Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
34/06.1GACUB.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA PENA
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Existe uma clara contradição na afirmação de que a suspensão da pena de prisão é uma pena. As necessidades da praxis judiciária obrigam, no entanto, a por fim a situações em que a suspensão da pena de prisão se arrasta no tempo de forma injustificada, equivalendo a uma pena imprescritível.
2 - Assim, por aplicação analógica in bonam partem ou pela consideração abstracta, contra-legem, de que a suspensão da pena de prisão é uma “pena autónoma”, é aplicável à dita suspensão o prazo de prescrição da pena contido na al. d), do nº 1 do artigo 122º do Código Penal.

3 - De onde resulta que se impõe a análise de dois prazos de prescrição da pena: o da pena de prisão aplicada; o da suspensão dela resultante.

4 - Este último prazo – o prazo de 4 anos do artigo 122º, nº 1, al. d) do C.P. – só começa a correr findo o período de suspensão da pena, a que acrescem as possíveis prorrogações. Isto porquanto, iniciando-se a contagem de tal prazo no dia do trânsito em julgado da decisão que decretou a suspensão da pena, nesse mesmo dia se interrompe com a sua “execução”, que é o início do prazo de suspensão – artigo 126º, nº 1, al. a) do C.P.

5 - O artigo 125º do C.P. exclui a suspensão da contagem do prazo da pena cuja execução ficou suspensa.

6 - Por seu turno, a pena de prisão imposta e cuja execução se viu suspensa (ou que foi “substituída”) e cujo dies a quo do prazo de prescrição da pena ocorreu igualmente no trânsito em julgado da decisão que a impôs viu, nesse mesmo dia, suspenso o dito prazo de prescição por via da previsão da al. a), do nº 1 do artigo 125º do Código Penal (… suspende-se, … , durante o tempo em que … por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”).

7 - E nos termos desse preceito e do artigo 57º, nº 2 do mesmo código, a pena de prisão não pode iniciar-se face à suspensão da sua execução entre o dia do trânsito em julgado da condenação e até ao fim desse prazo de suspensão da pena, a definir por despacho judicial.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerado que corre termos no Tribunal Judicial por despacho lavrado em 15 de Outubro de 2016, o magistrado judicial, que não aparece identificado, lavrou despacho declarando:

- «prescrita pena substitutiva aplicada ao arguido, inviabilizando a apreciação do Tribunal quanto a uma eventual revogação da pena suspensa»

e determinando:

«a) (…) a não revogação da suspensão da execução das penas de prisão em que os arguidos foram condenados nos presentes autos;

b) (…) extinta, pelo cumprimento, nos termos do disposto no artigo 57.º n.º 1 do Código Penal, a pena 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, com execução suspensa pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses em que o Pedro Fernando Carolas Cabrita foi condenado».


*

Inconformado com aquela decisão interpôs recurso o Exmº Procurador-Adjunto pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, com as seguintes conclusões:

l.ª O arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado 30 de Abril de 2009, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na execução e sujeita a regime de prova.
2.ª Em 5 de Julho de 2011, foi prorrogado o período da suspensão da execução da pena de prisão por um ano.
3.ª A suspensão da execução da pena de prisão como pena substitutiva, autónoma, está sujeita ao prazo de prescrição de 4 anos previsto no artigo 122.2 n.º 1 alínea d) do Código Penal.
4.ª A prescrição da pena suspensa tem o seu início com a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas a sua execução, o mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão, é causa de suspensão e interrupção do prazo de prescrição.
5.ª A pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente quatro anos desde a data em que se completou o período de suspensão fixado.
6.ª No caso em apreço, o prazo da suspensão da execução da pena de prisão foi prorrogado por ano, tendo o seu termo a 5 de Julho de 2012.
7.ª Deste modo, o prazo de prescrição da pena substitutiva em que o arguido foi condenado ainda não ocorreu, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.
B.ª O arguido praticou dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada durante o período de suspensão e não se afigura um juízo de prognose favorável, pelo que a pena suspensa de prisão em que foi condenado nos presentes autos deveria ter sido revogada.
9.ª O douto Tribunal violou as normas dos artigos 56º, 122º, 125º e 126º do Código Penal.
Pelo que, deve a Douta Decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra que aprecie e determine a revogação da pena suspensa em que o arguido foi condenado (…).


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Nesta Relação a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.


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B - Fundamentação:

B.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes, decorrentes da análise dos autos:

1 - Por sentença de 1 de Abril de 2009, transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2009, o arguido AA, foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e. p. pelos artigos 143.º n.º 1 e 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, por referência à alínea a), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, sujeito a regime de prova;

2 - Por despacho lavrado no dia 5 de Julho de 2011 foi decidida a prorrogação do período de suspensão pelo prazo de 1 (um) ano.

3 - Por acórdão de 13 de Setembro de 2013, lavrado no âmbito do processo n.º 168/11.0GCCUB foi o arguido condenado, pela prática em 9 de Setembro de 2011, de 2 (dois) crimes de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º n.º 1, 132.º n.º 1 e 2, alíneas h), 22º e 23.º todos do Código Penal, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

4 - Por acórdão de 19 de Fevereiro de 2014, transitado em julgado em 7 de Março de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça, manteve a supra referida condenação do arguido numa pena única de 7 (sete) anos de prisão.

5 - É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«Por sentença de 1 de Abril de 2009, transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2009, o arguido AA, foi o condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e. p. pelos artigos 143.º n.º 1 e 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, por referência à alínea a), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, sujeito a regime de prova pelo arguido.
Através do despacho proferido em sede de audição de arguido, realizada no dia 5 de Julho de 2011, foi decidida a prorrogação do período de suspensão pelo prazo de 1 (um) ano (fls. 458-460).
Por acórdão de 13 de Setembro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 168/11.0GCCUB, foi o arguido condenado, pela prática em 9 de Setembro de 2011, de 2 (dois) crimes de homicídio qualificados p. e p. pelos artigos 131.º n.º 1, 132.º n.º 1 e 2, alíneas h), 22º e 23.º todos do Código Penal, na pena única de 7 (sete) meses.
Por acórdão transitado em julgado em 7 de Março de 2014 (fls. 585), de 19 de Fevereiro de 2014, Supremo Tribunal de Justiça, foi mantida a condenação do arguido numa pena única de 7 (sete) anos pelos crimes julgados no supra referenciado processo
Verifica-se, assim, que durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que nos presentes autos lhe foi imposta, o arguido cometeu novos crimes pelos quais veio a ser condenados, facto susceptível de conduzir à revogação daquela suspensão, nos termos do artigo 56.º/1 b) Código Penal.
Procedeu-se à audição do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495.º/2 do CPP.
O Digno Procurador do Ministério Público, pugna pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

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Cumpre apreciar e decidir
Tendo em linha de conta o regime actualmente em vigor, a simples condenação do arguido por crime praticado durante o período de suspensão da execução da pena de prisão não conduz, automaticamente, à revogação dessa mesma suspensão.
Para que tal aconteça, necessário será que, alicerçada nas particularidades do caso concreto, haja a formulação do juízo de que a prática desse crime posterior revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Por outro lado, a decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena deve atender à personalidade do arguido e à sua socialização no momento mais próximo dessa decisão.
É certo que, tendo praticado, no período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, novos crimes, o arguido desmereceu o juízo de prognose favorável que a seu respeito havia sido formulado.
Acresce ainda, que as condenações posteriores do arguido foram em pena privativa da liberdade: pena única de 7 (sete) anos de prisão.
Com efeito, considerou-se, no respectivo processo, através de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ser essa a pena a aplicar ao arguido, inviabilizando, perante a medida concreta da pena, qualquer eventual formulação de um juízo de prognose favorável a respeito do comportamento do arguido.
Relativamente à condenação dos presentes autos, os factos que levaram à condenação do arguido foram praticados em Junho e Julho de 2007, ou seja, há cerca de 8 (oito) anos, sendo que, o arguido padece de doença de foro oncológico incapacitante, com internamentos recorrentes.
Assim, o cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos dificilmente satisfaria a almejada finalidade de ressocialização do arguido, podendo mesmo prejudicá-la, tanto mais que, a crer nas suas declarações, embora toldadas pela manifesta incapacidade de as expressar conforme pretendia, em virtude do estado debilitante em que se encontrava, todavia expressas na missiva que fez juntar aos autos, encontrar-se-á presentemente integrado em termos familiares, não obstante a situação prisional em que se encontra.
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Por outro lado, importará, ainda apreciar a eventual prescrição da pena substitutiva.
As penas de substituição, como verdadeiras penas, encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º Código Penal [nesse sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 4 de Junho de 2008, Relator, Jorge Baptista Gonçalves].
Não deixamos de tomar em consideração que, em 5 de Julho de 2011, foi determinada uma prorrogação do período de suspensão por 1 (um). Tal prorrogação implicou que o prazo de prescrição da pena substitutiva tenha ficado suspenso por idêntico período.
Assim, desde a data do trânsito em julgado (30-04-2009) até à prolação do despacho de 5 de Julho de 2011, decorreram 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 5 (cinco) dias, interrompendo-se, então o prazo por um ano, ou seja até 5 de Julho de 2012. Na referida, data, retomada a contagem do prazo de prescrição, faltando 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 25 (vinte cinco) dias, verificamos ter decorrido o prazo máximo de prescrição da pena substitutiva em 30 de Maio de 2014.
Ainda que se devesse considerar que a determinação de prorrogação determinaria o reinício da contagem do prazo de prescrição da pena substitutiva, certo é que, na presente data, já decorreram mais do que 4 (quatro) anos, contados sobre o dia 5 de Julho de 2011, prazo que correspondente ao limite máximo estabelecido no artigo 122.º do Código Penal, para os crimes com pena até 2 (dois) anos.
Assim, declaro prescrita pena substitutiva aplicada ao arguido, inviabilizando a apreciação do Tribunal quanto a uma eventual revogação da pena suspensa.
Nestes termos:
a) Determino a não revogação da suspensão da execução das penas de prisão em que os arguidos foram condenados nos presentes autos;
b) Julgo extinta, pelo cumprimento, nos termos do disposto no artigo 57.º n.º 1 do Código Penal, a pena 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, com execução suspensa pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses em que o Pedro Fernando Carolas Cabrita foi condenado.
(…)»
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B.2 – Cumpre conhecer.

O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

As questões abordadas no recurso reconduzem-se a apurar se a suspensão da pena deve ser mantida ou revogada, o que supõe uma tomada de posição prévia sobre o regime de prescrição de penas.


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B.3 – É indubitável que o legislador português nunca consagrou (e continua a não consagrar) a suspensão da execução da pena como uma “pena autónoma”.

É também indubitável, não obstante isso, que é unânime a jurisprudência que define a “suspensão da execução da pena” como uma pena autónoma, na sequência de alguns comentários doutrinários de renome e face à necessidade de resolver uma lacuna enfrentada pela praxis juisprudencial.

De tal forma relevantes esses problemas práticos que, face à inércia legislativa (e já lá vão 34 anos, seis versões do código na redacção de 1982 e quarenta versões na redacção de 1995), se consideraram de nenhum relevo que aqueles contributos doutrinários fossem do próprio autor do projecto de 1963 e de integrantes de comissões revisoras, sendo de supor que tais intenções, que hoje laboriosamente se tentam adivinhar, pudessem facilmente ter sido transpostas para o código penal.

Assim como o evitar da óbvia contradição inerente à afirmação de que a suspensão da execução da pena de prisão é uma “pena de suspensão da pena”.

Faltam, aqui, naturalmente, dois passos mais. Um, no campo criativo, no achar de nomenclatura à altura do desafio de nomear pena que se não diga suspensa de outra. Outro no transpor para lei da república o que os legisladores, pensando – diz-se – não fizeram.

Esta questão é, no entanto, uma mera abstracção construtiva resultante de dificuldades práticas e na medida em que aqueles contributos doutrinários – não obstante as variadas oportunidades – nunca se concretizaram, nunca se converteram em lei, nunca se erigiram num regime pensado e completo para a desejada e abstracta “pena de susbstituição”. Omissões que deixam ao intérprete a difícil tarefa de limar as arestas do concreto e encontrar resposta para a contradição entre o abstracto desejado e o real não legislado (porque uma coisa é fazer declarações; outra, diferente, é o resultado legislado que contraria essas declarações).

Variada jurisprudência tem labutado nesse sentido abstracto, sendo despiciendo perder tempo com o tema, já devidamente fundamentado em decisões várias (e algumas citadas já nos autos).

A questão a tratar nestes autos (e em todos os que têm abordado o tema) surge face à necessidade da praxis responder a uma simples questão: face a abusos no retardar da definição do regime da pena aplicada e seu regime de suspensão, eventual prorrogação ou revogação - em face da previsão do artigo 57º do Código Penal - como reagir de forma a evitar que o condenado seja prejudicado pela manutenção de indefinição da sua situação por tempos infindos e dele não dependentes nem do decurso do prazo de suspensão?

É que, como se afirma no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2003 (no processo n. 2281/03-1, sendo relator o Desemb. Alberto Borges) «(I.) A extinção da pena de prisão cuja execução ficou suspensa não é automática – ela é declarada, decorrido o período da suspensão, desde que não haja motivos que possam conduzir à sua revogação, o que supõe, decorrido aquele prazo, a averiguação da existência de tais motivos».

E como «em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos art.ºs 56 e 57 do CP, a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas – convém recordá-lo – estão sujeitas a prazos de prescrição (vejam-se os art.ºs 122 n.ºs 1 e 2 e 125 n.ºs 1 e 2 do CP).» (acórdão citado) não é incomum que os condenados em pena cuja execução se suspendeu se vejam “suspensos”, tempos infindos, de uma decisão judicial que decrete o destino desse regime de suspensão.

Em tal situação o condenado pode ver-se confrontado com aquilo que, dependente de outras vontades (ou falta delas), apenas se pode configurar como a potencialidade de uma “pena” imprescritível.

E como a suspensão da execução de uma pena de prisão não é tratada pelo código como uma verdadeira pena, não prevê prazo prescritivo próprio da suspensão da pena nem regime completo no artigo 57º do C.P. que obvie à delonga na obtenção da dita decisão judicial.

Ou seja, a definição da situação do condenado está dependente de acções de entidades, judiciais incluídas, que podem retardar a definição da sua situação processual – a prática o demonstra – por anos. O que é uma clara e manifesta insuficiência do regime de suspensão da execução da pena de prisão, patente na análise conjugada dos artigos 56º e 57º do Código Penal.

Tal possibilidade conduziu à necessidade de recordar e dar expressão ao princípio da prescritibilidade das penas, sendo a supra dita jurisprudência uma forma aceitável de obter a concretização desse princípio.

É claro que uma abordagem mais pragmática conduziria aos mesmos resultados, até por aplicação analógica in bonam partem das mesmíssimas normas, tendo em vista evitar a imprescritibilidade, e evitaria aquela abordagem indirecta e abstracta, algo inventiva, certamente não consagrada (mínimamente que seja) pelo legislador, mas seguramente in.

Isto é, trata-se de tese não convincente, mas conveniente.

Pena substitutiva ou interpretação in bonam partem, regem os artigos 122º, nsº 1, al. d) e 2, 125º, nsº 1, al. a) e 2 e 126º, ns. 1, al. a), 2 e 3 do C.P..

E regem todos na medida em que haverá que enfrentar e resolver dois problemas de prescrição de penas: o da pena de prisão; o da “pena” de suspensão fixada em “substituição”, já que diferentes são os regimes.


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B.4 – De concreto temos que o arguido foi condenado numa pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período, por sentença de 1 de Abril de 2009, transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2009. Por despacho de 5 de Julho de 2011 foi decidida a prorrogação do período de suspensão pelo prazo de 1 (um) ano.

O tribunal recorrido considerou que a pena (a suspensão) estava prescrita na medida em que:

«desde a data do trânsito em julgado (30-04-2009) até à prolação do despacho de 5 de Julho de 2011, decorreram 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 5 (cinco) dias, interrompendo-se, então o prazo por um ano, ou seja até 5 de Julho de 2012. Na referida, data, retomada a contagem do prazo de prescrição, faltando 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 25 (vinte cinco) dias, verificamos ter decorrido o prazo máximo de prescrição da pena substitutiva em 30 de Maio de 2014.
Ainda que se devesse considerar que a determinação de prorrogação determinaria o reinício da contagem do prazo de prescrição da pena substitutiva, certo é que, na presente data, já decorreram mais do que 4 (quatro) anos, contados sobre o dia 5 de Julho de 2011, prazo que correspondente ao limite máximo estabelecido no artigo 122.º do Código Penal, para os crimes com pena até 2 (dois) anos».

Ou seja, o tribunal recorrido considerou, tão só, que a data do trânsito em julgado da decisão condenatória (a sentença) era o dies a quo do prazo de prescrição da pena e não considerou que tal prazo tivesse sido interrompido ou suspenso.

E aqui reside, em nosso entender, a questão central e definidora da sorte do recurso.

Por aplicação directa ou por interpretação in bonam partem trataremos a suspensão da pena de prisão – como o faz a jurisprudência - como uma pena autónoma a que é aplicável o prazo de prescrição de 4 anos, em face da previsão da al. d), do nº 1 do artigo 122º do Código Penal.

Podemos dar como assente que o prazo de prescrição da pena no caso concreto – de suspensão de execução da pena de prisão – não se suspende na medida em que inexistente previsão legal para tanto, como cristalinamente flúi da previsão do artigo 125º do C.P. Nenhuma das alíneas é aplicável à pena cuja execução ficou suspensa.

Outro tanto se não passa com a interrupção do mesmo prazo, claramente prevista na al. a) do nº 1 do artigo 126º do diploma: a execução da pena interrompe o prazo de prescrição da pena.

Sendo certo que depois de cada interrupção começa a correr “novo prazo de prescrição” (e não “recomeça a correr”) é conveniente notar que a interrupção se refere à “execução da pena” e não ao “início de execução da pena”. Isto é, só começa a correr “novo prazo de prescrição” da pena findo o facto que determina a sua interrupção. Ou seja, toda a pena, facto duradouro.

Daí que o “novo prazo” só comece a correr finda a pena, consistindo esta no decurso do prazo de suspensão da pena de prisão, incluindo o período de prorrogação. [1]

Não fora assim e seríamos levados, no extremo, ao rídiculo de - no caso de o prazo de suspensão da pena ser superior ao prazo de prescrição de 4 anos - a prescrição da pena ocorrer antes de terminado o seu cumprimento.

Assim, com o dies a quo em 30-04-2009 (trânsito em julgado da decisão que aplica a suspensão da pena), o prazo de prescrição da pena só começa a correr findo o período de prorrogação, em 5 de Julho de 2012.

Como o prazo aplicável é o da al. d) do nº 1 do artigo 122º do C.P., a prescrição da (dita) “pena” de suspensão da pena de prisão, de quatro anos, ocorreria em 5 de Julho de 2016.

A constatação óbvia daí decorrente é a da inexistência de prescrição da “pena” de suspensão, pelo que é possível apurar então da aplicação do regime contido nos artigos 55º a 57º do Código Penal ao caso sub iudicio.


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B.5.1 – Antes, no entanto, impõe-se esclarecer que a pena de prisão imposta cuja execução se viu suspensa (ou que foi “substituída”) e cujo dies a quo do prazo de prescrição da pena ocorreu igualmente no trânsito em julgado da decisão que a impôs viu, nesse mesmo dia, suspenso o dito prazo de prescição por via da previsão da al. a), do nº 1 do artigo 125º do Código Penal.

Isto é, face à dita alínea, a “prescrição da pena … suspende-se, … , durante o tempo em que … por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”.

E nos termos desse preceito e do artigo 57º, nº 2 do mesmo código, a pena de prisão não pode iniciar-se face à suspensão da sua execução entre o dia do trânsito em julgado da condenação e até ao fim desse prazo de suspensão da pena, a definir por despacho judicial.

E tal prazo, não estando limitado legalmente na sua duração, só cessa quando cessar a causa da suspensão da pena, ou seja, quando for lavrado despacho nos termos do artigo 57º do C.P que revogue ou extinga a suspensão da execução da pena.

Assim, de real temos que o arguido, condenado numa pena de 1 ano e 9 meses de prisão, só verá concretamente iniciada a contagem do prazo de prescrição desta pena de prisão na data do trânsito deste acórdão.

Prazo, de 4 anos, que coincide em ser o mesmo previsto na al. d) do nº 1 do artigo 122º do C.P.. [2]


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B.5.2 – Desta forma é imperioso que se defina a sorte da pretensão do recorrente: que fazer à decisão de suspensão de execução da pena, agora que concluímos que nem uma nem outra das penas se encontra prescrita?

Rege o artigo 56º, ns. 1 e 2 do Código Penal, nos seguintes termos:

A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

A questão que se coloca em concreto é a de saber se o agir do arguido posterioriormente à condenação nestes autos, que se veio a concretizar numa sua condenação pela prática de dois crimes, revela um agir culposo que constitua um “mais” inaceitável para a defesa do ordenamento jurídico, um acréscimo de culpa, um mais que – nos autos - apenas se pode entender como um agir doloso ou com negligência grave.

A resolução da questão passa, pois, pela resposta à pergunta: o arguido “cometeu crime, pelo qual veio a ser condenado”, e isso revela “que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”?

Assim, tais requisitos devem ser apreciados segundo critérios factuais, actuais, com submissão a princípios já conhecidos do regime de suspensão da pena.

De entre eles avulta a finalidade político-criminal do instituto, o afastamento do arguido da criminalidade, da prática de novos ilícitos criminais – artigo 50º, nº 1 do Código Penal.

O cerne decisório está, pois, em saber se a presente conduta do arguido (no novo ilícito), devidamente enquadrada no ilícito que esteve na base da condenação nestes autos, pôs em crise, de forma definitiva, o juízo de prognose social favorável que esteve na base da escolha da pena.

Acresce a defesa do ordenamento jurídico como grande argumento no sentido da revogação da suspensão da pena.

Já afirmava o Prof. Eduardo Correia [3] a propósito do correspondente artigo do Projecto que “o artigo só devia aplicar-se nos casos em que o não cumprimento foi doloso ou gravemente culposo devendo nas restantes hipóteses suportar-se o não cumprimento sem de nenhuma forma o sancionar. A isto acresce - disse ainda - que a rebeldia não deve determinar sempre e necessariamente a revogação: pois bem pode acontecer que uma tal rebeldia provenha v. g., de o condenado não ter compreendido as condições que lhe foram impostas e que baste até uma simples advertência solene para que a personalidade daquele «degele» e passe a compreender que tem de cumprir a obrigação contra a qual se rebelou”.

Ora, no caso dos autos o incumprimento dos deveres penais impostos na sentença penal foi doloso e gravemente revelador de uma propensão para a violência contra pessoas que é inaceitável pela ordem jurídica.

O crime cometido nestes autos – um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e. p. pelos artigos 143.º n.º 1 e 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, por referência à alínea a), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal – e o crime cometido no processo n.º 168/11.0GCCUB – onde o arguido foi condenado por acórdão de 13 de Setembro de 2013 pela prática em 9 de Setembro de 2011, de dois crimes de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º n.º 1, 132.º n.º 1 e 2, alíneas h), 22º e 23.º todos do Código Penal, já transitado, na pena única de 7 (sete) anos de prisão – revelam uma personalidade violenta e associal que não merece tolerância. Aliás, o próprio juízo de prognose favorável feito in illo tempore nestes autos patenteia-se, hoje, muito ousado.

Consequentemente é de revogar a suspensão da pena de prisão imposta nestes autos.

Face ao exposto é procedente o recurso interposto.


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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos nos termos supra ditos.

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 10 de Maio de 2016

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

António Condesso

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[1] - Neste sentido variada jurisprudência, de que destacamos os acórdãos da Relação de Coimbra de 26-05-2009 (Proc. 651/00.3PBAVR-A.C1, Desemb. Isabel Valongo) e de 04-06-2008 (proc. 63/96.1TBVLF.C1, Desemb. Jorge Gonçalves, proposição VII), da Relação de Lisboa de 26-10-2010 (Proc. 25/93.0TBSNT-A.L1-5, Desemb. Jorge Gonçalves, proposição IX), e de 16-10-2015 (Proc. 1845/97.2PBCSC.L1-5, Desemb. Simões de Carvalho, proposição III).

[2] - Neste sentido o acórdão da Rel. de Coimbra de 17-03-2009 (proc. 328/98. 8GAACB-B.C1, sendo rel. a Desemb. Elisa Sales) e os acórdãos do STJ de 19-04-2007 (proc. 07P1431, Cons. Pereira Madeira, proposição II), de 09-10-2013 (proc.263/07.0PTALM-A.S1, Cons. Souto de Moura, proposição V), de 06-12-2013 (proc. 182/06.8PTALM-A.S1, Cons. Santos Cabral, proposições IV e V).

[3] - In “Actas da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Geral, vol I e II”, pags. 70/71. AAFDL.