Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/20.0YREVR-E.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: AMNISTIA
PERDÃO DE PENA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A Lei nº 38-A/2023, de 02/08, que decretou medidas de clemência de amnistia e perdão de penas, estabeleceu uma diferenciação de tratamento entre os cidadãos que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos (os beneficiários dessas medidas de clemência) e os demais (excluídos da aplicação das medidas).
II. Cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger a categoria geral de pessoas abrangida pelas medidas de clemência, e, a partir de critérios objetivos, determinar a aplicação das mesmas regras em todas as situações iguais, pelo que não ocorre qualquer inconstitucionalidade na referida diferenciação de tratamento (em razão da idade dos cidadãos), designadamente não existindo violação do princípio da igualdade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. No processo de Execução de Sentença Penal Estrangeira n.º 47/20.0YREVR cujos termos correm no Juízo Local Criminal de (.....), foi proferido, a 15.09.2023, despacho que, apreciando requerimento apresentado pela arguida, indeferiu o mesmo e que apresenta o seguinte teor:
Da invocada inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, no que se refere à limitação de 30 anos de idade
A arguida (….) invocou a inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, quanto à limitação da idade de 30 anos para aplicação de um perdão genérico de penas, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, dada a discriminação em função da idade sem qualquer justificação objetiva e legal.
Requer, assim, a arguida que lhe seja aplicada a lei em apreço, entendendo que deve beneficiar do perdão de penas que a mesma prevê.
Mais requer a suspensão dos mandados de detenção emitidos, pelo menos até à decisão final sobre a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso da arguida.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do peticionado por inadmissibilidade legal da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, nos termos em que foi requerido pela arguida, por entender que, caso a arguida dela beneficiasse, estar-se-ia a extravasar o propósito específico para o qual o legislador criou a citada Lei.
Apreciando.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, a qual estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º), que «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4».
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª (https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095) justificou-se aquele âmbito nos seguintes termos:
«Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.
Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina».
Dispõe o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».
Acerca do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, pode ler-se no Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2023, respeitante à lei de clemência n.º 9/2020, de 10 de abril, o seguinte: «Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado [...] O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado, quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante"».
A propósito das leis de clemência, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ampla margem de discricionariedade às opções legislativas no âmbito desta política criminal, mas essa «discricionariedade normativo-constitutiva do legislador ordinário não é ilimitada: ela tem de respeitar as normas e os princípios constitucionais» (Ac. do TC n.º 488/2008), entre os quais, naturalmente, o princípio da igualdade.
Todavia, na medida em que «qualquer medida de amnistia, entendida em sentido amplo, pode remeter, necessariamente, para uma certa derrogação do princípio da igualdade (ao menos num seu entendimento não complexivo, que abranja ou integre já essas exceções, aliás clássicas), (…) o princípio da igualdade deverá ser entendido num sentido específico: ele não impede a lei de aprovar regras especiais, dirigidas a certas categorias de ilícitos e de penas, mas sim de aprovar regras diferentes para situações objetivamente iguais. O problema consiste, pois, em avaliar as situações que poderão ser consideradas especiais"» (Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2023).
Decorre ainda do entendimento vertido no mencionado Acórdão que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional afirma que o princípio da igualdade nas leis de amnistia e de perdão genérico "só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis" (Acórdão n.º 42/95), entendendo que as diferenças de tratamento legal traduzem uma diferenciação arbitrária apenas quando não sejam concretamente compreensíveis ou quando não seja possível encontrar uma justificação razoável para a diferenciação, ligada à natureza das coisas (Acórdão n.º 152/95)"». Nesta medida, "a proibição de discriminação nos termos do artigo 13, n.º 2, da Constituição da República, não significa uma igualdade absoluta em todas as situações, mas apenas exige que as diferenciações de tratamento sejam materialmente fundadas e não tenham por base qualquer motivo constitucionalmente improprio. As diferenciações de tratamento podem ser legitimas quando se fundamentarem numa distinção objetiva e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas a realização da respetiva finalidade"(26).
Como tal, e nesta linha de entendimento, "embora a concessão do perdão genérico [...] seja efeito de um ato político, que pode ter por causa as mais diversas motivações [...], como sejam a magnimidade por occasio publicae laetitia excepcional, razões de política geral de apaziguamento ou outras, de correção de determinadas ponderações anteriores efetuadas pelo direito ou do modo da sua aplicação pela jurisprudência ou pela administração, ela expressa-se através de uma lei em sentido material.
(…)
Nesta medida, "o Tribunal Constitucional vem entendendo, com significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d'Etat"(28).
Assim, o legislador da clemência tem liberdade de estabelecer os critérios e a forma de determinar o perdão, mantendo uma significativa margem de discricionariedade, de forma a cumprir os objetivos que lhe estão subjacentes. Como tal, "cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas - o quantum do perdão -, quer, em princípio, as espécies de crimes ou infrações a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstrata, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis"(29)».
No caso vertente, para além de um limite temporal e de várias exceções em função do crime praticado, da vulnerabilidade da vítima ou da qualidade do agente, foi estabelecido um critério, geral e abstrato, em que todas as pessoas que reúnem determinada idade (consideradas “jovens” por referência à faixa etária dos destinatários centrais do evento que motivou a clemência) podem ser abrangidas, sendo que a diferenciação operada se justifica pelo motivo subjacente à aprovação do referido diploma legal, ou seja, a «exortação da reinserção social» dos destinatários do evento motivador da clemência (Jornada Mundial da Juventude).
A reinserção social dos jovens constitui um valor constitucional que justifica a discriminação positiva, pois a própria Constituição da República Portuguesa consagra uma particular atenção aos jovens e à proteção que lhes é devida pelo Estado no seu artigo 70.º.
Acresce que a lei penal ordinária estabelece um regime aplicável aos jovens, ainda que com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro), de modo a «instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade» e a «inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas» (cf. preâmbulo desse diploma legal).
Ademais, já em anteriores leis de clemência foram previstas discriminações positivas em função da idade – cfr. artigo 5.º, n.º 6, da Lei nº 17/82, de 2 de julho e artigo 3.º da Lei nº 29/99, de 12 de maio.
Deste modo, consideramos inexistir um critério (referente à idade) que possa ser julgado arbitrário e irrazoável, pois que, o legislador estabeleceu um critério geral e abstratamente aplicável a todos os cidadãos que se enquadrem numa determinada faixa etária, visando a reintegração social dos jovens.
A fixação da limitação do âmbito subjetivo da Lei em função da idade mostra-se necessária, adequada e proporcionada ao objetivo visado, sendo razoável a circunscrição das medidas de clemência a um conjunto de pessoas que se enquadram numa determinada faixa etária, sem que dentro desse conjunto se estabeleça qualquer distinção entre aqueles que nele se inserem.
Pelo exposto, conclui-se pela inexistência da inconstitucionalidade invocada,
indeferindo-se, assim, o requerido pela arguida.”

Deste despacho veio a arguida (…) interpor recurso, com os fundamentos constantes da respetiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
“l) Analisando a norma do no 1 do artigo 2 da citada Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, verifica-se que tal norma padece de inconstitucionalidade no que se refere à limitação de 30 anos de idade.
2) Naquela norma legal supra citada procede-se à limitação da aplicação da presente Lei à idade, sem qualquer diferenciação, sem qualquer critério ou justificação legal que determinasse e justificasse, plenamente, a limitação de um direito constitucional de liberdades e garantias à idade de 30 anos.
3) O que determina que tal norma esteja ferida de inconstitucionalidade quanto à limitação da idade de 30 anos para aplicação de um perdão genérico de penas, como é o caso da presente Lei.
4) “… a diferenciação de tratamento entre pessoas que praticaram idênticas infrações com base unicamente na idade que possuíam no momento da sua prática, ainda que amparada na faixa etária dos principais destinatários de um evento, suscita as maiores reservas quanto à sua conformidade constitucional. Na verdade, trata-se de Uma discriminação (positiva) em função da idade, que não se mostra devidamente justificada." (Cfr. Parecer do Conselho Superior da Magistratura de 03.07.2023)
5) Segundo o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira , as diferenciações só podem ser legítimas quando se baseiem numa distinção objetiva de situações, tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objetivo.
6) A discriminação para ser legítima terá, pois, que ser proporcional, necessária e adequada, não podendo, de modo algum, ser arbitrária.
7) As medidas das diferenças que estabelecem terão que ser proporcionais.
8) As JMJ não são um valor constitucional que justifique a discriminação de pessoas, sendo, pois, duvidoso que esta discriminação se considere não arbitrária, considerando que a discriminação que é feita tem que se justificar para fins constitucionalmente legítimos.
9) Por outras palavras: é necessário que a discriminação seja constitucionalmente legítima e que a diferença de tratamento estabelecida pelo legislador seja adequada e proporcional nessa perspetiva. Se é fácil legitimar constitucionalmente que a lei sob escrutínio não abranja infrações futuras ou englobe somente as praticadas até as 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, afigura-se-nos, ao invés, impossível de descobrir um motivo constitucional que seja para que uma pessoa de 31, 40 ou 70 anos de idade à data da prática do facto fique arredada dos benefícios do perdão e da amnistia.
10) Afigura-se, pois, que poderemos estar perante uma situação de discriminação em função da idade, sem qualquer justificação objetiva, que dificilmente passará no crivo do princípio da igualdade consagrado no art.0 13.0 da Constituição." (Cfr. Parecer do Conselho Superior da Magistratura de 03.07.2023)
11) A decisão recorrida não apreciou corretamente estes fundamentos invocados perante o Tribunal "a quo"
12) A decisão recorrida, preferiu sustentar a sua posição com base numa “exposição de motivos da proposta de Lei”, referindo e destacando naquela dita "exposição de motivos da proposta de Lei": “…uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos ..."
13) Sem explicar, ou esclarecer em que base assentou paras considerar a idade de 30 anos como fator discriminativo neste caso, para vedar o direito à liberdade.
14) Por outro lado, salvo o devido respeito, desconhecemos qualquer norma ou indicação da Santa Sé, ou de qualquer autoridade responsável que tenha "vedado" ou dado indicação que a JMJ seria apenas para "jovens" até aos 30 anos de idade.
15) Nem a decisão recorrida esclarece em que elementos concretos para alem de uma "exposição de motivos da proposta de Lei" assentou para considerar tal facto ou circunstância(das JMJ serem apenas para jovens até aos 30 anos de idade)
16) Facto esse contraditado pela realização das próprias JMJ quando Sua Santidade e a maioria do Clero presente é composta por "jovens" com idade bastante superior aos 30 anos.
17) Por outro lado, os inúmeros peregrinos não tinham qualquer limite de idade. Conforme resultou da dinâmica do próprio evento e das diversas reportagens transmitidas pela comunicação social.
18) Da decisão recorrida não consta qualquer elemento de facto, concreto, que explique porque razão a limitação da norma em referência à idade de 30 anos se considera conforme a nossa Constituição.
19) Aliás, a própria decisão recorrida entra em contradição na sua fundamentação quando faz menção do regime especial para jovens, que estatui a idade máxima de 21 anos para aplicação de tal regime.
20) Neste caso, nesta lei, agora posta em crise, não se verifica qualquer distinção objetiva de situações que originem diferenciações as quais tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional e se revelem proporcionais, necessárias e adequados.
21) O que se verificou foi uma arbitrariedade para limitar direitos de liberdades e garantias, neste caso a liberdade da pessoa humana, sem qualquer justificação suportada pela-nossa Constituição e como tal proibida pela nossa Constituição.
22) Pois as medidas das diferenças estabelecidas nesta lei em relação à idade de 30 anos não são nem proporcionais, nem necessárias e nem adequadas.
23) Fazendo-se, nesta lei, depender a liberdade da pessoa humana com base apenas na sua idade ... o que é manifestamente inconstitucional!
24) Com o devido respeito, as JMJ não são um valor constitucional que justifique a discriminação de pessoas,
25) E tal discriminação em função da idade é arbitrária, porque tal discriminação é feita sem assentar em fins constitucionalmente legítimos.
26) É impossível descobrir um motivo constitucional que seja para que uma pessoa de mais de 30 anos à data da prática do facto fique impedida de beneficiar do perdão e de amnistia – estando em causa a sua liberdade - que é o bem jurídico mais caro do nosso ordenamento jurídico!
27) Sofre assim a norma posta em crise de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição."
28) E como tal, deve ser aplicada a presente Lei ao caso da arguida, sem ter em conta a discriminação efetuada em razão da idade (30 anos)
29) Em virtude de tal discriminação ser inconstitucional e como tal, a norma do n.º 1 do artigo 2 da citada Lei, no que se refere à limitação de anos de idade, deverá ter-se como não escrita, por ser inconstitucional.
30) Devendo a arguida beneficiar, em pleno do perdão de penas promulgada na Lei em referência - o que desde já aqui se requer.
31) A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos" (Artigo 20.º-1 da CRP)
32) Num Estado de Direito democrático, os tribunais constituem um órgão de soberania essencial na tutela dos direitos fundamentais dos particulares.
33) Aos tribunais compete atuar enquanto instituições de controlo, assegurando a conformidade das normas jurídicas e ações das instituições públicas com a Constituição e, em particular, com as normas consagradoras de direitos fundamentais.
34) Os tribunais, aliás, têm a competência exclusiva para administrar a justiça, aplicando a lei de forma vinculativa e final.
35) Deste modo, quando colocado perante uma norma que viole um direito fundamental, o juiz tem o poder-dever de a desaplicar ao caso concreto, podendo aplicar diretamente a norma constitucional que consagra o direito, quando a mesma seja exequível por si mesma.
36) Ou, ainda, quando confrontado com uma norma que admita vários sentidos, uns conformes e outros desconformes com uma norma constitucional, deverá o juiz afastar a interpretação da norma que se revele inconstitucional.
37) Perante uma violação ou ameaça de violação de um direito fundamental, um dos principais mecanismos de tutela do Direito é o acesso dos particulares aos tribunais. Nas palavras de Vieira de Andrade "[o] meio de defesa por excelência dos direitos, -liberdades e garantias continua a ser (...) constituído pela garantia a todas as pessoas, de acesso aos tribunais, para defesa da generalidade dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…) – ela própria (…) um direito fundamental."
38) Acresce ainda que, Portugal ratificou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos que estabelece no seu artigo 14 o princípio de Proibição de discriminação.
39) O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.
40) Por outro lado, Portugal subscreveu o Tratado de Lisboa, em 12 de dezembro de 2007.
41) A qual estabelece na sua "Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia" no seu artigo 21 "Não discriminação: "É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual." (sublinhado nosso)
42) O que significa que, a lei agora posta em crise choca inclusive com normas internacionais em vigor subscritas pelo Estado Português, porque em conformidade com a nossa Constituição.
43) Devendo ser respeitada, além da nossa Lei Fundamental o primado da Unido Europeia como norma que -determina que os Estados têm o dever de aplicar a norma de direito da União Europeia, nomeadamente as normas supra citadas.
44) E a Constituição da República Portuguesa prevê que o direito da União Europeia é aplicável em Portugal nos termos definidos pelo próprio direito da Unido Europeia (artigo 8.º, n.º4 com primazia da norma europeia sobre o direito interno.
45) Ora, a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto sofre de irregularidades em termos constitucionais e convenções europeias relativamente ao conceito de igualdade, para o qual concorrem: O artigo l3º da Constituição da República Portuguesa; A Convenção Europeia dos Direitos Humanos no seu artigo 14º assinada em Roma a 4 de novembro de 1950, com as alterações subsequentes: A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no seu artigo 21º assinada no tratado de Lisboa por Portugal e pelos estados membros, a 13 de dezembro de 2007; A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo 2º e seguintes;
46) Portugal foi pioneiro no respeito da dignidade da pessoa humana e assenta a sua constituição na defesa da liberdade.
47) E, num país constitucionalmente democrático como o nosso não se pode permitir que uma norma inconstitucional prevaleça e limite os direitos da liberdade da arguida no seu caso em concreto e de tantos outros que por causa desta lei, na forma como está redigido no que se refere ao limite da idade de 30 anos, veem a sua liberdade e os seus direitos fundamentais postos em causa -apenas por não terem 30 anos, mas por terem 31, 41 , 50, 60...etc.
48) É chocante do ponto de vista constitucional que tal norma vigore no nosso ordenamento jurídico - e como tal -deverá ser devidamente corrigida e enquadrada pelo Tribunal, declarando-se como inconstitucional o vertido na norma do n.º 1 do artigo 2 da citada Lei, no que se refere à limitação de 30 anos de idade.
49) O Sr. Presidente da República, deu nota da inconstitucionalidade norma agora posta em crise recurso, quando, na sua nota presidencial, alerta para o seguinte: “… o Presidente da República decidiu promulgar a Lei da Amnistia, sem prejuízo da avaliação da questão do respeito pelo princípio da igualdade, com o objetivo de poder ser alargado o seu âmbito sem restrições de idade…” sublinhado e destacado nosso)
50) Deverá assim, atendendo ao. supra exposto, aplicar-se ao caso dos presentes autos da Lei n.º 38-A/2023de 2 de Agosto, interpretando como inconstitucional o vertido na norma do n.º 1 do artigo 2 da citada Lei, no que se refere à limitação de 30 anos de idade e como tal ser aplicada a presente Lei ao caso da arguida, sem ter em conta a discriminação efetuada em razão da idade (30 anos);
51) Devendo ainda ordenar-se a suspensão da emissão dos mandatos de detenção emitidos, por estar em causa a liberdade da arguida e aplicação de uma Lei que poderá determinar o perdão total da pena de 1 ano de prisão aplicada á arguida,
52) Requerendo-se a suspensão dos mandatos de detenção, pelo menos até à decisão final sobre a aplicação da Lei n.º 33-8/2023 de 2 de agosto ao caso da arguida.
53) A sentença recorrida não efetuou assim uma correta interpretação dos factos e das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.
54) Devendo por isso revogar-se a decisão recorrida, interpretando como inconstitucional o vertido na norma do no 1 do artigo 2 da citada Lei, no que se refere à limitação de 30 anos de idade.”

O M.º P.º respondeu, concluindo:
“1. A arguida vem requerer que lhe seja aplicada a Lei n.º 38-A/2023 de 2 agosto, alegando em suma que, o disposto no artigo 2.º, n.º1 da referida Lei é inconstitucional porque viola o Princípio da Igualdade constitucionalmente previsto, e, por isso, entende que, deve a mesma beneficiar do perdão da sua pena.
2. É nosso entendimento, desde logo, recorrendo à análise da exposição de motivos da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, que a mesma não pode beneficiar da sua aplicação pois resulta de forma clara e evidente qual é o público destinatário, para aplicação da presente Lei, sendo o critério da idade um dos seus critérios legitimadores e fundadores da mesma.
3. Caso a arguida dela beneficiasse estar-se-ia a extravasar o propósito específico, para o qual o legislador criou a citada Lei.
4. Não merece o menor reparo a douta decisão prolatada pelo Tribunal a quo.”

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que propugna pela improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C. P. Penal, foi oferecida resposta ao parecer por parte da recorrente em que, ao longo de 69 pontos que nada mais é que a repetição da motivação de recurso, se manifesta tal como no recurso interposto.

II. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as quais, conforme jurisprudência constante e pacífica, delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271), a questão suscitada resume-se a saber se o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023 de 2 agosto, é inconstitucional por violação do principio da igualdade e, em caso afirmativo, deve a recorrente beneficiar do perdão da sua pena com a inerente suspensão dos mandados de detenção emitidos.

Apreciando.
Apesar da grande prolixidade trazida à motivação e às conclusões, o argumento resumido esgrimido pela recorrente pode reduzir-se a que o art.º 2º n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023 de 2 agosto é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade vertido no art.º 13º da CRP quando se encontra limitada a sua aplicação a pessoas que tenham menos de 30 anos de idade.
Para situar esta problemática importa delimitar o apontado, como violado, princípio da igualdade vertido no art.º 13º CRP, valendo-nos para tal do que se mostra referido, embora a propósito de outras leis da amnistia anteriores, nos acórdãos do TC n.º 160/96 (relativo à Lei nº 15/94, de 11 de Maio, enquanto estabelece que não beneficiam do perdão decretado por essa mesma Lei, os membros das forças policiais e de segurança, relativamente à prática, no exercício das suas funções, de delitos que constituam violação de direitos, liberdades ou garantias dos cidadãos), 300/00 (diferenciação de tratamento na Lei n.º 29/99, de 12 de Maio entre os condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes ao abrigo do Decreto-Lei nº 430/83, podendo beneficiar do perdão de pena, e os condenados por idêntico crime, mas ao abrigo do novo Decreto-Lei nº 15/93, expressamente excluídos do perdão), ambos disponíveis em www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
Neste último aresto admite-se que, na esteira do acórdão do Tribunal Constitucional nº 25/00, publicado no Diário da República, II Série, nº 71, de 24 de março de 2000, que “… as soluções normativas relativas às chamadas medidas de graça ou de clemência não estão subtraídas ao crivo do princípio da igualdade. Como se afirmou no acórdão nº 444/97 (Diário da República, II Série, de 22 de Julho de 1997, sobre a Lei nº 9/96, de 23 de Março, 'o princípio de igualdade, tratando-se aqui da definição de direitos individuais perante o Estado, que pela amnistia, como pelo perdão, são alargados – como são restringidos pela aplicação das sanções – impede desigualdades de tratamento'.
A diferenciação de tratamento que por elas seja estabelecida não deve ser arbitrária, materialmente infundada ou irrazoável (cf. o acórdão nº 42/95, Diário da República, II Série, de 27 de Abril de 1995, a propósito da exclusão de certas infrações do âmbito do perdão de penas concedido pela Lei nº 15/94; v. também os acórdãos 152/95, Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995, e 160/96, não publicado, ambos sobre normas extraídas da mesma Lei).
Por outro lado, situações substancialmente diferentes exigem um regime diverso. A desigualdade de tratamento para diferentes situações é ainda uma dimensão essencial do princípio da igualdade".
Por sua vez, porque mais atual, no acórdão do TC 488/2008, discorrendo sobre o principio da igualdade, mencionou-se: “Refletindo o estado atual da compreensão do princípio da igualdade, tanto na jurisprudência como na doutrina, nacionais e estrangeiras, afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003 (publicado no Diário da República I Série-A, de 17 de Junho de 2003), assumindo em diversos passos da sua fundamentação abundante argumentação de jurisprudência anterior:
“[...] Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125), o princípio da igualdade vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da "atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade direta, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República II Série, de 12 de Setembro de 1990).
[…]
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objetivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. VIEIRA DE ANDRADE – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminando o arbítrio (cfr., a este propósito, GOMES CANOTILHO, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; Acórdão nº 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. GOMES CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; ALVES CORREIA, ob. cit., pág. 402) o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da "diferença"” de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
[…]
“[...] O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respetivamente; cf., igualmente, na doutrina, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]”.
[…]
Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.
Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, GERHARD LEIBHOLZ (cf. F. ALVES CORREIA, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério” (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adotar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adotado e a 'ratio' do tratamento jurídico.
Na tentativa de descortinar a apontada “ratio da disposição em causa”, ou seja, as razões fundamentadoras que o legislador entendeu erigir para estabelecer a limitação de idade que se mostra posta em causa pela recorrente, teremos de nos valer da exposição de motivos que antecede o quadro regulador de abrangência das medidas de clemência decretadas na Lei 38-A72023: “A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento marcante a nível mundial, instituído pelo Papa João Paulo II, em 20 de dezembro de 1985, que congrega católicos de todo o mundo.
Com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, a JMJ tem como principais protagonistas os jovens. Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento. Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ.” (destaque nosso).
Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.” (sublinhado nosso).
Tal exposição de motivos é o que resulta da ampla discussão parlamentar que conduziu ao texto de tal diploma e que pode ser consultável em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095.
A lei em causa, dentro da anunciada liberdade de conformação que o legislador beneficia, mostra ter-se estabelecido diferenciações de tratamento, mas com a explicação fundada nos argumentos acima citados da exposição de motivos, mostra-se a mesma razoável, racional e objetivamente fundada, assumindo por essa via um carácter geral e abstrato porquanto se aplica a todos os arguidos/condenados que se encontrem na situação por si descrita, que, assim, são em número indeterminado.
A delimitação do âmbito de aplicação da lei, com base no critério de idade que se mostra invocado, está devidamente justificado, não se mostrando arbitrária nem irrazoável.
Concluímos, por estas razões, que a apontada norma não padece da imputada inconstitucionalidade.
Nesta decorrência, também não somos confrontados com argumento legal para a sustação dos mandados de detenção da recorrente, até porque o efeito atribuído, corretamente, ao recurso foi o meramente devolutivo.
Improcede o recurso.

III. Tudo visto e ponderado, decide-se negar provimento ao recurso interposto pela arguida (…), confirmando-se o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.

Feito e revisto pelo 1º signatário

Évora, 09 de janeiro de 2024
João Carrola
Maria Perquilhas
Ana Bacelar Cruz