Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
268/20.6T8PTG.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Não se pode afirmar que a não apresentação das contas pelo senhor advogado da ré seja, por si só, adequada a determinar a “condenação” desta numa acção de prestação de contas pois a única cominação que lhe está associada é a de não ser admitida a contestar as que o autor apresente (restrição ao contraditório), sendo certo que, de qualquer modo, as contas serão julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.
II. No caso, não há o mínimo de evidência que a ora autora, demandante em acção de responsabilidade civil profissional, tenha perdido a oportunidade (a chance) de o saldo das mesmas lhe ser favorável ou que tenha sido desfavorável porque não as contestou.
III. Não há quaisquer factos, porque não foram alegados, que nos permitam fazer o “julgamento dentro do julgamento “ e, por isso, não se pode fazer tal juízo de prognose acerca da existência de uma mínima probabilidade de a ora Autora não ter sido condenada no saldo apurado de acordo com o “ prudente arbítrio” .
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
1. RELATÓRIO

AA demandou AML – SOCIEDADE DE ADVOGADOS SP, RL, pedindo a que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), resultante da condenação de que a mesma autora foi alvo no âmbito do processo que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal – J1, do Tribunal Judicial de Portalegre, sob o n.º 291/06.3TBPTG-M, bem como as custas processuais e custas de parte e, os juros moratórios vencidos e vincendos desde a data de citação até integral e efectivo pagamento.
Mais, peticionou a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 4.080,00 (quatro mil e oitenta euros), referente às custas processuais já liquidadas pela Autora, com a interposição de recursos no âmbito do supra identificado processo judicial, quantia essa a que deverão acrescer os juros moratórios vencidos desde a data de citação até integral e efectivo pagamento.
Para tanto disse, no essencial, que no dia 20 de Abril de 2016 mandatou os Ilustres Advogados Dr. BB e CC e os então Advogados Estagiários Dr. DD e EE, para a patrocinarem na acção de prestação de contas, que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal - J1, do Tribunal Judicial de Portalegre, sob o n.º 291/06.3TBPTG-M e onde assumia a posição de Requerida.
Mais aventou que, em 21 de Fevereiro de 2017, foi o senhor Advogado BB, na qualidade de mandatário da Autora, notificado para apresentar contas, no prazo de 20 dias, ao abrigo do disposto no artigo 942.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, e sem prejuízo de os documentos necessários para a prática de tal acto processual já terem sido entregues pela Autora ao Ilustre Advogado numa das reuniões realizadas no escritório da Ré, o certo é que, em 17 de Março de 2017, a Autora remeteu, via e-mail, para o Ilustre Mandatário, conta corrente em formato excel e os correspondentes documentos que a deveriam acompanhar.
Mais alegou que, no dia 24 de Março de 2017, o Ilustre Mandatário Dr. BB contactou, telefonicamente, a Autora e comunicou-lhe que havia deixado passar o prazo para apresentação das contas no aludido processo, acto que havia sido praticado naquele preciso dia pelo Ilustre Advogado EE, com subscrição múltipla, no dia 30 de Março de 2017, do Ilustre Advogado Dr. BB, tendo sido invocado o justo impedimento por parte da Autora para justificar a extemporaneidade na prestação de contas, e tendo sido junto aos autos os atestados médicos que já haviam sido juntos, anteriormente, no âmbito do processo que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal-Juiz 1, do Tribunal Judicial de Portalegre, sob o n.º 188/09.5TBPTG. E perante tal circunstancialismo, em 13 de Abril de 2017, a Autora procedeu à revogação do mandato conferido à Ré e, no dia 19 de Abril de 2017, os Ilustres Advogados renunciaram à procuração outorgada pela Autora.
Acrescentou que, por despacho proferido em 29 de Maio de 2017 foi indeferida a admissão da prestação de contas fora do prazo, por não se verificar qualquer situação de justo impedimento e como tal, o acto ter sido praticado fora do prazo.
Aduziu, também, que, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 20 de Dezembro de 2019, foi a ora Autora condenada no pagamento da quantia de € 35.000,00 correspondente ao saldo devedor das ditas contas.

Citada a ré AML – SOCIEDADE DE ADVOGADOS SP, RL, veio a mesma defender a improcedência da acção uma vez que ainda não havia transitado em julgado a decisão proferida no aludido processo que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal-Juiz 1, do Tribunal Judicial de Portalegre, sob o n.º 291/06.3TBPTG-M.
Ademais, admitiu ter sido mandatada pela Autora para a patrocinar em 3 (três) processos judiciais distintos, entre os quais o identificado processo n.º 291/06.3TBPTG-M, dizendo, no entanto, que, apesar de todas as solicitações da Ré, a Autora, apenas, entregou a documentação necessária para instruir o processo no dia 17 de Março de 2016, ou seja, já decorrido o prazo peremptório para a prática do acto.
Mais disse que, a Autora, na qualidade de advogada, também tinha acesso ao processo via citius e por essa razão bem sabia que o prazo para prestação das contas se encontrava a correr.
Admitiu que o Dr. º BB, com o acordo da Autora, invocou o justo impedimento desta, por ser o único mecanismo processual que lhe poderia conceder um prazo adicional para a prática do acto.
Terminou dizendo que sempre agiu de forma diligente e zelo no cumprimento do mandato forense que lhe foi conferido pela Autora e que todos os danos eventualmente advenientes da falta de apresentação de contas se deveu, exclusivamente, à inércia e desleixo da Autora, que não remeteu toda a documentação no decurso do prazo peremptório.
Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé, sustentando que a mesma tem conhecimento do alegado na contestação e da consequente falsidade invocada na petição inicial, pedindo a sua condenação a este título em multa e indemnização a seu favor em quantia não inferior a €10.000,00 (dez mil euros).
*
Pronunciando-se, a Autora negou estar a agir em má-fé sublinhando que a conduta da ré, ao deixar precludir o prazo para prestar as contas, determinou a condenação da ora Autora no processo de prestação de contas. Terminou pedindo seja julgado improcedente este pedido formulado pela ré.
Notificada para se pronunciar quanto à excepção invocada pela Ré, veio a Autora pugnar pela sua improcedência , em virtude de já ter sido proferido, no âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M.E3.S2, em 7 de Outubro de 2020, pelo Supremo Tribunal de Justiça, acórdão que negou provimento à revista e confirmou a decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, sendo, por isso, o crédito que de a Autora se arroga certo, líquido e exigível.

Realizada audiência final veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos pela Autora formulados.

2. É desta sentença que a Autora recorre, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões:

I - É interposto o presente recurso da Douta Sentença prolatada nos presentes Autos, que veio a decidir o seguinte:
“a)Julgar não verificada a excepção peremptória inominada invocada pela Ré;
b) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolver a Ré do contra si peticionado pela Autora;
c)Absolver a Autora do pedido de litigância de má-fé formulado pela Ré;
d) Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção de 90% e 10%, respectivamente;
e) Fixo o valor da acção em € 39.080,00.”[Itálico nosso]
II - Por decisão do Tribunal a quo resultaram provados, conforme resulta do Ponto III da FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO, os seguintes FACTOS:
“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Ré é uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada e,
2. Os senhores Dr.ºs BB e EE são advogados e sócios da Ré.
3.A Autora é advogada.
4. Em 20 de Abril de 2016, a Autora outorgou procuração forense na qual se pode ler:
«AA, casada, Advogada, NIF: ..., com domicílio profissional na Avenida ..., ... Portalegre, constitui seus bastante procuradores os Drs. BB, CC, advogados, DD e EE, advogados estagiários, a quem, com os de substabelecer, confere os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, no âmbito do patrocínio nos autos de prestação de contas que correm seus termos na Comarca de Portalegre, Portalegre, Instância Central, Secção Cível e Criminal, J1, sob o processo n.º 291/06.3TBPTG-M».
5.Pese embora, a Autora tenha outorgado procuração a favor de vários advogados, apenas contactou com o Dr. BB, o qual lhe apresentou, numa das várias reuniões no seu escritório, o Dr. EE, àquela data na qualidade de seu advogado estagiário.
6. A primeira intervenção da Ré no processo n.º 291/06.3TBPTG-M ocorreu em 24 de Abril de 2016, com a interposição de recurso de apelação da sentença que determinava que a aqui Autora deveria prestar contas naquele processo.
11.Em 21 de Fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, o Dr. BB, na qualidade de mandatário da aqui Autora, foi notificado, via citius, para apresentar contas, no prazo de 20 dias, ao abrigo do previsto no artigo 942.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
12.Após ter sido notificado para apresentar contas, a Ré agendou uma reunião com a Autora, em finais de Fevereiro de 2017, no escritório sito na Av. ..., para analisar o processo.
13.No dia 17 de Março de 2017, entre as 18h32m e as 18h36m, a Autora remeteu para o endereço electrónico ..., três e-mails, sendo que no primeiro se pode ler:
«Boa tarde Doutor BB
Porque me parece que o prazo para prestar contas está a terminar, e conforme lhe havia transmitido, estão identificadas os montantes para apresentar na prestação de contas, os quais seguem agora, a fim de que possa utilizá-los no âmbitos do aludido processo. segue, também digitalizados os documentos que deverão acompanhar a listagem e acrescem ainda os seguintes documentos que fazem parte do processo que me enviou:
Docs. 1; 2;3;4;5;9;11;14;15;16;20;21;22;23;24;25;27 e 29
Os quais não se encontram ainda inseridas na folha de excel que agora lhe enviamos e que deverão ser aditados e somadas as respectivas quantias.
Com os melhores cumprimentos,
AA» e, nos outros dois emails foram remetidos os documentos que, por excederem a capacidade não puderam ser enviados num só email.
11. A Autora recepcionou do endereço electrónico ... uma mensagem dando conta que o e-mail referido em 9.º havia sido lido no dia 17 de Março de 2017, pelas 19h03m.
12. Na sequência do envio do e-mail referido em 9.º, a Autora contactou o escritório da Ré, com o propósito de se inteirar do ponto de situação, e nessa sequência foi lhe transmitido, por uma funcionária, que a Ré havia recepcionado o aludido email.
13. Uma vez que foi confirmada a recepção dos e-mails e dos documentos anexos, ficou a Autora tranquila, acreditando que as contas seriam prestadas, naqueles autos, tempestivamente.
14. No dia 24 de Março de 2017, o senhor Dr. EE remeteu aos autos que corriam seus termos sob o n.º 291/06.3TBPTG-M um requerimento, no qual se poderia ler que:
«AA, Requerida no processo supra referenciado, vem informar V. Exa que, durante o prazo concedido para a prestar contas, nos termos do douto despacho proferido com a referência n.º 27821000, encontrava-se com um quadro clínico grave, ficando incapacitada, inclusive, de colaborar com os seus Mandatários, nomeadamente de juntar toda a documentação, já de si antiga e dispersa, justificativa das suas contas – cfr. três atestados médicos que ora se junta. Apenas hoje, ao final do dia, chegou ao conhecimento dos Mandatários de todas as contas que a Requerida deve prestar, nos presentes autos.
Nesses termos por se tratar de um evento não imputável à Requerida nem aos seus Mandatários, que obstou à prestação atempada de contas, estamos perante uma clara situação de justo impedimento, nos termos do art.º 140º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Ainda que assim não se entenda, requer-se a V. Exa. a junção aos autos da conta corrente e de 32 (trinta e dois) documentos justificativos, nos termos do art.º 946º do C.P.C.»
15. Para justificar o justo impedimento invocado, foram juntos aos autos os atestados médicos que a Autora tinha, anteriormente, entregado à Ré para serem juntos no processo n.º 188/09.5TBPTG, que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal – Juiz 1, do Tribunal Judicial de Portalegre 16. O requerimento de justo impedimento foi remetido pelo senhor Dr. EE, tendo sido subscrito pelo senhor Dr. BB, no dia 30 de Março de 2017.
17. Em 3 de Abril de 2017, o Tribunal notificou, no âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, a parte contrária para se pronunciar relativamente à extemporaneidade e à invocação do justo impedimento.
18. Em 13 de Abril de 2017, a ora Autora junta ao processo n.º 291/06.3TBPTG-M o requerimento, com o seguinte teor:
«AA, Ré nos presentes autos, vem deste modo informar Vª Exª que, revoga a procuração forense que outorgou aos Exmºs Senhores Doutores BB, DD e EE, todos com escritório na Av. ..., ... Lisboa e que se encontra junta nestes Autos e eventuais substabelecimentos».
19. Em 19 de Abril de 2017, os senhores Dr.s BB e EE renunciaram ao mandato outorgado pela aqui Autora.
20. Por requerimento, de 17 de Maio de 2017, a aqui Autora manifestou o propósito em intervir processualmente em causa própria.
21. Em 29 de Maio de 2017, a aqui Autora foi notificada do despacho com o seguinte teor: «(…)Por despacho proferido em 20 de Fevereiro de 2017 foi determinado que a requerida fosse notificada para apresentar as contas no prazo de vinte dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que a requerente pudesse vir a apresentar. Em 21 de Fevereiro de 2017 foi dado cumprimento ao referido despacho, tendo sido expedida a referida notificação (acto a que corresponde a referência 27821000).
A requerida não apresentou contas no sobredito prazo de vinte dias, cabendo decidir se em face dos elementos constantes dos autos pode ser admitida a apresentar contas fora de prazo por ter ocorrido a invocada situação de justo impedimento. (…)
Em consequência do exposto, por carecer de qualquer fundamento legal, e sem necessidade de fundamentação acrescida, indefiro ainda a segunda pretensão da requerida, qual seja, a de admissão da prática do ato fora de prazo, ainda que esteja inverificada a situação de justo impedimento, pois tal não é admissível como a requerida e os seus mandatários não podem desconhecer.
Custas do incidente, pelo mínimo, a cargo da requerida.».
22. Em 8 de Junho de 2017, a aqui Autora remeteu ao processo n.º 291/06.3TBPTG-M o requerimento com o seguinte teor:
«AA, Requerida no processo acima referenciado, vem, na sequência de notificação que antecede, com a referência 28033666, datada de 29-05-2017, pronunciar-se sobre o Douto Despacho, datado de 25-05-2017, com a referência n.º 28022498 que a integra, o que faz nos seguintes termos:
Importa esclarecer, antes de mais, que os três atestados médicos mencionados no Douto Despacho acima identificado, foram utilizados pelos Ilustres mandatários da requerida, àquela data, à sua inteira revelia, para fundamentar o justo impedimento na apresentação extemporânea da prestação de contas, extemporaneidade essa que a requerida é alheia e para a qual não contribuiu.
Apesar de conhecedores da extemporaneidade na apresentação da prestação de contas, o que é certo é que os então Mandatários da requerida efectivamente deram entrada nos Autos de requerimento, conta corrente e respectiva prova documental. Como é sabido, o Tribunal não admitiu aquela apresentação de contas, por extemporânea, nem tão pouco que aquele acto pudesse vir a ser praticado fora de prazo.
Assim, e face ao supra exposto, deverão ser, consequentemente, desentranhados dos presentes Autos não só o requerimento como a conta corrente e toda a prova documental que a suportava, devolvendo-se estes à requerida.
Pede para tanto, A junção deste aos Autos e o respectivo deferimento».
23. Em 7 de Fevereiro de 2018 foi proferida sentença, na qual se pode ler, além do mais, que: «Deste modo, aceitando as contas apresentadas pela requerente, reconheço a existência de saldo favorável, no valor reclamado de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), e em face do pedido e ao abrigo do disposto no artigo 944.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, condeno a requerida no pagamento da importância daquele saldo, com a cominação a que se reporta o sobredito preceito legal.
Custas a cargo da requerida (art. 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Fixo à acção, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 298, n.º 4, e 299º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o valor de € 418.500,09 (valor da receita apurada). Registe e notifique.»
24. Em 22 de Fevereiro de 2018, a ora Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo para o efeito procedido ao pagamento da competente taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
25. Em 28 de Junho de 2018, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora que julgou procedente a apelação e declarou nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto, a decisão recorrida, ordenando que fosse proferida nova decisão, suprindo-se a nulidade em causa.
26. Em cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 15 de Outubro de 2018, foi proferida nova sentença, na qual se decidiu que:
«Pelos fundamentos de facto e de direito expostos, julgo parcialmente procedente por provada a ação, e aceitando parcialmente as contas apresentadas pela requerente FF, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de GG, reconheço a existência de saldo favorável a favor daquela herança, no valor de € 21.500.00 (vinte e um mil e quinhentos euros), condenando a requerida no seu pagamento.
Custas a cargo da requerente e requerida na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º. nºs 1, e 2, do Código de Processo Civil).
Fixo à ação. nos temos das disposições conjugadas dos arts. 298º, nº 1, e 299º, nº 4, do Código de Processo Civil, o valor do € 4 18.500.09 (valor da receita bruta apurada).».
27. A autora, não se conformando com a decisão, interpôs recurso, em 16 de Novembro de 2018, tendo procedido ao pagamento de taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros) e,
28. Como a ali Requerente também interpôs recurso, para apresentar as suas contra-alegações, a ora Autora procedeu ao pagamento de taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
29. Em 1 de Março de 2019, o Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão, tendo decidido pela condenação da ora Autora no pagamento da quantia de € 10.750,00 (dez mil setecentos e cinquenta euros).
30. A ali requerente recorreu do aludido acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que para a ora Autora apresentar as suas contra-alegações, teve que proceder ao pagamento da taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
31. Em 17 de Outubro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, decidindo anular o acórdão recorrido nos seguintes termos:
«Por um lado, na parte em que conheceu de objeto diverso do pedido, determinando-se, por isso, a eliminação do segmento decisório que fixou no valor de € 10.750,00 o saldo das contas relativas ao exercício pela R. do mandato em referência na parte respeitante à representação da então interdita HH e condenou a R. a pagar à A. o referido saldo;
Por outro lado, na parte em que deixou de se pronunciar sobre as contas apresentadas pela A. a favor da herança aberta por óbito de GG, determinando-se a baixa do processo à Relação para conhecer das questões ali suscitadas, no exato domínio do julgamento dessas contas, nos termos acima expostos».
32. Em 20 de Dezembro de 2019, o Tribunal da Relação de Évora decidiu pela condenação da ora Autora no pagamento à ali Requerente da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente ao saldo apurado.
33. Não se conformando, a ora Autora, em 3 de Fevereiro de 2020, interpôs recurso de revista extraordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, liquidando para o efeito a competente taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros);
34. Em 7 de Outubro de 2020, por Acórdão transitado em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista e confirmou a sentença recorrida, melhor descrita em 27.º.
35. A Autora, no processo de prestação de contas, mesmo com a intervenção da Ré, mantinha acesso ao mesmo, através do portal citius.
36. A Ré teve intervenção, na qualidade de mandatária da ora Autora, também, nos processos n.ºs 188/09.5TBPTG e 188/09.5TBPTG-B.
37. No dia 28 de Janeiro de 2020, a Ré instaurou contra a Autora o processo executivo nº 124983/18.9YIPRT.1, para cobrança de honorários.
38. Em 20 de Abril de 2016, a Ré não tinha seguro válido de responsabilidade civil.
39. No âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, as custas processuais finais a cargo da ora Autora fixaram-se em € 15.062,30 e as custas de parte em € 4.651,20. “[Negrito e Sublinhado nossos]
III- Deste modo, resultaram provados todos os factos imprescindíveis e que consequentemente, levariam à total procedência da presenta Ação e do pedido deduzido
pela Recorrente, quer no que respeita à ilicitude dos factos, quer no que respeita à culpa.
Veja-se o que se pode ler do Ponto IV da Fundamentação de Direito da
Douta Sentença:
“Posto isto, nos termos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
A obrigação de indemnizar depende da existência de um facto ilícito, culposo, gerador de danos ligados por um nexo de causalidade à acção/omissão.
No caso pode afirmar-se de forma inequívoca que a ré incorreu em facto ilícito e culposo, pois que, como se disse, apesar de se ter obrigado a praticar actos jurídicos no âmbito da acção fê-lo de forma deficiente, porquanto apresentou as contas fora de prazo, cumprindo defeituosamente um dever contratual, e por culpa sua.”[Negrito e Sublinhado nossos]
IV - Ora, da Douta Sentença ressalta de forma inequívoca a contradição entre a Fundamentação quer de facto, quer de Direito e a Decisão adotada pelo Tribunal a quo.
E é por não se conformar com tal contradição que a Recorrente interpõe o presente Recurso por se tratar de Sentença que padece de nulidade, parecendo-nos que, salvo o devido respeito, que é muito, que o Tribunal a quo não andou bem.
V - Analisemos, Tribunal a quo dá como provado que :
“32. Em 20 de Dezembro de 2019, o Tribunal da Relação de Évora decidiu pela condenação da ora Autora no pagamento à ali Requerente da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente ao saldo apurado. (...)”
“34. Em 7 de Outubro de 2020, por Acórdão transitado em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista e confirmou a sentença recorrida, melhor descrita em 27.º.(...)”[Itálico nosso]
VI – Ou seja, resulta inequivocamente provado que a Recorrente sofreu condenação no âmbito do Processo de Prestação de Contas com o n.º291/06.3TBPTG-M, no âmbito do qual a Recorrida se encontrava mandatada, condenação essa no valor de € 35.000,00 e respetivas custas de parte e processuais, como consequência direta de terem sido extemporaneamente apresentadas as contas pela Recorrida, vendo assim vedada também a possibilidade de poder contestar as apresentadas pela Requente naqueles autos, e tudo por culpa da Recorrida, conforme aliás se resulta provado pelo Tribunal a quo.
VII - Em momento algum a Recorrente peticionou nesta Ação de Processo Comum a quantia de € 51.355,62, como saldo positivo que resultaria da sua apresentação tempestiva de contas no âmbito do Processo N.º291/06.3TBPTG-M, tendo limitado o seu pedido, ao valor documentalmente comprovado por Douto Acórdão, já transitado em julgado, de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) condenação a que foi sujeita.
Porém, e, a inda assim, o Tribunal a quo , de forma perfunctória, e sem elementos suficientes debruça-se sobre as pretensas contas que a Autora pretendia apresentar, e que a Recorrida não remeteu tempestivamente para o Processo de Prestação de Contas, olvidando o pedido concreto da Recorrente e extravasando o objeto do litígio e os temas da prova, pese embora dê como provado o valor a que a Autora aqui Recorrente fora condenada, conforme resulta do Ponto 32. Dos FACTOS PROVADOS.
VIII - Mais resulta provado o valor pago pela Autora a título de custas e custas de parte, conforme se pode ler da Sentença recorrida:
“39. No âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, as custas processuais finais a cargo da ora Autora fixaram-se em € 15.062,30 e as custas de parte em € 4.651,20.” [Itálico nosso]
IX - E perante tais factos provados, como sejam a ilicitude e culpa da Recorrida, ainda assim, o Tribunal a quo não lhe assaca qualquer responsabilidade civil, contradizendo-se quando da Decisão recorrida se pode ler no seu Ponto IV da Fundamentação de Direito (página 38) que:
“Já o mesmo não se pode afirmar de forma taxativa e peremptória relativamente aos danos eventualmente sofridos pela Autora e o nexo de causalidade entre estes e o comportamento da ré, impondo-se, pois, aferir se tal se verificou na situação sub judice.
Isto é, desconhece-se se a Autora obteria ou não “ganho” caso as contas prestadas pela ré não tivessem sido rejeitada com fundamento na sua extemporaneidade, embora se revele inequívoca a afirmação da violação das obrigações emergentes do mandato forense, em face da apresentação extemporânea de tal peça processual.”.[Itálico nosso]
Mais se pode ler que:
“Porém, tem vindo a entender-se que a falta de afirmação de tal nexo de causalidade não deve levar a uma desresponsabilização automática do advogado que actuou com violação das suas obrigações para com o cliente.
Vem-se afirmando, para estas situações e tanto a nível doutrinário como jurisprudencial, a tutela do dano concretizado na “perda de chance”, o qual deve ser autonomizado quando, por força de um comportamento culposo de outrem, alguém perde a oportunidade de alcançar uma oportunidade ou de evitar um prejuízo.”[Itálico nosso]
X – Ora, conforme decorre do nosso ordenamento jurídico todo e qualquer facto ilícito e culposo gera responsabilidade civil, designadamente ao abrigo do previsto no art.º483º, n.º1 do Código Civil, e in casu, não poderá ser diferente, tanto mais que a Recorrente invocou prejuízos, os mesmos resultaram provados pelo Tribunal, e aqui chegados, estamos ainda assim perante uma Sentença que inexplicavelmente absolve a Recorrida, e que, por isso terá de ser considerada nula, nulidade esta que se invoca desde já, para todos os efeitos legais, ao abrigo do previsto no art.º615º, n.º1, alíneas c) e d) do C.P.P..
XI - Senão vejamos,
A Sentença é nula quando: “ c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;” o que conforme supra explanado se verifica no caso sub em análise, uma vez que a fundamentação e os factos dados como provados estão em oposição com a Decisão de direito adotada.
XII - A Sentença também é nula quando: “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;” , assim e como mencionado, a Sentença proferida pelo tribunal a quo , é omissa e deixa de apreciar todo o pedido efetivamente formulado pela Autora recorrente, no que se reconduz à condenação de que foi alvo no valor de € 35.000,00 no âmbito do Processo de Prestação de Contas, deixando de apreciar tal factualidade, embora a dê como provada.
Extravasando, com o devido respeito, tal matéria tendo apreciado as contas extemporaneamente apresentadas pela Recorrida e que não estão computadas no pedido da Autora/Recorrente, não só extravasando o objeto destes autos, como omitindo pronuncia relativamente ao valor do pedido efetivamente formulado, concretamente, a Decisão recorrida, no Ponto IV da Fundamentação de Direito apenas se pronuncia parcialmente quanto ao pedido deduzido, isto é, quanto a custas e custas de parte, deixando de apreciar a restante parte do mesmo, ou seja, os € 35.000,00 a que a Recorrente fora condenada e que peticiona a título de danos patrimoniais, debruçando-se sobre o valor de € 51.355,62 não peticionado, mas resultante das contas extemporaneamente apresentadas pela Recorrida.
XIII - Mas mais, também desta apreciação feita pelo Tribunal a quo resulta a oposição entre a Fundamentação e a Decisão, uma vez que a Sentença recorrida dá como provada a ilicitude, culpa, e condenação da Recorrente no pagamento do valor de €35.000,00 no âmbito do Processo de Prestação de Contas, para depois vir absolver a Recorrida do pedido e julgar totalmente improcedente a Ação.
XIV - Como resulta dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo a Recorrente, celebrou assim com a Recorrida um contrato de mandato forense, por procuração outorgada em 20 de abril de 2016, e por isso aquela obrigou-se a cumprir deveres contratuais, na pessoa dos advogados ali mandatados.
XV - A Recorrida não cumpriu um prazo perentório, não apresentando em tempo útil a prestação de contas, deixando deste modo caducar o exercício de um direito legitimo da Recorrente.
XVI - Malogrando-se assim, as pretensões da Recorrente que haviam sido confiadas à Recorrida, na pessoa dos seus sócios, Advogados, saindo frustradas, por conduta ilícita e culposa destes últimos, conforme resulta comprovado da Douta Sentença recorrida.
XVII - A responsabilidade civil contratual tem como pressupostos a inexecução da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade, pressupostos estes que se verificam, conforme aliás sobressai da Decisão agora posta em crise.
XVIII - No âmbito do mandato, obriga-se o mandatário a praticar um ou mais atos jurídicos por conta do mandante conforme previsto no art.º1157.º do Código Civil, e, essa obrigação constitui objeto essencial desse contrato.
XIX - A obrigação a que se vincula o advogado é uma obrigação de meios e/ou de resultado, ou seja, o advogado tem de empenhar os seus melhores esforços para atingir o resultado pretendido pelo cliente. Estabelece-se, deste modo, uma relação de confiança recíproca entre o advogado e o seu cliente, que é basilar no exercício da profissão forense.
XX - Encontrando-se o mandatário investido de poderes de representação de acordo com o previsto no art.º1178.º do Código Civil, como sucede no caso do mandato forense, ou seja, os atos jurídicos são realizados em nome do mandante e produzem os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
XXI - Ora no âmbito do contrato de mandato são obrigações do mandatário os atos descritos nos artigos 1157º e 1161º alínea a) ambos do Código Civil, de onde decorre a obrigatoriedade de estudar cuidadosamente e tratar zelosamente as questões de que esteja incumbido, obrigando-se o mandatário a praticar os atos necessários e suficientes, de acordo com as boas práticas jurídicas, éticas e deontológicas, com vista à defesa zelosa dos interesses e direitos dos seus constituintes, o que resulta comprovado não ter sucedido in casu.
XXII - Cabe ao Advogado desenvolver uma atividade profissional tecnicamente qualificada, escolhendo e utilizando os meios mais idóneos com vista a conseguir o resultado pretendido pelo mandante, o que se frustrou.
XXIII - A este propósito veja-se Orlando Guedes da Costa, no seu livro Direito Profissional do Advogado, Noções Elementares, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, pág. 367, relativamente ao Advogado refere existir “ obrigação de resultado quando ele aceita instaurar a acção antes de decorrido o prazo de prescrição ou contestá-la ou interpor um recurso ou praticar determinado acto jurídico, dentro do prazo, por forma a não ficar precludido o direito a praticar tais actos, pois o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso destas obrigações de resultado afectam directamente o cliente e o Advogado, em termos de desencadear directamente a responsabilidade deste para com o cliente.”[Itálico nosso]
E no caso sub judice os prejuízos encontram-se devidamente contabilizados e comprovados até por documento autêntico (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) junto aos autos, e resulta comprovado o cumprimento defeituoso por parte da Recorrida, pelo que a Decisão proferida e ora recorrida deveria ser a oposta, tanto mais que a mesma contempla a solução de direito adequada e aplicável ao caso.
XXIV - Conforme é consabido o art.º798º do Código Civil refere que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
XXV - Segundo o preceituado no art.º799º, n.º1 do C.C. é do domínio da responsabilidade contratual a culpa da Recorrida ao não apresentar tempestivamente as contas da aqui Recorrente no âmbito da citada Ação para prestação de contas, encontrando-se provada a culpa da Recorrida no incumprimento da obrigação a que se encontrava adstrita, tratando-se assim de uma presunção juris tantum.
XXVI - Entende-se assim, que nos encontramos perante o incumprimento imputável à Recorrida, em virtude dos seus sócios, enquanto mandatários da Recorrente não terem agido com a prudência necessária, com a perícia e diligência exigível de molde a que esta última tivesse podido obter o resultado pretendido e evitar qualquer condenação, vedando-lhe a Recorrida com a sua conduta o direito e oportunidade de exercer o seu direito, a tempestivamente, apresentar as suas contas e contestar a Ação Especial de Prestação de Contas.
XXVII - Sendo que, a Recorrida causou danos à mandante, concretamente por não ter em tempo útil, praticado o ato processual de prestação de contas, fazendo precludir a possibilidade daquela fazer valer os seus direitos, para mais fazendo o uso indevido de documentos “atestados médicos” que valeram para justificar a impossibilidade de comparência da Recorrente no âmbito de um outro processo, noutro período temporal, o que foi feito à sua revelia.
XXVIII - Verificando-se assim, indiscutivelmente, um nexo de causalidade entre a conduta ilícita, culposa e omissiva dos Advogados, sócios da Recorrida, e os danos (a não obtenção dos resultados pretendidos) causadas à aqui Recorrente.
XIX - Neste sentido vide Acórdão do STJ proferido, em 04-12-2012, no âmbito do Processo N.º289/10.7TVLSB.L1.S1, 1ª Secção, em que é relator o Juiz Conselheiro Alves Velho, que refere que:
“(...)IX - Os danos a ressarcir ao lesado, emergentes do cumprimento defeituoso do mandato forense, deverão corresponder à prestação devida, que o advogado não efectuou, com que fez perder ao mandante a “chance” de evitar um prejuízo, no caso, de impedir a perda da indemnização negada pela sentença cujo recurso foi ilicitamente omitido.(...)” [Itálico nosso]
Também no caso em análise para além da possibilidade de a Recorrente vir a obter um saldo positivo a seu favor, fosse de que valor fosse, a perda de chance de apresentar contas coartou o seu direito e impediu-a de prestar contas, ou melhor, apresentou-as extemporaneamente, o que levou à sua condenação no pagamento de € 35.000,00 à ali Requerente, importando esse mesmo prejuízo na sua esfera jurídica.
XXX - Assim, encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil profissional dos Advogados, sócios da Recorrida e que a obrigam a ressarcir a Recorrente indemnizando-a no valor peticionado.
XXXI - Se a própria Sentença reconhece que a Autora sofreu danos patrimoniais, que a conduta da Recorrida foi ilícita e culposa, então como é possível não ter sido julgada totalmente procedente a presente Ação e Pedido, uma vez que existindo danos os mesmos terão de ser considerados, até porque são dados como factos assentes provados, devendo necessariamente ser ressarcidos.
XXXII - Até porque como decorre do art.º483º do Código Civil, a obrigação de indemnização implica que o comportamento culposo do agente seja causa dos danos sofridos, ou seja, que haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano, o que resulta indiscutivelmente provado.
XXXIII - A conduta dos sócios da Recorrida consistente na não apresentação atempada da prestação de contas da Recorrente foi adequada a produzir os danos alegados e comprovados, e como é sabido o nexo de causa/efeito entre o facto e o dano é um dos requisitos da obrigação de indemnizar.
XXXIV - Ora in casu, existe culpa por parte da Recorrida, conforme decorre do preceituado no art.º 487º, n.º2 do Código Civil e deverá ser aplicada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil de acordo com o art.º799º, n.º2 do Código Civil.
XXXV - Existindo por parte da Recorrente, caso a Recorrida tivesse prestado contas, e agido de forma diligente na execução do mandato que lhe havia sido conferido, não só uma forte probabilidade de vencimento da ação, que se traduziria no evitamento de qualquer prejuízo e ter-se-ia evitado a interposição de Recursos por parte da aqui Recorrente, bem como uma forte probabilidade de evitar a condenação de que foi alvo.
Na verdade a Recorrida esgotou a oportunidade de a Recorrente exercer o seu direito, e quiçá ser absolvida no âmbito da Ação de Prestação de Contas, parcial ou totalmente e, ou, alcançar a condenação da Requerente naquele Processo.
XXXVI - Existe claramente contradição entre a Fundamentação de facto e de Direito e Decisão que enferma de claro erro.
XXXVII - No nosso modesto entendimento, os factos dados como provados na Sentença recorrida impunham ao Douto Tribunal a quo uma decisão diversa da adotada, resultando da mesma notória contradição de fundamentação de facto e de direito e o claro erro de Decisão, padecendo de nulidade ao abrigo do preceituado no art.º615º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil.
De onde resulta que o teor da Douta Sentença recorrida é manifestamente contraditório!!
XXXVIII - A Sentença recorrida, de entre outros vícios, padece de contradição entre a fundamentação e a solução adotada, pelo que tal só poderá reconduzir à sua nulidade de acordo com o previsto no supra mencionado preceito legal.
Por tudo quanto se deixou dito, do teor da Sentença recorrida em momento algum se alcança quais os fundamentos que conduziram à decisão prolatada, uma vez que a fundamentação e os factos dados como provados só poderiam reconduzir inequivocamente à condenação da Recorrida no pedido e à total procedência da Ação.
XXXIX - Da sentença ora posta em crise pode assacar-se-lhe uma outra causa de nulidade, que é a constante do mesmo preceito legal, na sua alínea d), que in casu se traduz na total ausência de pronúncia por parte do Tribunal a quo sobre o valor do pedido concretamente deduzido pela Recorrente, isto é, o sobre o valor de € 35.000,00, debruçando-se apenas sobre parte do pedido, designadamente, custas e custas de parte.
XL - Ao deixar de se pronunciar sobre os requerimentos acima mencionados o Tribunal a quo deixou de resolver questões suscitadas pela ora recorrente, dever que sobre aquele impendia com base no disposto nos artigos 608º e 609º do Código de Processo Civil, tendo consequentemente, violado tais artigos.
XLI - Da sentença ora posta em crise pode assacar-se-lhe uma outra causa de nulidade, que é a constante do mesmo preceito legal, na sua alínea d), que in casu se traduz na total ausência de pronúncia por parte do Tribunal a quo sobre 4 requerimentos apresentados pela recorrente, no
XLII - Ao deixar de se pronunciar sobre os requerimentos acima mencionados o Tribunal a quo deixou de resolver questões suscitadas pela ora Recorrente, dever que sobre aquele impendia com base no preceituado no artigos 608º, n.º2 do Código de Processo Civil, tendo consequentemente, violado tal preceito legal.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, que Vosssas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, sem consequência ser a Douta Sentença recorrida declarada nula por violar o disposto nos artigos 615º, n.º1, alíneas c) e d) e 608º, n.º2 ambos do Código de Processo Civil e, consequentemente, ser substituída por outra Sentença que julgue a presente acção totalmente procedente por provada e, que condene a Recorrida na totalidade do pedido formulado pela Recorrente.
Assim se fazendo JUSTIÇA!


3. Contra-alegou a recorrida defendendo a improcedência do recurso.

4. OBJECTO DO RECURSO

Como se viu, no caso, apela-se da sentença que conheceu do mérito da acção, circunscrevendo-se o objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) à apreciação das seguintes questões:
4.1. Se a sentença enferma de nulidade , nos termos da alínea c) do art.º 615º, n.º 1 do CPC, por contradição entre a fundamentação de facto e a de direito, e se enferma de nulidade à luz da alínea d) do mesmo normativo por não se ter pronunciado quanto à (im) procedência de um dos pedidos formulados
4.2. Da solução jurídica alcançada na sentença: da (in) verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização em razão de responsabilidade civil profissional.


II. FUNDAMENTAÇÃO

5. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:

“FACTOS PROVADOS:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada e,

2. Os senhores Dr.ºs BB e EE são advogados e sócios da Ré.

3. A Autora é advogada.

4. Em 20 de Abril de 2016, a Autora outorgou procuração forense na qual se pode ler: «AA, casada, Advogada, NIF: ..., com domicílio profissional na Avenida ..., ... Portalegre, constitui seus bastante procuradores os Drs. BB, CC, advogados, DD e EE, advogados estagiários, a quem, com os de substabelecer, confere os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, no âmbito do patrocínio nos autos de prestação de contas que correm seus termos na Comarca de Portalegre, Portalegre, Instância Central, Secção Cível e Criminal, J1, sob o processo n.º 291/06.3TBPTG-M».

5. Pese embora, a Autora tenha outorgado procuração a favor de vários advogados, apenas contactou com o Dr. BB, o qual lhe apresentou, numa das várias reuniões no seu escritório, o Dr. EE, àquela data na

6. qualidade de seu advogado estagiário.

7. A primeira intervenção da Ré no processo n.º 291/06.3TBPTG-M ocorreu em 24 de Abril de 2016, com a interposição de recurso de apelação da sentença que determinava que a aqui Autora deveria prestar contas naquele processo.

8. Em 21 de Fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, o Dr. BB, na qualidade de mandatário da aqui Autora, foi notificado, via citius, para apresentar contas, no prazo de 20 dias, ao abrigo do previsto no artigo 942.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

9. Após ter sido notificado para apresentar contas, a Ré agendou uma reunião com a Autora, em finais de Fevereiro de 2017, no escritório sito na Av. ..., para analisar o processo.

10. No dia 17 de Março de 2017, entre as 18h32m e as 18h36m, a Autora remeteu para o endereço electrónico ..., três e-mails, sendo que no primeiro se pode ler:

«Boa tarde Doutor BB

Porque me parece que o prazo para prestar contas está a terminar, e conforme lhe havia transmitido, estão identificados os montantes para apresentar na prestação de contas, os quais seguem agora, a fim de que possa utilizá-los no âmbito do aludido processo.

Seguem, também digitalizados os documentos que deverão acompanhar a listagem e acrescem ainda os seguintes documentos que fazem parte do processo 188 que me enviou:

Docs. 1; 2;3;4;5;9;11;14;15;16;20;21;22;23;24;25;27 e 29

Os quais não se encontram ainda inseridos na folha de excel que agora lhe enviamos e que deverão ser aditados e somadas as respectivas quantias.

Com os melhores cumprimentos,

AA» e, nos outros dois emails foram remetidos os documentos que, por excederem a capacidade não puderam ser enviados num só email.

11. A Autora recepcionou do endereço electrónico ... uma mensagem dando conta que o e-mail referido em 9.º havia sido lido no dia 17 de Março de 2017, pelas 19h03m.

12. Na sequência do envio do e-mail referido em 9.º, a Autora contactou o escritório da Ré, com o propósito de se inteirar do ponto de situação, e nessa sequência foi-lhe transmitido, por uma funcionária, que a Ré havia recepcionado o aludido e-mail.

13. Uma vez que foi confirmada a recepção dos e-mails e dos documentos anexos, ficou a Autora tranquila, acreditando que as contas seriam prestadas, naqueles autos, tempestivamente.

14. No dia 24 de Março de 2017, o senhor Dr. EE remeteu aos autos que corriam seus termos sob o n.º 291/06.3TBPTG-M um requerimento, no qual se poderia ler que:

«AA, Requerida no processo supra referenciado, vem informar V. Exa que, durante o prazo concedido para a prestar contas, nos termos do douto despacho proferido com a referência n.º 27821000, encontrava-se com um quadro clínico grave, ficando incapacitada, inclusive, de colaborar com os seus Mandatários, nomeadamente de juntar toda a documentação, já de si antiga e dispersa, justificativa das suas contas – cfr. três atestados médicos que ora se junta.

Apenas hoje, ao final do dia, chegou ao conhecimento dos Mandatários de todas as contas que a Requerida deve prestar, nos presentes autos.

Nesses termos por se tratar de um evento não imputável à Requerida nem aos seus Mandatários, que obstou à prestação atempada de contas, estamos perante uma clara situação de justo impedimento, nos termos do art.º 140º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Ainda que assim não se entenda, requer-se a V. Exa. a junção aos autos da conta corrente e de 32 (trinta e dois) documentos justificativos, nos termos do art.º 946º do C.P.C.»

15. Para justificar o justo impedimento invocado, foram juntos aos autos os atestados médicos que a Autora tinha, anteriormente, entregado à Ré para serem juntos no processo n.º 188/09.5TBPTG, que correu seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal – Juiz 1, do Tribunal Judicial de Portalegre.

16. O requerimento de justo impedimento foi remetido pelo senhor Dr. EE, tendo sido subscrito pelo senhor Dr. BB, no dia 30 de Março de 2017.

17. Em 3 de Abril de 2017, o Tribunal notificou, no âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, a parte contrária para se pronunciar relativamente à extemporaneidade e à invocação do justo impedimento.

18. Em 13 de Abril de 2017, a ora Autora junta ao processo n.º 291/06.3TBPTG-M o requerimento, com o seguinte teor:

«AA, Ré nos presentes autos, vem deste modo informar Vª Exª que, revoga a procuração forense que outorgou aos Exmºs Senhores Doutores BB, DD e EE, todos com escritório na Av. ..., ... Lisboa e que se encontra junta nestes Autos e eventuais substabelecimentos».

19. Em 19 de Abril de 2017, os senhores Dr.s BB e EE renunciaram ao mandato outorgado pela aqui Autora.

20. Por requerimento, de 17 de Maio de 2017, a aqui Autora manifestou o propósito em intervir processualmente em causa própria.

21. Em 29 de Maio de 2017, a aqui Autora foi notificada do despacho com o seguinte teor: «(…)Por despacho proferido em 20 de Fevereiro de 2017 foi determinado que a requerida fosse notificada para apresentar as contas no prazo de vinte dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que a requerente pudesse vir a apresentar. Em 21 de Fevereiro de 2017 foi dado cumprimento ao referido despacho, tendo sido expedida a referida notificação (acto a que corresponde a referência 27821000).

A requerida não apresentou contas no sobredito prazo de vinte dias, cabendo decidir se em face dos elementos constantes dos autos pode ser admitida a apresentar contas fora de prazo por ter ocorrido a invocada situação de justo impedimento. (…)

Em consequência do exposto, por carecer de qualquer fundamento legal, e sem necessidade de fundamentação acrescida, indefiro ainda a segunda pretensão da requerida, qual seja, a de admissão da prática do ato fora de prazo, ainda que esteja inverificada a situação de justo impedimento, pois tal não é admissível como a requerida e os seus mandatários não podem desconhecer.

Custas do incidente, pelo mínimo, a cargo da requerida.».

22. Em 8 de Junho de 2017, a aqui Autora remeteu ao processo n.º 291/06.3TBPTG-M o requerimento com o seguinte teor:

«AA, Requerida no processo acima referenciado, vem, na sequência de notificação que antecede, com a referência 28033666, datada de 29-05-2017, pronunciar-se sobre o Douto Despacho, datado de 25-05-2017, com a referência n.º 28022498 que a integra, o que faz nos seguintes termos:

Importa esclarecer, antes de mais, que os três atestados médicos mencionados no Douto Despacho acima identificado, foram utilizados pelos Ilustres mandatários da requerida, àquela data, à sua inteira revelia, para fundamentar o justo impedimento na apresentação extemporânea da prestação de contas, extemporaneidade essa que a requerida é alheia e para a qual não contribuiu.

Apesar de conhecedores da extemporaneidade na apresentação da prestação de contas, o que é certo é que os então Mandatários da requerida efectivamente deram entrada nos Autos de requerimento, conta corrente e respectiva prova documental.

Como é sabido, o Tribunal não admitiu aquela apresentação de contas, por extemporânea, nem tão pouco que aquele acto pudesse vir a ser praticado fora de prazo.

Assim, e face ao supra exposto, deverão ser, consequentemente, desentranhados dos presentes Autos não só o requerimento como a conta corrente e toda a prova documental que a suportava, devolvendo-se estes à requerida.

Pede para tanto,

A junção deste aos Autos e o respectivo deferimento».

23. Em 7 de Fevereiro de 2018 foi proferida sentença, na qual se pode ler, além do mais, que: «Deste modo, aceitando as contas apresentadas pela requerente, reconheço a existência de saldo favorável, no valor reclamado de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), e em face do pedido e ao abrigo do disposto no artigo 944.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, condeno a requerida no pagamento da importância daquele saldo, com a cominação a que se reporta o sobredito preceito legal.

Custas a cargo da requerida (art. 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Fixo à acção, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 298, n.º 4, e 299º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o valor de € 418.500,09 (valor da receita apurada).

Registe e notifique.»

24. Em 22 de Fevereiro de 2018, a ora Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo para o efeito procedido ao pagamento da competente taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).

25. Em 28 de Junho de 2018, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora que julgou procedente a apelação e declarou nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto, a decisão recorrida, ordenando que fosse proferida nova decisão, suprindo-se a nulidade em causa.

26. Em cumprimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 15 de Outubro de 2018, foi proferida nova sentença, na qual se decidiu que:

«Pelos fundamentos de facto e de direito expostos, julgo parcialmente procedente por provada a ação, e aceitando parcialmente as contas apresentadas pela requerente FF, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de GG, reconheço a existência de saldo favorável a favor daquela herança, no valor de € 21.500.00 (vinte e um mil e quinhentos euros), condenando a requerida no seu pagamento.

Custas a cargo da requerente e requerida na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º. nºs 1, e 2, do Código de Processo Civil).

Fixo à acção. nos temos das disposições conjugadas dos arts. 298º, nº 1, e 299º, nº 4, do Código de Processo Civil, o valor do € 4 18.500.09 (valor da receita bruta apurada).».

27. A autora, não se conformando com a decisão, interpôs recurso, em 16 de Novembro de 2018, tendo procedido ao pagamento de taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros) e,

28. Como a ali Requerente também interpôs recurso, para apresentar as suas contra-alegações, a ora Autora procedeu ao pagamento de taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).

29. Em 1 de Março de 2019, o Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão, tendo decidido pela condenação da ora Autora no pagamento da quantia de € 10.750,00 (dez mil setecentos e cinquenta euros).

30. A ali requerente recorreu do aludido acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que para a ora Autora apresentar as suas contra-alegações, teve que proceder ao pagamento da taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).

31. Em 17 de Outubro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, decidindo anular o acórdão recorrido nos seguintes termos:

«Por um lado, na parte em que conheceu de objeto diverso do pedido, determinando-se, por isso, a eliminação do segmento decisório que fixou no valor de € 10.750,00 o saldo das contas relativas ao exercício pela R. do mandato em referência na parte respeitante à representação da então interdita HH e condenou a R. a pagar à A. o referido saldo;

Por outro lado, na parte em que deixou de se pronunciar sobre as contas apresentadas pela A. a favor da herança aberta por óbito de GG, determinando-se a baixa do processo à Relação para conhecer das questões ali suscitadas, no exato domínio do julgamento dessas contas, nos termos acima expostos».

32. Em 20 de Dezembro de 2019, o Tribunal da Relação de Évora decidiu pela condenação da ora Autora no pagamento à ali Requerente da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente ao saldo apurado.

33. Não se conformando, a ora Autora, em 3 de Fevereiro de 2020, interpôs recurso de revista extraordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, liquidando para o efeito a competente taxa de justiça, no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros);

34. Em 7 de Outubro de 2020, por Acórdão transitado em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista e confirmou a sentença recorrida, melhor descrita em 27.º.

35. A Autora, no processo de prestação de contas, mesmo com a intervenção da Ré, mantinha acesso ao mesmo, através do portal citius.

36. A Ré teve intervenção, na qualidade de mandatária da ora Autora, também, nos processos n.ºs 188/09.5TBPTG e 188/09.5TBPTG-B.

37. No dia 28 de Janeiro de 2020, a Ré instaurou contra a Autora o processo executivo nº 124983/18.9YIPRT.1, para cobrança de honorários.

38. Em 20 de Abril de 2016, a Ré não tinha seguro válido de responsabilidade civil.

39. No âmbito do processo n.º 291/06.3TBPTG-M, as custas processuais finais a cargo da ora Autora fixaram-se em € 15.062,30 e as custas de parte em € 4.651,20.

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FACTOS NÃO PROVADOS:

Com relevância para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

A- Numa das consultas havidas entre a Autora e o Dr. BB, nos escritórios da Ré, em data anterior ao terminus do prazo peremptório mencionado em 7.º dos factos provados, foram facultados a este último todos os documentos e elementos necessários para que a pudesse representar no processo n.º 291/06.3TBPTG-M que corria seus termos pelo Juízo Central Cível e Criminal – J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre.

B- Em momento anterior ao terminus do prazo peremptório mencionado em 7.º dos factos provados, o Dr. BB deixou de atender as chamadas telefónicas encetadas pela Autora e quando esta ligava para o escritório da Ré era informada pelas funcionárias forenses que aquele advogado não estava no escritório e que o informariam do seu contacto telefónico.

C- A Autora remeteu o e-mail referido em 9.º dos factos provados, por mera cautela, já que o Dr. BB já se encontrava na posse dos elementos que lhe permitiriam prestar contas.

D- A Ré, insistiu por variadas vezes junto da Autora, através de contacto telefónico, após a reunião referida em 8.º e no decurso do prazo peremptório mencionado em 7.º, para que esta enviasse toda a documentação necessária, por forma que a peça de prestação de contas fosse devidamente elaborada e remetida aos autos.

E- No dia 24 de Março de 2017, a Autora foi contactada, telefonicamente, pelo sr. Dr.º BB que lhe transmitiu que, só naquele próprio dia, tinha remetido aos autos a prestação de contas e que, à revelia da Autora, para justificar a extemporaneidade do acto processual tinha invocado o justo impedimento daquela, utilizando para o efeito os atestados médicos mencionados em 14.º.

F- Caso tivessem sido prestadas as contas, resultaria o valor de € 51.355,62 (cinquenta e um mil trezentos e cinquenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), que se traduziria num saldo positivo a favor da ora Autora.

G- A Autora serve-se da presente acção como acto de resposta à acção executiva que corre seus termos pelo Juízo Local Cível–Juiz 2, do Tribunal Judicial de Portalegre, sob o n.º 124983/18.9YIPRT.1, proposta pela Ré contra aquela pelos honorários não pagos.”.

6. Do mérito do recurso

6.1. Da imputada nulidade da sentença à luz das alíneas c) e d) do nº1 do art.º 615º do CPC.

A apelante aponta à sentença os vícios descriminados nas alíneas c) e d) do nº1 do artº 615º do CPC, normativo que comina a sentença de nula quando : “ (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

No que concerne à nulidade a que alude a alínea c) do nº1 do artº 615º reporta-se aos casos em que os fundamentos invocados deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença alcança.
A contradição exigida pelo normativo em análise não se reporta à contradição entre os fundamentos de facto entre si mas, sim, à contradição entre os fundamentos de facto e o direito: quando aqueles apontam para um determinado sentido e a decisão para outro, oposto.
Analisando a decisão recorrida constata-se que nada disso sucede: a decisão de absolvição da Ré é o corolário do que ficou provado.

Efectivamente, resulta com clareza de tal decisão que o Tribunal “ a quo” considerou que para ser indemnizado, “ao lesado caberá demostrar a prática de acto ilícito, a verificação do dano final, bem como a considerável probabilidade de obtenção de ganho de causa, que se frustrou por força da falta cometida pelo mandatário forense” sendo que, no seu entendimento, esta última realidade não resultou de todo provada.

Por consequência, fenecendo, no entender do Tribunal “a quo”, um dos pressupostos da reclamada obrigação de indemnização, o desfecho não poderia deixar de ser a absolvição da Ré.

Argumenta, também, a apelante que a sentença padecerá do vício de omissão de pronúncia (artº 615º nº 1, al. d)) por o Tribunal não ter pronunciado sobre a (im) procedência do pedido de condenação da Ré no pagamento da quantia de € 35.000,00 em que a Autora havia sido condenada no processo e tão-só sobre o pedido do pagamento das taxas de justiça e custas.

Desde já se diga que do dispositivo da sentença consta expressamente a decisão de absolvição da Ré do “contra si peticionado pela Autora”, ou seja, da integralidade dos pedidos formulados.

Além do mais, o que da fundamentação resulta é a explicação consistente das razões pelas quais a pretensão de a apelante ser reembolsada das taxas de justiça e custas jamais poderia proceder: “Ora, no que respeita ao elevado valor das custas processuais e custas de parte, o mesmo deve-se em grande medida aos custos associados aos vários recursos interpostos nos presentes autos e esses mesmos recursos não podem ser considerados causa adequada, directa e necessária do comportamento do mandatário incumpridor, ora ré”.

Em suma: Não ocorrem quaisquer vícios da sentença susceptíveis de conduzirem à sua nulidade, maxime os apontados pela apelante.

6.2. Dos pressupostos da obrigação de indemnização em razão de responsabilidade civil profissional.

Inconformada por a sociedade de advogados Ré não ter apresentado tempestivamente as contas que a ora apelante havia sido condenada a prestar no processo n.º 291/06.3TBPTG-M. pretende, em primeira linha, a mesma Autora ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes do desfecho da sentença que as julgou e que a condenou no pagamento da quantia € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente ao saldo apurado.

Porém, o Tribunal “a quo” indeferiu a sua pretensão por entender que não se havia provado “que, ainda que tivessem sido prestadas as contas, resultaria o valor de € 51.355,62, que se traduziria num saldo positivo a favor da ora Autora e, destarte não nos é possível afirmar que existia uma probabilidade séria de a Autora ver as suas contas julgadas como boas e daí resultar o resultado que pretendia”.

Vejamos então.

Como é sabido, são pressupostos da responsabilidade civil contratual: o facto objectivamente ilícito consistente na inexecução da obrigação; a culpa do agente na produção do facto; a existência de prejuízo para o credor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo, todos de verificação conjunta ( artºs 798º º e 483º do Cód.Civil.) .

Comecemos pelo requisito da ilicitude.

O termo do prazo de apresentação das contas era dia 16.3.2017, sendo que as mesmas apenas foram apresentadas pela Ré no dia 24 desse mês, o que, por si só, constitui um facto ilícito por se consubstanciar na violação de um dever de zelo a que o advogado está estatutariamente adstrito ( cfr. art.º 100º, nº1 b) do E.O.A. constante da Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro).

Tal acto presume-se culposo (art.º 799º do Cód. Civil).

Terá a Ré logrado ilidir a presunção de culpa que sobre si recai por se ter demonstrado que os elementos necessários à apresentação das contas só lhe foram remetidos pela Autora no “dia 17 de Março de 2017, entre as 18h32m e as 18h36m” – cfr. ponto 9 – ?

Naturalmente que esta (como outras respostas) se têm de buscar nos factos concretos alegados (e que resultaram provados).

E, para tanto, era mister que a Ré tivesse demonstrado não lhe ser exigível a apreciação de tais elementos e a elaboração das contas[1] nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, durante os quais poderia praticar o acto mediante o pagamento de uma multa (art.º 139º, nº 5 do CPC).

É que a apresentação das contas pode-se revelar uma tarefa complexa caso haja muitas receitas e/ou muitas despesas a inscrever e o período de tempo a abranger seja significativo.

Mas, como dissemos, nada disso foi alegado e demonstrado pela Ré, como era, aliás, seu ónus perante a presunção de culpa que sobre si recai (art.º 344º, nº1 conjugado com o art.º 342º, nº1, ambos do Cód. Civil).

Por isso, temos de concluir, perante o quadro fáctico apresentado, ser culposa a conduta omissiva da Ré que imprudentemente negligenciou os seus deveres deontológicos, posto não poder desconhecer a cominação e consequências decorrentes da não apresentação tempestiva das contas e que é a que consta quer do nº5 do art.º 942º, quer da 1ª parte do nº2 do art.º 943º, ambos do CPC.

Resta-nos apreciar se ocorre nexo de causalidade entre a omissão de apresentação das contas e a condenação da ora Autora proferida nesse processo e por cujo valor pretende ser aqui indemnizada.

O art.º 563º do CC consagra, como é pacífico na doutrina e jurisprudência, a teoria da adequação.

Porém, como nos dá nota Pedro Pitta e Cunha Nunes de Carvalho[2] esta teoria da adequação comporta inúmeras variantes (consistindo em tentativas de limitação dos excessos da teoria da equivalência das condições ) .

A versão mais corrente entre nós, como igualmente refere aquele autor, será aquela segundo a qual deve ser tida como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência, e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente ( tendo em consideração as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis pelo agente) se mostrava apta , idónea ou adequada a produzir esse dano.

Ora, não se pode afirmar que a não apresentação das contas pelo R. seja, por si só, adequada a determinar a sua “condenação” numa acção de prestação de contas pois a única cominação que lhe está associada é a de não ser admitido a contestar as que o Autor apresente (restrição ao contraditório)- cfr. art.º 942º, nº5 e 943º, nº2 do CPC.

De resto, como deste último normativo consta, as contas serão julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.

Para tanto, “o juiz começa por analisar as diferentes verbas de receita e de despesa, após o que chegará a uma de duas conclusões: a) ou algumas dessas verbas , segundo a sua experiência, lhe provocam reparos ou suscitam dúvidas quanto à sua existência e quantificação ; b) ou as verbas lhe parecem todas razoáveis, exactas e verosímeis”.
“Na primeira eventualidade ( al.a) ) cabe ao juiz reunir os elementos de que precisa para se esclarecer, em cumprimento do princípio do inquisitório estipulado nos art.ºs 943º, nº2 e 411º. Assim, poderá o juiz, designadamente: a) obter informações e/ou documentos junto de terceiros ( art.º 417º, nº1 , 432º e 436º) ; b) obter informações e/ou documentos junto das partes ( art.º 417º, nº1 e 7º, nº1); c) nomear perito para lhe dar parecer sobre parte ou todas as verbas inscritas pelo autor ( art.ºs 467º, nº1 e 360º, nº4); convidar o autor e o réu a indicarem testemunhas sobre as verbas ( art.sº 6º, nº1, 411º e 943º, nº2)[3].”.

Por conseguinte, “na economia da acção especial de prestação de contas o prudente arbítrio inscreve-se na apreciação das provas pelo juiz, devendo este utilizar dados da experiência comum, permitindo-lhe valorar a prova trazida para os autos em termos bastante mais flexíveis do que numa mera análise estrita da prova, segundo os critérios de certeza judicial. Na concretização desse raciocínio há-de o juiz atender à verosimilhança do facto em apreciação, sendo verosímil o que corresponde ao funcionamento normal das coisas, às regras da experiência e ao senso comum, numa apreciação sensata e prudente”.

Aqui chegados, o que se constata é que a apelante perdeu a oportunidade de ela própria apresentar as contas e de exercer o contraditório relativamente às que o autor viesse a apresentar mas não que o julgamento das contas tivesse outro desfecho caso tal tivesse sucedido.

Efectivamente, não há o mínimo de evidência que a ora Autora tenha perdido a oportunidade (a chance) de o saldo das mesmas lhe ser favorável ou que tenha sido desfavorável porque não as contestou.

Isto pressupõe a realização do ‘julgamento dentro do julgamento”, ou seja, a apreciação, na posição virtual do tribunal que teria julgado a prestação de contas, sobre a probabilidade de sucesso razoável das que seriam apresentadas pela aí Ré (que não o foram em consequência do acto ilícito e culposo do seu mandatário), mediante uma prognose póstuma sobre o resultado das mesmas.

Não há quaisquer factos, porque não foram alegados, que nos permitam fazer o tal “julgamento dentro do julgamento “ e, por isso, não se pode fazer tal juízo de prognose acerca da existência de uma mínima probabilidade de a ora Autora não ter sido condenada no saldo apurado de acordo com o “ prudente arbítrio” .

Ora, o STJ no seu AUJ n.º 2/2022, de 26 de Janeiro [4] afirma precisamente isto : “(…) a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.”.

Ficando por demonstrar tal nexo de causalidade, falta um dos pressupostos (cumulativos) da responsabilidade civil que elencámos e por isso, como decidido na 1ª instância, a acção não tinha como proceder.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente e em manter a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Évora, 15 de Junho de 2023
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Manuel Bargado
Albertina Pedroso

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[1] Que devem ser apresentadas sob a forma de conta corrente , com especificação das receitas , das despesas e do saldo entre umas e outras.

[2] In “Omissão e Dever de Agir em Direito Civil”, pag. 56 e segs.

[3] In Código de Processo Civil anotado de Abrantes Geraldes e outros, vol. II. pag.416.

[4] Publicado no DR nº 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 – 42 e que estabeleceu uniformização no sentido de que "O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade",