Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
113/21.5GBVNO.E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: CRIME DE DANO
CRIME DE FURTO
QUEIXA
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso dos crimes de dano e furto é ofendido e tem legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113.º, n.º 1 do Código Penal, a pessoa que tenha o mero gozo ou fruição da coisa, pois a tutela penal protege o direito destas pessoas.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Central Criminal de …- Juiz …, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado:

- AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de …, do Concelho de …, nascido em ….1987, solteiro, titular do Cartão de Cidadão n.º … e residente na Rua …, n.º …, … em ….

A final, foi decidido:

a) Declarar a extinção do procedimento criminal, quanto ao crime de furto de uso de veículo (NUIPC 260/21.3GBVNO) imputado ao arguido AA, por falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, por falta de queixa da sociedade ofendida;

b) Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. p. pelo art. 21º, nº1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-C anexas ao mesmo diploma [NUIPC 113/21.5GBVNO (autos principais)];

c) Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 178/21.0GBVNO);

d) Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 206/21.9GBVNO);

e) Condenar o arguido AA, pela prática como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, , com referência às tabelas I-A e I-C anexas ao mesmo diploma [NUIPC 113/21.5GBVNO (autos principais)], na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

f) Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 98/21.8GBVNO), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

g) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, na forma consumada, do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 160/21.7GBNVO), na pena de 6 (seis) meses de prisão;

h) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art.º 208.º, n.º 1, do Código Penal, (NUIPC 160/21.7GBNVO), na pena de 3 (três) meses de prisão;

i) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea e), por referência ao artigo 204.º, n.º 4, todos do Código Penal (NUIPC 254/21.9GBVNO), na pena de 6 (seis) meses de prisão;

j) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, na forma consumada, do crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 177/21.1GAACN), na pena de 6 (seis) meses de prisão.

k) Em cúmulo jurídico das penas supra referidas, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

l) Determinar que o arguido AA aguarde os ulteriores termos processuais até ao trânsito da presente decisão, sujeito às medidas de coação de prisão preventiva, além do TIR, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 204.º, alínea c) e art.º 213.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal;

m) Julgar parcialmente procedente, por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil «DD Lda» contra o arguido/demandado civil AA, e em consequência condenar o demandado a pagar à demandante civil do valor de Eur. 32,27€ (trinta e dois euros e vinte e sete cêntimos) a título de indemnização civil por danos patrimoniais emergentes de responsabilidade civil por factos ilícitos, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a data de 13-07-2021 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.

Inconformado, o arguido AA, interpôs recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões:

“1- No âmbito do processo 160/21.7GBNVO foi o arguido condenado pela prática do crime de dano (art.º 212º, n.º 1 C.P.) e do crime de furto de uso de veículo (art.º 208.º n. º1 C.P.), crimes cujo procedimento criminal está dependente de queixa por parte do ofendido nos termos do art.º (113º, nº1 C.P.)

2. Não resulta dos autos que o direito de queixa tenha sido exercido por parte do proprietário do veículo em causa, nem tão pouco por qualquer pessoa que esteja por título legítimo no gozo da coisa, não se tendo igualmente esclarecido em julgamento (ou na decisão recorrida) esta questão.

3. Consequentemente, verifica-se a ausência de uma condição de procedibilidade pois não tendo a queixa sido apresentada por quem de direito, não tem o Ministério Público legitimidade para o exercício da ação penal, devendo os autos ser arquivados (por nulidade insanável do art.º 119º n.º 1 al. b) do C.P.P.) e o Arguido ABSOLVIDO destes crimes.

4. Quanto aos crimes pelos quais o Arguido foi condenado nos NUIPC 113/21.5GBVNO, NUIPC 160/21.7GBNVO (à cautela),NUIPC 254/21.9GBVNO e NUIPC 177/21.1GAACN entende-se que o Tribunal a quo determinou um quantum de pena manifestamente exagerado e desproporcionado, que extravasa em muito a medida da culpa e que reflete uma análise descuidada das exigências de prevenção geral e especial.

5. Os factos provados nos NUIPC acima indicados remetem-nos para um grau de ilicitude baixo ou, no limite, muito moderado, cujo modo de execução transmite, por si, uma ideia de baixa gravidade objetiva, sendo de relevar que o Arguido não tem antecedentes criminais.

6. Deu-se também como provado que o Arguido é proveniente de um agregado familiar disfuncional, com histórico de toxicodependência da progenitora, que tem frágil formação escolar que padece de surtos psicóticos e de esquizofrenia diagnosticada e que vive da mendicidade.

7. De tudo isto se retira que as condutas do Arguido se revelam de baixa gravidade objetiva atendendo à sua falta de preparação (educativa, sobretudo, e que é fruto da sua inserção familiar problemática) para manter uma conduta conforme às regras jurídicas. Sendo certo que tudo isto é agravado com a dependência de estupefacientes.

8. Os fins que estão na base destes crimes (tráfico de menor gravidade, dano, furto de uso de veículo e furto simples) não têm na base uma intenção lucrativa do agente nem tão pouco a sua vontade de fazer destes crimes modo de vida. Na verdade, todos os crimes têm na base satisfazer a terrível e lamentável toxicodependência do Arguido que é complementada pela sua mendicância.

9. As exigências de prevenção geral – isto é, as expectativas da comunidade na manutenção da sua confiança relativamente ao cumprimento das regras jurídicas e à salvaguarda dos bens jurídicos em causa – coincidem com o limite mínimo das molduras penais.

10.Assim, atendendo à moldura penal abstratamente aplicável, às concretas circunstâncias do cometimento do crime plasmadas na decisão recorrida, à confissão parcial do Arguido com a correspondente atenuação legalmente prevista e às exigências legais de prevenção, entende-se ser adequada a condenação do Arguido na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. e p. no art.º 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e IC anexas ao mesmo diploma.

11.Entendendo-se conceder no supra exposto, considera o Arguido ser ainda de aplicar substituição desta pena por prestação de trabalho a favor da comunidade porquanto – e atento todo o teor do relatório social do Arguido – que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

12.Atento o diminuto valor dos bens em causa (que nem sequer é dado como provado no NUIPC 254/21.9GBVNO) e as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, entende-se que a condenação na pena de multa é absolutamente suficiente para satisfazer as exigências de prevenção, sobretudo geral na medida em que as expectativas da comunidade na manutenção da ordem jurídica se acham plenamente concretizadas com a condenação do Arguido na pena de multa face aos concretos factos praticados.

13.Acresce que, por outro lado, o NUIPC 177/21.1GAACN foi integralmente confessado pelo Arguido – mas tal circunstância não sopesou em nada para a atenuação legalmente prevista.

14.Também os factos provados do NUIPC 160/21.7GBNVO foram integralmente confessados pelo Arguido, o que é compatível com a aplicação de uma pena de multa pois que a mesma satisfaz em pleno as expectativas da comunidade relativamente à sua confiança nas normas jurídicas!

15.Assim, face ao exposto e às normas legalmente aplicáveis, entende-se que o Arguido deverá ser condenado no NUIPC 254/21.9GBVNO e no NUIPC 177/21.1GAACN em pena de multa de 12 dias à taxa diária de 10,00€ e, no crime de dano no NUIPC 160/21.7GBNVO em pena de multa de 15 dias à taxa de 15,00€ e no crime de furto de uso de veículo no mesmo NUIPC em pena de multa de 10 dias à taxa de 5,00€.

16.Ainda que em nenhum destes NUIPC se entenda ser de substituir a pena de prisão por pena de multa conforme defendido, sempre deverá ser determinado um quantum coincidente com o mínimo de pena de prisão aplicável (1 mês por via do art.º 41º n.º 1 do C.P.) com base na fundamentação supra expendida.

17.Quanto ao NUIPC 98/21.8GBVNO entende-se verificada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois os factos 9 a 17 – que descrevem a alegada atuação do Arguido com um indivíduo cuja identidade não se apurou – em nada podem conduzir à conclusão pela prática de um crime de roubo pelo Arguido como se vem a concluir nos factos 18 e 19 e à condenação a final do Arguido por aquele crime.

18.Ainda neste NUIPC, entende-se que os factos dados como provados não se podem subsumir ao crime de roubo (art.º 210.º, n.º 1, do C.P.), mas sim a um crime de ofensa à integridade física simples (art.º 143º n.º 1 do C.P.P.).

19.Não se provou qualquer facto que pudesse subsumir-se à prática do crime de roubo pelo Arguido, mas apenas e só que este terá ferido a ofendida no braço.

20.Desconhecendo-se as motivações que levaram o Arguido e o indivíduo desconhecido a introduzirem-se na residência onde se encontrava a ofendida, não se podendo imputar ao Arguido a intenção de subtração de um bem (€2000,00) quando a única circunstância que se conhece – alegadamente – é que o Arguido efetuou um pequeno corte no braço da ofendida.

21.Assim, foi incorretamente subsumida aos factos provados a norma prevista no art.º 210º n.º 1 do C.P., pois que os factos provados tal como vêm consignados na decisão recorrida apenas podem subsumir-se, quanto ao Arguido AA, ao crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.º 143º n.º 1 do C.P., sendo esta a norma que, no entender do Arguido, deve ser aplicada.

22.Por fim, quanto à suspensão da pena de prisão, procedendo o recurso nos termos supra defendidos, entende-se que submeter o Arguido AA à reclusão em estabelecimento prisional implica, na sua modesta opinião, a inviabilidade ou mesmo a impossibilidade de satisfação das exigências de prevenção especial!

23.Conforme já expendido ao longo deste recurso e como se retira do relatório social do Arguido, o mesmo é toxicodependente e padece de doenças do foro psiquiátrico, recorrendo à mendicância para subsistir.

24.Nos termos do art.º 52º nº3 do C.P., o Tribunal pode impor ao Arguido –com o seu consentimento, o qual desde já o mesmo expressa – a sujeição a tratamento médico ou de cura em instituição adequada.

25.Numa análise globalizante dos factos provados, bem como das condições pessoais do Arguido já supra referidas, é possível a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à suficiência e adequação da censura do facto e da ameaça da pena para fazer o arguido interiorizar a ilicitude e a censurabilidade da sua conduta, desde que se imponha ao Arguido o tratamento da sua dependência por forma a ser capaz de se inserir socialmente no meio livre.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presento recurso ser julgado procedente e, em consequência:

a) Ser declarada a nulidade insanável relativa ao NUIPC 160/21.7GBNVO, determinando-se a extinção do procedimento criminal respeitantes aos referidos crimes por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal por falta de queixa do ofendido

b) As penas de prisão aplicadas nos NUIPC 160/21.7GBNVO (caso não se conceda no supra exposto), NUIPC 254/21.9GBVNO e NUIPC 177/21.1GAACN devem ser substituídas por penas de multa ou, então, o quantum de pena de prisão deve ser reduzido para o mínimo legalmente aplicável, pelos fundamentos supra elencados;

c) O quantum de pena de prisão aplicada no NUIPC 113/21.5GBVNO deve ser reduzida nos termos supra defendidos, satisfazendo de forma plena as exigências de prevenção, e substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade;

d) Ser declarada, no NUIPC 98/21.8GBVNO, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

e) Julgar procedente a impugnação da matéria de Direito supra defendida no NUIPC 98/21.8GBVNO, e bem, assim, ser reduzido o quantum de pena aplicada pelos fundamentos acima expostos;

f) Por fim, procedendo o presente recurso, devem as penas em cúmulo jurídico ser suspensas na sua execução com imposição de internamento em comunidade para tratamento/cura para satisfazer as exigências de prevenção especial».

O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pelo Arguido/Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

O arguido/recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO

São os seguintes os factos que o acórdão recorrido indica como estando provados:

NUIPC 113/21.5GBVNO (autos principais)

1. Em datas não concretamente apuradas, mas anteriores a 01.05.2021, o arguido AA, deslocou-se, por diversas vezes (cerca de 2/3 vezes, por semana), ao longo dos anos de 2020 e 2021, em veículo automóvel, de marca/modelo …, cor branca, com a matrícula …, conduzido por EE, a … (na zona de …, junto das imediações do …), a … (junto do campo de futebol), a … (junto da Igreja) e a … (bairro “…”), para comprar produto estupefaciente (heroína e cocaína).

2. No mesmo período temporal, AA, deslocou-se, por diversas vezes, em veículo automóvel, de marca/modelo, …, cor preta, com a matrícula …, conduzido por FF, a … (parque de estacionamento do mercado municipal), a … e a … (…, junto da saída da autoestrada), para comprar produto estupefaciente (heroína e cocaína).

3. Após tais aquisições, o arguido AA trazia os indicados produtos (heroína e cocaína) para a sua residência, sita na Rua …, em …, e aí separava o produto estupefaciente em vários pacotes de plástico transparentes, encetando, de seguida, diversos contactos telefónicos.

4. Após, e nas horas seguintes, procedia, na sua residência, à venda de tais pacotes, a diversos indivíduos que ali se dirigiam, entre os quais, GG, em duas ocasiões deu ao arguido cerca de € 10 euros para que este adquirisse e lhe cedesse heroína para o seu consumo e EE em pelo menos 6 ocasiões deu o arguido cerca de € 10 euros para que este adquirisse e lhe cedesse heroína para o seu consumo.

5. O arguido AA era contactado diariamente por indivíduos, que se deslocavam à sua residência, para lhe comprarem produto estupefaciente (heroína e cocaína).

6. Tais indivíduos, geralmente, consumiam o produto estupefaciente (heroína e cocaína), ou parte deste, ainda no interior da residência do arguido, de forma evitar a interpelação por parte das autoridades.

7. A compra dos indicados produtos estupefacientes (heroína e cocaína) pelo arguido AA destinava-se ao consumo do próprio e à venda/cedência a terceiros, que ocorria na residência do arguido, sita na morada supra indicada, sendo que tais indivíduos, ali os adquiriam e, de seguida, os consumiam juntamente com este, bem como com o seu tio, HH, e II, que com o arguido residiam.

8. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de comprar, deter, ceder e vender heroína e cocaína, bem conhecendo as suas características e o seu carácter legalmente proibido, com vista a obter proventos económicos que sabia que são ilícitos.

NUIPC 98/21.8GBVNO

9. No dia 05.05.2021, entre as 10h35m e as 10h45m, o arguido AA, acompanhado de individuo, cuja identidade não foi possível apurar, deslocou-se à Rua …, em ….

10. No dia, hora e local supra indicados, o arguido AA, quando a ofendida JJ se encontrava a abrir a porta do apartamento, pertencente a KK, encostou objecto cortante, não concretamente apurado, nas costas daquela, ao mesmo tempo que lhe disse «abre a porta e cala-te».

11. De seguida, aberta a porta do imóvel, AA empurrou JJ, acto que a fez desequilibrar-se e embater contra um móvel no hall de entrada da habitação, caindo em seguida no chão dessa dependência.

12. Em acto contínuo, AA colocou-se sobre JJ, agarrou-lhe a cabeça e pressionou-a contra o chão, ao mesmo tempo que lhe disse «se gritares mato-te».

13. Em seguida, o arguido agarrou JJ pelos cabelos, puxou-a e arrastou-a até à cozinha, local onde continuou a pressionar o seu corpo sobre a ofendida, obrigando-a a permanecer deitada, mantendo encostado às suas costas um objeto de natureza cortante, não concretamente apurado.

14. Nesse instante, a ofendida JJ, sentiu algum alívio na pressão exercida por AA, pelo que tentou levantar-se, conseguindo rodar o seu corpo e ficar de frente para o mesmo, momento em que o arguido levantou o braço direito no ar, e com objeto cortante, não concretamente apurado, desferiu um golpe sobre JJ, que ao aperceber-se, colocou os seus braços em frente da sua cabeça e encolheu as pernas, vindo a sofrer um corte no seu braço esquerdo.

15. Enquanto o arguido AA, detinha e privava da liberdade JJ, um individuo, cuja identidade não se logrou apurar e que acompanhava o arguido, retirou do interior do escritório do imóvel um envelope, que continha no seu interior a quantia monetária de dois mil euros (2000€).

16. Com a conduta supra descrita, o arguido provocou as seguintes lesões à ofendida JJ:

-membro superior esquerdo: ferimento linear, infero-medial, suturado com linha azul, no terço médio da face posterior do antebraço, medindo 7.5cm de comprimento, sem sinais inflamatórios; referência a parestesias no bordo medial do antebraço.

17. Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 8 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral de 8 dias e com afectação da capacidade de trabalho profissional, por igual período.

18. O arguido AA, em conjugação de esforços e intentos com pessoa cuja identidade não se logrou apurar, agiram com o propósito concretizado de se introduzir no imóvel de KK e de se apropriarem de tais valores, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do ofendido, causando-lhes prejuízo patrimonial, resultado que representaram, quiseram e conseguiram.

19. O arguido AA não se coibiu, de utilizar a força física acima descrita, objecto cortante não apurado e as expressões proferidas, por forma a criar receio na ofendida e, por essa via, se apropriarem da quantia no interior da residência de KK, o que quis e conseguiu.

NUIPC 160/21.7GBNVO

20. No dia 13.07.2021, entre as 06H00 e as 07H00, o arguido AA, deslocou-se ao parque de estacionamento, sito na Rua …, em …, no qual se encontrava estacionado, fechado, mas não trancado, o veículo de marca …, com a matrícula …, propriedade de LL e utilizado por MM.

21. Ali chegado, o arguido abeirou-se da viatura, abriu a porta do lado do condutor que se encontrava destrancada, introduziu-se no seu interior através da porta que se encontrava aberta, apoderou-se da chave do referido veículo e iniciou a marcha do veículo para parte incerta, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legitimo proprietário.

22. Em data não concretamente apurada, mas entre os dias 13.07.2021 e 14.07.2021, o arguido abandonou o veículo descrito, tendo o mesmo sido recuperado, a 14.07.2021.

23. O arguido queimou com uma ponta de cigarro a placa do conta-quilómetros e em virtude da condução empreendida pelo arguido ao veículo automóvel, este ficou com as pastilhas dos travões desgastadas.

24. Para reparação dos referidos estragos o proprietário despendeu o valor de €400 (quatrocentos euros).

25. Ao actuar da forma supra descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de utilizar o veículo, contra a vontade do seu proprietário, tendo-o abandonado.

26. Ao actuar da forma acima descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de causar estragos ao veículo do ofendido, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade do proprietário, resultado esse que representou, quis e conseguiu.

NUIPC 178/21.0GBVNO

27. No dia 30.07.2021, pelas 22h30m, o arguido AA, deslocou-se à Capela … sita no …., e, munido de dois ferros metálicos, introduziu-os numa caixa de esmolas.

NUIPC 206/21.9GBVNO

28. No dia 17.08.2021, pelas 08H02m, o arguido AA, deslocou-se junto da caixa de esmolas existente à entrada do edifício da Reitoria …, (propriedade da NN) e, munido de varetas de um chapéu de chuva, introduziu as mesmas na referida caixa de esmolas.

NUIPC 254/21.9GBVNO

29. No dia 13.10.2021, na Rua … em …, o arguido AA, de modo não concretamente apurado, introduziu-se no interior do veículo de matricula …, propriedade de OO, e do mesmo retirou uma caixa de CD’S, um aparelho medidor de pressão de pneumáticos e documentos, fazendo-os seus.

30. O arguido AA, bem sabia que o veículo automóvel não lhe pertencia, bem como os objectos que estavam no interior deste, e que agia contra a vontade do seu legitimo proprietário.

NUIPC 177/21.1GAACN

31. No dia 13.07.2021, pelas 13h15m, o arguido AA dirigiu-se ao posto de abastecimento DD, sito na Rua …, em …, no Concelho de …, a conduzir o veículo automóvel ligeiro, de marca/modelo …, com a matrícula … e estacionou junto da bomba n.º 3.

32. De seguida, abasteceu a referida viatura com 19,28 litros de gasolina 98, no valor de €32,27, entrou no veículo e abandonou o local, sem efectuar o respectivo pagamento.

33. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seu o combustível, abastecendo a descrita viatura, sem pagar, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava de modo contrário à vontade do seu proprietário.

34. Atentas as condutas acima descritas, o arguido AA actuou sempre de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou que:

35. O arguido não possui antecedentes criminais registados.

Consta do relatório social do arguido, além do mais, que:

36. AA nasceu de um relacionamento ocasional mantido pelos pais.

37. Tem dois irmãos uterinos e um irmão consanguíneo, com os quais não mantém relação de convívio ou afetividade.

38. Recorda que cresceu num ambiente familiar disfuncional, que apresentava bastantes fragilidades a nível económico, a par dos hábitos de toxicodependência da mãe.

39. Segundo, o mesmo, a mãe não demonstrava capacidade para assumir os seus cuidados, pelo que foi criado no agregado da avó materna.

40. O arguido manteve escassos convívio com a mãe, que faleceu quando ele tinha 13 anos de idade.

41. O pai manteve-se ausente do seu processo educativo.

42. AA salienta que apenas conviveu com o pai entre 2005 e 2007, período em que esteve a viver com o mesmo.

43. Depois, porque se desentendeu com este e porque mantinha uma relação de pouca afetividade com o mesmo, optou por regressar ao agregado da avó materna.

44. O arguido apresenta um percurso escolar pouco expressivo.

45. Está habilitado com o 9º ano de escolaridade, que concluiu com 15 anos de idade.

46. Posteriormente inscreveu-se no Centro de Estudos de … para frequentar o 10º ano de escolaridade, mas passados poucos meses desistiu deste.

47. Iniciou o percurso profissional logo após a desvinculação escolar, sendo este caraterizado por uma mobilidade de atividades e entidades laborais.

48. Refere curtas experiências no setor da restauração, em fábricas ou na construção civil.

49. Relata um curto período de tempo (cerca de 9 meses) em que esteve emigrado em …, onde trabalhou na montagem de estruturas metálicas.

50. AA assume que iniciou os consumos de drogas aos 16 anos de idade.

51. Inicialmente apenas consumia haxixe, mas com 17 anos de idade intensificou aqueles consumos e escalou para heroína e cocaína, resultando numa problemática complexa de toxicodependência, que tem apresentado ao longo dos anos.

52. Segundo refere, devido a surtos psicóticos, associados a consumos excessivos de estupefacientes, esteve internado por diversas vezes no serviço de psiquiatria do hospital de … e de ….

53. Ainda segundo o arguido, aos 26 anos de idade, na sequência de um novo surto psicótico foi internado no hospital de … e foi diagnosticado com esquizofrenia.

54. Passou então a ser acompanhado em consultas externas no serviço de psiquiatria, onde foi medicado e encaminhado para tratamento ambulatório, com toma de medicação injetável, uma vez por mês, bem como medicação psiquiátrica regular, sob toma oral.

55. AA alega que em outubro de 2021, esteve internado no serviço de pneumologia do hospital de … devido a um edema pulmonar. Após uma semana de ter tido alta clínica, foi preso preventivamente.

56. Antes de preso AA partilhava casa com o tio, HH, de 45 anos de idade.

57. A avó do arguido faleceu há cerca de 4 anos.

58. Residiam numa casa de habitação social que foi cedida a titulo gratuito à avó do arguido.

59. A casa situa-se nas imediações da cidade de … e apresenta fracas condições de habitabilidade, porque está em mau estado de conservação, não dispõe de água canalizada e a luz é fornecida de forma ilegal.

60. AA alega que estava desempregado há vários anos. Não tinha qualquer fonte de rendimento e para subsistir recorria à mendicidade, ou arrumava carros nos parques dos arredores do ….

61. Pontualmente era apoiado com géneros alimentares que lhe eram fornecidos pela Associação ….

62. O arguido assume que mantinha consumos excessivos de estupefacientes, sendo apontado como fatores potenciadores da manutenção dos consumos, a falta de oportutunidades laborais e o convívio com indivíduos conotados com essas vivências, um deles, o tio com quem partilhava casa.

63. Não reconhecia a necessidade para alterar o seu padrão comportamental aditivo.

64. O arguido demonstra dificuldades de ordem pessoal relacionados com a ambivalência perante a sua adição de drogas e dificuldades na definição de um projeto de vida autónomo, o que poderá dificultar a sua capacidade para manter um processo de reinserção social responsável.

65. Socialmente o arguido é referenciado como uma pessoa problemática e com uma postura tendencialmente reivindicativa.

66. Por vezes, abordava as pessoas no meio comunitária a quem exigia valores monetários, que alegadamente serviriam para a satisfação dos seus consumos aditivos.

67. AA demonstra dificuldade em encarar a sua situação jurídica como legitima.

68. Enfrenta a situação de reclusão com alguma ligeireza e tende a adotar uma atitude de minimização perante os tipos de comportamento em causa no presente processo, desvalorizando os danos nas eventuais vítimas de condutas de idêntica natureza.

69. Quando foi preso apresentava uma postura de instabilidade emocional e ansiedade.

70. Foi encaminhado para acompanhamento médico, fez protocolo para a síndrome de abstinência com recurso a medicação e manteve acompanhamento psicológico/psiquiátrico.

71. Presentemente refere que se encontra estável e abstinente do consumo de estupefacientes, reconhecendo, no entanto, que poderá ser benéfico efetuar tratamento/acompanhamento para esta problemática.

72. No Estabelecimento Prisional ainda não teve visitas, mas mantem contacto telefónicos com a tia PP.

73. Esta, não considera a possibilidade de o visitar no Estabelecimento Prisional porque não tem transporte e também ela vive com algumas dificuldades económicas.

74. Quando o arguido se encontrava em meio livre, na medida das suas possibilidades, a tia, prestava-lhe algum apoio alimentar e tratava-lhe da higiene da roupa, uma vez que a casa do arguido não tem água.

75. Em meio prisional tem mantido um comportamento consentâneo com as regras e normas institucionais.

76. Encontra-se inativo.”

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

a) O arguido vendeu pacotes de estupefacientes na sua residência, a QQ, FF, RR, SS.

b) O arguido forçou a porta do lado do condutor do veículo de marca …, com a matrícula ….

c) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 27. o arguido conseguiu retirar e fazer suas, as esmolas aí depositadas no total de € 18,97 (dezoito euros e noventa e sete euros).

d) Ao actuar da forma descrita em 27., o arguido agiu com o propósito concretizado de se apropriar da indicada quantia, bem sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.

e) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 28., o arguido perfurou a caixa de esmolas e retirou do seu interior as esmolas aí depositadas, de valor não concretamente apurado, fazendo-as suas, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.

*

Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, designadamente diferentes ou que estejam em oposição com os acima elencados.”

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados:

“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada alicerçou-se na análise crítica e conjugada das declarações prestadas pelo arguido, da prova testemunhal (cuja referência ao conteúdo das respectivas declarações será feita de forma perfunctória atenta a sua gravação), da prova documental e do certificado de registo criminal juntos aos autos, com recurso a juízos de experiência comum e de livre convicção do julgador.

- No que respeita aos factos provados 1. a 8. referentes ao NUIPC 113/21.5GBVNO (autos principais), cumpre referir que o arguido admitiu que efectuou várias deslocações a … e a … designadamente com GG, FF e EE para adquirir produtos estupefacientes, mas que o fazia apenas para consumo, sendo que ele e os restantes indivíduos compravam cada um para seu consumo e se deslocavam a … juntos para esse efeito.

Assumiu assim relevo para os factos que resultaram como provados o depoimento prestado pela testemunha TT que residia com o arguido na mesma habitação que de forma espontânea, congruente e circunstanciada, descreveu a forma como ao longo do período temporal de mais de um ano, o arguido consumia heroína e cocaína juntamente com a sua companheira II e o seu tio HH na referida habitação e o modo como este efectuava deslocações, designadamente a … à … para se fornecer de estupefaciente para o seu consumo e também para o separar em pacotes que adquiria para o vender a terceiros.

Mais referiu que presenciava o arguido na habitação a efectuar a venda estupefacientes a indivíduos que aí se deslocavam de dia ou de noite, pelo preço de € 20,00 a heroína e € 10,00 a cocaína.

Referiu ainda que por vezes esses indivíduos consumiam na habitação do arguido e com este.

Normalmente essas pessoas contactavam telefonicamente o arguido e dizia que queriam comprar cerveja quando se queriam referir a estupefaciente.

Tal depoimento foi ainda conjugado com o teor do auto de notícia de fls. 3, no qual esta testemunha na qualidade de denunciante, residente com o arguido, refere que o arguido vendia esse produto estupefaciente a terceiros.

O arguido confirmou que habitava com esta testemunha TT e referiu que esta estava a fazer confusão com outra pessoa, porém, a testemunha foi peremptoria a identificar o arguido como a pessoa a que se estava a referir, não demonstrando qualquer dúvida a esse respeito, pelo que, não vemos motivo para esta ter faltado à verdade.

Atendeu-se ainda ao depoimento prestado pela testemunha GG que, não obstante tenha começado por dizer em audiência de julgamento que chegou a consumir heroína com o arguido e que chegaram a ir comprar estupefacientes juntos, não se recordando se chegou a dar dinheiro ao arguido para lhe comprar heroína, foi confrontado com as declarações prestadas perante o MP na fase do inquérito, confirmando então que, em pelo menos em duas ocasiões, deu dinheiro ao arguido para lhe comprar estupefaciente para consumir, referindo também que por vezes sucedia o oposto.

Atendeu-se ainda ao depoimento prestado pela testemunha EE, que confirmou em juízo que chegou a transportar o arguido várias vezes na sua viatura para adqurirem estupefacientes para consumirem, sendo que, em pelo menos 6 ocasiões entregou € 10,00 ao arguido para que este lhe adquirisse doses de cocaína e que depois consumiam o referido produto, designadamente em casa do arguido.

Documentalmente, louvou-se o tribunal na análise do teor do auto de notícia, de fls. 3-6 e relatórios de serviço, de fls. 10-14, 15-18, 19-23, 24-25, 26, 27-28, 29-30, 38-43, 62, relatos de diligências externas, de fls. 63 a 103, auto de ocorrência, de fls. 104-105 (apreensão na produto estupefaciente na posse do arguido), teste rápido, de fls. 106, auto de pesagem, de fls. 107, relato de diligência externa, de fls. 109-121, relatório intercalar, de fls. 194-202 e relatório intercalar, de fls. 620-628.

Ponderada toda a prova produzida a este nível, supra sumariada, e no confronto das declarações titubeantes e pouco credíveis do arguido com o depoimento congruente, sequencial e circunstanciado das referidas testemunhas, conjugada com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, o tribunal formou a convicção sólida e segura de que efectivamente o arguido praticou os factos em apreciação nestes autos da forma como os fizemos verter para os factos provados 1. a 8., tanto mais, que, nada se apurou susceptível de abalar a credibilidade ou de colocar em dúvida a versão dos factos apresentada pelas referidas testemunhas, não se vendo motivo para que estas pessoas faltassem à verdade.

- No que respeita aos factos provados 9. a 19. referentes ao NUIPC 98/21.8GBVNO, o arguido negou totalmente a sua prática, alegando em jeito de justificação para a presente acusação que a ofendida é companheira de um segurança do … que não gosta dele.

No entanto, o mesmo foi reconhecido de forma peremptória pela testemunha/ofendida JJ que, ouvida em audiência de julgamento, descreveu de forma congruente, circunstanciada, credível e algo emocionada (face à violência física de que foi alvo), que a actuação do arguido ocorreu nos moldes descritos na acusação pública do modo como os fizemos reverter para os factos provados, logrando fugir do arguido e pedir ajuda a UU e VV.

Tal depoimento foi conjugado com os depoimentos prestados pelas testemunhas VV e UU que relataram, em sentido convergente que se encontravam a efectuar a limpeza nas escadas do prédio sito na Rua …, em …, quando viram o arguido junto ao elevador na entrada do prédio, sendo que, passado algum tempo, estavam a efectuar limpezas nas escada e ouviram a ofendida JJ a gritar a pedir ajuda, sendo que quando se aproximaram da mesma nas escadas do prédio esta estava aflita e a sangrar, contando-lhes o sucedido, pelo que, chamaram de imediato as autoridades policiais.

Mais se atendeu ao depoimento prestado pela testemunha KK, proprietário da fracção autónoma sita na Rua …, em …, que descreveu em juízo a forma como tomou conhecimento através de chamada telefónica das autoridades policiais da ocorrência do roubo, bem como, dos valores e objectos subtraídos.

Atendeu-se ainda ao depoimento prestado pela testemunha XX, marido da ofendida, que descreveu a forma como tomou conhecimento do sucedido na sequência de um telefonema em que lhe deram conta que a ofendida JJ se encontrava ferida e tinha sido deslocada para o Hospital.

Esta testemunha não presenciou a ocorrência dos factos.

Documentalmente louvou-se o tribunal na análise do teor do auto de notícia, de fls. 2-5; relatório clínico, de fls. 12; relatório táctico de inspecção ocular, de fls. 13-18; reportagem fotográfica, de fls. 19-29; relatório técnico de inspecção judiciária, de fls. 30-34; relatório intercalar, de fls. 74-78.

Mais se atendeu à prova por reconhecimento constante do auto de reconhecimento da testemunha JJ, de fls. 91-94 e do auto de reconhecimento da testemunha VV, de fls. 95-97.

Baseou-se também o tribunal na análise da prova pericial constante do relatório médico-legal, de fls. 124-129 que atesta as lesões corporais sofridas pela ofendida em decorrência das agressões físicas de que foi alvo as quais fizemos reverter para os factos provados.

Ponderada toda a prova produzida supra sumariada, e no confronto das declarações titubeantes e pouco credíveis do arguido com o depoimento congruente, sequencial e circunstanciado da ofendida e das referidas testemunhas, bem como, da prova documental, pericial e por reconhecimento, conjugada com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, o tribunal formou a convicção sólida e segura de que efectivamente o arguido praticou os factos em apreciação nestes autos da forma como os fizemos verter para os factos provados, tanto mais, que, nada se apurou susceptível de abalar a credibilidade ou de colocar em dúvida a versão dos factos apresentada pela ofendida e pelas referidas testemunhas, não se vendo motivo para que estas pessoas faltassem à verdade.

Com efeito, a explicação apresentada pelo arguido para que a ofendida o tenha reconhecido como o autor do roubo não é um motivo lógico face às regras da experiência comum para que esta pessoa lhe imputasse falsamente a prática deste crime, motivo pelo qual tal explicação não nos mereceu qualquer credibilidade.

- No que respeita aos factos provados 20. a 26. referentes ao NUIPC 160/21.7GBNVO, baseou-se o tribunal nas declarações prestadas pelo arguido que admitiu a sua prática em audiência de julgamento, referindo que aproveitou a circunstância do trinco da porta do veículo estar aberto.

Mais se baseou o tribunal na análise do depoimento prestado pela testemunha MM que utilizava o veículo automóvel com a marca …, com a matrícula …, propriedade de LL que relatou em juízo a forma como se apercebeu do desaparecimento da referida viatura que anteriormente tinha estacionado junto ao …, tendo apresentado queixa junto da GNR.

Mais referiu que passado um ou dois dias a GNR a levou junto do veículo e lho restituiu devolveu o veículo que apresentava as pastilhas dos travões desgastadas, bem como, a placa do conta quilómetros queimada com cigarros, sendo que tais estragos importaram um arranjo no valor de cerca de Eur. 400,00€.

Esta testemunha atestou igualmente que o veículo tinha a chave no interior do veículo e estava aberto, pelo que, não existiu arrombamento.

Documentalmente louvou-se o tribunal para prova dos referidos factos na análise do teor do auto de notícia e aditamento, de fls. 2-3 e 7-8, auto de apreensão, de fls. 10, termo de entrega, de fls. 42, relatório táctico de inspecção ocular, de fls. 76-79, reportagem fotográfica, de fls. 80-86, relatório técnico de inspecção judiciária, de fls. 186-193, cota, de fls. 74, auto de apreensão, de fls. 60, auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas, de fls. 522-528.

- Relativamente ao facto provado 27. referente ao NUIPC 178/21.0GBVNO, baseou-se o tribunal nas declarações prestadas pelo arguido admitiu a sua prática, negando, porém que tenha logrado conseguir retirar quaisquer moedas do interior da caixa de esmolas.

Mais referiu o arguido que as moedas que lhe foram apreendidas nos autos respeitavam a dinheiro que recebeu por arrumar carros junto ao ….

A testemunha YY, militar da GNR, a exercer funções no Posto territorial de …, limitou-se a receber a queixa, não presenciando os factos em análise.

Também a testemunha XX, vigilante do Santuário de … não presenciou os factos em análise.

A testemunha ZZ atestou que viu o arguido a tentar retirar coisas do interior da caixa de esmolas com uns ferros, porém, não pode afirmar com certeza se o mesmo retirou moedas da caixa.

A testemunha ABC director do departamento de vigilância de …, referiu que não assistiu directamente aos factos.

Documentalmente, teve o tribunal em consideração o teor do auto de notícia, de fls. 2, auto de apreensão, de fls. 3-4, termo de entrega, de fls. 11.

Cotejada toda a prova produzida supra elencada, o tribunal apenas pode afirmar com certeza que o arguido tentou introduzir ferros no interior da caixa de esmolas, porém, desconhecendo-se, porém, se o mesmo logrou retirar quaisquer moedas ou objectos da referida caixa de esmola e ainda se a referida caixa de esmola efectivamente tinha moedas ou objectos no seu interior.

Note-se que o próprio arguido admitiu o que se deu por provado, mas nenhuma testemunha identificada pode afirmar com certeza e segurança que viu o arguido a remover as moedas cuja apropriação ilícita lhe é imputada e que lhe foram apreendidas.

Com efeito, quanto às moedas apreendidas ao arguido cumpre ter presente que o arguido vive da mendicidade e de arrumar carros, pelo que poderá ter moedas suas em sua posse.

Nessa conformidade, face à prova produzida a referida dúvida tem de ser valorada a favor do arguido por força do principio in dubio por reo, dando-se como não provados os factos descritos em b) e c), uma vez que se desconhece inclusivamente se existia o objecto do furto, ou seja, se existiam moedas ou outros objectos na caixa de esmolas e se o mesmo logrou retirar qualquer moeda ou objecto, o que torna a tentativa de furto impossível por falta de objecto do crime.

- Relativamente ao facto provado 28. referentes ao NUIPC 206/21.9GBVNO, o arguido admitiu a sua prática, negando, porém uma vez mais que tenha logrado conseguir retirar quaisquer moedas do interior da caixa de esmolas.

A testemunha XX, vigilante no … afirmou que avistou o arguido a tentar retirar objectos do interior da caixa de esmolas. Esta testemunha referiu que pensa que o arguido retirou qualquer coisa, mas não conseguiu precisar em juízo o que foi.

A testemunha ABC director do departamento de vigilância de …, referiu que não assistiu directamente aos factos apenas visionando os mesmos nas imagens do sistema de vigilância. Referiu que nas imagens conseguiu visionar o arguido a tentar retirar objectos da caixa com uma vareta, tendo a sensação que o mesmo pode ter retirado algo.

A testemunha DEF, militar da GNR, a exercer funções no posto territorial de … (NIC), descreveu as diligências que efectuou no âmbito dos autos, não tendo, porém, assistido directamente aos factos em análise.

Documentalmente, louvou-se o tribunal na análise do teor do auto de notícia, de fls. 2, auto de apreensão, de fls. 9 do NUIPC 206/21.9GBVNO, auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas, de fls. 546-554.

Cotejada toda a prova produzida supra elencada, o tribunal apenas pode afirmar com certeza que o arguido tentou introduzir ferros de um guarda chuva no interior da caixa de esmolas, desconhecendo-se, porém, se o mesmo logrou retirar quaisquer moedas ou objectos da referida caixa de esmola e ainda se a referida caixa de esmola tinha efectivamente moedas ou objectos no seu interior.

Note-se que o próprio arguido admitiu o que se deu por provado, mas nenhuma testemunha identificada pode afirmar com certeza e segurança que viu o arguido a remover as moedas ou outros objectos cuja apropriação ilícita lhe é imputada.

Acresce que, as imagens de videovigilância estão distantes e não são elucidativas a esse respeito.

Nessa conformidade, face à prova produzida a referida dúvida tem de ser valorada a favor do arguido por força do principio in dubio por reo, dando-se como não provados os factos descritos em b) e c), uma vez que se desconhece inclusivamente se existia o objecto do furto, ou seja, se existiam moedas ou outros objectos na caixa de esmolas e se o mesmo logrou retirar qualquer moeda ou objecto, o que torna a tentativa de furto impossível por falta de objecto do crime.

- Relativamente aos factos provados 29. e 30. referentes ao NUIPC 254/21.9GBVNO o arguido referiu que viu o veículo automóvel em causa a ser alvo de furto por “uns ciganos”, sendo que fuga estes tinham deixado cair objetos que veio a apanhar para os salvaguardar.

Mais refere que chamou o proprietário para o avisar do sucedido.

A testemunha OO referiu a forma como teve conhecimento do furto do veículo automóvel que estava parqueado junto a uma caravana. Esta testemunha referiu também que o veículo estava fechado, mas tinha uma pequena frincha do vidro do condutor aberto. Constatou que lhe tinham retirado a carta verde, um aparelho e um medidor de pneus.

Acresce que, contrariando a versão do arguido, esta testemunha referiu ainda que falou com o arguido que se encontrava junto ao seu carro e que este lhe disse que não tinha sido ele e que nada tinha haver com a situação, afastando-se do local, sendo que, um casal que estava parqueado no local lhe disse que tinham chamado a GNR e que não deixasse o arguido fugir até à sua chegada.

Nessa sequência, partiu em perseguição do arguido, mas este já tinha sido localizado pela GNR com os objectos furtados na sua posse.

Por seu turno, a testemunha GHI, militar da GNR, a exercer funções no Posto territorial de …, referiu que foram acionados ao local porque tinham sido subtraídos os objectos do interior de um veículo automóvel, sendo que, chegados ao local, encontraram o arguido na posse dos referidos objectos.

Documentalmente, louvou-se o tribunal na análise do teor do auto de notícia, de fls. 230-233 e dos documentos de fls. 234-237.

Ponderada toda a prova produzida a este nível, supra sumariada, e no confronto das declarações titubeantes e pouco credíveis do arguido com os depoimentos congruentes, sequenciais e circunstanciados do ofendido e da referida testemunha que negam a versão apresentada pelo arguido, bem como, considerando a circunstância de poucos minutos volvidos após o furto, o arguido ter sido apanhado na posse dos objectos furtados do interior do veículo do ofendido, conjugada com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, o tribunal formou a convicção sólida e segura de que efectivamente o arguido praticou os factos em apreciação nestes autos da forma como os fizemos verter para os factos provados, tanto mais, que, nada se apurou susceptível de abalar a credibilidade ou de colocar em dúvida a versão dos factos apresentada pelo ofendido e pela referida testemunha, não se vendo motivo para que estas pessoas faltassem à verdade.

Com efeito, a explicação apresentada pelo arguido foi negada pelo ofendido e não nos mereceu qualquer credibilidade face à forma pouco espontânea e patentemente comprometida como a mesma foi apresentada pelo arguido.

- No que respeita aos factos provados 31. a 34. referentes ao NUIPC 177/21.1GAACN, baseou-se o tribunal nas declarações prestadas pelo arguido que admitiu a sua prática.

Documentalmente, louvou-se o tribunal na análise do teor do auto de notícia, de fls. 4, 203-204, participação de fuga, de fls. 5-8 e auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas, de fls. 522-528 e talão de combustível junto aos autos com o pedido de indemnização civil.

- No que se refere à ausência de antecedentes criminais do arguido dada como provada em 35., o Tribunal valorou o teor do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos.

- No que tange aos factos provados em 36. a 76., respeitantes às condições sociais e económicas do arguido, atendeu-se ao teor do relatório social junto aos autos.

Os factos considerados como não provados foram-no assim pela ausência de prova susceptível de permitir conclusão distinta.

- No que respeita ao facto não provado em a), o arguido negou tal factualidade e nenhuma das referidas testemunhas a confirmou.

Com efeito, RR, referiu que, durante 2 ou 3 meses, deu cerca de 10 vezes boleia ao arguido no seu veículo automóvel até … e que este lhe pagava 15 ou 20 euros pelo desgaste do carro, deixava-o lá 10 minutos e após regressava para casa, desconhecendo se o mesmo ia comprar estupefaciente, sabe que ele era consumidor de heroína, mas nunca lhe comprou estupefaciente e nunca o viu a vender.

Por seu turno, SS, referiu em audiência de julgamento que transportou o arguido no veículo automóvel, com a matrícula … a … e …, cerca de 6 vezes no ano de 2021 e que este lhe pagava o gasóleo, desconhece se o mesmo ia comprar estupefaciente, sendo corrente dizerem que na zona que ele era consumidor de heroína, mas nunca lhe comprou estupefaciente e nunca o viu a vender.

A testemunha QQ, referiu que transportou o arguido no veículo automóvel, com a matrícula … a … e …, cerca de 6 vezes no ano de 2021 e que este lhe pagava o gasóleo, desconhece se o mesmo ia comprar estupefaciente, sendo corrente dizerem que na zona que ele era consumidor de heroína, mas nunca lhe comprou estupefaciente e nunca o viu a vender.

A testemunha FF, referiu em suma que consumia haxixe, sendo que foi várias vezes à residência do arguido, por vezes fumou uma ou duas “ganzas” em casa dele, desconhece onde o arguido ia comprar produto estupefaciente, pensa que ele consumia haxixe, nunca lhe comprou estupefaciente e nunca o viu a vender.

Face às declarações prestadas pelo arguido e por estas testemunhas, não se fez prova de que o arguido vendesse estupefaciente às referidas testemunhas.

- No que respeita ao facto não provado em b), baseou-se o tribunal nas declarações prestadas a esse respeito pelo arguido e pela testemunha MM ambos consonantes quanto à circunstância de que o veículo automóvel com a marca …, com a matrícula …, estava aberto e tinha a chave no seu interior, pelo que, não existiu arrombamento.

- Por fim, no que respeita aos factos não provados em c), d) e e), baseou-se o tribunal nos motivos já enunciados na fundamentação dos factos provados 27. e 28., face à dúvida perante a prova produzida de que o arguido tenha retirado moedas ou objectos das caixas de esmolas, dúvida essa que tem de ser valorada a favor do arguido por força do principio in dubio por reo, dando-se como não provados os referidos factos, uma vez que se desconhece inclusivamente se existia o objecto do furto, ou seja, se existiam moedas ou outros objectos na caixa de esmolas e se o mesmo logrou retirar qualquer moeda ou objecto, o que torna a tentativa de furto impossível por falta de objecto do crime.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO

Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

As questões essenciais suscitadas pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:

1) A legitimidade do Ministério Público para acusar pelos crimes de dano previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal e do crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º n. º1 do Código Penal (NUIPC 160/21.7GBNVO).

2) se o Acórdão condenatório recorrido padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

3) Se os factos provados foram erroneamente qualificados, do ponto de vista jurídico. (NUIPC 98/21.8GBVNO).

4) A pretensa excessividade das penas parcelares e única aplicada.

O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO

1) A legitimidade do Ministério Público para acusar pelos crimes de dano previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal e do crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º n. º1 do Código Penal (NUIPC 160/21.7GBNVO).

Na tese do Recorrente face à natureza semi-pública dos crimes de dano e furto de uso de veículo, p. e p. respetivamente pelos artigos 212º, n.º 1, e 208º, n.º 1, do Código Penal, e não tendo sido apresentada queixa pelo proprietário do veículo da marca …, modelo …, de matrícula …, carecia o Ministério Público de legitimidade para o exercício da ação penal.

Não lhe assiste razão.

Vejamos:

No caso sub judicio o arguido vinha acusado pelo Ministério Público de ter perpetrado, para além do mais, um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal e do crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º n. º1 do Código Penal.

Nos termos do preceituado no art. 212º, nº 3 do Código Penal o crime de dano e nos termos do disposto no artigo 208º, n º3, do Código Penal o crime de furto de uso de veículo, imputados ao arguido no requerimento acusatório revestem natureza semi-pública, sendo, pois, necessário, para que o Ministério Público pudesse promover a acção penal, o prévio exercício do direito de queixa por parte do respectivo ofendido.

Dispõe o art º 113°, n º1 do Código Penal, sob a epigrafe "Titulares do Direito de Queixa" que: "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação".

No ponto 20 da factualidade assente por provada (e não impugnada pelo recorrente) ficou consignado que:

“No dia 13.07.2021, entre as 06H00 e as 07H00, o arguido AA, deslocou-se ao parque de estacionamento, sito na Rua …, em …, no qual se encontrava estacionado, fechado, mas não trancado, o veículo de marca …, com a matrícula …, propriedade de LL e utilizado por MM.” (negrito e sublinhado nosso).

No caso dos autos a verdadeira titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação prevista nos arts 212º, nº 1 e 208º, n º3, ambos do Código Penal, é MM.

Na efeito, a orientação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de fixação de jurisprudência, nº 7/2011, proferido em 31/05/2011 e publicado in D.R., nº 105, Série I, fixou jurisprudência nos termos seguintes: « No crime de dano, previsto e punido no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada», e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição.».

Como certeiramente notou o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra – motivações de recurso: “… no caso dos crimes de dano e furto, é ofendido e tem legitimidade para apresentar queixa a pessoa que tenha o mero gozo ou fruição da coisa, pois a tutela penal protege o direito destas pessoas (ver Paulo Pinto de Albuquerque -Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada- UCE, pág. 526, citando jurisprudência e doutrina).”

Ora, compulsados os autos verificamos que, MM era a utilizadora do veículo da marca …, modelo …, de matrícula …, tendo a mesma manifestado vontade no sentido de desejar procedimento criminal quanto aos factos relacionados com os imputados crimes supramencionados, conforme consta de fls 2v. dos autos.

Assim, tendo a mesma apresentado queixa tempestivamente, o Ministério Público passou a ter legitimidade para o exercício da ação penal relativamente aos identificados crimes.

Eis por que o presente recurso improcede, fatalmente, quanto a esta 1ª questão.

2) se o Acórdão condenatório recorrido padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Nas conclusões da motivação o recorrente invoca, existência do vício previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.

No regime da designada revista alargada prevista neste preceito legal, o tribunal de recurso não reaprecia a prova, antes se limitando à detecção e sancionamento de tais vícios, a saber: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.

Trata-se de vícios intrínsecos da sentença que por isso, e nos termos da lei, têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que exclui, para a sua demonstração, o recurso a elementos a ela [decisão] alheios, ainda que constem do processo.

Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por exiguidade, uma decisão de direito, ou seja, quando a conclusão [decisão de direito] ultrapassa as respectivas premissas [decisão de facto]. Dito de outra forma, existe o vício quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 69).

Como já se disse, o vício tem que existir no contexto da própria decisão, não podendo ser demonstrado através do confronto desta com a concreta prova produzida, a não ser que esta ali conste. A não ser assim, resta apenas, verificados os respectivos pressupostos, lançar mão da impugnação ampla da matéria de facto, prevista no art. 412º do C. Processo Penal.

O recorrente afirma a verificação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque, e em síntese, “a decisão da matéria de facto provada, constante dos factos 9 a 17 – que descrevem a alegada atuação do Arguido com um indivíduo cuja identidade não se apurou – em nada podem conduzir à conclusão pela prática de um crime de roubo pelo Arguido como se vem a concluir nos factos 18 e 19 e à condenação a final do Arguido por aquele crime”.

É manifesto o erro de perspectiva em que labora o Recorrente, ao confundir o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão com uma pretensa insuficiência da matéria de facto apurada pelo tribunal “a quo” para fundamentar a sua condenação como co-autor dum crime de roubo. Se, porventura, os factos considerados provados pelo tribunal “a quo” não são bastantes para se poder imputar ao Arguido ora recorrente a co-autoria de um crime de roubo, daí não se segue que a matéria de facto apurada fique aquém do necessário para se poder proferir uma decisão de condenação ou de absolvição do arguido (única hipótese em que, então sim, ocorreria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP). Se os factos considerados provados e não provados pelo tribunal “a quo” são todos os que constavam da acusação, da contestação ou os que resultaram da discussão da causa e, todavia, não chegam para fundamentar a condenação do arguido, então se, não obstante, o acórdão recorrido o condenou em lugar de o ter absolvido, o que ocorre é um erro na qualificação jurídica da factualidade apurada, e não o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Não assiste razão, pois, ao Recorrente, improcedendo, consequentemente, o recurso quanto a esta questão.

3) Se os factos provados foram erroneamente qualificados, do ponto de vista jurídico. (NUIPC 98/21.8GBVNO).

Na tese do recorrente, o acórdão recorrido qualificou erroneamente a matéria factual apurada constante nos pontos 9 a 19, porquanto a integrou no ilícito penal previsto no art. 210º, nº1 do Código Penal, em lugar de a subsumir na previsão do art. 143º, nº1 do mesmo diploma – crime de ofensa á integridade física simples.

Porém, atenta a factualidade considerada provada - e não impugnada pelo recorrente - que esta Relação mantém inalterada, que (No dia 05.05.2021, entre as 10h35m e as 10h45m, o arguido AA, acompanhado de individuo, cuja identidade não foi possível apurar, deslocou-se à Rua …, em …. No dia, hora e local supra indicados, o arguido AA, quando a ofendida JJ se encontrava a abrir a porta do apartamento, pertencente a KK, encostou objecto cortante, não concretamente apurado, nas costas daquela, ao mesmo tempo que lhe disse «abre a porta e cala-te». De seguida, aberta a porta do imóvel, AA empurrou JJ, acto que a fez desequilibrar-se e embater contra um móvel no hall de entrada da habitação, caindo em seguida no chão dessa dependência. Em acto contínuo, AA colocou-se sobre JJ, agarrou-lhe a cabeça e pressionou-a contra o chão, ao mesmo tempo que lhe disse «se gritares mato-te». Em seguida, o arguido agarrou JJ pelos cabelos, puxou-a e arrastou-a até à cozinha, local onde continuou a pressionar o seu corpo sobre a ofendida, obrigando-a a permanecer deitada, mantendo encostado às suas costas um objeto de natureza cortante, não concretamente apurado. Nesse instante, a ofendida JJ, sentiu algum alívio na pressão exercida por AA, pelo que tentou levantar-se, conseguindo rodar o seu corpo e ficar de frente para o mesmo, momento em que o arguido levantou o braço direito no ar, e com objeto cortante, não concretamente apurado, desferiu um golpe sobre JJ, que ao aperceber-se, colocou os seus braços em frente da sua cabeça e encolheu as pernas, vindo a sofrer um corte no seu braço esquerdo. Enquanto o arguido AA, detinha e privava da liberdade JJ, um individuo, cuja identidade não se logrou apurar e que acompanhava o arguido, retirou do interior do escritório do imóvel um envelope, que continha no seu interior a quantia monetária de dois mil euros (2000€).Com a conduta supra descrita, o arguido provocou as seguintes lesões à ofendida JJ: -membro superior esquerdo: ferimento linear, infero-medial, suturado com linha azul, no terço médio da face posterior do antebraço, medindo 7.5cm de comprimento, sem sinais inflamatórios; referência a parestesias no bordo medial do antebraço. Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 8 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral de 8 dias e com afectação da capacidade de trabalho profissional, por igual período. O arguido AA, em conjugação de esforços e intentos com pessoa cuja identidade não se logrou apurar, agiram com o propósito concretizado de se introduzir no imóvel de KK e de se apropriarem de tais valores, sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do ofendido, causando-lhes prejuízo patrimonial, resultado que representaram, quiseram e conseguiram. O arguido AA não se coibiu, de utilizar a força física acima descrita, objecto cortante não apurado e as expressões proferidas, por forma a criar receio na ofendida e, por essa via, se apropriarem da quantia no interior da residência de KK, o que quis e conseguiu) e tendo presente o que acórdão recorrido a este propósito consignou, sem que nos mereça qualquer juízo crítico, é manifesto que o enquadramento jurídico-penal feito pelo tribunal “a quo”, ao considerar o arguido incurso em co-autoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº1 do C. Penal, não merece qualquer censura.

Donde que, sem mais considerações, por despiciendas, terá de se concluir que o recurso improcede também, quanto a esta questão.

4) A pretensa excessividade das penas parcelares e única aplicada.

Insurge-se o Recorrente contra as penas parcelares e única aplicada, reputando-a de excessiva, porquanto os crimes cometidos pelo arguido nunca foram de extrema gravidade, o grau de ilicitude dos crimes perpetrados é baixo ou, no limite, muito moderado, sendo de relevar que o Arguido não tem antecedentes criminais.

Propugna pela aplicação de uma pena nunca superior a 5 anos de prisão suspensa na sua execução.

O Tribunal recorrido justificou assim a sua escolha da pena concreta aplicada ao arguido:

“Verificada a prática dos supra citados ilícitos criminais e a sua imputação ao arguido, cumpre proceder à determinação das penas e das medidas das sanções penais a aplicar-lhe.

O crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com pena de prisão 1 a 5 anos.

O crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de 10 a 360 multa.

O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

O crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art.º 208.º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias.

O crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal e o crime de furto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea e), ambos por referência ao artigo 204.º, n.º 4, todos do Código Penal, são punidos com pena de multa de 10 dias a 360 ou pena de prisão até 3 anos.

Tendo em conta que os crimes de dano e de furto pelos quais o arguido vai condenado são punidos, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa previstas a título principal, impõe-se proceder, desde logo, à escolha da pena que concretamente irá ser aplicada.

Nesta operação iremos necessariamente orientarmo-nos pelo princípio politico-criminal da preferência pelas reacções penais não detentivas, insito no artigo 70.º do Cód. Penal, de acordo com o qual, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Nesta perspectiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas pelo arguido - e por aí a tutela retrospectiva dos bens jurídicos protegidos -, bem assim como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que no tipo alternativamente se coloca.

In casu, afigura-se-nos porém que apenas a aplicação de uma pena privativa da liberdade quanto aos mencionados crimes é suficiente para tranquilizar, pacificar e manter a confiança da comunidade na vigência do seu ordenamento jurídico-penal e reforçar os padrões comportamentais impostos pela norma violada (prevenção geral positiva) e para socializar o arguido e prevenir a reincidência, criando as condições necessárias para que no futuro o arguido continue a viver a sua vida sem cometer crimes (prevenção especial positiva).

Com efeito, apesar do arguido ser um delinquente primário, face ao elevado número de ilícitos criminais praticados pelo arguido num espaço temporal curto, não podemos deixar de assinalar, ao nível da prevenção geral, as prementes necessidades de pôr cobro a comportamentos do tipo dos assumidos pelo arguido, sendo urgente desincentivar eficazmente este tipo de comportamento, que causa alarme e insegurança na comunidade, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como o património, exigindo resposta firme, resposta imposta pelas acrescidas necessidades de prevenção geral.

No plano da prevenção especial, as exigências são também elevadas atendendo às circunstâncias que envolvem o caso concreto, e face à desintegração sócio-profissional do arguido patente nos factos provados, revelando o arguido dificuldade de interiorização da importância dos bens jurídicos directamente tutelado pelas incriminações através do comando penal desatendido que poderá implicar uma significativa predisposição para a assunção de comportamentos atentatórios dos valores das regras e do direito.

Deste modo, deve a escolha incidir concretamente sob a pena de prisão quanto aos mencionados crimes, reclamada pelas considerações mais gerais de prevenção, sendo esta a única pena que satisfaz de modo suficiente as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Tendo em consideração a particular ressonância que este tipo de crimes praticados pelo arguido sempre provocam na comunidade, a opção pela pena de multa seria aqui entendida como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime, comprometendo deste modo a defesa do ordenamento jurídico e exigências da exteriorização física da reprovação. Para a determinação da medida concreta das penas, importa ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem susceptíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.

A culpa do agente, por consubstanciar um juízo de valor, é insusceptível de medição exacta, pelo que, se confere ao julgador alguma flexibilidade na sua apreciação – que Anabela Miranda Rodrigues sublinha não ser ilimitada, mas consubstanciar discricionariedade juridicamente vinculada, sindicável por via de recurso – e que, não obstante, deverá ser integrada pela consideração das exigências de prevenção de futuros crimes (cfr. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril -Junho de 2002, pág. 147/182).

O quantum de culpa constituirá sempre o limite máximo da pena a aplicar, em nome do princípio da culpa em sentido unilateral, segundo o qual, apesar de poder haver culpa sem pena, a pena dependerá sempre da existência de culpa, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.

Neste contexto, a prevenção geral determinará o mínimo abaixo do qual a intervenção punitiva do Estado seria de todo ineficaz para restabelecer a confiança comunitária na norma e ao mesmo tempo o máximo, que será o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias; a culpa funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, ainda que abaixo do óptimo encontrado quando operando com critérios de prevenção geral; por último, dentro da moldura assim encontrada, funcionará a prevenção especial positiva que determinará o quantum necessário para permitir ao arguido a sua ressocialização.

No caso vertente, avultam essencialmente factores que depõem contra o arguido, designadamente:

- A ilicitude da conduta expressa no modo de execução dos factos pelo arguido que assume relevante gravidade no que respeita aos crimes de tráfico de estupefacientes face ao tipo de drogas duras comercializadas pelo arguido e quanto ao crime de roubo atento o modo como o referido crime foi praticado face ao grau de violência física utilizada e face às lesões sofridas pela ofendida e assume mediana gravidade no que respeita aos restantes crimes pelos quais o arguido vai condenado.

- As necessidades de prevenção geral que são elevadas, mostrando-se necessário prevenir a prática de futuros crimes desta natureza, protegendo-se as expectativas da comunidade na manutenção e reforço da segurança e estabilidade colectiva no seio da sociedade. Com efeito, os crimes em causa nos presentes autos consubstanciam condutas graves, que provocam um elevado e crescente grau de alarme e insegurança social dos cidadãos, exigindo resposta firme, resposta imposta pelas acrescidas necessidades de prevenção geral.

- A intensidade do dolo dessas condutas – que é directo quanto a todos os crimes – revelando-se a culpa de intensidade elevada;

- As necessidades de prevenção especial são igualmente elevadas, face à circunstância de o arguido ser toxicodependente, tendo praticado os referidos factos no âmbito do consumo de tais substanciais e como forma de custear tal consumo, denotando na sua conduta uma falta de sentido crítico face aos ilícitos cometidos, demonstrando uma manifesta falta de respeito pela propriedade alheia e, em consequência, por assumir o desvalor jurídico das suas condutas.

- Mais se atendeu à desinserção social e profissional do arguido face ao mercado de trabalho e à falta de um suporte familiar sólido o que faz igualmente elevar as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir nos presentes autos.

A favor do arguido milita somente a circunstância de o arguido ter admitido (ainda que de forma parcial) a prática dos factos, deste modo contribuindo para o apuramento da verdade.”

Dentro das molduras penais sobreditas, tem de reconhecer-se que as penas concretas elegidas pelo tribunal a quo foram determinadas com rigorosa observância dos critérios enunciados no art. 71º do Cód. Penal, sendo que a mera circunstância de o arguido ora recorrente não ter antecedentes criminais e provir de um agregado familiar disfuncional, relativamente a estes crimes nunca poderiam, por si sós, obnubilar todos os demais parâmetros atendíveis na determinação da pena concreta, nomeadamente, a ilicitude objectiva dos factos (in casu, de relevante gravidade no que respeita ao crime de tráfico de estupefaciente e ao crime de roubo e de mediana gravidade no que respeita ao crime de dano, ao crime de furto de uso de veículo, e ao crime de furto simples), a intensidade do dolo (no caso em apreço, elevada) e as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir relativamente a estes tipos legais de crime.

Destarte, as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, (NUIPC 113/21.5GBVNO), de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, (NUIPC 98/21.8GBVNO), de 6 meses de prisão, pela prática do crime de dano, (NUIPC 160/21.7GBNVO), de 3 meses de prisão, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, (NUIPC 160/21.7GBNVO), de 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto, (NUIPC 254/21.9GBVNO) e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto simples, que foram aplicadas ao Recorrente, foram encontradas, precisamente, por terem sido consideradas e valoradas, as circunstâncias atinentes às condições pessoais do arguido, que ele, infundadamente, reputa de desconsideradas pelo acórdão recorrido, não se mostrando de forma alguma exageradas, mas antes justas e adequadas à sua culpa, e satisfazem as exigências de reprovação e de prevenção geral e especial, que os crimes por ele cometidos reclamam.

Por tudo isto, nenhuma censura merece a decisão do Tribunal de 1.ª instância de fixar em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão a duração da pena única.

Sendo esta a pena estabelecida, não pode a sua execução ser suspensa – artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

Donde que o presente recurso improcede in totum.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao presente recurso, assim confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.

Custas do recurso a cargo do Recorrente.

Taxa de justiça: 4 (quatro) UCs.

Évora, 09/ 05/ 2023