Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2199/18.0T8EVR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, em caso de recurso, em situações de contra-ordenações laborais, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, excepto se forem invocados os vícios constantes do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal.
II – Qualquer pessoa estranha ao serviço para efeitos do disposto no § 3 do art. 77.º do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, é qualquer pessoa, trabalhador ou não da obra, que, relativamente ao serviço que se encontra em execução, não possui qualquer tarefa a realizar.
III – Assim, sendo o sinistrado o trabalhador que transportava a terra, após a mesma ser retirada da vala, era estranho ao serviço quando a obra se encontrava na fase de colocação do pó de pedra sobre as condutas de esgoto em valas abertas, através de uma pá giratória de rastos, com um balde pendurado, que estava a ser manobrada pelo trabalhador qualificado para tal serviço.
IV – Compete à entidade empregadora actuar de molde a fazer respeitar a proibição de aproximação de pessoas estranhas ao serviço quando uma escavadora mecânica se encontra em funcionamento, erigindo um perímetro mínimo de segurança em redor da actividade da escavadora mecânica, designadamente através da colocação de barreiras ou de sinalética adequada. (Sumário da relatora).
Decisão Texto Integral: Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
“P…, SA” impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que aplicou à impugnante supra identificada o pagamento de uma coima no valor de €8.160,00 e a sanção acessória de publicidade, pela prática, como reincidente, de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 77.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 12.º da Portaria n.º 101/96, de 03-04, 22.º, n.º 1, al. m) e 25.º, n.º 4, ambos do DL n.º 273/2003, de 29-10 e 554.º, n.º 4 e 561.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a impugnação judicial totalmente improcedente e, em consequência, manteve a decisão impugnada.
Inconformada, veio a impugnante interpor recurso da decisão, apresentando as seguintes conclusões:
a. O Tribunal a quo manteve a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho que aplicou uma coima de 80 UC à Recorrente por ter desrespeitado as prescrições e regras técnicas de segurança e saúde no trabalho, nomeadamente não ter impedido a aproximação de trabalhadores não envolvidos na operação levada a cabo ou não ter implementado as medidas de prevenção adequadas, de modo a prevenir o risco de esmagamento e de atropelamento de trabalhadores.
b. Tal-qualmente se demonstrou supra o sinistrado estava envolvido na operação levada a cabo, o que, aliás, resulta dos factos dados como provados: [facto 6.º] J… era condutor de um carro pesado para transporte da terra que estava a ser retirada da vala pela máquina escavadora, tendo saído do carro para ver se havia terra a ser transportada.
c. Ora, resulta do facto dado como provado que o trabalhador estava envolvido nos trabalhos a ser executados, sendo, inclusivamente, a dita máquina escavadora que procederia ao carregamento das terras para o carro pesado.
d. Desta maneira, não se pode concluir que se encontra preenchido o conceito de “pessoa estranha ao serviço resultante do § 3 do artigo 77.º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, motivo pelo qual, naturalmente, não pode a Recorrente ter cometido a contra-ordenação laboral ali identificada.
e. Não pode igualmente ter cometido a contra-ordenação laboral ali identificada, porquanto não se encontram preenchidos os requisitos para a existência de uma contra-ordenação laboral, os quais constam do artigo 548.º do Código do Trabalho e que aqui se transcrevem: constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que seja punível com coima.
f. Se, por um lado, a própria sentença não autonomiza um facto típico e ilícito, antes resultando dois factos típicos alternativamente considerados, por outro, os factos típicos ali presentes não são censuráveis.
g. A Recorrente adopta as medidas de segurança que pode adoptar para prevenir acidentes que sejam previsíveis.
h. No caso sub judice não foi diferente, mas a sentença recorrida enferma de duas falácias.
i. A primeira prende-se com a violação do princípio in dubio pro reo no que diz respeito à valoração da prova: o Tribunal, sem qualquer justificação, valorizou o testemunho da Inspectora da Autoridade para as Condições do Trabalho que se limitou a afirmar que não existia qualquer barreira de separação, tendo desvalorizado o testemunho de R… que afirmou quando cheguei vi que estava colocada uma baia a vedar o local onde o acidente de trabalho teve lugar.
j. Ora, a existência ou não de uma baia no local tem relevância suma para a decisão de aplicação da coima, porquanto demonstra a existência de um perímetro de protecção.
k. Não obstante, sem prescindir e ainda que tal baia não existisse, mantêm-se dificuldades de preenchimento do requisito da censurabilidade de tal facto: tal-qualmente resulta do Ac. TRC Processo n.º 974/10.3T4AVR.C1, Relator José Eusébio Almeida, se um trabalhador é perfeitamente temerário e descuidado, tem que se apurar se, não obstante, era previsível e possível afastar o acidente, mesmo com aquele descuido ou temeridade. Continua o Ac. TRC Processo n.º 974/10.3T4AVR.C1, Relator José Eusébio Almeida, referindo que não parece ser imputável um comportamento negligente ao empregador que não prevê determinado risco exactamente quando o técnico especializado o não prevê.
l. Neste caso, é certo, não se trata de um técnico especializado. Trata-se, sim, de um motorista que realiza aquele trabalho todos os dias, que tem vários anos de trabalho na construção e que não previu a possibilidade de que o acidente ocorresse.
m. Ora, em tal caso será necessário verificar se a entidade empregadora o podia ter previsto e podendo-o ter previsto se o podia, também, ter prevenido.
n. A resposta é negativa, para ambas.
o. A verdade é que a entidade empregadora não o podia, com toda a probabilidade, ter previsto e, em simultâneo, também não o podia ter evitado: para tal, seria necessário construir erigir um muro de cada vez que o sinistrado se afastasse com terras, de maneira a que este não voltasse a aproximar-se do local até que a máquina escavadora parasse.
p. Tal construção, inclusivamente, impediria o sinistrado de exercer as suas funções, uma vez que participava no trabalho de remoção de terras (era o motorista que as levava) e colocação de tubagem.
q. Desta maneira, deve concluir-se pela inexistência de qualquer contra-ordenação laboral, sendo a sentença do tribunal a quo revogada e a impugnação judicial julgada totalmente procedente
Nestes termos e nos demais de Direito que v/ Exa. doutamente suprirá, deve a sentença recorrida ser revogada, ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser a P…, S. A. absolvida da prática da infracção pela qual foi condenada e do pagamento da coima aplicada.
Notificado o Ministério Público, veio o mesmo apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
1. A Mma. Juiz, ao decidir pela improcedência do recurso da decisão da ACT fê-lo na sequência de uma adequada fixação da factualidade provada e de uma correcta aplicação da lei ao caso concreto.
2. Fê-lo de forma fundamentada, designadamente, quando explanou as razões que motivaram tal decisão e as razões porque entendeu valorar de modo diferenciado os depoimentos prestados em audiência de julgamento, o que fez sem violar o princípio in dubio pro reo.
3. Demonstrou claramente que a recorrente preencheu os elementos da contra-ordenação em que incorreu, aplicando correctamente a lei aos factos apurados.
4. Os quais foram correcta e criticamente apreciados.
5. Decidindo julgar improcedente o recurso da decisão da ACT então apresentado pela aqui recorrente, fê-lo tendo em conta os factos apurados, a lei aplicável e a Justiça que se impõe fazer.
Pelo exposto,
Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença em análise com as óbvias consequências.
Contudo, V. Exas. não deixarão de decidir de acordo com a LEI e a JUSTIÇA
Tendo o Tribunal de 1.ª instância admitido o recurso, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Objecto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Erro na valoração da prova;
2) Requisitos para o preenchimento do § 3 do artigo 77.º do Decreto n.º 41821/58, de 11-08; e
3) Requisitos para o preenchimento do disposto no art. 548.º do Código do Trabalho.
III. Matéria de Facto
A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o Tribunal da Relação, em matéria contra-ordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09).
Foram, assim, dados como provados os seguintes factos:
A recorrente tem como actividade a construção de redes de transporte de águas, esgotos e outros fluidos (CAE 42210), e tem um volume de negócios de 8.580.7002,00€.
No âmbito da aludida actividade, a recorrente desenvolvia, no dia 17.04.2018, trabalhos de requalificação na Rua do Carmo, em Alcáçovas, sendo o dono da obra a Câmara Municipal de Viana do Alentejo.
Tais trabalhos consistiam, designadamente, em colocar condutas de esgoto em valas abertas para o efeito e em colocar pó de pedra sobre tais condutas, que se encontravam no interior das valas a cerca de 1,5 metro de profundidade.
A operação de colocação do pó de pedra estava a ser realizada com uma pá giratória de rastos, com um balde pendurado, operada pelo funcionário da recorrente P…, com a categoria de condutor manobrador.
J…, trabalhador da recorrente desde Março de 2018, aproximou-se da zona onde P… estava a manobrar a pá giratória, tendo sofrido um acidente de trabalho por ter sido atingido no braço e na zona do tronco do lado direito, pelo balde que pendia da pá.
J… era condutor de um carro pesado para transporte da terra que estava a ser retirada da vala pela máquina escavadora, tendo saído do carro para ver se havia terra para ser transportada.
A recorrente não havia formado um perímetro de segurança para impedir o acesso ao local dos trabalhos, designadamente através da colocação de barreiras ou de sinalética.
Apesar de saber que deveria ter adoptado prescrições de segurança e regras técnicas de segurança e saúde no trabalho, nomeadamente não ter impedido a aproximação de trabalhadores não envolvidos na operação levada a cabo ou não ter implementado as medidas de prevenção adequadas, de modo a prevenir o risco de esmagamento e de atropelamento de trabalhadores, a recorrente agiu da forma descrita em 7º, não tendo adoptado a conduta que lhe era exigível e de que era capaz.
A recorrente tem antecedentes contra-ordenacionais, tendo sofrido as seguintes condenações:
a) Coima de 2.100,00€ em 13.05.2014 no processo n.º 201000716, por violação do disposto no artº 42º do Decreto-Lei n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958;
b) Coima de 2.720,00€ em 01.07.2015 no processo n.º 201500119, por violação do disposto no artº 25º, 1, b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto;
c) Coima de 2.754,00€ em 03.10.2016 no processo n.º 011600193, por violação do disposto no artº 19º, 1, c), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
10º A máquina de movimentação de materiais utilizada no estaleiro obedecia às prescrições da legislação aplicável.
11º A recorrente fornece formação aos seus trabalhadores, sensibilizando-os e informando-os dos principais riscos da actividade, e instrói-os para não adoptarem condutas viciadas e a não colocarem em risco a sua própria vida sem qualquer necessidade.
12º A recorrente sensibilizou os seus trabalhadores para os perigos e riscos junto a máquinas em manobras.
13º O sinistrado não esteve presente no início da obra e não recebeu qualquer formação pra além de instruções sobre as tarefas que lhe foram confiadas.
IV – Enquadramento jurídico
1) Erro na valoração da prova
Veio a recorrente, em sede de conclusões, invocar que houve violação do princípio in dubio pro reo no que diz respeito à valoração da prova, uma vez que o tribunal a quo, sem qualquer justificação, valorizou o testemunho da Inspectora da Autoridade para as Condições do Trabalho, que se limitou a afirmar que não existia qualquer barreira de separação, tendo desvalorizado o testemunho de R… que afirmou que, quando chegou, viu que estava colocada uma baia a vedar o local onde o acidente de trabalho tinha tido lugar.
Ora, dispõe o art. 51.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, que:
1 - Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso pode:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.

Dispõe, por sua vez, o art. 410.º do Código de Processo Penal que:
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Cumpre decidir.
Na realidade, conforme resulta dos artigos supra mencionados, na situação em apreço, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, encontrando-se vedada ao tribunal ad quem a reapreciação da prova produzida nos autos. Porém, o tribunal de 2.ª instância pode, em determinadas circunstâncias, conhecer da matéria de facto, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, nos casos em que haja insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova.
É importante salientar que nestes casos, os vícios da matéria de facto têm de resultar de forma expressa do texto da sentença recorrida, não sendo, por isso, admissível o recurso a declarações ou depoimentos ou mesmo documentos constantes do processo.
Sobre esta matéria, cita-se o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-02-1992, no âmbito do processo n.º 042419, consultável em www.dgsi.pt:
II - Como resulta do artigo 410 do Codigo de Processo Penal, os vicios nele referidos, nomeadamente o erro notorio na apreciação da prova, tem de resultar da propria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo de inquerito ou na instrução ou ate mesmo no julgamento.

De acordo com a fundamentação apresentada nas conclusões de recurso, ainda que não tenha sido feita menção expressa, é possível considerar que foi feita uma subtil alusão ao erro notório na apreciação da prova, sendo que, não sendo possível recorrer às declarações prestadas em julgamento por parte das testemunhas aí mencionadas, importará apreciar se, ainda assim, é possível concluir pela existência de tal vício.
Para que estejamos perante erro notório na apreciação da prova torna-se, portanto, necessário que se verifique uma falha grosseira e evidente na análise da prova, perceptível a qualquer homem médio, designadamente, quando se deram como provados factos inconciliáveis entre si, ou como provados e não provados factos igualmente inconciliáveis entre si, ou quando se retiram dos factos provados conclusões logicamente inaceitáveis. Porém, já não se inclui no erro notório na apreciação da prova o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento, valoração que aquele tribunal é livre de efectuar de acordo com o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 30-11-1993, no âmbito do processo n.º 045854, consultável em www.dgsi.pt:
II - Não pode ser considerado notório, pelo menos para quem não assistiu ao julgamento e leia o texto da decisão recorrida, o erro na apreciação que o Tribunal Colectivo fez da prova produzida em julgamento.

Assim, na situação em apreço, da leitura da sentença recorrida não resulta qualquer contradição entre os factos que foram dados como assentes, nem entre tais factos e as conclusões que dos mesmos foram extraídas, pelo que, e mostrando-se a este tribunal vedada a apreciação da valoração efectuada pelo tribunal a quo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, apenas se pode concluir pela inexistência do vício de erro notório na apreciação da prova.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.
2) Requisitos para o preenchimento do § 3 do artigo 77.º do Decreto n.º 41821/58, de 11-08
A recorrente veio arguir que, ao resultar do facto dado como provado que o trabalhador estava envolvido nos trabalhos a ser executados, sendo, inclusivamente, a dita máquina escavadora que procederia ao carregamento das terras para o carro pesado, não se podia, por sua vez, concluir que se encontra preenchido o conceito de “pessoa estranha ao serviço”, resultante do § 3 do artigo 77.º do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, motivo pelo qual, naturalmente, não pode a Recorrente ser condenada pela contra-ordenação laboral nesse artigo identificada.
Dispõe o art. 77.º, § 3, do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, que:
§ 3.º Quando as escavadoras mecânicas estiverem em funcionamento, é proibida a aproximação de qualquer pessoa estranha ao serviço.

Cumpre decidir.
No caso em apreço, resulta da matéria dada por assente, designadamente, que:
- A recorrente tem como actividade a construção de redes de transporte de águas, esgotos e outros fluidos (facto n.º 1);
- No âmbito da aludida actividade, a recorrente desenvolvia, no dia 17-04-2018, trabalhos de requalificação na Rua do Carmo, em Alcáçovas, sendo o dono da obra a Câmara Municipal de Viana do Alentejo (facto n.º 2);
- Tais trabalhos consistiam, designadamente, em colocar condutas de esgoto em valas abertas para o efeito e em colocar pó de pedra sobre tais condutas, que se encontravam no interior das valas a cerca de 1,5 metro de profundidade (facto n.º 3);
- A operação de colocação do pó de pedra estava a ser realizada com uma pá giratória de rastos, com um balde pendurado, operada pelo funcionário da recorrente P…, com a categoria de condutor manobrador (facto n.º 4);
- J…, trabalhador da recorrente desde Março de 2018, aproximou-se da zona onde Paulo Moniz estava a manobrar a pá giratória, tendo sofrido um acidente de trabalho por ter sido atingido no braço e na zona do tronco do lado direito, pelo balde que pendia da pá (facto n.º 5); e
- J… era condutor de um carro pesado para transporte da terra que estava a ser retirada da vala pela máquina escavadora, tendo saído do carro para ver se havia terra para ser transportada (facto n.º 6).
Resulta, assim, à evidência, da matéria dada por assente, que o sinistrado J…, não fazia parte da operação de colocação do pó de pedra sobre as condutas de esgoto em valas abertas, que estava a ser realizado com uma pá giratória de rastos, com um balde pendurado, operada pelo funcionário da recorrente P…, com a categoria de condutor manobrador, sendo a função do sinistrado J… a de transportador da terra que era retirada da vala, através do carro pesado para transporte de terra, que conduzia.
Na realidade, encontrando-se a obra na fase de colocação do pó de pedra sobre as condutas de esgoto em valas abertas, através de uma pá giratória de rastos, com um balde pendurado, que estava a ser manobrada pelo trabalhador qualificado para tal serviço, não estava, por isso, e nem o poderia estar por uma questão de segurança, na fase de transporte da terra, que tinha sido retirada da vala, para o carro pesado conduzido pelo sinistrado e, nessa medida, apesar de o sinistrado ser também trabalhador da obra, na fase em que a mesma se encontrava, por não ter qualquer função a desempenhar, era uma pessoa estranha àquele serviço, representando a sua presença no local um perigo para a sua saúde e vida, como, aliás, se confirmou com o acidente em causa, razão pela qual o sinistrado apenas deveria ter tido acesso ao local do acidente, após ter terminado a fase de colocação do pó de pedra sobre as condutas de esgoto em valas abertas.
Efectivamente “pessoa estranha ao serviço” é toda aquela que não faz parte do serviço que se encontra em execução e que, por isso mesmo, pode ser atingida pela escavadora mecânica em funcionamento, não fazendo qualquer sentido pretender-se que apenas pessoas não pertencentes à obra estejam sujeitas às regras de segurança, já não os trabalhadores da obra que não façam parte, em concreto, daquele serviço. Atente-se, aliás, que a menção legal se reporta a “pessoa estranha ao serviço” e não a “pessoa estranha à obra”.
Pelo exposto, em face da matéria que se mostra provada, foi efectivamente violado o disposto no art. 77.º, § 3, do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, quando o sinistrado J… se aproximou da escavadora mecânica que, naquele local, estava em funcionamento, mostrando-se, desse modo, totalmente preenchidos os requisitos previstos nessa disposição legal.
Nesta conformidade, improcede também nesta parte a pretensão da recorrente.
3) Requisitos para o preenchimento do disposto no art. 548.º do Código do Trabalho
Segundo as conclusões da recorrente, não podia esta ter cometido a contra-ordenação que lhe é imputada, porquanto não se encontram preenchidos os requisitos para a existência de uma contra-ordenação laboral, nos termos do art. 548.º do Código do Trabalho, pois, para além da sentença recorrida não autonomizar um facto típico e ilícito, antes resultando dois factos típicos alternativamente considerados, também os factos típicos ali referidos não são censuráveis.
Alegou ainda que a recorrente adopta as medidas de segurança que pode adoptar para prevenir acidentes que sejam previsíveis e que se nem o motorista, que realiza aquele trabalho todos os dias, previu tal acidente, teria de se verificar se a entidade empregadora o podia ter previsto e, podendo-o ter previsto, se o podia, também, ter prevenido, sendo que tais respostas são negativas, visto que para evitar tal acidente teria de ter erigido um muro de cada vez que o sinistrado se afastasse com terras, de maneira a que este não voltasse a aproximar-se do local até que a máquina escavadora parasse, sendo que tal construção, inclusivamente, impediria o sinistrado de exercer as suas funções, uma vez que participava no trabalho de remoção de terras (era o motorista que as levava) e colocação de tubagem, pelo que se deve concluir pela inexistência de qualquer contra-ordenação laboral, devendo a sentença do tribunal a quo ser revogada e a impugnação judicial julgada totalmente procedente.
Ora, dispõe o art. 548.º do Código do Trabalho que:
Constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima.

Por sua vez, dispõe o 12.º da Portaria n.º 101/96, de 03-04, que:
Os andaimes, escadas, aparelhos de elevação, veículos e máquinas de terraplenagem, veículos e máquinas de movimentação de materiais, instalações mecânicas, equipamentos, ferramentas e qualquer outro tipo de máquinas utilizadas no estaleiro devem obedecer às prescrições da legislação aplicável.

Também prescreve o art. 22.º, n.º 1, al. m) do DL n.º 273/2003, de 29-1, que:
1 - Durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respectivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial:
(…)
m) Adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho revistas em regulamentação específica;

Estatui, por fim, o art. 25.º, n.º 4, do DL n.º 273/2003, de 29-10, que:
4 - Constitui ainda contra-ordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores.

Apreciemos, então.
Em face da matéria dada como assente, no dia, hora e local do acidente, a recorrente não havia formado um perímetro de segurança para impedir o acesso ao local dos trabalhos, quer de estranhos à obra, quer de trabalhadores não directamente envolvidos naquele serviço, designadamente através da colocação de barreiras ou de sinalética (facto n.º 7). Atente-se que quer a colocação de barreiras amovíveis, quer de sinalética, advertiria, por um lado, do perigo de aproximação, e, por outro, permitiria a sua remoção quando o perigo deixasse de existir, possibilitando, desse modo, a prossecução dos trabalhos, designadamente da retirada da terra que tivesse sido extraída da vala, cuja função competia ao sinistrado J…. Resultando da legislação aplicada ao sector a proibição de aproximação de qualquer pessoa estranha ao serviço quando a escavadora mecânica estiver em funcionamento (art. 77.º, § 3, do Decreto n.º 41821/58, de 11-08), tal obrigação de evitar, através do estabelecimento de um perímetro mínimo de segurança que impedisse, ou, de algum modo, alertasse as pessoas do perigo de aproximação, sempre competiria à entidade empregador, nos termos do art. 15.º, nºs. 1 e 2, als. b) e c), da Lei n.º 102/2009, de 10-09.
Não colhe o argumento de que a entidade empregadora não podia ter previsto este acidente, pois se nem o sinistrado, pessoa habituada a este tipo de actividade, o previu, visto que, de acordo com o padrão de um homem médio, colocado em idêntica situação, é facilmente previsível que, quem se aproxime de uma escavadora mecânica em actividade, pode ser atingida pela mesma, razão pela qual, aliás, ficou a constar do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, que estabelece as regras de segurança no trabalho da construção civil, a proibição de tal aproximação.
De igual modo, também não colhe o argumento de que, mesmo que a entidade empregadora o tivesse previsto, não o poderia ter evitado, a menos que tivesse erigido um muro, uma vez que, ao não ter sido estabelecido qualquer perímetro de segurança, com sinalética ou barreiras, de forma a evitar, alertando do perigo, quaisquer aproximações, não é possível concluir que o trabalhador sinistrado desrespeitou, injustificadamente, uma determinação da entidade empregadora, uma vez que tal determinação inexistia.
Constata-se, assim, que a recorrente, ao não ter erigido qualquer perímetro mínimo de segurança em redor da actividade da escavadora mecânica, permitindo, desse modo, sem, pelo menos, alertar para os perigos, a aproximação de pessoas não envolvidas naquela actividade, praticou um facto típico (porque previsto), ilícito (porque violador das regras que lhe eram impostas) e censurável (porque, de acordo com o padrão de um homem médio, colocado em idêntica situação, tratando-se de uma actividade evidentemente perigosa, eram previsíveis os riscos, não tendo, por isso, a recorrente agido com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz), violando o art. 77.º, § 3, do Decreto n.º 41821/58, de 11-08, que lhe impunha deveres no âmbito de uma relação laboral.
Mostram-se, por isso, efectivamente preenchidos os requisitos previstos no art. 548.º do Código do Trabalho.
Pelo exposto, andou bem a sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação judicial interposta pela recorrente, improcedendo também, nesta parte, a pretensão da mesma.
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 513.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 92.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10 e art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09).
Évora, 30 de Maio de 2019
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva

__________________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; Adjunto: Moisés Silva.