, outra de venda de foro, celebrada em 21 de abril de 1830, um formal de partilha julgada por sentença de 25 de janeiro de 1858 e de declaração suplementar assinada e apresentada por AA, como procurador de BB, na referida Conservatória sob o nº 1 do diário, no dia 6 de fevereiro de 1869, conforme documento produzido pela Comissão do Domínio Público Marítimo no processo de delimitação nº 3922/86 – Parecer nº 5042 de 8 de janeiro de 1986.
Mais alegou que além do prédio de que se arroga proprietária, outros dois foram dali desanexados, tendo sido requerida quanto a estes a delimitação com o domínio público marítimo, com resultado já publicado, e que o marco nº 3 do prédio delimitado no processo administrativo que identifica é comum ao prédio objeto dos autos, sinalizando também o seu limite a nascente com o prédio já delimitado. Refere ainda a existência de um outro marco que a poente serve de delimitação do prédio da autora com aquele que com este confronta de poente e que define o ponto em que a poente o prédio da autora se diferencia da margem do domínio público marítimo, sendo que o limite do prédio da autora a sul corresponde à linha que decorre entre o referido marco nº 3 e o último mencionado.
Alegou, por último, que a Comissão do Domínio Público Marítimo concluiu nos processos de delimitação respeitantes aos outros dois imóveis alegadamente desanexados do prédio mãe de onde origina o prédio de que se arroga proprietária, que são propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1864, o mesmo sucedendo com o prédio da autora.
O réu Estado contestou, impugnando todos os factos alegados que não resultem de documento autêntico e, quanto aos outros factos resultantes de documentos, aceitou-os apenas na exata redação que consta dos mesmos.
Sustentou ainda o réu que a autora não juntou prova documental bastante que prove o alegado quanto à desanexação a que alude, e que o pedido de delimitação não pode ser aceite, por não corresponder aos critérios e requisitos legais em vigor.
Mais alegou que os efeitos de cada auto de delimitação são limitados a cada caso e que o vértice a considerar para efeitos de delimitação não poderá ser o referenciado pela autora como nº 3, mais a mais considerando o avanço das águas do mar. Quanto ao outro elemento não tem as características de marco de delimitação do domínio público marítimo, a tudo acrescendo a circunstância de a autora não ter juntado ao processo levantamento topográfico com características próprias.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.
Inconformada, a autora apelou desta decisão, pugnando pela sua anulação devido aos “erros de julgamento de que padece”, finalizando a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A área do prédio da A., antes de obter a sua existência jurídica, integrava o prédio rústico nº ...11, como se prova pelos documentos 3, 4 e 5 da p.i. e 7 e 8 do processo de delimitação 3933 – junto aos autos.
2. Este facto foi dado como não provado (alínea a) dos factos não provados), o que contraria a prova documental que no anterior ponto se refere, como se explica nas páginas 6 e 7, alínea, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, pelo que esta matéria de facto está incorretamente julgada.
3. Por tal impugna-se esta decisão sobre a matéria de facto, que sendo no seu entender deve ser proferida nova decisão sobre esta questão, que dá como provado o seguinte:
“O prédio referido de 1 a 3 resulta da desanexação do prédio referido em 4.”
4. Decidir a Douta Sentença recorrida que não está provado que do prédio identificado em 4. foram também desanexados os prédios nºs ...97, ...58, ...88, todos da freguesia da Guia, Concelho de Albufeira.
5. Tal decisão contraria a prova documental que se obtém dos processos de delimitação nºs 3922/86, prédio ...97 e ...6, prédio ...88, junto aos autos para prova, que dão como provado que tais prédios tiveram a sua origem no prédio rústico ...11, autorizando-se por desanexações, pelo que padece de erro de julgamento.
6. Assim, ao abrigo do artigo 640º do CPC, se impugna esta decisão por erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo no entender da Recorrente ser proferida a seguinte decisão:
“Provado que do prédio id. em 4., foram desanexados os prédios ...97 e ...88, todos da freguesia da Guia, Concelho de Albufeira.”
7. Decidir a Douta Sentença recorrida que não está provado que “os mapas de fls. 38 a 40 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, sinalizam a vermelho os limites do prédio a que se refere a escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829, referida em 4.
8. Tal decisão contraria o que se extrai de prova documental que se obtém de comparação dos mapas fls. 38 a 40 dos autos, com os documentos 7 do processo de delimitação 3922/86 e 10 do processo de delimitação 3933/86 e assim também do parecer nº 5237, no processo 3922/86 que identifica o limite poente do prédio rústico ...11 (estrada que vai para o Povo de Pera) e pela final aceitação do limite a nascente do referido prédio, o que se prova pela emissão do auto de delimitação do prédio ...97, pelo que padece de erro de julgamento sobre a matéria de facto.
Quer no processo nº 3933, quer no processo 3922, se dá como adquirido os limites a poente e a nascente do prédio ...11, que são os que indica a A. nos mapas a fls. 38 a 40 da p.i..
9. Provado está que esta decisão, alínea c) dos factos não provados, padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, pelo que se impugna, ao abrigo do artigo 640º do CPC, devendo no entender da Recorrente ser proferida a seguinte decisão:
“Provado está que os mapas de fls. 38 a 40 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, sinalizam a vermelho os limites do prédio a que se refere a escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829 referida em 4.”
10. Decidiu a Douta Sentença recorrida na alínea d) dos factos não provados que não está provado que “o marco nº 3 do prédio referido em 5 e 6 é comum ao prédio referido de 1 a 3.”
11. Tal decisão contraria a prova documental conforme se prova na alínea d) destas alegações a folhas 10 e 11, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Conforme Doc. 5 junto à p.i. e Doc. 8 junto ao processo 3922/96, se verifica que o prédio da A e os prédios delimitados confrontam entre si, sendo que aquele se localiza a poente deste.
13. A linha divisória destes em tal caderneta predial acaba a sul a norte das rochas do mar e é este marco que pertence a ambos os prédios, pelo que a decisão referida padece de erro de julgamento, quanto à matéria de facto.
14. Por tal, ao abrigo do artigo 640º do CPC se impugna tal decisão, devendo, no entender da Recorrente, ser dado como provado que:
“O marco nº 3 do prédio referido em 5 e 6 é comum ao prédio referido de 1 a 3.”
15. Decidiu a Douta Sentença recorrida na alínea e) dos factos não provados, que não está provado que “há um marco com a inscrição “1964” que a poente serve de delimitação do prédio referido de 1 a 3, com o prédio que com este confronta”.
16. Tal decisão contraria a prova documental conforme se prova na alínea e) destas alegações a fls. 11 e 12, cujo texto a que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais sendo certo pelo Doc. 5 junto à p.i., que identifica o prédio da A. e a linha de delimitação deste com o prédio a poente, indica expressamente tal marco no final da mesma, a sul marco que teria sido de imediato reconhecido como o que serve a poente a linha de delimitação, entre o prédio da A. e o prédio que se localiza a poente deste, caso se tivesse realizado a perícia requerida.
17. Provado está que esta decisão, alínea e) dos factos não provados, padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, pelo que se impugna, ao abrigo do artigo 640º do CPC, devendo, no entender da Recorrente ser proferida a seguinte decisão:
“há um marco com a inscrição “1964” que serve a poente da delimitação do prédio referido de 1 a 3 com o prédio que com este confronta.”
18. Decide a Douta Sentença recorrida que não está provado que “o prédio id. de 1 a 3 tem em comum com o prédio referido em f) o marco nº 3 referido em 6.”
19. Não percebe a Recorrente o conteúdo desta alínea g), assim como também não percebe o conteúdo da alínea f).
20. O que deve ficar dado como provado é que o prédio id. de 1 a 3 tem em comum com o prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, freguesia da Guia, Concelho de Albufeira, delimitado através de processo nº 3922/86 (Doc. 7 junto à p.i.) o prédio ...97, o marco já referido na alínea d) dos factos não provados.
21. Ao não entender este facto como provado, a Douta Sentença recorrida, julga incorretamente pelo que é impugnada ao abrigo do artigo 640º do CPC.
22. Finalmente, sempre se diz que a Recorrente requereu uma peritagem por forma a que os peritos identifiquem a localização dos marcos que definem a linha que se pretende de demarcação de propriedade com o domínio público marítimo.
23. Caso tal perícia se tivesse realizado não haveria dúvidas que o marco 3 serve de suporte à linha de divisão com o prédio ...97, a nascente e que o marco com a inscrição “1964” serve de suporte à linha de divisão com o prédio a poente do prédio da A..
24. É, pois, evidente que a sua não realização, pela matéria de facto que a Douta Sentença julga não provada, afetou a prova produzida na Douta Sentença recorrida, de forma determinante.»
Contra-alegou o réu Estado, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos a esta Relação, foi proferido acórdão, em 05.11.2020, no qual se decidiu, face às dúvidas fundadas sobre a prova realizada, ordenar a realização de uma perícia tendo em vista esclarecer os pontos da matéria de facto em causa.
Foi realizada uma primeira perícia, cujo relatório se encontra a fls. 511-517, complementada com os esclarecimentos de fls. 548-549.
Foi realizada uma segunda perícia a solicitação da autora, cujo relatório, datado de 26.05.2022, e respetivos anexos constam a fls. 639-664.
Na sequência de solicitação da autora, os peritos prestaram esclarecimentos orais em sessão realizada neste Tribunal da Relação, perante este Coletivo, na qual o ilustre mandatário da autora e o Exmo. Magistrado do Ministério Público produziram alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber se ocorreu erro de julgamento no que respeita à matéria de facto, que a ter-se por verificado, nos temos em que é invocado pela autora/recorrente, poderá ter influência na sorte que mereceu a ação, possibilitando a respetiva procedência, ou seja, condenar o réu Estado no reconhecimento da propriedade privada do prédio da autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[1]:
1. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...38 o prédio a que se refere a certidão permanente junta como doc. 1 da qual entre o mais, que se dá por integrado e reproduzido, resulta: “DESCRIÇÃO EM LIVRO: N.º 5895, LIVRO N.º 15 URBANO SITUADO EM: Vale Rabelho, Galé ou Praia da Galé ÁREA TOTAL: 13242M2 ÁREA COBERTA:1424M2, ÁREA DESCOBERTA 11818M2 MATRIZ: 1781 NATUREZA URBANA COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: edifício destinado a exploração hoteleira. Estalagem em regime de propriedade total (…). Norte – Estrada da Galé; sul – rochas de praia; nascente – Glenmajor, Ltd; poente: CC and DD. (…)” - cfr. certidão permanente que no mais se dá por integrada e reproduzida.
2. Da certidão referida em 1. mais resulta “(…) INSCRIÇÕES – AVERBAMENTOS – ANOTAÇÕES AP. 3 de 1987/01/05 - Aquisição CAUSA: Compra
SUJEITO(S) ACTIVO(S): **GLENMAJOR LIMITED (…) SUJEITO(S) PASSIVO(S): ** EE ** FF (Reprodução da inscrição ...51 a fls. 96, do Livro ...) (…)” – cfr. certidão permanente que no mais se dá por integrada e reproduzida.
3. O prédio referido em 1 e 2 está inscrito na matriz predial sob o n.º ...81, freguesia da Guia, Concelho de Albufeira.
4. Encontrava-se descrito sob o n.º ...11 do livro B2 fls. 155V da extinta Conservatória do Registo de Albufeira o “prédio rústico que consta de terras de semeadura, figueiras e mato, no sítio da Torre Nova, freguesia da Guia, confronta do Norte com GG (…), do nascente com HH (…), do sul com o mar, e do poente com estrada que vai para o povo de Pera (…) Esta descrição foi feita à vista de uma escriptura de aforamento, celebrada em vinte e um de Agosto de mil oito centos sessenta e oito, digo, centos vinte e nove, pelo tabelião II, outra de venda de foro, celebrada em vinte e um de Abril de mil oito centos e trinta pelo tabelião (…), um formal de partilha julgado por sentença em vinte e cinco de Janeiro de mil oito centos oitenta e oito e de declaração suplementar assignada e apresentada por AA como procurador de BB, n’esta conservatória sob o número um do diário, em o dia seis de Fevereiro de mil oito centos sessenta e nove. As escripturas e formal de partilha foram entregues ao apresentante e a declaração e procuração ficam archivadas n’esta conservatória (…). Fica o prédio lançado no índice (…) a páginas cento e noventa, Declaro em tempo que o formal de partilha acha-se archivado no cartório do tabelião (…) da Cidade de Faro (…)” - cfr. doc. de fls. 29 e ss. que no mais se dá por integrado e reproduzido.
5. Correu termos o processo CDPM n.º 3922/86 no qual figura como “(…) requerente: JJ – auto publicado no DR, III série, n.º 181, de 1989.08.08”, mais resultando do referido Diário da República publicação nos termos da qual, que no mais se dá por integrado e reproduzido: “Nos termos do n.º4 do artigo 10,º do Decreto –Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, o parecer n.º 5237 da Comissão do Domínio Público Marítimo sobre a delimitação de um prédio rústico denominado “Vale da Torre”, situado no Vale do Rabelho ou Galé, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, requerida por JJ, foi homologado (…) aprovando o seguinte Auto de delimitação Aos 16 dias do mês de Janeiro de 1989 (…) reuniu (…) a comissão de delimitação (…) para ser lavrado o auto de delimitação com o domínio público marítimo de um prédio rústico denominado “Vale da Torre”, situado no Vale do Rabelho ou galé, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que a requerente diz pertencer-lhe.
A comissão (…) em face dos estudos que procedeu, tanto no gabinete como no campo, (…), resolveu propor a delimitação do referido prédio com o domínio público marítimo segundo a linha poligonal que, partindo do vértice 1, termina no vértice 3, a que correspondem as coordenadas (…) indicadas no quadro que se segue e conforme consta da planta de delimitação anexa a este auto (…)” – cfr. fls. certidão do processo n.º 3922/86 constante dos autos e que aqui no mais se dá por integralmente integrada e reproduzida, incluindo coordenadas e planta de delimitação anexa.
6. O prédio a que se refere o processo identificado em 5 respeita ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...97 a fls. 176 do B15 de cuja certidão além do mais que se dá por integrada e reproduzida resulta: “Prédio rústico que se compõe de terra de semear, no sítio do Vale Rabelho, freguesia da Guia, deste concelho de Albufeira (…) Vale da Torre, a confrontar do nascente com KK, do norte com LL, do poente com MM e praia e do sul com herdeiros de NN, Está inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10. (…) Av. 1 Declara-se que o prédio supra tem a área de 11.790m2, confronta do nascente com KK e posto da guarda fiscal, do poente com Eng. OO (…) e de sul com o mar (…)” – cfr. doc. de fls. 49 junto com a certidão do P .3922/86.
7. Correu termos o processo CDPM n.º 3933/86 no qual figura como “(…) requerente PP – auto publicado no DR, III série, n.º 37, de 1992.02.13 (…)”, mais resultando do referido Diário da República publicação, nos termos da qual, que no mais se dá por integrado e reproduzido: “Nos termos do n.º4 do artigo 10,º do Decreto –Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, o parecer n.º 5196 da Comissão do Domínio Público Marítimo sobre a delimitação de dois prédios rústicos em Vale do Rabelho Albufeira, requerida por PP, foi homologado (…) aprovando o seguinte Auto de delimitação Aos 4 dias do mês de Março de 1988 (…) reuniu-se (…) a comissão de delimitação nomeada para estudar e propor a delimitação do domínio público marítimo de uma propriedade situada em Vale Rabelho, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que PP diz pertencer-lhe (…).
A comissão (…) em face dos estudos a que procedeu, tanto no gabinete como no campo, (…), resolveu propor a delimitação do domínio público marítimo com o referido terreno segundo a linha poligonal que, partindo do vértice 1, termina no vértice 5, a que correspondem as coordenadas (…) indicadas no quadro que se segue e conforme consta da planta de delimitação anexa a este auto (…)” – cfr. certidão do processo n.º 3933/86 constante dos autos e que aqui no mais se dá por integralmente integrada e reproduzida, incluindo coordenadas e planta de delimitação anexa.
8. Os prédios a que se refere o processo identificado em 7 são os seguintes:
a) descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...58 a fls. 136 do B21 de cuja certidão além do mais que se dá por integrada e reproduzida resulta: “prédio rústico que se compõe de terra de semear com árvores, no sítio de Vale Rabelho, da freguesia da Guia, a confrontar do nascente e norte com QQ, do poente com RR e do sul com o mar. Artigo n.º 1898 (parte) (…)” - cfr. certidão do processo n.º3933/86 constante dos autos e que aqui no mais se dá por integralmente integrada e reproduzida;
b) descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...88 a fls. 130 do B17 de cuja certidão além do mais que se dá por integrada e reproduzida resulta: “ prédio rústico que se compõe de terra de semear, no sítio de Vale Rabelho, da freguesia da Guia, deste concelho de Albufeira, a confrontar do nascente com SS e outro, do norte com TT, do poente com herdeiros de UU e do sul com o mar. Está inscrito na respectiva matriz sob os artigos n.º ...80, ...96 e ...98 (…)” - cfr. certidão do processo n.º 3933/86 constante dos autos e que aqui no mais se dá por integralmente integrada e reproduzida.
9. O prédio referido de 1 a 3 encontra-se localizado sobre arriba.

Foram considerados não provados os seguintes factos:
a) O prédio referido de 1. a 3. resulta da desanexação do prédio referido em 4.
b) Do prédio identificado em 4 foram também desanexados os prédios n.ºs ...97, ...58 e ...88, todos da freguesia da Guia, Concelho de Albufeira.
c) Os mapas de fls. 38 e 40 que aqui se dão por integrados e reproduzidos sinalizam a vermelho os limites do prédio a que se refere a escritura de aforamento celebrada em 21 de Agosto de 1829 referida em 4.
d) O marco nº 3 do prédio referido em 5 e 6 é comum ao prédio referido de 1 a 3.
e) Há um marco com inscrição “1964” que a poente serve de delimitação do prédio referido de 1. a 3. com o prédio que com este confronta do poente.
f) O prédio referido em 6 está integrado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...85, resultante dos números 5897, fls. 176 e 5945 fls. 200 do B-15 e inscrito a favor da A. por compra.
g) O prédio identificado de 1 a 3 tem em comum com o prédio referido em f) o marco nº 3 referido em 6.

Da impugnação da matéria de facto
Escreveu-se no acórdão de 05.11.2020 proferido nestes autos:
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental, prova pericial e depoimentos testemunhais registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados e referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto[2].
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Foi analisada a prova documental constante do processo na qual a recorrente funda o recurso e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo.
Infere-se das conclusões da recorrente que esta discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente às alíneas a), b), c), d), e), f) e g) dos factos não provados, ou seja, toda a matéria de facto considerada não provada.
Na sentença recorrida, após citar doutrina e jurisprudência autorizada no que respeita à força probatória dos documentos juntos ao processo (certidões do registo predial, escrituras públicas, certidões matriciais), escreveu-se na motivação da decisão de facto:
«Os factos não provados resultaram assim em virtude de falta, insuficiência ou prova produzida em sentido contrário.
Note-se que não se vê que os processos que correram termos junto da CDMP façam prova quanto aos factos alegados pela A. nos quais sustenta a causa de pedir. Aliás, da documentação junta aos autos, designadamente vários processos que correram termos com vista à delimitação com o domínio público marítimo, não resulta senão por mera conclusão dos requerentes – aceite pela comissão – e que não se logra alcançar exactamente em que documentos se alicerçou, qualquer desanexação daquele que a A. alega ser o prédio primitivo (211) e que terá dado origem àquele que resulta registado a seu favor. Convidada a juntar tal prova, a A. nada juntou a este propósito.
Por outro lado, as testemunhas arroladas pela A. prestaram depoimentos muito pouco circunstanciados, revelando claramente, no entender do Tribunal, uma posição de convergência com os intereses da A. e mesmo relação privilegiada com aquela, o que põe em causa a sua parcialidade.
Por outro lado, não há qualquer elemento probatório que permitisse o Tribunal convencer-se da delimitação referente em c), não se vendo que tenha sido feita qualquer prova de convergência entre a realidade física assinalada nos mapas e a escritura ali referida, o mesmo se dizendo em relação aos “marcos”.
Pois, se é certo ter sido dado por provada a delimitação referida em 5., já a consideração das confrontações daquele prédio constantes em 6. com as do prédio inscrito a favor da A. nos termos dados por provados de 1. a 3. não permite concluir pela prova do constante em d).
Acresce que, ainda quanto aos “marcos”, a prova documental junta não permitiu ao Tribunal convencer-se de que tal objecto tivesse a natureza de marco e ainda menos servisse de sinal para a delimitação de extremas entre prédios, desconhecendo-se a sua natureza e as razões pelas quais o mesmo ali terá sido colocado.»
Na alínea a) foi considerado como não provado que «[o] prédio referido de 1. a 3. resulta da desanexação do prédio referido em 4.».
Defende a recorrente, ao invés, que tal factualidade devia ser considerada provada, referindo, além do mais, que o documento 5 junto com a petição inicial, o qual identifica a localização do seu prédio, com o qual confronta a poente o prédio cuja delimitação com o domínio público marítimo teve lugar no âmbito do processo nº 3922/86 supra referido, encontrando-se esta delimitação “assinalada com uma linha vermelha”, sendo que o mesmo documento também identifica a localização de um prédio a poente em relação ao prédio da autora, delimitado com o domínio público marítimo no âmbito do processo 3933/86.
Vejamos, pois, se assiste razão à recorrente.
A constituição do processo 3922/86 está declarada no parecer nº 5042 de 8 de janeiro de 1987, integrada nos autos da Comissão do Domínio Público Marítimo, em que foi requerente JJ.
O referido processo tem como suporte vários documentos[3], entre os quais o documento nº 1 da Certidão da Conservatória do Registo Predial do Loulé, que contém a descrição ...11 da extinta Conservatória de Albufeira; o documento nº 2 que é uma certidão da escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829; o documento nº 6 que corresponde à certidão de descrição nº ...97 da Conservatória do Registo Predial de Albufeira; e o documento nº 7 que é uma planta de localização na escala 1:25.000.
No aludido parecer, sob a epígrafe “III – Apreciação”, escreveu-se:
«3. Do estudo dos documentos constantes do processo resulta a seguinte apreciação:
a. Os documentos nºs 1 e 2 mostram que já em 21 de agosto de 1829 se exerciam atos de domínio privado no extenso prédio rústico correspondente à descrição nº ...11 da extinta Conservatória de Albufeira.
b. Na planta de localização (documento nº 7), a requerente assinalou os limites nascente e poente do referido prédio rústico. Entre tais limites situou o terreno que pretende delimitar. Mas enquanto o limite poente (estrada que vai para o povo de Pera, no documento nº 1 ou estrada que vai para a praia da Pera, no documento nº 2) se afigura possível identificação no local, o mesmo não acontece com o limite nascente que apenas aparece como confrontação com VV. É necessário provar que esta confrontação corresponde ao limite nascente assinalado na planta de localização.
c. Esclarecido este aspeto, se a comissão da delimitação verificar que o terreno a delimitar está contido entre os limites nascente e poente assinalados na planta de localização, pode-se considerar reconhecida a respetiva propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1864.
d) (…).»
E formulou-se a seguinte conclusão:
«4. Tudo visto e ponderado, esta comissão emite o seguinte parecer:
a. Deverá ser nomeada uma comissão de delimitação constituída por um representante da Marinha, servindo de presidente, por um representante da Direcção-Geral de Portos e por um representante da requerente, a fim de se proceder à delimitação em epígrafe.
b. A comissão de delimitação tomará em consideração o exposto nas alíneas b, c e … do nº 3.
c. Concluída a delimitação, o processo deverá voltar a esta comissão para apreciação final.»
Constituída a respetiva comissão, procedeu-se à delimitação do prédio em causa, ou seja, o prédio rústico nº ...97, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...10, sito em Vale Rabelho, tendo sido lavrado o respetivo auto de delimitação, nos termos descritos no ponto 5 dos factos provados:
«Aos 16 dias do mês de Janeiro de 1989 (…) reuniu (…) a comissão de delimitação (…) para ser lavrado o auto de delimitação com o domínio público marítimo de um prédio rústico denominado “Vale da Torre”, situado no Vale do Rabelho ou galé, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que a requerente diz pertencer-lhe.
A comissão (…) em face dos estudos que procedeu, tanto no gabinete como no campo, (…), resolveu propor a delimitação do referido prédio com o domínio público marítimo segundo a linha poligonal que, partindo do vértice 1, termina no vértice 3, a que correspondem as coordenadas (…) indicadas no quadro que se segue e conforme consta da planta de delimitação anexa a este auto (…).»
Para melhor se compreender a decisão da comissão de delimitação, importa considerar o teor da “Acta Número Um” da certidão do processo nº 3922/86, a fls. 15-16, onde se consignou o seguinte:
«(…) a comissão decidiu deslocar-se ao local para fazer o reconhecimento do prédio rústico em causa e apreciar a respetiva localização. Quanto a esta última concluiu-se que a localização indicada na planta cadastral está correcta visto que o prédio se situa efectivamente junto a um cruzamento de caminhos de acesso à praia, já muito perto desta, (…).
Encontraram ainda os marcos nascente e poente que delimitam a propriedade na sua parte mais chegada à praia, de que se conclui que uma faixa de terreno do prédio está dentro da zona dominial e que a propriedade se situa dentro dos limites nascente e poente assinalados na planta de localização. Deu-se deste modo satisfação à alínea c) do já referido Parecer 5042.
Também no processo nº 3933/86, relativo aos prédios nºs ...58 e ...88, foi lavrado o respetivo auto de delimitação, nos termos descritos no ponto 7 dos factos provados:
«Aos 4 dias do mês de Março de 1988 (…) reuniu-se (…) a comissão de delimitação nomeada para estudar e propor a delimitação do domínio público marítimo de uma propriedade situada em Vale Rabelho, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que PP diz pertencer-lhe (…).
A comissão (…) em face dos estudos a que procedeu, tanto no gabinete como no campo, (…), resolveu propor a delimitação do domínio público marítimo com o referido terreno segundo a linha poligonal que, partindo do vértice 1, termina no vértice 5, a que correspondem as coordenadas (…) indicadas no quadro que se segue e conforme consta da planta de delimitação anexa a este auto (…)»
De igual modo, para se compreender melhor a decisão da comissão de delimitação, importa considerar o que consta da “Acta Número Um” da certidão do processo nº 3933/86, a fls. 8-9, na qual se consignou:
«(…) a comissão de delimitação visitou demoradamente o terreno a delimitar. Constatou que os dois prédios rústicos mencionados em diversos documentos do processo são contíguos e constituem actualmente uma única propriedade.
Deu-se então início à delimitação colocando a estaca nº 1 na estrema poente do terreno. Depois caminhando para nascente foram-se colocando as estacas números 2, 3, 4 e 5, ficando esta última na estrema nascente da propriedade. Verificou a comissão de delimitação que junto à poligonal assim definida e em terreno do requerente existe um caminho de uso público.
Em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, adoptou-se para LMPAV a linha de cota +5m (ZH).»
Ora, estando provado que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97 é aquele que foi delimitado no processo 3922 da Comissão do Domínio Público Marítimo, e que o mesmo se situa entre o limite poente e o limite a nascente do antigo prédio rústico ...11 (como resulta do dito processo), a aceitar-se que o prédio ...97 confronta do poente com o prédio da autora – como esta refere - e que o limite poente do prédio rústico nº ...11 (estrada que vai para o povo de Pera) dista bastante da delimitação a poente do prédio da autora (nº 4838), seria de concluir que este prédio fazia anteriormente parte do prédio rústico nº ...11, do qual foi desanexado, como vários outros prédios, nomeadamente os que respeitam aos processos nºs 3922 e 3933 a que aludimos supra.
Da análise da vasta documentação junta ao processo não é possível afirmar, sem margem de dúvida, que assim é, mas trata-se de dúvida – assim como outras - que pode muito bem ser dissipada com a realização de uma perícia, a qual, aliás, foi requerida pela autora/recorrente logo na petição inicial, com indicação do respetivo objeto, e que não foi realizada, sendo indiferente para o caso que no início da audiência final, o mandatário da autora tenha prescindido da prova pericial por entender ser bastante a prova documental.”
Ora, realizada a prova pericial ordenada, há agora que responder às questões suscitadas no âmbito da impugnação da matéria de facto da autora.
Assim, a primeira questão a resolver, é a de saber se o prédio referido nos pontos 1 a 3 dos factos provados, ou seja, o prédio da autora, resulta da desanexação do prédio referido em 4, isto é, o prédio descrito sob o n.º ...11 do livro B2 fls. 155 vº da extinta Conservatória do Registo de Albufeira.
Na primeira perícia realizada, cujo relatório se encontra a fls. 511-517, os peritos responderam por unanimidade a esta questão nos seguintes termos:
«Face à documentação disponibilizada, os peritos entendem não ter elementos suficientes para concluir que o prédio com o nº ...38 provém do prédio com o nº ...11.
A descrição do prédio rústico nº ...11 não se mostra suficientemente clara e inequívoca para conseguir localizar no espaço os seus limites e forma geométrica.»
Nos esclarecimentos que prestaram a fls. 548-549, os senhores peritos, pronunciando-se sobre o prédio nº ...11, reiteraram que a insuficiência de elementos não lhes permitia concluir com rigor acerca dos limites daquele prédio «podendo este, com as suas confrontações conforme descritas, assumir as mais variadas formas geométrica».
Os senhores peritos terminaram os esclarecimentos com a seguinte frase:
«Não cabe aos peritos contradizer ou pôr em causa os atos das comissões de delimitação do DPM. No entanto, se da análise da documentação disponibilizada surgirem dúvidas ou reservas é obrigação dos peritos expô-las. Caberá depois ao tribunal analisar, ponderar e concluir se estas dúvidas e/ou reservas têm ou não fundamento e se têm peso significativo na tomada de decisão».
Na segunda perícia realizada, não houve unanimidade dos peritos na resposta à questão enunciada.
Assim, os peritos do tribunal e do réu, respetivamente Eng.º WW e Eng.º XX, deram a seguinte resposta:
«Relativamente ao prédio descrito sob o n.º ...11 do livro B2 fls. 155.º V da extinta Conservatória do Registo de Albufeira, após a consulta do processo e, também, da consulta efetuada no arquivo distrital de Faro, os peritos não encontraram prova documental que, inquestionavelmente, permita identificar com um mínimo de clareza:
- O limite nascente deste antigo prédio;
- A sua forma geométrica e área;
- Qualquer associação ao prédio atual nº 4838, da freguesia da Guia, concelho de Albufeira, através de sucessivos atos de registo predial (por desanexação) ou mesmo por transmissão sucessiva de titulares inscritos.
Na apreciação que efetuou no âmbito do processo de delimitação do domínio público marítimo (DPM) nº 3922/86, a própria Comissão do Domínio Público Marítimo (CDPM) levantou dúvidas quanto ao limite nascente do prédio n.º ...11, mas, mesmo assim, concluiu por remeter o processo para delimitação no terreno por uma específica comissão de delimitação a nomear para este processo a qual encarregou de esclarecer as dúvidas suscitadas no parecer. Mas no seu parecer final, nº 5237, de 13 de abril de 1989, em que apreciou a proposta desenvolvida e apresentada pela comissão de delimitação, a CDPM acabou por aceitar como provado que o prédio nº ...97, na confrontação com o qual fora requerida a delimitação DPM em apreço e que fica situado a nascente e é contíguo ao prédio objeto da presente ação nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, provém do referido prédio nº ...11.
A CDPM aceitou também (cfr. parecer nº 5078, de 7 de maio de 1987) a posse privada, em data anterior a 1864, das parcelas da margem inseridas nos prédios descritos na CRP de Albufeira sob os nºs ...88 e ...58, situados a poente do prédio objeto da presente ação judicial, mas que com este não são contíguos.
Contudo, os peritos desconhecem em que documentos ou outros dados a CDPM se baseou para tal, os quais também não são mencionados no referido processo CDPM.
Assim sendo consideram os peritos não poder assumir que o prédio referido de 1. a 3. resulta da desanexação do prédio referido em 4.»
Já o perito da autora, Eng.º YY, deu a seguinte resposta:
«Atendendo a que o prédio em causa se situa, fisicamente, dentro do prédio referido em 4 (e acima transcrito), por estar situado ente a sua extrema a poente e o prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, entende-se que o prédio em causa só poderá ter resultado, e portanto conclui-se que resultou, de desanexação do prédio referido em 4.».
Temos, pois, que das duas perícias realizadas, apenas o perito da autora – na segunda perícia - respondeu de forma afirmativa à questão de saber se o prédio da autora resulta da desanexação do prédio nº ...11, sendo que os restantes peritos foram inconclusivos na resposta dada, justificando essa inconclusividade, essencialmente, por - utilizando as palavras da resposta dada pelos peritos maioritários da 2ª perícia - «não encontrarem prova documental que, de forma inquestionável permita identificar com um mínimo de clareza: i) o limite nascente deste antigo prédio; ii) a sua forma geométrica e área; iii) qualquer associação ao prédio atual nº 4838, da freguesia da Guia, concelho de Albufeira, através de sucessivos atos de registo predial (por desanexação) ou mesmo por transmissão sucessiva de titulares inscritos».
Na segunda perícia aludiram ainda os peritos maioritários aos pareceres da Comissão do Domínio Público Marítimo[4] no âmbito dos processos 3922/86 (prédio nº ...97) e ...6 (prédios nºs ...58 e ...88), mas referiram desconhecer os documentos ou outros dados em que a Comissão se baseou para tal, os quais também não são mencionados naqueles processos.
Ou seja, a posição unânime dos peritos na primeira perícia, e maioritária na segunda perícia, não exclui que o prédio da autora resulta da desanexação do prédio nº ...11, sucedendo apenas que os senhores peritos têm dúvidas ou reservas que assim seja, em virtude de não encontrarem arrimo na prova documental que, inquestionavelmente, o demonstre.
Entendemos, porém, analisando toda a prova documental existente nos autos - incluindo a certidão integral do apenso relativo aos processos de delimitação do domínio público marítimo nºs 3922/86 e ...6 -, entendemos ser de acolher a posição minoritária do perito da autora na segunda perícia realizada. Senão vejamos.
Assim, o documento 3 junto com a petição inicial, a fls. 38, identifica a confrontação poente do prédio da autora com Descrição Predial nº ...11 a fls. 155V do B-2, sendo que este documento existente no processo 3933/86 da CDPM, considerou tal confrontação válida.
Também o documento 4 junto com o mesmo articulado, a fls. 39-40, considerou essa confrontação válida.
A respeito das confrontações do prédio rústico nº ...11, pronunciou-se a CDPM, no processo nº 3922/86, nos termos acima referidos e que aqui reiteramos:
«b. Na planta de localização (documento nº 7), a requerente assinalou os limites nascente e poente do referido prédio rústico. Entre tais limites situou o terreno que pretende delimitar. Mas enquanto o limite poente (estrada que vai para o povo de Pera, no documento nº 1 ou estrada que vai para a praia da Pera, no documento nº 2) se afigura possível identificação no local, o mesmo não acontece com o limite nascente que apenas aparece como confrontação com VV. É necessário provar que esta confrontação corresponde ao limite nascente assinalado na planta de localização.
c. Esclarecido este aspeto, se a comissão da delimitação verificar que o terreno a delimitar está contido entre os limites nascente e poente assinalados na planta de localização, pode-se considerar reconhecida a respetiva propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1864.»
Constituída a respetiva comissão, procedeu-se à delimitação do prédio em causa, ou seja, o prédio rústico nº ...97, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...10, sito em Vale Rabelho, tendo sido lavrado o respetivo auto de delimitação, nos termos descritos no ponto 5 dos factos provados, que aqui damos por reproduzidos.
A decisão da referida comissão de delimitação está bem justificada na “Acta Número Um” da certidão do processo nº 3922/86, apensa a estes autos:
«(…) a comissão decidiu deslocar-se ao local para fazer o reconhecimento do prédio rústico em causa e apreciar a respetiva localização. Quanto a esta última concluiu-se que a localização indicada na planta cadastral está correcta visto que o prédio se situa efectivamente junto a um cruzamento de caminhos de acesso à praia, já muito perto desta, (…).
Encontraram ainda os marcos nascente e poente que delimitam a propriedade na sua parte mais chegada à praia, de que se conclui que uma faixa de terreno do prédio está dentro da zona dominial e que a propriedade se situa dentro dos limites nascente e poente assinalados na planta de localização. (…)».
Concluída que foi a delimitação, esta veio a ser aprovada pela CDPM no parecer emitido em 13.04.1989 (cfr. fls. 2 a 6 da certidão do proc. nº 3922/86).
Por sua vez, em relação aos prédios nºs ...97, ...58 e ...88, que confrontam a sul com o mar, não parece que se possa duvidar da sua localização no interior do então prédio rústico nº ...11, tal como assumido nos processos de delimitação do domínio público marítimo nºs 3922/86 e ...6.
Ora, sendo aceite pela CDPM, no exercício das suas competências, as confrontações a poente e a nascente do prédio rústico ...11, alcança-se sem grande esforço que «o prédio referido de 1 a 3 resulta da desanexação» daquele prédio rústico, localizando-se no seu interior e confrontando a sul com as rochas do mar.
O documento 5 junto com a petição inicial[5], extraído da planta cadastral do Concelho de Albufeira identifica os prédios delimitados com o domínio público marítimo através dos processos nºs 3933/86 e 3922/86, isto é, os prédios números ...97 [proc. nº 3922/86] e ...58 e ...88 [proc. nº ...0], que tiveram a sua origem no então prédio rústico ...11, como se comprova nesse processos de delimitação.
Este mesmo documento identifica na planta cadastral o prédio da autora, o qual confronta do lado poente com o prédio nº ...97, sendo que os prédios nºs ...58 e ...88, se encontram, neste documento a poente do prédio da autora.
Assim, porque o prédio da autora se situa fisicamente dentro do prédio nº ...11, por se encontrar entre a sua extrema a poente e o prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, só pode concluir-se que a área do prédio da autora antes da existência deste, tinha necessariamente de estar integrada na área do prédio rústico nº ...11, resultando por esse facto de uma desanexação deste prédio.

Considerou igualmente o Tribunal a quo como não provado que «do prédio identificado em 4. foram também desanexados os prédios nºs ..., ...58 e ...88[6], todos da freguesia da Guia, concelho de Albufeira».
A resposta a esta questão obteve apenas resposta afirmativa do perito da autora na segunda perícia realizada, sendo que os demais peritos – por unanimidade na primeira perícia e por maioria na segunda perícia – deram, à semelhança da resposta à questão anterior, uma resposta inconclusiva quanto a esta matéria.
Assim, reconhecendo embora que tal desanexação foi assumida no âmbito dos processos de delimitação do domínio público marítimo a que vimos aludindo, dizem que desconhecem em que documentos ou outros dados se baseou a CDPM para tal conclusão.
Ora, os documentos em que a CDPM se baseou para emitir o seu parecer sobre tal matéria, são os que constam dos respetivos processos, não dizendo os senhores peritos que documentos necessitariam para responder afirmativamente ou negativamente à questão em apreço.
Além de se tratarem de processos oficiais, tramitados de forma minuciosa e da vasta documentação existente nos mesmos, importa ainda ter presente que as comissões de delimitação nomeadas para o efeito em ambos os processos (3922/86 e 3933/80], deslocaram-se ao local da delimitação, podendo constatar a realidade física aí existente.
Não se vislumbram, pois, razões para duvidar das conclusões e decisões tomadas pela CDPM, por unanimidade, homologadas pelo Chefe de Estado Maior da Armada no exercício das suas competências.
Assim, eliminam-se as alíneas a) e b) dos factos não provados e aditam-se ao elenco dos factos provados os seguintes pontos:
«10. O prédio referido de 1. a 3. resulta da desanexação do prédio referido em 4.
11. Do prédio identificado em 4 foram também desanexados os prédios n.ºs ...97, ...58 e ...88, todos da freguesia da Guia, Concelho de Albufeira.»

O Tribunal a quo considerou não provado que os mapas de fls. 38 e 40[7] sinalizam a vermelho os limites do prédio a que se refere a escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829 referida no ponto 4 dos factos provados.
Relativamente a esta questão existe unanimidade dos peritos.
Na 1ª perícia concluíram os senhores peritos que «[a]nalisada a documentação disponibilizada, os Peritos concordam com a correspondência do limite poente do prédio nº ...11 com a indicada nas plantas de localização, mas não conseguem estabelecer a mesma correspondência para o limite nascente».
Na segunda perícia a resposta dos peritos foi a seguinte:
«Relativamente à delimitação a poente nesses mapas do prédio a que se refere a escritura celebrada em 21 de Agosto de 1829, os peritos entendem que sim, pois a referida estrada que vai para a localidade de Pêra ainda existe e consta dos mapas, nomeadamente da carta militar. Quanto à delimitação a nascente que consta nesses mapas, a confrontação com HH, os peritos nas pesquisas que efetuaram (tendo-se procurado pelo confrontante no Arquivo Distrital de Faro sem sucesso, por não existir nesse arquivo a possibilidade de pesquisa por nome, e também não se tendo encontrado esse nome no livro B-2 da extinta Conservatória de Albufeira onde consta a escritura celebrada em 21 de Agosto de 1829), e tendo em conta que nos processos de delimitação do Domínio Público Marítimo referidos na resposta ao quesito anterior, no processo nº 3922/86 essa delimitação não foi dada como provada, embora tenha sido admitida no processo nº 3933/86, os peritos não conseguiram determinar com exatidão onde se situa ou situava, e não podem confirmar que a linha a vermelho assinalada nesses mapas como a delimitação a nascente corresponda efetivamente a essa delimitação.»
Não existindo no processo outros elementos de prova que apontem em sentido contrário, tem este Tribunal de aceitar o juízo emitido pelos senhores peritos a propósito desta questão.
Assim, elimina-se a alínea c) dos factos provados e adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte ponto:
«12. Os mapas de fls. 38 e 40 sinalizam a vermelho o limite a poente do prédio a que se refere a escritura de aforamento celebrada em 21 de agosto de 1829 referida no ponto 4 dos factos provados.»

Igualmente objeto de impugnação pela autora/recorrente, foi a decisão de considerar não provada a matéria constante da alínea d) dos factos não provados: «[o] marco nº 3 do prédio referido em 5. e 6. é comum ao prédio referido de 1. a 3».
Também quanto a esta matéria houve unanimidade dos peritos, que em ambas as perícias responderam de forma idêntica, transcrevendo-se de seguida a resposta dada na segunda perícia:
«Sobrepondo a poligonal de delimitação do DPM resultante do processo de nº 3922/86 (Anexo VI) com a planta cadastral, que se apresenta a tracejado vermelho no Anexo VII (ressalvando que a diferença entre a planta cadastral e a implantação agora feita se justifica pela maior precisão que os aparelhos topográficos atualmente apresentam, face aos da altura em que as plantas cadastrais foram realizadas), conclui-se que o marco nº 1 (indicado como 1 no Anexo VI) do prédio referido em 5. e 6. (e não o marco nº 3 como erradamente o quesito refere) é comum com o prédio em causa nos autos. Embora o marco não exista fisicamente no terreno, o local foi determinado com exatidão (Foto 4).»
Assim, elimina-se a alínea d) dos factos não provados e adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte ponto:
«13. O marco nº 1 do prédio referido em 5. e 6. é comum ao prédio referido de 1. a 3.»

Quanto à alínea e) dos factos não provados – Há um marco com inscrição “1964” que a poente serve de delimitação do prédio referido de 1. a 3. com o prédio que com este confronta do poente” -, também objeto de impugnação por parte da autora, a resposta dos senhores peritos pode considerar-se unânime.
Na primeira perícia a resposta foi a seguinte:
«Foi realizado o levantamento topográfico da posição do referido marco e, apesar deste não apresentar as características típicas de um marco de delimitação cadastral, este coincide com o canto sul-poente da planta cadastral nº 4838, conforme imagem 3.»
Na segunda perícia, o perito da autora referiu que «embora a inscrição que existe no mesmo não seja completamente legível (Fotos 1 a 3), entende-se que este marco terá sido colocado aquando do levantamento topográfico que serviu de base à execução da referida folha cadastral, que terá ocorrido nessa época».
Já os peritos do tribunal concluíram «que este não é um Marco de delimitação Cadastral».
Ora, ainda que se trate de um marco atípico, como os peritos da segunda perícia reconheceram na sessão de esclarecimentos que decorreu neste Tribunal da Relação, o certo é que tal é irrelevante do ponto de vista prático, porque o mesmo está no local certo do cadastro, ou seja, coincide com o polígono cadastral, podendo, pois, muito bem considerar-se que o marco em causa serve a poente de delimitação do prédio da autora com o prédio que com este confronta a poente.
Assim, elimina-se a alínea e) dos factos não provados e adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte ponto:
«14. Há um marco com inscrição “1964” que a poente serve de delimitação do prédio referido de 1. a 3. com o prédio que com este confronta do poente.»

Impugna também a autora a matéria de facto dada como não provada na alínea f): «o prédio referido em 6. está integrado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...85, resultante dos números 5897, fls. 176 e 5945 fls, 200 do B-15 e inscrito a favor da A. por compra».
Na primeira perícia realizada os senhores peritos entenderam não ter elementos suficientes para concluir acerca da referida integração.
Já na segunda perícia os senhores peritos responderam por unanimidade à questão colocada do seguinte modo:
«Assumindo que se trata do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...85 (e não 00760/18/285 como o quesito refere), com a área total de 18.640 m2, pode ler-se na respetiva certidão, em “COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES:” que o mesmo é “Resultantes da anexação dos nºs. 5897, fls. 176 e 5495 a fls. 200, do livro B-15.”, pelo que é de concluir que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...97 foi integrado no prédio nº ...85, prédio este que resultou da anexação dos prédios nºs ...97 e ...45.»
Nenhuma outra prova existindo que afaste este este entendimento, haverá que dar como provada a factualidade em causa.
Assim, elimina-se a alínea f) dos factos não provados e adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte ponto:
«15. O prédio referido em 6. está integrado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...85, resultante dos números 5897, fls. 176 e 5945 fls. 200 do B-15 e inscrito a favor da A. por compra.»

Resta, por último, a impugnação da autora à alínea g) dos factos não provados: «[o] prédio identificado de 1 a 3 tem em comum com o prédio referido em f) o marco nº 3 referido em 6».
Também aqui não houve unanimidade dos peritos.
Assim, na primeira perícia os senhores peritos responderam do seguinte modo:
«Conforme explanado na resposta ao quesito d), o prédio com o nº ...38 tem em comum com o prédio com o nº ...97 o marco nº 1 da poligonal de delimitação do DPM resultante do CDPM nº 3922/86».
Na segunda perícia, em sentido idêntico respondeu o perito da autora:
«Sim, pois os prédios são confinantes entre si pelo lado nascente do prédio em causa nos autos, que corresponde ao lado poente do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, e o marco em causa marca o vértice sul/nascente da extrema do prédio em causa nos autos, porque delimita a confrontação a sul deste com o mar, e também, simultaneamente, o vértice sul/poente da extrema do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97... resposta foi dada assumindo que se trata do marco nº 1 e não do marco nº 3 como erradamente o quesito refere, e também conforme resposta dada ao quesito d).»
Já o perito do tribunal e do réu responderam negativamente:
«(…), pois os prédios são confinantes entre si pelo lado nascente do prédio em causa nos autos, que corresponde ao lado poente do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, e o marco em causa marca o vértice sul/nascente da extrema do prédio ...97 em causa nos autos, porque delimita a confrontação a sul deste com o mar.
Como já foi esclarecido na resposta ao quesito d) é o marco nº 1 que assinala o limite sul/poente, na confrontação com o mar, do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97, mas o referido marco nº 1 apenas diz respeito a este prédio, nada definindo relativamente ao prédio em causa nos autos».
Tendo em consideração a resposta unânime dos peritos na primeira perícia realizada e a resposta do perito da autora na segunda perícia, não encontramos razões para divergir do entendimento maioritário dos peritos, considerando, ademais, a explicação dada pelo perito da autora que parece não ter sido levada em conta pelos peritos do tribunal e do réu, ou seja, que « o marco em causa marca o vértice sul/nascente da extrema do prédio em causa nos autos, porque delimita a confrontação a sul deste com o mar, e também, simultaneamente, o vértice sul/poente da extrema do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97.» (sublinhado nosso)
Assim, elimina-se a alínea g) dos factos não provados e adita-se a respetiva factualidade ao elenco dos factos provados:
«15. O prédio referido em 6. está integrado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...85, resultante dos números 5897, fls. 176 e 5945 fls. 200 do B-15 e inscrito a favor da A. por compra.»

Do reconhecimento da propriedade privada do prédio da autora
A matéria do reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, regulada presentemente no art. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, teve como antecedente o art. 8.º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de novembro, que acolheu em grande parte a doutrina dominante da Comissão do Domínio Público Marítimo[8].
O artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, à semelhança do revogado artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71, trata “de um dos pontos cruciais da problemática do domínio público hídrico, ou seja, o dos meios pelos quais podem os particulares obter o reconhecimento dos seus direitos de propriedade sobre parcelas de leitos ou margens públicos”[9].
Embora, por definição, os leitos e as margens de águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis sejam bens do domínio público, não podia o legislador deixar de reconhecer os direitos adquiridos sobre esses terrenos por sujeitos privados, antes de 31 de dezembro de 1864 ou, tratando-se de arribas alcantiladas[10], antes de 22 de março de 1868.
A indicação destas datas tem uma explicação.
Assim, a data de 31 de Dezembro de 1864 é a da publicação do decreto que estabeleceu, de forma inovadora, a dominialidade pública dos leitos e das margens, prescrevendo o seu art. 2.º que são “do domínio público imprescritível, os portos do mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam…”.
Já a data de 22 de Março de 1868 é a da entrada em vigor do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), em cujo artigo 380.º § 4.º - preceito onde se faz a enumeração exemplificativa de coisas públicas – se dispunha que “as faces ou rampas e os capelos dos cômoros, valadas, tapadas, muros de terra ou de pedra e cimento erguidos artificialmente sobre a superfície do solo marginal, não pertencem ao leito ou álveo da corrente, nem estão no domínio público, se à data da promulgação do Código Civil não houverem entrado nesse domínio por forma legal”.
O art. 15.º da Lei 54/2005 contempla quatro situações em que, segundo aquele preceito, pode encontrar-se o particular que pretende ser reconhecido como proprietário de uma parcela do leito ou da margem.
Ao caso interessa apenas a primeira situação, contemplada no n.º 1, em que o interessado que pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, tem de provar documentalmente a entrada no domínio privado, por título legítimo, do respetivo terreno em data anterior a 31 de Dezembro de 1864 ou a 22 de Março de 1868, tratando-se de arribas alcantiladas.
A doutrina deste artigo, que já havia sido acolhida no n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 468/71, sancionou a orientação pacífica da Comissão do Domínio Público Marítimo de admitir a favor do Estado uma presunção juris tantum de dominialidade de tais terrenos, impondo aos interessados o ónus da prova que os mesmos lhe pertencem[11].
Constituem justo título ou título legítimo de aquisição, entre outros, os expressamente indicados no artigo 1316.º do Código Civil: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão. Trata-se, porém, de uma enumeração exemplificativa, como resulta da utilização, na parte final do artigo, da fórmula “e demais modos previstos na lei”.
Ora, in casu, está provado que a autora é proprietária do prédio rústico, registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...38 e inscrito na matriz predial respetiva sob o nº ...81, o qual está localizado no Sítio do Vale Rabelho, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que confronta de nascente com Glenmajor, do norte com estrada, do poente com CC e ZZ e do sul com rochas do mar [pontos 1 a 3 dos factos provados].
Como também se provou, este prédio resulta da desanexação do prédio rústico, descrito sob o nº ...11 na extinta Conservatória do Registo de Albufeira, que consta de terras de semeadura, figueiras e mato, no sítio da Torre Nova, freguesia da Guia, e confronta do Norte com GG, do nascente com HH, do sul com o mar, e do poente com estrada que vai para o povo de Pera, sendo que esta descrição foi feita à vista de uma escritura de aforamento, celebrada em 21 de agosto de 1829, um formal de partilha julgado por sentença em vinte e cinco de Janeiro de 1859 e de declaração suplementar assigada e apresentada por AA, como procurador de BB, naquela Conservatória sob o número 1 do diário, em 6 de fevereiro de 1869 [pontos 10 e 4 dos factos provados].
Do referido prédio nº ...11 foram, além do prédio da autora, também desanexados os prédios nºs ...97, ...58 e ...88, todos da freguesia da Guia e concelho de Albufeira [ponto 11 dos factos provados].
Provou-se, por outro lado, que o marco nº 1 (e não nº 3 como alegado pela autora) do prédio referido nos pontos 5 e 6, isto é, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º ...97 a fls. 176 do Livro B-15 é comum ao prédio da autora, e também que existe um marco com inscrição “1964” que a poente serve de delimitação do prédio da autora com o prédio que com este confina a poente [pontos 13 e 14 dos factos provados].
No processo de delimitação nº 3922/86, no parecer da CDPM nº 5042 de 8 de janeiro de 1987, consta, sob a epígrafe “III – APRECIAÇÃO”, o seguinte:
«3. Do estudo dos documentos constantes do processo resulta a seguinte apreciação:
a) Os documentos nºs 1 e 2 mostram que já em 21 de Agosto de 1829 se exerciam actos de domínio privado no extenso prédio rústico correspondente à descrição nº ...11 da extinta Conservatória de Albufeira.
b) Na planta de localização (documento nº 7), a requerente assinalou os limites nascente e poente do referido prédio rústico. Entre tais limites situou o terreno que pretende delimitar. Mas enquanto o limite poente (estrada que vai para o povo de Pera, no documento nº 1 ou estrada que vai para a praia da Pera, no documento nº 2) se afigura possível identificação no local, o mesmo não acontece com o limite nascente que apenas aparece como confrontação com VV. É necessário provar que esta confrontação corresponde ao limite nascente assinalado na planta de localização.
c. Esclarecido este aspeto, se a comissão da delimitação verificar que o terreno a delimitar está contido entre os limites nascente e poente assinalados na planta de localização, pode-se considerar reconhecida a respetiva propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1864.
d) (…).»
Após o trabalho realizado pela comissão de delimitação, pelo parecer nº 5237, de 13 de abril de 1989, a CDPM propôs ao Chefe do Estado Maior da Armada «de que a delimitação está em condições de ser aprovada, devendo dar-se seguidamente a tramitação prevista no nº 4 do art. 10º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de novembro, e legislação complementar».
Esta proposta foi homologada «nos termos do Despacho 24/MDN/88, de 11 de ABR», pelo Almirante Chefe do Estado Maior da Armada, em 2 de maio de 1989, o que significa que se encontra já delimitado o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...97 com o domínio público marítimo, sendo que o prédio da autora em discussão nos autos, tem em comum com este prédio o marco nº 1 do processo de delimitação, como se viu supra.
Também tudo se passou de forma similar no processo de delimitação nº 3933/86, chegando a CDPM à conclusão de que os prédios em causa (8058 e 6588), por estarem contidos dentro entre os limites assinalados em ambas as plantas de localização, são propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1854, pelo que, situando-se o prédio da autora fisicamente entre os prédios nºs ...97, com o qual confronta a nascente, e os prédios ...58 e ...88, só pode concluir-se que o prédio da autora é também propriedade particular anteriormente a 31 de dezembro de 1864.
Por conseguinte, o recurso merece provimento.

IV – DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes deste Relação em, concedendo provimento ao recurso interposto pela autora:
- Revogar a sentença recorrida;
- Julgar a ação procedente, condenando-se o réu Estado a reconhecer a propriedade privada do prédio da autora descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº ...38, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, com a configuração que se apresenta nas plantas de localização de fls. 46 e 48, fixando-se a linha de delimitação daquele prédio como aquela que resulta da ligação do marco 1, definido pelo processo de delimitação nº 3922/86, com o marco que está identificado em tais plantas e nas fotografias de fls. 50, 52 e 54.
As custas, na ação e apelação são a cargo do réu Estado.
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Évora, 13 de outubro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

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[1] Alguns dos factos foram retocados na sua redação relativamente ao que consta na sentença, eliminando-se dos mesmos, nomeadamente, a expressão “Provado apenas que”, pois não se está a responder a nenhum quesito, mas a elencar o que está efetivamente provado.
[2] Não tendo a recorrente fundado o recurso na prova testemunhal produzida, não tinha que indicar quaisquer passagens de gravação.
[3] Catorze no total.
[4] Doravante CDPM.
[5] Complementado com a planta cadastral à Escala 1:2.000, que constitui o “Doc. 8” da certidão dos processos nºs 3922/86 e ...6 apensa aos autos.
[6] Estes dois prédios (6588 e 8058) são contíguos e constituem já Há data uma única propriedade, como consta do Parecer da CDPM de 14.07.1988, no processo de delimitação nº 3933/86.
[7] O original (Doc. 10) consta nas certidões dos processos de delimitação nºs 3922/86 e ...6.
[8] Cfr. Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978, p. 124.
[9] Idem, ibidem..
[10] Designa-se por arriba a margem elevada e por alcantil a margem a pique. Sobre o modo de contagem da faixa do domínio público marítimo nas costas alcantiladas ou de falésia, cfr. o Estudo sobre o domínio público do Comandante Vicente Lopes, in Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo, n.º 4, 1947, p. 56.
[11] Cfr. Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, 2.ª edição revista e ampliada, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 227.