Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1907/16.9T8PTM.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: N
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: I – Assumem carácter regular e periódico as prestações pagas durante, pelo menos, onze meses do ano;
II – Todavia, não obstante poderem assumir carácter regular e periódico, não têm natureza retributiva as prestações pagas pelos CTT a título de compensação especial e abono de viagem/marcha, uma vez que não são contrapartida da prestação do trabalho, antes se apresentam como compensação de despesas do trabalhador;
III – Os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicáveis o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, ou no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, ou no artigo 337.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil;
IV – Os referidos juros de mora são devidos desde o vencimento de cada uma das prestações já que estão em causa obrigações com prazo certo, sendo a iliquidez meramente aparente, uma vez que o devedor sabe, ou pode saber, quanto deve ao trabalhador.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1907/16.9T8PTM.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB, identificado nos autos, intentou na Comarca de Faro (Portimão – Inst. Central – Sec. Trabalho – J1), a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CTT – Correios de Portugal, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
«I – A quantia de € 6.189,77 relativa à retribuição correspondente à média anual da retribuição relativa a subsídios de compensação especial, trabalho suplementar e nocturno, subsídio de divisão, transporte de pessoal, subsídio de compensação especial, subsídio de condução e demais subsídios, não pagos pela ré, no mês de férias, respectivos subsídios de férias e de Natal, nos anos de 1992 a 2003 e ainda a quantia que se vier a apurar, após a junção dos elementos solicitados ao abrigo do disposto no art.º 429º do C.P.C.;
II – Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal para cada ano, acrescendo os reportados às quantias supra mencionadas, e a vencer desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à disposição do autor, contabilizados até integral e efectivo pagamento, que neste momento em relação aos anos de 1992 a 2003 atingem o montante de € 5.972,53;
III – Juros à taxa legal de 5%, previstos no artigo 829º-A, nº 4 do CC, relativos aos valores pecuniários supra mencionados, desde o trânsito em julgado da decisão até integral e efectivo pagamento.»
E, para o caso de se vir a entender que o abono de viagem que lhe era pago visava apenas compensar as despesas do mesmo com o veículo próprio, pediu a condenação da ré a pagar-lhe:
«VI – O valor de € 1.386,66 (…) – ou caso assim não se entenda o que se vier a apurar em execução de sentença – valor correspondente ao subsídio de condução relativamente aos meses/dias de trabalho em que o autor se deslocou em distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos entre 1992 e 2003;
VII – Os valores referentes ao subsídio de condução, relativamente aos meses de trabalho em que o autor se deslocou em distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos, que se vencerem desde a data da propositura e a data do trânsito em julgado da presente decisão, valores a liquidar em execução de sentença;
VIII – Integrar para futuro, após trânsito em julgado da presente acção, o subsídio de condução na retribuição do autor, sempre que este se desloque para efectuar a distribuição de correio, implicando a condução de veículos automóveis ou motociclos independentemente da propriedade dos mesmos e de acordo com o valor diário previsto pelo AE/CTT em vigor;
IX – A quantia de € 1.386,66 (…) – ou caso assim se não entenda o que se vier a apurar em execução de sentença – relativamente à média anual da retribuição correspondente ao subsídio de condução nos moldes supra indicados, não paga pela ré ao autor no mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1992 a 2003;
X – Juros de mora vencidos e vincendos, reportados às quantias supra mencionadas, relativas ao subsídio de condução enunciado nos pontos VI, VII e IX, a vencer desde a data de citação da presente contabilizados até integral e efectivo pagamento;
XI – Juros à taxa legal de 5%, previstos no artigo 829-A, nº 4 do CC, relativos aos valores pecuniários supra mencionados em VI, VII e IX, desde o trânsito em julgado da decisão até integral e efectivo pagamento.»
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 16-02-1992, passando desde essa data a desempenhar as funções de carteiro ao serviço da mesma ré, ultimamente na Estação de Correios de …, sendo associado do Sindicato Independente dos Trabalhadores da Informação e Comunicação (SITIC), pelo que à relação laboral se aplica a PRT publicada no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 28, 29-07-77, o Acordo de Empresa (AE) outorgado entre a ré e o referido sindicato, publicado no BTE n.º 24, de 29-06-1981, com as alterações posteriores.
Ao longo da relação laboral recebeu, de forma regular e periódica, prestações várias, tais como subsídio de compensação especial, por trabalho suplementar e nocturno, subsídio de divisão, transporte de pessoal, subsídio de compensação especial e subsídio de condução, devendo tais importâncias integrar a retribuição e ser incluídas no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Indicou o valor da acção de € 12.162,30.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, foi a ré notificada para, querendo, contestar a acção, o que veio a fazer.
Para tanto, na contestação defendeu-se excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a existência de abuso do direito por parte do autor quanto aos juros de mora peticionados (uma vez que até à data da propositura da acção nunca o Autor manifestou discordância quanto à forma como a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal estava a ser paga) e, ainda que assim se não entenda, que os juros de mora apenas são devidos desde o trânsito em julgado da decisão, pois só com esta os créditos se tornaram líquidos, ou, ainda que assim se não entenda, que os juros só são devidos desde a citação, pois só com esta foi dado conhecimento à ré dos créditos reclamados pelo autor, ou, finalmente, para o caso de assim se não entender, que os juros de mora vencidos há mais de 5 anos sobre a citação se encontram prescritos; (ii) por impugnação, e quanto às peticionadas diferenças na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, alegando que sempre pagou tais prestações de acordo com os critérios legais e convencionais, não fazendo parte do conceito legal de retribuição as prestações aludidas pelo Autor.
Concluiu, por isso, pela procedência das excepções ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos pedidos.

Respondeu o Autor, a pugnar pela improcedência das excepções e, enfim, a reafirmar o constante da petição inicial.

Entretanto, as partes vieram juntar acordo escrito quanto à matéria de facto alegada que consideravam (consideram) assente e relevante para a decisão da causa.

Seguidamente foi proferido saneador-sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Em face do supra exposto julga-se a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada e, em consequência:
a) Condena-se a ré “CTT – Correios de Portugal, S.A.” a pagar ao autor BB, as diferenças na remuneração de férias e nos subsídios de férias e de Natal, no período compreendido entre janeiro de 1993 e dezembro de 2003, relativas à média anual das retribuições relativas a subsídios de compensação especial, trabalho suplementar e noturno, subsídio de divisão, subsídio de chefia, subsídio de condução e abono viagem auto e demais subsídios regularmente pagos pela ré, montante global de € 6.039,66 (seis mil e trinta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), sendo devidos juros de mora, à taxa legal sucessivamente em vigor, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento.
b) Condena-se ainda a ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos resultantes do artigo 829º-A, nº 4 do Código Civil, ou seja, no pagamento de juros de 5% ao ano sobre todas as quantias em dívida, a partir do trânsito em julgado desta decisão e até efetivo e integral pagamento.
c) Absolve-se a ré do demais peticionado.
d) Custas a cargo de autor e ré, em função do respetivo decaimento, que se fixa na proporção de 2/100 para o primeiro e 98/100 para a segunda (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º, nº 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).
e) Fixa-se à ação o valor de € 12.162,30 (cf. artigos 297º, nº 1 e 306º do Código de Processo Civil)
g) Registe e notifique».

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«a. Na petição inicial o Recorrido reclama a inclusão das médias dos subsídios trabalho nocturno, horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, compensação especial (telefone),subsídio de condução, subsídio de divisão, abono função trabalhador SEC/CRER, abono km e abono de viagem e marcha auto, nas quantias pagas durante os mencionados anos a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
b. Até 2003 o subsídio de Natal apenas deve incluir os montantes relativos a retribuição base e diuturnidades (aliás, tal como sucede com o entendimento relativo ao conceito de retribuição para efeitos de subsídio de Natal com a entrada em vigor do CT 2003).
c. As quantias pagas a título de trabalho nocturno, horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, compensação especial (telefone), subsídio de condução, subsídio de divisão,
abono função trabalhador SEC/CRER, abono km e abono de viagem e marcha auto revestem
carácter retributivo, mas não são tidos em conta como parte da retribuição “habitual” do Recorrido, em virtude do facto da sua existência depender de forma exclusiva da verificação de trabalho, ao abrigo de determinados condicionalismos específicos e sempre condicionada à requisição do mesmo por parte da Recorrente;
d. Na resposta à classificação de carácter regular e periódico das prestações a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça diz que “deve considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial que ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).”
e. E este mesmo critério já foi aplicado pela Relação de Lisboa em vários processos em que a ora Recorrente é parte onde se refere que “ a sentença recorrida decidiu que a remuneração por trabalho suplementar, por trabalho nocturno, o subsídio de divisão de correio (…) e o subsídio de turno integravam a retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal (este até 1 de Dezembro de 2003), nos anos em que revestiu carácter regular e periódico e constituiu uma contrapartida de trabalho prestado pelo autor. Como já se disse, não vemos razão para alterar este entendimento, com uma ligeira correcção no que respeita ao critério de regularidade e periodicidade da prestação e que foi utilizada na sentença recorrida – o correspondente a um período igual ou superior a seis meses. (…) Quanto a nós tendemos a seguir a orientação dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010, Processo nº 607/07.5TTLSB.L1.S1, de 15 de Setembro de 2010, Processo nº 469/09.4, da 4ª Secção, 16.12.2010 e o de 5 de Junho de 2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt, que, reiterando a posição assumida anteriormente, expandiram a fundamentação que se segue: (…) e, assim, considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimoniais cujo pagamento ocorre todos os meses de actividade do ano. (…)”
f. Se tivermos em consideração que a posição acima transcrita é actualmente unânime na nossa jurisprudência, então para que uma prestação paga ao trabalhador assuma a qualificação de retribuição é necessário que a mesma seja paga onze meses no ano a que se refere, sendo por isso considerada regular e periódica.
g. A retribuição especial daí legalmente resultante é devida pela Recorrente não por se tratar de retribuição regular e periódica, mas porque visa compensar o carácter especial do trabalho prestado, ao abrigo de condições, teoricamente, mais desfavoráveis;
h. A qualidade retributiva destas prestações não se deve ao seu carácter regular e periódico, mas sim à natureza e condições de exercício do trabalho e por essa razão não podem
integrar a retribuição em férias, respectivo subsídio e férias e de natal;
i. Tais prestações são retributivas mesmo se pagas circunstancialmente, não podendo senão logicamente concluir que não é a regularidade ou a habitualidade do seu pagamento, que lhes confere o carácter retributivo, mas sim a prestação de trabalho em si. Sem tal prestação de trabalho, inexiste qualquer contraprestação sinalagmática de retribuição;
j. A definição de retribuição variável a que legalmente se faz referência parte sempre da retribuição a que um trabalhador sabe ter sempre direito, caso os critérios de variação da sua retribuição, fixados inicialmente, sejam verificados, como acontece por exemplo nas comissões de vendas, prémios por objectivos, entre outros da mesma natureza;
k. Assim, não pode entender-se como parte da retribuição variável conjunto de prestações retributivas especiais que resultam da prestação de trabalho ao abrigo de regimes especiais. Tal significaria, de forma dificilmente sustentável, que o empregador poderia, livremente, fazer diminuir a retribuição de um seu trabalhador, ainda que variável, bastando para isso deixar de lhe exigir a prestação de trabalho;
l. Analisados os termos constantes do A.E., nomeadamente o teor das clausulas 133º, 134º, 142º e 143º, pode concluir-se, no seguimento do que supra se expôs que as partes, para
efeitos da definição do que deve ser entendido por retribuição mensal, apenas fizeram referência ao período normal de trabalho, assim se excluindo todas as outras prestações complementares, ainda que retributivas, mesmo se regulares e periódicas;
m. Se a regularidade e a periodicidade das prestações criaram tão forte convicção no trabalhador, ora Recorrido, de que eram parte da sua retribuição mensal, então porque razão nunca foram reclamadas quando deixaram de ser pagas? – Hipótese que se concebe, sem se conceder;
n. Se tivermos em consideração o entendimento mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, de que estão excluídas da determinação da retribuição aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador, ou a sua disponibilidade para o trabalho, mas tenham uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou disponibilidade pare este, facilmente nos apercebemos que as que infra se mencionam não podem integrar o conceito de retribuição.
o. A compensação especial, - tal como consta do facto provado 9. Por acordo das partes – mais não é que o valor atribuído à assinatura de telefone da residência do Recorrido– e que só ocorre 12 vezes no ano -, nada terá a ver com o desempenho da actividade laboral do mesmo, pelo que também não integra o conceito de remuneração e não é devido pela Recorrente ao Recorrido.
p. Aliás, isso mesmo se pode aferir das diversas Ordens de Serviço que regulamentam,
internamente, esta matéria – e que se encontram juntas aos autos -, onde se afirma o objectivo de compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade o que desde logo, e só por aí, exclui esta prestação do âmbito das prestações de natureza retributiva.
q. É pois uma atribuição patrimonial que tem uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho (para compensar um gasto), não havendo correspectividade entre a prestação recebida e o trabalho prestado, pelo que não cabe no conceito de retribuição.
r. Esta atribuição era, simultaneamente, uma compensação de despesa - que visava compensar a despesa com a assinatura do telefone – e um prémio – que visava premiar a dedicação à Empresa, através da antiguidade, da assiduidade, do desempenho, e da disciplina.
s. E isso mesmo tem sido entendido pela nossa jurisprudência. Vejam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Arestos da Relação de Lisboa:
- Processo 70/12.9TTLSB.L1 (Decisão Singular), de 15 de Novembro de 2013
“O mesmo sucede em relação à compensação especial. Segundo as Ordens de Serviço que regulamentam, internamente, esta matéria esta prestação mais não é do que o valor atribuído à assinatura do telefone da residência do trabalhador – que só ocorre 12 vezes por ano – e tem como objectivo compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade.
Trata-se, portanto, de atribuições patrimoniais que têm uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, pelo que não cabem no âmbito do conceito de retribuição que atrás enunciámos.”
- Processo 1509/13.1TTLSB.L1 (Acórdão), de 30 de Abril de 2014
“Resulta ainda da ordem de serviço da recorrente a fls. 210 que, a título de compensação especial por dedicação à empresa, é concedido o pagamento da assinatura mensal da linha de rede. Este subsídio não surge, assim, como uma contrapartida da prestação laboral e destina-se a fazer face a despesas do trabalhador, pelo que não deverá integrar o conceito de retribuição (neste sentido Acórdão desta Relação de 24 de Abril de 2013 – processo 4508/09.4TTLSB.L1)”
t. Já o abono de viagem e marcha auto nos termos do Acórdão da Relação de Lisboa, de 04/1/2012 (Processo 2353/09.6TTLSB.L1): “ destinam-se a cobrir custos de viagem ou deslocação. Tratando-se do subsídio previsto na cláusula 147º do AE/96 para quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, é pago em função dos quilómetros, consistindo numa percentagem do preço médio do litro de gasolina, consoante o tipo de veículo. Tem pois, manifestamente, a natureza de ajuda de custo, não constituindo, rigorosamente uma contrapartida da prestação de trabalho.”
u. Isso mesmo se retira dos documentos juntos aos autos, pelo que tendo natureza de ajudas de custo, nos termos do artigo 260º, nº 1, do CT e 87º da LCT, não pode integrar o conceito de retribuição.
v. O abono Km é um montante que a Recorrente paga aos trabalhadores e tem a ver com despesas (km) efectuados pelo trabalhador na sua viatura própria ao serviço da Recorrente.
w. É para compensar o desgaste da viatura própria do trabalhador e, por isso, não pode ser considerado retribuição.
x. Assim, estes dois subsídios – abono km e abono de viagem e marcha - são para cobrir os custos totais de utilização do veículo particular do trabalhador ao serviço da Empresa (o que só pode ocorrer por necessidade de serviço e por acordo com o trabalhador).
y. Embora a cláusula 147º AE se refira apenas a combustível na base de cálculo do custo do quilómetro percorrido, na realidade a percentagem ali referida foi calculada de forma a cobrir, para além do custo do combustível, o desgaste/amortização do valor do veículo, o seguro, o imposto de circulação, a manutenção, etc.
z. E tudo isto resulta, com clareza, do facto provado 8. Por acordo das partes.
aa. De frisar que quanto a estas prestações que são, nitidamente, ajudas de custo/pagamento de despesas o Recorrido nunca, em momento algum, alegou que as mesmas eram superiores ao normal ou mesmo superiores às despesas que o mesmo, efectivamente, tinha!!
bb. A este respeito, veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 18/02/2013, cujo sumário diz “ O “ab. Kms”, pago de 1995 a 1998, a que se reporta a clª 155ª do AE aplicável aos C… publicado no BTE nº 24/1981, e o “Abono de viagem/mar” a que se reporta, posteriormente, a clª 147ª do AE aplicável aos C…. previsto no BTE 21/1996, bem como nos AE’s posteriores, ainda que pago regularmente, não constitui retribuição, competindo ao trabalhador, pelo menos, a alegação de que tais abonos não visam a compensação a que se reportam as citadas clªs ou outras despesas decorrentes de viagens e/ou, bem assim, que o pagamento excede o montante das despesas que o pagamento do referido abono visa compensar.”
cc. Veja-se o recentíssimo Acórdão da Relação de Coimbra proferido no Processo 1134/11.1TTLRA.C1, de 30 de Maio de 2013, “A atribuição abono viagem mar moto destinava-se a cobrir custos de viagem ou deslocação quando, por necessidade de serviço, os trabalhadores tenham de se deslocar em transporte próprio e é pago em função dos kms.
A apelante defende no recurso que essa atribuição deve ser considerada como ajuda de
custo. Nessa medida, defende que por aplicação dos arts. 87º da LCT e 260º, ambos dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 essa atribuição patrimonial não se considera retribuição.
Como podemos observar, efectivamente neste caso (…) a correspondência entre tal “abono” e os custos do uso de viatura própria do trabalhador resulta demonstrada, a nosso ver.
Assim sendo, em face das disposições legais invocadas, essas importâncias não devem
considerar-se retribuição e, por isso, não devem ser consideradas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal. (…)”
dd. Pelo que, se dúvidas subjazem no que respeita à inclusão de algumas prestações pagas ao trabalhador, no que respeita às acima referidas as mesmas nunca poderão ser consideradas retribuição e por isso mesmo nunca poderão ser incluídas no cálculo das alegadas diferenças retributivas a título de subsídio de férias, férias e Natal.
ee. Se relativamente aos créditos laborais é pacífico que os mesmos só prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (artigo 337º do CT) já quanto aos juros a resposta não se tem mostrado tão linear.
ff. .“O regime especial de prescrição aplica-se às prestações retributivas emergentes do
contrato de trabalho ou da sua cessação, não se justificando aplicar este regime excepcional a todos os créditos do trabalhador. (…) Também não ficam abrangidos por este regime de tutela os juros de créditos laborais. De facto, do regime especial constante do art. 337º do CT2009 decorre que, na pendência do contrato de trabalho, a prescrição do crédito emergente deste vínculo fica suspensa nos termos do artigo 318º do CC. (…) Trata-se de um regime de tutela do credor que permite que «as contas» se façam no termo da relação jurídica e por isso está unicamente em causa a dívida de capital especificamente referida.
Não faria sentido que, concedendo-se uma situação de benefício ao credor, se lhe permitisse ainda «ganhar» com o valor de prestações acessórias, mormente a dívida de juros, particularmente quanto esta decorrer de mora no cumprimento da obrigação principal. Em suma, a prescrição só se inicia no termo da relação jurídica relativamente à dívida de capital (p.ex. retribuição não paga), mas esta regra de especial tutela do credor não se aplica à obrigação acessória de juros, que é autónoma daquela. De outro modo estar-se-ia a permitir que o credor beneficiasse de um venire contra factum proprium: não reclama o pagamento da dívida durante um período longo porque a prescrição não corre e vem depois exigir o pagamento de juros durante esse longo período. Tal hipótese, admitindo que o credor poderia reclamar juros de mora relativos a dezenas de anos quando beneficiou de uma suspensão da prescrição, conformaria, por via de regra, abuso de direito (art. 334º do CC) e, mesmo que assim não fosse, não poderia ser essa a solução pretendida pelo legislado de conferir simultaneamente suspensão da prescrição da prestação de capital e de manter a obrigação e juros durante todo o período de suspensão; a vantagem conferida ao credor (suspensão da prescrição) redundaria em prejuízo desmesurado para o devedor (pagamento de capital acrescido de juros de mora referentes a um longo período de suspensão da prescrição). Há ainda uma outra razão que inviabiliza a reclamação de juros moratórios durante todo o período em que a prescrição não correu: os juros de mora resultam do incumprimento culposo de uma prestação pecuniária (arts. 804º e 806º do CC) e apesar de a culpa do devedor se presumir (art. 799º, nº 1, do CC) não se lhe pode imputar tal responsabilidade se o credor, durante um longo período, não reclamou o pagamento ao abrigo de uma suspensão da prescrição. A suspensão da prescrição, estabelecida em prol do credor, não pode constituir fundamento de imputação ao devedor de responsabilidade correspondente a juros de mora, porque estar-se-ia a admitir que houve um comportamento culposo do devedor, o que é manifestamente improcedente num caso em que o credor não reclamou a dívida durante um longo período salvaguardado na mencionada suspensão da prescrição.”- Pedro Romano Martinez
gg. A postura do Recorrido – e dos demais trabalhadores da Recorrente – ao longo dos anos fez com que a esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
hh. Pelo que no caso em apreço estaremos perante a figura da suppressio, que mais não é que uma forma de abuso de direito que se traduz no exercício tardio de uma posição jurídica de tal modo que o devedor, de todo, já não contasse com ela.
ii. Esta figura baseia-se na tutela da confiança aliada à boa fé, ou seja, acaba por ser uma forma de tutela da confiança do beneficiário (Recorrente) perante a inacção do titular do direito
(Recorrido).
jj. Pelo que não são devidos juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações, como é pretensão do Recorrido.
Mas então desde quando são (poderão considera-se) os mesmos devidos?
kk. Nos presentes autos está em causa, entre outras, a qualificação de determinadas prestações como integrando, ou não, o conceito de retribuição e não o seu (não) pagamento pelo que enquanto tal questão não for resolvida – isto é, enquanto o Tribunal não decidir se a prestação é, ou não, retribuição - o crédito a que o Recorrido se arroga direito não se encontra líquido.
ll. Quando existem dúvidas acerca da natureza retributiva (ou não) de certas prestações é ao julgador/tribunal que o legislador atribui o poder para dirimir esse conflito pelo que as prestações peticionadas nos presentes autos pelo Recorrido só terão a natureza de retribuição (ou não) após uma decisão proferida pelo Juiz.
mm. Sendo o crédito ilíquido não há mora (da Recorrente) enquanto aquele não se tornar líquido já que não é razoável exigir que o devedor cumpra enquanto não souber o montante, bem como qual o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar.
nn. Se relativamente a algumas prestações a questão será mais ou menos pacífica, relativamente a outras as decisões proferidas pelos diversos Tribunais são díspares.
oo. Só com a prolação da sentença – melhor, só com o trânsito em julgado da decisão – é que a Recorrente sabe os exactos montantes que tem que liquidar ao Recorrido e quais as prestações que foram consideradas como integrando o conceito de retribuição, sendo que só nesta altura é que o crédito do Recorrido se torna líquido e seria exigível à Recorrente o seu pagamento (artigo 805º CC).
pp. Os juros de mora anteriores ao trânsito em julgado devem considerar-se prescritos.
qq. Nos termos do artigo 805º CC, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, sendo que esta interpelação apenas surge com a citação da Recorrente uma vez que só nesta altura é que a mesma tem conhecimento da pretensão do Recorrido.
rr. Se só com a citação é que a Recorrente toma conhecimento dos (alegados) créditos do Recorrido, só a partir desta altura é que a mesma se poderá considerar interpelada para cumprir, pelo que só a partir da data da citação é que a Recorrente se poderá considerar em
mora.
ss. Caso seja acolhida esta via, devem os juros de mora peticionados pelo Recorrido antes da citação da Recorrente ser considerados prescritos.
tt. Admitindo que a Recorrente incorreu em mora no que toca ao pagamento dos subsídios peticionados temos que constatar que ao abrigo do artigo 310º, alínea d), do Código Civil, os juros vencidos há mais de cinco anos encontram-se prescritos, em virtude do decurso de tal prazo.
uu. Na esteira do que tem vindo a ser entendido por alguma da nossa jurisprudência: a
autonomia dos créditos aos juros moratórios em relação aos créditos retributivos laborais correspondentes não exime aqueles à aplicação da regra prescricional estabelecida na alínea d) do artigo 310º CC
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!».

Não tendo sido apresentadas contra-alegações, foi entretanto o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do CPT, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.
O referido parecer não foi objecto de resposta das partes.

Preparando a deliberação, foi remetido projecto de acórdão aos Exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, colocam-se à apreciação deste tribunal várias questões essenciais, a saber:
-qual o número de meses do ano que uma prestação tem que ser paga para que tenha carácter regular e periódico e possa assumir a qualificação de retribuição;
- se integram a retribuição as prestações pagas a título de compensação especial, abono de viagem e marcha e abono de Km;
- em caso afirmativo, se as mesmas devem integrar a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal, assim como as outras prestações aí integradas na sentença recorrida;
- se os juros de mora se encontram prescritos;
- a serem devidos juros de mora apenas o são desde o trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos ou, pelo menos, desde a data da citação para a acção;
- se o Autor incorreu(e) em abuso do direito ao reclamar da ré o pagamento de juros a contar da data de vencimento de cada um dos créditos peticionados;
Refira-se que nas conclusões das alegações de recurso, a recorrente coloca a questão, genérica, das diversas prestações pagas ao recorrido não assumirem carácter regular e periódico e, por isso, não integrarem a retribuição, mas só especificamente quanto às prestações supra indicadas (também) por não serem contrapartida da prestação do trabalho, ou se se quiser, por não assumirem natureza retributiva.
Assim, haverá que analisar esta última problemática apenas em relação às concretas prestações que se deixaram indicadas, e em relação a todas as prestações quanto à natureza regular e periódica.
Deixa-se assinalado que várias destas questões já foram objecto de apreciação e decisão em inúmeros acórdãos dos Tribunais Superiores, designadamente do Tribunal da Relação do Porto, alguns deles relatados pelo ora relator quando aí desempenhou funções; também no acórdão deste tribunal de 09-03-2016 (Proc. n.º 166/14.2TTTMR.E1, disponível em www.dgsi.pt), relatado pelo ora relator, se analisaram algumas destas questões.
Por isso, vamos acompanhar, a par e passo, alguns dos fundamentos constantes de acórdãos já proferidos sobre a matéria.

III. Factos
Com base no acordo das partes, a 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. O autor pertence ao quadro permanente da ré desde 28.01.1992. (ponto 1 do acordo de fls. 308-309 e artigos 1º da p.i. e 60º da contestação)
2. E manteve-se ao serviço da ré, ininterruptamente, até à presente data. (artigo 2º da p.i.)
3. O autor é associado do Sindicato Independente dos Trabalhadores da Informação e Comunicação – SITIC, com o nº …. (artigos 4º e 5º da p.i.)
4. As relações de trabalho entre a ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente reguladas pelos seguintes instrumentos:
- PRT para os Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT), publicada no BTE, 1ª série, nº 28, de 29.07.1977, alterada e aditada pelas subsequentes revisões;
- AE/CTT 1981 – alteração, publicado no BTE, 1ª série, nº 24, de 29.06.1981;
- AE/CTT 1996, publicado no BTE, 1ª série, nº 21, de 08.06.1996;
- AE/CTT 1999 – alteração salarial e outras, publicado no BTE, 1ª série, nº 8, de 28.02.1999;
- AE/CTT 2000 – alteração salarial e outras, publicado no BTE, 1ª série, nº 30, de 15.08.2000;
- AE/CTT 2002 – alteração salarial e outras, publicado no BTE, 1ª série, nº 29, de 08.08.2002;
- AE/CTT 2004 – alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no BTE, 1ª série, nº 29, de 08.08.2004;
- AE/CTT 2006 – alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no BTE, 1ª série, nº 27, de 22.07.2006;
- AE/CTT 2008 – revisão global, publicado no BTE, nº 14, de 15.04.2008;
- AE/CTT 2009 – alteração salarial e outras, publicado no BTE, nº 25, de 08.07.2009;
- AE/CTT 2010, publicado no BTE, nº 1, de 08.01.2010;
- AE/CTT 2010 – revisão global, publicado no BTE, nº 34, de 15.09.2010;
- AE/CTT 2013 – revisão global, publicado no BTE, nº 15, de 22.04.2013;
- AE/CTT 2015 – revisão global, publicado no BTE, nº 8, de 28.02.2015;
- AE/CTT 2016 – alteração salarial e outras, publicado no BTE, nº 14, de 15.04.2016. (artigo 6º da p.i.)
5. Até 2003, a ré sempre pagou ao autor a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal tendo apenas em conta a retribuição base e diuturnidades. (ponto 3 do acordo de fls. 308-309 e artigo 18º da p.i.)
6. Entre 1992 e 2003 o autor recebeu da ré a título de trabalho noturno e horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, compensação especial (telefone), subsídio de condução, subsídio de divisão, abono função trabalhador SEC/CRER, abono km e abono de viagem e marcha auto as quantias constantes dos recibos de vencimento juntos aos autos e melhor discriminadas nos quadros do artigo 108º da petição inicial, conforme tabelas que seguem:
(…)
7. O subsídio de condução, nos termos da cláusula 79ª do AE2015, é pago aos trabalhadores que exerçam as tarefas de recolha, tratamento, transporte ou distribuição de correio, que impliquem a condução de veículos automóveis ou motociclos disponibilizados pela ré. (ponto 5 do acordo de fls. 308-309).
8. O abono km/abono de viagem e marcha moto/abono de viagem e marcha auto/abono de viagem e marcha, nos termos da cláusula 80ª do AE2013 (anteriormente, cláusula 147ª do AE) e das Ordens de Serviço internas, é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da ré e serve para compensar as despesas/gastos/custos inerentes a tal utilização. (ponto 6 do acordo de fls. 308-309).
9. A compensação especial (telefone), nos termos das ordens de serviço internas, é o valor atribuído à assinatura de telefone da residência do autor e tem por objetivo compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade. (ponto 7 do acordo de fls. 308-309).

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, importa agora analisar cada uma delas.

1. Da natureza retributiva das prestações
1.1. Preliminarmente importa referir os normativos legais a atender em termos de direito substantivo, tendo em conta a sucessão de leis no tempo e que o autor funda a sua pretensão no trabalho prestado, e respectivas retribuições, nos anos de 1992 a 2003.
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
Tal significa que peticionando o aqui recorrido a inclusão de determinadas prestações na retribuição de férias, subsídio de férias e de natal até ao ano de 2003 – antes, portanto, da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003- n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003) – haverá que atender ao regime jurídico que antecedeu o mesmo, ou seja, o disposto na Lei n.º 49 408, de 24-11-1969 (doravante LCT), no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho.

Estipula o artigo 82.º, da LCT:
“1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."
Como assinala Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 11.ª edição, Almedina, pág. 439), deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade (no sentido de ser satisfeita por períodos aproximadamente certos) e regularidade (no sentido da sua constância) da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo dessa forma relevância no pagamento.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2007 (Proc. n.º 3211/06 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), «com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E exigindo carácter “periódico” para a integração da prestação do empregador no âmbito da retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes».
No dizer de Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 447), «a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art.º 82.º da LCT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da «retribuição»».
Tentando objectivar o critério da regularidade e periodicidade da prestação, a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto adoptou um critério orientador no sentido que para que uma prestação se possa considerar regular e periódica deve ser prestada com alguma frequência, indicando para tanto pelo menos metade do ano.
Escreveu-se a este propósito no acórdão de 21-02-2011 (Proc. n.º 547/09.3TTGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt): “qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser, pelo menos, de metade do ano. Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica e, portanto, sem carácter retributivo”.
Ou seja, de acordo com tal orientação, para que uma prestação assumisse natureza regular e periódica devia ser paga, pelo menos, durante 6 meses do ano a que respeita.
Todavia, ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça veio-se consolidando o entendimento de que uma prestação só é regular e periódica se for paga durante todos os meses da actividade do ano, isto é durante 11 meses (neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2010, Processo n.º 607/07.5TTLSB.L1.S1, de 15-09-2010, Processo n.° 469/09, e de 05-06-2012, Proc. n.º 2131/08.0TTLSB, disponíveis em www.dgsi.pt).
Entretanto, em 01-10-2015, a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, numa acção especial de interpretação de cláusulas de convenção colectiva de trabalho (artigo 183.º do Código de Processo do Trabalho), reiterou, por unanimidade, tal entendimento (Proc. n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 212, de 29 de Outubro de 2015).
Tendo em conta que o referido acórdão tem o valor ampliado da revista em processo civil (artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho), e visando o julgamento ampliado da revista assegurar a uniformidade da jurisprudência (artigo 686.º do Código de Processo Civil), entendemos, após a prolação do referido acórdão, seguir o nele decidido.
De resto, ainda mais recentemente, no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2017 (Proc. n.º 2978/14.8TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), esse tribunal reiterou que «[c]onsidera-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano (onze meses)».
Por isso, face à interpretação reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, afirmamos, à semelhança do que já o fizemos no acórdão deste tribunal de 09 de Março de 2016, que para que uma dada prestação pecuniária possa considerar-se como parte integrante da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador é necessário que a mesma seja paga, pelo menos, em 11 meses dos 12 meses que se tiverem por referência temporal.
No caso em apreço, constata-se desde logo que várias das prestações pagas ao trabalhador ao longo dos anos em causa não o foram em, pelo menos, 11 meses do ano, pelo que não podem integrar a retribuição.

Mas para além disso, importa ter presente que embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constituirá retribuição se tiver uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, como acontece, por exemplo, com as ajudas de custo, abonos de viagem ou outra forma de compensação de despesas ou gastos tidos pelo trabalhador ao serviço do empregador, salvo na parte em que essas importâncias excedam os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato, se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (cfr. artigos 87.º da LCT, e no âmbito da legislação posterior os artigos 260.º do CT/2003 e do CT/2009).
Anote-se ainda que por força do que dispõe os artigos 82.º, n.º 3, da LCT, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador; ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação pelo empregador de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois ao empregador a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (cfr. artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Impõe-se, por isso, apreciar cada uma das prestações concretamente postas em causa pela recorrente.

1.2. Da (eventual) natureza retributiva de diversas prestações
1.2.1. Quanto à compensação especial
Como resulta da matéria de facto (n.º 9), a compensação especial (telefone), nos termos das ordens de serviço internas, é o valor atribuído à assinatura de telefone da residência do trabalhador (autor) e tem por objetivo compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade.
Ou seja, a compensação especial corresponde ao pagamento da assinatura do telefone da residência do autor – durante 12 meses ano – e visa compensá-lo pelo seu comportamento e assiduidade.
Como sublinha a aqui recorrente, trata-se de uma compensação de despesa – na medida em que se compensa o autor com a despesa com a assinatura do telefone – e, simultaneamente um prémio – uma vez que se premeia o trabalhador pela dedicação à empresa, através da antiguidade e da assiduidade; ou seja, como resulta do Regulamento junto aos autos, para que trabalhador possa beneficiar de tal subsídio é necessário que tenha determinada antiguidade na empresa e não tenha dado mais do que um determinado número de faltas no ano civil anterior.
Assim, tal “compensação” não se apresenta como contrapartida da prestação do trabalho, mas como compensação de um despesa do trabalhador (com a assinatura do telefone) e um prémio para ele pela antiguidade e assiduidade; dito ainda de outra forma, a compensação em causa constitui uma isenção do pagamento da taxa telefónica, nada tendo a ver com o desempenho da actividade laboral.
Acresce que um outro argumento aponta no sentido do afastamento da inclusão de tal compensação no subsídio de férias e de natal: à semelhança do que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado em relação a outros subsídios, como por exemplo, o valor pecuniário correspondente à renda de casa do trabalhador, ou o valor pecuniário correspondente à vantagem económica decorrente da atribuição ao trabalhador de um veículo automóvel (vejam-se, neste sentido, por todos, os acórdãos de 21-02-2006 e de 12-01-2011, Recurso n.º 4336/05 e n.º 1104/08.7TTSTB.E1.S1, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt), o autor, tendo em conta a específica natureza e intencionalidade do subsídio que se deixou analisada, não podia contar que o mesmo lhe fosse pago nos subsídios de férias e de Natal.
É, pois, de afastar a inclusão no cálculo do subsídio de férias e de natal (note-se que tal importância era paga 12 meses, o que significa que também era paga no mês de férias) as importâncias pagas pela aqui recorrente ao recorrido a título de compensação especial.

1.2.2. Quanto ao abono de viagem/auto e marcha
Recorde-se que resulta da matéria de facto (n.º 8) que o abono km/abono de viagem e marcha moto/abono de viagem e marcha auto/abono de viagem e marcha, nos termos da cláusula 80ª do AE2013 (anteriormente, cláusula 147ª do AE) e das Ordens de Serviço internas, é pago aos trabalhadores que utilizam a sua viatura pessoal ao serviço da ré e serve para compensar as despesas/gastos/custos inerentes a tal utilização.
É certo que por força do que dispõe os artigos 82.º, n.º 3, da LCT, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação pelo empregador de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois ao empregador a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (cfr. artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Porém, tratando-se de abonos de viagem devidos ao trabalhador por deslocações não se consideram retribuição, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (artigo 87.º da LCT).
Assim, não obstante a regularidade e periodicidade do pagamento das prestações de “abono de viagem” importa apurar se as mesmas assumem natureza retributiva.
Quanto ao abono de viagem/marcha, encontra-se regulado na cláusula 147.ª do AE/CTT de 1996, bem como nos AE posteriores.
É do seguinte teor a referida cláusula:
«Subsídio de transporte próprio — Viagem e marcha
1 - Quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, a empresa pagar-lhes-á, por quilómetro, os subsídios seguintes:
a) 25% do preço médio do litro de gasolina, quando se tratar de automóvel;
b) 12%, quando se tratar de motociclo;
c) 10%, quando se tratar de velocípedes com motor ou de ciclomotores;
d) 6%, quando se desloquem a pé ou em velocípede a pedal.
2 – (…)».
Do fundamento da atribuição do subsídio extrai-se que o mesmo não visa pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho, mas tão só ressarcir o trabalhador de despesas por ele suportadas em virtude da prestação do trabalho e com a utilização de transporte próprio.
Ou seja, o que se retira da cláusula é que os montantes pagos ao seu abrigo, ainda que regulares e periódicos, não têm natureza retributiva, visando antes compensar o trabalhador pelo gasto ou encargo decorrente da utilização, ao serviço do empregador, de meio de transporte próprio (nessa compensação se enquadrando também a deslocação a pé ou em velocípede a pedal, tendo em conta, designadamente, a natureza específica e própria das funções de carteiro).
Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-04-2013 (Proc. n.º 286/10.2TTSTS.P1, disponível em www.dgsi.pt), também aqui se entende que se as prestações foram «(…) pagas ao A. a título de “ab. Viag”, sem que o mesmo haja posto em causa a veracidade quer do título a que foram pagas, quer de que os respetivos pagamentos constituíam e tinham por objeto, efetivamente, o fim correspondente à sua designação, isto é, compensação por despesas com viagens/transporte, não tendo também posto em causa que fossem devidos nos termos da citada clª 147º do AE (…), assim como não alegou (nem se provou) qualquer eventual excesso dessa prestação (e/ou dos montantes pagos) em relação às despesas normais que o respetivo pagamento visou suportar ou compensar e que, nos termos do contrato ou dos usos, devesse ser considerado como retribuição. Com efeito, o A. apenas considera que, dada a regularidade do seu pagamento, deveriam integrar o conceito de retribuição, sendo, por consequência devidos nas férias e nos subsídios de férias e de Natal, mas nada mais pondo em causa.
De todo o modo, sempre se dirá que é facto público e notório, para além de que decorre das regras da experiência comum, que o exercício das funções de carteiro implica a realização do percurso aos locais onde as entregas deverão ser feitas, deslocações estas que, necessariamente, só poderão ocorrer em meio de transporte ou a pé. (…)
Ora, no caso e como se disse, o A., que exercia as funções de carteiro, não põe em causa que lhe fosse devido o pagamento dos abonos de viagem. Acresce que não foi alegado, nem resulta da matéria de facto provada, que os pagamentos efetuados ao abrigo dessas clªs excedessem os montantes que, nos seus termos, seriam devidos”.
Em idêntico sentido se pronunciaram diversos acórdãos do mesmo tribunal, designadamente o acórdão de 18-02-2013 (Proc. n.º 1454/11.5TTVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt), o acórdão de 30-06-2014 (Proc. n.º 1395/12.9TTVNG.P1), relatado pelo ora relator, e ainda os acórdãos de 03-02-2014 (Procs. n.º 336/10.2TTVLG.P1 e n.º 492/11.2TTSTAS.P1).
Em reforço da posição que se deixa assumida, tenha-se ainda presente que, como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2007 (Proc. n.º 2967/06, 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), citando o acórdão do mesmo tribunal de 30-03-2006 (Recurso n.º 8/2006, 4.ª Secção), “[d]efende-se, de forma praticamente pacífica, que na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal devem incluir-se todas as prestações regulares e periódicas pagas ao trabalhador como se ele estivesse em serviço efectivo, ou seja, como se ele estivesse a desempenhar o seu trabalho no concreto condicionalismo em que o costuma desempenhar (nomeadamente, condicionalismo de tempo e de risco, sem esquecer a sua antiguidade).
E que devem excluir-se de tal cômputo as prestações que são atribuídas ao trabalhador, não para retribuir o trabalho no condicionalismo em que é prestado, mas para o compensar de despesas que se presume que tenha que realizar por não se encontrar no seu domicílio, ou por ter que se deslocar deste e para este para executar o contrato de trabalho.
É o que sucede com o subsídio de refeição, o subsídio especial de refeição, o subsídio de pequeno-almoço e o subsídio de transporte pessoal, que estão em correlação estrita com o tempo de trabalho efectivo (excluindo-se do seu ciclo anual a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal).
Estes subsídios visam cobrir ou minorar as despesas que o trabalhador tem que suportar com a aquisição de almoço e pequeno-almoço, fora do seu domicílio por virtude da prestação de trabalho e com o transporte do domicílio de e para o local de trabalho.
Destinam-se, pois, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efectuar para executar o contrato, para "ir trabalhar", não constituindo um ganho acrescido para o mesmo, uma mais- -valia resultante da sua prestação laboral, razão pela qual não se justifica a sua inclusão na retribuição de férias e no respectivo subsídio».
E um pouco mais adiante volta-se a concluir no mesmo acórdão que «(…) o subsídio de transporte pessoal, que se destina a compensar o trabalhador das despesas com as deslocações de casa para o local de trabalho e vice--versa, não deve ser considerado na retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal (…)».
Ora, se tal subsídio de transporte pessoal não deve incluir-se na retribuição – por não representar mais que a compensação ao trabalhador por despesas que este tem que efectuar com o transporte do domicílio para o local de trabalho e deste para aquele –, idêntico entendimento terá que se retirar do abono de viagem/marcha: este mais não é do que uma compensação ao trabalhador por despesas de viagem ou de transporte que este efectua ao serviço do empregador.
Isto é, partindo do entendimento que o trabalhador com a utilização de transporte próprio (aqui se incluindo a deslocação a pé ou em velocípede a pedal) tem despesas (sejam de viagem, sejam do transporte em si mesmo) nas deslocações ao serviço do empregador, os outorgantes dos diversos AE estabeleceram o pagamento dessas despesas, ficcionando as mesmas de acordo com o meio de transporte utilizado, atribuindo um valor superior quando se trata da utilização de automóvel e inferior quando se trata da utilização de velocípede a pedal ou até de deslocação a pé.
E, estando em causa um subsídio pela utilização de meios próprios do trabalhador quando ao serviço do empregador, as despesas não têm, necessariamente, que ser apenas as inerentes ao combustível, podendo ser quaisquer despesas inerentes à deslocação do trabalhador, incluindo se essa deslocação é realizada a pé (por isso, a epígrafe da cláusula refere também “marcha”), quer se trate de despesas específicas com o meio utilizado quer com a viagem em si.
Mas o que importa enfatizar é que em tais situações o pagamento do subsídio ou abono de viagem e marcha não representa qualquer ganho para o trabalhador, sendo, ao invés, uma compensação pelas ficcionadas despesas do mesmo com as deslocações ao serviço do empregador.
Refira-se que ainda que os abonos de viagem não se enquadrassem na cláusula em causa, resulta da sua própria denominação que se tratam de abonos para compensar despesas efectuadas com viagens, o que o autor não põe em causa (e, sublinhe-se mais uma vez a matéria fixada resultou do acordo das partes), nem que as viagens tivessem sido efectuadas ou que os valores pagos a tal título excedessem as despesas cujo pagamento os abonos visavam compensar, alegando apenas a regularidade e periodicidade dos pagamentos para sustentar que integram a retribuição e, como tal, que devem ser computadas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Nesta sequência, e em síntese, tratando-se de um abono ou subsídio que visa apenas ressarcir o trabalhador de despesas por ele efectuadas ao serviço da empregadora – em conformidade, aliás, com o que estatuem os artigos 87.º, da LCT, 260.º, n.º 1 do CT/2003 e 260.º, n.º 1 alínea a) do CT/2009 –, não pode o mesmo assumir natureza retributiva.
Com efeito, tem-se por pacífico que face ao que dispõem os artigos 2.º, n.º 1 e 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28-12, artigo 82.º, n.º 2, da LCT, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 03-07 e AE dos CTT de 1996 – a integração das prestações no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal pressupõe a qualificação da sua natureza retributiva, o que, como se viu, no caso não se verifica.
Daí que seja imperioso concluir que não podem as analisadas prestações pagas a título de abono de viagem e marcha ser incluídas no cálculo da retribuição por férias, subsídio de férias e de Natal.

1.2.3. Nesta sequência, e em síntese:
i) ainda que se verifique a natureza regular e periódica – isto é, que sejam pagos em, pelo menos, 11 dos 12 meses do ano – os subsídios de compensação especial e do abono de viagem/marcha não constituem uma contrapartida da prestação do trabalho, pelo que não integram a retribuição, não sendo, pois, de computar no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de natal;
ii) em relação às restantes prestações pagas ao autor, não vindo concretamente posto em causa que sejam contrapartida da prestação do trabalho, assumem natureza retributiva desde que, em relação a cada uma delas, tenham sido pagas, pelo menos, durante 11 meses dos 12 meses que se tiverem por referência temporal.
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso da recorrente.

2. Quanto a saber se as prestações que assumem carácter regular e periódico e são contrapartida da prestação do trabalho integram ou não a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal
2.1. Quanto à retribuição de férias e subsídio de férias
Em relação ao regime jurídico vigente em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 874/76 de 28 de Dezembro, estabelecia que [o]s trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil”.
Por sua vez decorre do artigo 6.º do mesmo compêndio legal que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período (n.º 1), e que além desta retribuição os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição (n.º 2 do mesmo artigo).
No AE/CTT de 1981, cláusula 150.ª, estabelece-se que os trabalhadores têm direito, em cada ano, a um subsídio de férias de montante igual ao da remuneração mensal do mês de Dezembro nesse ano.
Idênticas são as disposições sobre a matéria dos posteriores instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Ora, como a jurisprudência tem afirmado [vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2007 (Revista n.º 4557/06), disponível em www.dgsi.pt, onde se remete para outra jurisprudência do mesmo tribunal e no mesmo sentido], se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve entender-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram.
Assim, tal retribuição deve ser de montante igual à da retribuição que é normalmente processada a favor do trabalhador, nela se incluindo os componentes que, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 2, da LCT a devam integrar, o que significa que a lei ficciona, para o apontado efeito, a correspectividade entre essa retribuição e a efectiva prestação do trabalho.
Por isso, face ao normativo legal e convencional, apenas são de excluir do cômputo da retribuição de férias e subsídios de férias as prestações que tenham uma causa específica distinta da remuneração do trabalho no concreto circunstancialismo em que é prestado (por exemplo, como se viu, o abono de viagem/marcha e a compensação especial).

2.2. Quanto ao subsídio de Natal
Como assinala Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 450), o subsídio de Natal foi progressivamente consagrado através da contratação colectiva e só com o Decreto-Lei n.º 88/96, de 03-07, se tornou devido à generalidade dos trabalhadores, embora com o regime supletivo.
Com efeito, como estabelecem os n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º deste diploma legal, dele se exceptuam os trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que regulem especificamente o subsídio de Natal (n.º 2), excepto se tais instrumentos de regulamentação colectiva prevêem a concessão do subsídio de Natal com um valor inferior a “um mês de retribuição”, caso em que a prestação será devida neste montante (n.º 3).
Ou seja, o subsídio era devido nos termos fixados no respectivo instrumento de regulamentação colectiva, mas se este previsse um subsídio inferior a “um mês de retribuição”, era devido este montante por força do que estatuía o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 03-07.
E como assinala o mesmo autor (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 463) a determinação do valor da “retribuição” faz-se “a posteriori”, operando (…) sobre um conjunto de elementos verificados, em regra sobre a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período ou ao longo da vigência do contrato de trabalho. A partir daí, é necessário desenhar uma estrutura retributiva que permitirá, utilizando os critérios de cálculo que os vários elementos requerem, determinar um «valor potencial» referido à unidade de tempo que se tome como padrão (…) [é] o que já se tem chamado «retribuição modular» [] no sentido de que exprime o padrão ou módulo (…) do esquema remuneratório de cada trabalhador (…)”.
No caso em apreço, a cláusula 151.ª, n.º 1, do AE/CTT de 1981 é do seguinte teor:
«Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual lhes será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro».
A referida cláusula mantém-se nos AE/CTT posteriores, embora com diferente numeração.
Assim, o que resulta da referida cláusula é que o trabalhador tem direito a um subsídio correspondente à sua “remuneração mensal”.
Porém, seja nos AE, seja na LCT, não se define o que deve entender-se por “remuneração mensal”.
Haverá então que recorrer à interpretação da mesma; e com tal fim importa atentar, por um lado, que o artigo 82.º da LCT, designadamente o seu n.º 2, que determina que a retribuição compreende a remuneração base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie; por outro, haverá também que ter presente que em relação à retribuição de férias e subsídio de férias, a lei determina que não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo (artigo 6.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28-12).
Por sua vez, no AE/CTT (cláusula 142.ª) estabelece-se que os trabalhadores têm direito, em cada ano, a um subsídio de férias de “montante igual ao da remuneração mensal” do mês de Dezembro nesse ano.
Ora, à semelhança do se afirmou anteriormente a propósito da remuneração de férias e subsídio de férias, se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve entender-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram.
Ou seja, quanto ao valor do subsídio de Natal deve atender-se a todas as prestações de natureza retributiva que sejam contrapartida da execução do trabalho.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2003 (Proc. n.º 4072/02, 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt) «[s]e quanto ao subsídio de Natal o instrumento de regulamentação colectiva fala em retribuição ou remuneração, sem reserva, deve considerar-se, à falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os componentes que a integram, nada justificando também que quanto ao art.º 2, n.º 1 do DL n.º 88/96 de 3 Julho se faça uma interpretação restritiva do mesmo».
Aliás, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-07-2003 (Proc. n.º 2767/02, 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), vai ainda mais longe, ao decidir, embora com referência a diferente instrumento de regulamentação colectiva, que «(…) encontrando-se os contratos de trabalho sujeitos, entre o mais, às normas legais de regulamentação do trabalho e às convenções colectivas de trabalho, prevalecendo aquelas sobre estas, excepto se as referidas normas de convenções colectivas estabelecerem tratamento mais favorável ao trabalhador, é de concluir que quanto ao cálculo do montante do subsídio de Natal deve prevalecer o constante do DL n. º 88/96 uma vez que o AE (cláusula 43.ª) estabelece tratamento menos favorável ao trabalhador (cfr. artºs. 12º, n.º 1 e 13º, n.º 1, da LCT e artº. 6º, n.º 1, b) do DL 519-C/79, de 29.12).».
E logo a seguir acrescenta-se no mesmo aresto:
«Refira-se que o constante do n.º [3], do artº. [1.º], do DL n.º 88/96, de 03.07, no sentido de que aos trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva que prevejam a concessão do subsídio de Natal com valor inferior a um mês de retribuição, "(...) é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 2º, na parte relativa ao montante da prestação", só pode ter o significado que o subsídio de Natal deve ser de valor igual a um mês de retribuição, definida esta nos termos supra referidos e previstos na Lei Geral do Trabalho.».
Pois bem: face às considerações que se deixaram anteriormente expostas, maxime face aos normativos legais e convencionais referidos, e tendo em conta não só a interpretação literal mas também a unidade do sistema jurídico, até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 o legislador pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de no seu pagamento se atender a todas as prestações de natureza retributiva que sejam contrapartida da prestação do trabalho.
Tal significa, voltando ao caso em apreço e tendo em conta as prestações que o autor auferia e que assumiam carácter regular e periódico (pagas, portanto, cada uma delas, pelo menos em 11 dos 12 meses do ano a que respeitam) e que eram contrapartida da prestação do trabalho, são de computar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal.
Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2.3. Dos valores devidos ao Autor/recorrido
Tendo então presente que, por um lado, as prestações pagas a título de compensação especial e de abono de viagem/auto não assumem natureza retributiva e, por isso, não são de computar no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias de natal, e, por outro, que em relação às restantes prestações que a ré pagou ao autor, constantes do n.º 6 da matéria de facto, só assumem carácter regular e periódico, assumindo natureza retributiva, se forem pagas na totalidade dos meses de actividade (11), importa contabilizar os valores devidos pela ré ao autor.
i) em relação ao ano de 1992, nada é devido, uma vez que não houve qualquer prestação regular e periódica;
ii) no ano de 1993 também nada é devido, uma vez que nenhuma das prestações pagas assumiu carácter regular e periódico;
iii) no ano de 1994, tendo em conta o valor pago a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 378,33 (€ 1.513,34 : 12 x 3 );
iv) no ano de 1995, tendo em conta o valor pago a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, compensação de horário descontínuo e compensação de horário incómodo, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 689,96 (€ 2.759,82 : 12 x 3 );
v) no ano de 1996, tendo em conta o valor pago a título de trabalho nocturno, compensação de horário descontínuo e compensação de horário incómodo, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 431,63 (€ 1.726,54 : 12 x 3 );
vi) no ano de 1997, tendo em conta o valor pago a título de trabalho suplementar e trabalho nocturno, compensação de horário descontínuo e compensação de horário incómodo, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 658,62 (€ 2.634,49 : 12 x 3 );
vii) no ano de 1998, tendo em conta o valor pago a título de trabalho suplementar e abono de função, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 376,88 (€ 1.507,53 : 12 x 3 );
viii) no ano de 1999, tendo em conta o valor pago a título de trabalho suplementar e abono de função, obtém-se o valor devido por retribuição de férias, subsídio de férias de natal de € 373,44 (€ 1.493,75 : 12 x 3 );
ix) nos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003, nada é devido de diferença nas retribuições de férias, subsídio de férias e de natal, uma vez que ou as prestações não foram pagas durante todos os meses de actividade (11) e/ou não são contrapartida da prestação do trabalho (caso da compensação especial e abono de viagem).
Assim, no total, é devido ao autor, a título de diferença na retribuição de férias, subsídio de férias e de natal, dos anos de 1992 a 2003, a quantia total de € 2.908,86 (€ 378,33 + € 689,96 + € 431,63 + € 658,62 + € 376,88 + € 373,44).

3. Quanto a saber se os juros de mora se encontram prescritos
Como resulta do disposto no artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao devedor; este considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2, do mesmo artigo).
Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde a juros a contar do dia da constituição em mora (n.º 1, do artigo 806.º, do Código Civil).
E, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Idêntico é o regime que se extrai do artigo 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 e, mais recentemente, do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
Trata-se de um regime especial de prescrição que, como é sabido, encontra a sua razão de ser no facto de se considerar que só a partir do momento da cessação do contrato o trabalhador estará em condições de exercer os seus direitos, sem qualquer dependência para com o empregador decorrente da vigência da relação de trabalho.
O não cumprimento da obrigação de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho faz incorrer o devedor, como resulta dos aludidos normativos do Código Civil, na obrigação de indemnizar o credor, indemnização essa que correspondente aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Daqui decorre que esta obrigação de indemnizar emerge da mora no cumprimento de um crédito laboral, constituindo, por isso, também um crédito emergente da violação do contrato de trabalho.
Por isso, o mesmo encontra-se sujeito ao prazo especial de prescrição do artigo 38.º, n.º 1, da LCT, ou do artigo 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, ou artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, constituindo, pois, um desvio ao regime geral do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.
Esta tem sido, de resto, a interpretação, se não uniforme pelo menos largamente maioritária, da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre a matéria, como podem ver-se, entre outros, os acórdãos de 30-09-2004 (Proc. n.º 1761/04), de 21-02-2006 (Proc. n.º 3145/05), de 14-02-2006 (Proc. n.º 2448/06) e de 14-03-2006 (Proc. n.º 3825/05).
Como se afirmou no referido acórdão de 30-09-2004, «Seria perfeitamente absurdo que a A. estivesse em tempo de pedir ao R. os créditos resultantes do incumprimento parcial do contrato de trabalho que os uniu e já não pudesse pedir-lhe os juros de mora, por se considerarem prescritos.
Tal entendimento aberrante obrigaria a autora a accionar o réu para pagamento dos juros dos seus créditos laborais na vigência do contrato de trabalho, criando mal estar e atritos com o empregador, que a lei pretendeu evitar ao conceder-lhe o prazo de 1 ano a partir do dia seguinte ao da cessação daquele para o fazer. Tal entendimento anularia o escopo prosseguido pelo legislador com aquele normativo, caso a autora não estivesse na disposição de prescindir dos juros de mora dos seus créditos ...».
Efectivamente, encontrando o prazo de prescrição previsto na LCT, e nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, no facto do trabalhador não ter plena liberdade psicológica para reclamar o que lhe é devido durante a vigência do contrato, dado o estado de especial subordinação em que se encontra, mal se compreenderia, tendo em conta a necessária harmonia do sistema jurídico, que já tivesse essa liberdade psicológica para reclamar os juros de mora devidos por um crédito laboral, e que os tivesse que reclamar ainda que na pendência da acção laboral.
O legislador não estabeleceu um prazo de prescrição diferente para cada espécie de crédito laboral, designadamente, o capital, os juros, ou outra, antes englobou todo o conjunto de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador ou do empregador, por efeito do contrato, e da sua violação ou cessação no âmbito de um prazo único de prescrição, de um ano a contar da cessação do contrato.
Em conformidade com o entendimento que se deixa expresso, mantendo-se o contrato de trabalho entre as partes, forçoso é concluir que não se mostram prescritos os créditos decorrentes dos juros de mora.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Quanto a saber se a serem devidos juros de mora apenas o são desde o trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos ou, caso assim se não entenda, desde a data da citação para a acção
A este propósito sustenta a recorrente, ao fim e ao resto, que o devedor só fica constituído em mora desde a interpelação e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido, pelo que, sendo controvertida a questão da natureza retributiva dos complementos, não se pode considerar a quantia liquidada na data do pagamento das retribuições e subsídios, daí que não se verifique culpa do devedor.
Adiante-se desde já que não se acompanha tal entendimento.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2013 (Proc. n.º 339/10.7TTVLG.P1) também relatado pelo ora relator, «[e]stão em causa prestações de execução continuada do contrato de trabalho, e que têm prazo certo, tal como decorre do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 874/86, de 28-12, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 03-07, e cláusulas 142.ª e 143.ª do AE.
Tratando-se de obrigações de prazo certo o devedor constitui-se em mora, independentemente da interpelação (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).
A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os prejuízos causados ao credor, correspondendo a indemnização, na obrigação pecuniária, aos juros legais a contar da constituição em mora (artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil).
Decorre também do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18-03, que o empregador fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que lhe não seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.
Por sua vez, o artigo 364.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, prescreve que o empregador que falta culposamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros de mora.
Ora, no caso em apreciação, não resulta, por um lado, que o não pagamento integral da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal seja imputável ao trabalhador; por outro, a iliquidez da dívida é meramente aparente e não real, uma vez que a empregadora sabia, ou pelo menos tinha obrigação de saber, o montante em dívida.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2006 (Revista n.º 2840/2005 da 4.ª Secção), numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, «a situação em apreço […] configura como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. E não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a ré teve conhecimento) que as médias anuais de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno e dos restantes subsídios (de divisão do correio, de transporte de pessoal,...) integravam a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal. Na verdade, o facto de só por decisão do tribunal a ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, "a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas". [...]. É evidente que a ré pode discordar deste entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que a sua posição prevaleça, mas este é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar os direitos os autor a ser indemnizado do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.».
Assim, estando provado que a recorrente não procedeu ao pagamento integral das retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal em causa nas datas dos seus vencimentos, e sendo certo que a mesma dispunha de todos os elementos para proceder ao seu pagamento, constituiu-se em mora na data dos respectivos vencimentos, incidindo, por isso, o início da contagem dos juros de mora com o vencimento de cada uma das prestações».
Nesta sequência, tal como se decidiu na 1.ª instância, os juros de mora sobre as quantias em dívida a título de diferença na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, são devidos desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, assim improcedendo, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

5. Quanto a saber se o autor incorreu(e) em abuso do direito ao reclamar da ré o pagamento de juros a contar da data de vencimento de cada um dos créditos peticionados
De acordo com a recorrente verifica-se o abuso do direito porquanto a postura do recorrido – e dos demais trabalhadores da recorrente – ao longo dos anos fez com que esta se convencesse que os mesmos aceitavam a forma como a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal estavam a ser liquidados.
Também quanto a esta matéria não se acompanha o entendimento da recorrente.
Como se escreveu no, já referido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2016 (Proc. n.º 224/14.3TTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), para uma situação com contornos semelhantes à dos apresentes autos, «percorrida a matéria de facto dada como provada (…) logo se verifica que dela não consta a mínima alusão aos fundamentos de facto invocados pela ré (…) como sendo os por ela aduzidos como suporte da sua pretensão de ver reconhecido o abuso de direito em que o autor teria incorrido, concretamente, a ausência de qualquer discordância do autor em relação à prática retributiva da ré, a aceitação por parte do autor dessa mesma prática, a ausência de qualquer reclamação do parte do autor no sentido do pagamentos das quantias judicialmente reclamadas, e o convencimento da ré que os seus trabalhadores, autor incluído, aceitavam a sua prática retributiva.
Tanto bastaria para, sem necessidade de outras considerações, não se acolher o sustentado pela ré.
De resto, nem sequer pode acompanhar-se a recorrente na afirmação de que os seus trabalhadores jamais se insurgiram contra a prática salarial da ré referente à retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, pois que já no seu acórdão de 4/2/2002, proferido no processo 02S3606, o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciava sobre esta questão, em acção instaurada no Tribunal do Trabalho de Lisboa em 14 de Dezembro de 2000.
Aliás, é do nosso conhecimento oficioso, por virtude das funções exercidas em Tribunais do Trabalho, que desde há vários anos a esta parte que foram instauradas múltiplas acções em que trabalhadores da recorrente peticionaram, designadamente, que fossem contabilizadas para efeitos da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, prestações pecuniárias iguais ou idênticas às que estão em causa neste processo.
Como dito, não resulta dos autos e particularmente dos factos provados que o autor nunca tenha reclamado o pagamento dos créditos ora reclamados, podendo bem suceder que os tenha reclamado sem sucesso.
Além disso, mesmo a não os ter reclamado, fica sem se perceber a real razão porque o não teria feito, sendo múltiplas as explicações que poderiam aduzir-se para o efeito e que não traduzem qualquer espécie de renúncia do autor, expressa ou tácita, ao recebimento desses créditos; por exemplo, a falta de real consciência do direito a tais créditos, ou o temor de que a reclamação dos mesmos pudesse desencadear alguma reacção do empregador que prejudicasse a subsistência da relação de trabalho.».
Efectivamente, também nos presentes autos nada resulta no sentido de o autor concordar e aceitar o pagamento da retribuição lato sensu tal como era efectuado.
Além disso, é sabido que já há longos anos – pelo menos, ao que é do nosso conhecimento, desde alturas de 2002-2003 – que a ré/recorrente vem sendo demandada judicialmente por alguns dos seus trabalhadores em relação ao apuramento da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Acresce que mesmo que se admita que o autor/recorrido nunca anteriormente reclamou desse apuramento, se desconhece em absoluto o motivo pelo qual tal se verificou: poderia ser, por exemplo, por na pendência da relação de trabalho se encontrar numa situação de dependência económica e jurídica em relação à ré/recorrente, o que desde logo afasta qualquer abuso do direito.
Entende-se, por isso, ser manifesto que não se verifica o alegado abuso do direito por parte do autor/recorrido.

Uma vez aqui chegados, e tendo em conta as diversas questões suscitadas pela recorrente, é altura, mais uma vez, de concluir, balizados pela condenação da 1.ª instância e pelo objecto do recurso.
Assim: deverá condenar-se a ré/recorrente a pagar ao autor/recorrido a importância de € 2.908,86, de diferença na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, referente aos anos de 1994 a 1999, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

6. As custas em ambas as instâncias deverão ser suportadas pelas partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para cada uma das partes (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 6.039,66 de diferenças na remuneração de férias e nos subsídios de férias e de Natal, no período compreendido entre Janeiro de 1993 e Dezembro de 2003, acrescida de juros de mora, à taxa legal sucessivamente em vigor, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento [alínea a) da parte decisória], que se substitui pela condenação da ré/recorrente a pagar ao autor/recorrido a quantia de € 2.908,86 de diferença na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, referentes aos anos de 1994 a 1999, quantia acrescida de juros de mora, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
2. Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pelas partes, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 50% para cada uma delas.
Évora, 28 de Junho de 2017
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Moisés Pereira da Silva (vencido, conforme declaração de voto em anexo)

Proc. n.º 1907/16.9T8PTM.E1
Voto de vencido
O artigo 258.º do Código do Trabalho prescreve que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (n.º 1);
A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie (n.º 2); e
Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3).
O trabalhador prestou e foi-lhe pago trabalho noturno e horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, compensação especial (telefone), subsídio de condução, subsídio de divisão, abono função trabalhador SEC/CRER, abono km e abono de viagem e marcha auto.
À exceção da compensação especial telefone, abono Klm e de viagem e marcha auto, o demais trabalho foi-lhe pago como contrapartida da obrigação de prestar a que estava adstrito, pelo que face ao disposto no n.º 1 do art.º 258.º do CT deve considerar-se parte integrante da retribuição.
Mesmo na hipótese de assim não se entender, face ao disposto no n.º 3 do art.º 258.º do CT, compete à empregadora provar que o pagamento das quantias ao trabalhador não constitui contrapartida da prestação de trabalho.
Daí que também por esta via se deva entender que as quantias auferidas pelo trabalhador integram a retribuição.
A prestação de trabalho noturno, horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, subsídio de divisão, abono função trabalhador SEC/CRER e subsídio de condução não constituem prestações acessórias, mas a continuação da execução da prestação principal a que está obrigado, a qual reveste maior penosidade por se prolongar para além do horário normal de trabalho, de noite, ou pela natureza das funções ou aumento do risco (como é o caso da condução). A natureza e as funções não se alteram. O que muda é apenas a duração diária, semanal ou mensal da prestação do trabalhador, a hora e modo de prestar. O pagamento das prestações constitui a contrapartida da obrigação do trabalhador em prestar, nos termos em que a lei, o CCT ou o contrato de trabalho o preveem.
O n.º 2 do art.º 258.º do CT constitui uma norma jurídica que reforça o princípio já consagrado no seu n.º 1, ao prescrever que a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie. Esta última norma jurídica visa evitar dúvidas e litígios, pois pretende clarificar que o conceito de retribuição base é mais restrito que o conceito de retribuição a atender e que deve descortinar-se a partir do n.º 1.
Todavia, verifica-se que por vezes a interpretação sobre o que é retribuição se cinge mais à apreciação do art.º 258.º n.º 2 do CT do que ao conceito mãe ínsito no n.º 1. A definição do que deve considerar-se retribuição deve encontrar-se a partir do n.º 1 deste artigo. O número dois é uma regra clarificadora do princípio aí plasmado, que visa incluir na retribuição outras prestações que podem não ter a ver com a prestação do trabalho, mas que pela sua regularidade e periocidade o legislador entendeu que deveriam ser consideradas como tal. A interpretação do n.º 2 não pode opor-se ao que resulta do n.º 1.
Por sua vez, o n.º 3 deste artigo é uma norma jurídica que visa facilitar a prova ao trabalhador, ao dispensá-lo da prova de que as quantias que aufere da sua empregadora fazem parte da retribuição. Se o empregador não ilidir a presunção, consideram-se como retribuição todas as prestações auferidas pelo trabalhador.
Se o legislador quisesse estabelecer um número de meses mínimo para que se considerassem como retribuição as prestações auferidas pelo trabalhador, tê-lo-ia dito expressamente ou, no mínimo, teria estabelecido factos índice, a exemplo do que faz a propósito do que deve considerar-se contrato de trabalho.
O legislador, atento e consciente da diversidade das situações da vida e que cada uma delas é única e não comparável a outras sem justa ponderação, deixou à doutrina e jurisprudência a interpretação, intermediação e aplicação ao caso concreto da norma jurídica de acordo com os factos e circunstâncias aí presentes.
Não é possível estabelecer regras científicas definitivas sobre o que deve considerar-se retribuição de modo a que sejam aplicadas automaticamente.
O caso concreto é um cosmos de vida, interesses, contradições, aproximações, interrogações, subtilezas e cores que nunca se repetem. Cada caso é o objeto de estudo em si.
As empresas, bem aconselhadas por advogados e jurisconsultos, procuram legitimamente descortinar nos meandros da lei formas de diminuir custos de contexto.
O mundo do trabalho, à semelhança do resto da vida, assumiu rapidamente novos contornos e formas de se exprimir, em que tudo é pensado pelas empresas com vista a potenciar o lucro e diminuir os riscos de insucesso do projeto empresarial. É totalmente legítimo e correto. Todavia, por várias razões, nomeadamente de transparência concorrencial (ponto muito sensível a nível da União Europeia e mundial), as quantias pagas ao trabalhador devem ser tratadas como custo do fator trabalho e sujeitas aos descontos legais devidos, para evitar o dumping social, fiscal ou outras fugas que fazem embaratecer o produto, mas constituem um evidente prejuízo para as empresas e trabalhadores cumpridores. É a partir deste ângulo e dentro deste contexto que os juristas devem olhar e interpretar a realidade que observam. Daqui resultam benefícios para todos: empresas e trabalhadores, sendo que aquelas não existem sem estes e vice-versa.
O pagamento de determinadas remunerações ou quantias apelidadas de “ajudas de custo”, “subsídio”, “compensação”, “prémio”, “carro”, “telemóvel” ou outros nomes, deverão ser analisadas casuisticamente e só não devem ser integradas no conceito de retribuição se comprovadamente disserem respeito ao pagamento de despesas suportadas pelo trabalhador durante e por causa da prestação de trabalho.
Há que distinguir o pagamento de dois tipos de despesas:
1 - As despesas suportadas pelo trabalhador contraídas durante e para a prestação do trabalho devido e que são reembolsadas pelo empregador, as quais não têm influência no saldo final da retribuição auferida.
2 - As despesas da vida pessoal ou familiar do trabalhador pagas pelo empregador, mas que constituem uma verdadeira remuneração do trabalho, na medida em que são ainda um custo suportado pelo empregador como contrapartida pela disponibilidade da força de trabalho oferecida pelo trabalhador. Estas devem ser consideradas como fazendo parte da retribuição.
Nas ofertas de emprego, para as tornar mais atrativas, não é incomum os empregadores oferecerem o que denominam de “regalias”, “extras” ou outras vantagens com vista a cativar os candidatos ao posto de trabalho, as quais têm peso na tomada de decisão e são interiorizadas pelo candidato como fazendo parte da remuneração paga como contrapartida do seu trabalho e são previstas como receita para a gestão do seu orçamento mensal, anual e sazonal (v. g. subsídios de férias e de Natal).
Considerando o que referimos, parece-me que, em concreto, a remuneração percebida pelo trabalhador a título de trabalho noturno, horas extra, horário descontínuo, horário incómodo, subsídio de divisão, abono função trabalhador SEC/CRER e subsídio de condução (dado o risco acrescido de acidentes), é ainda contrapartida da sua prestação principal e integra a retribuição.
Mesmo que assim não se entendesse, haveria que considerar a presunção do art.º 58.º n.º 3 do CT.
Assim, consideraria as quantias auferidas pelo trabalhador a este título, como retribuição para efeitos de integrarem as férias e subsídios de férias e de Natal.
Sumário: i) no que diz respeito ao conceito de retribuição para efeitos da sua integração nas férias e subsídios de férias e de Natal, compete ao trabalhador a prova do recebimento de determinadas quantias e compete ao empregador, ou a quem o substitua na obrigação de reparar, a prova de que tais quantias não são contrapartida da prestação do trabalho.
ii) Integram a retribuição desde que sejam ainda a contrapartida da empregadora pela força de trabalho disponibilizada pelo trabalhador, independentemente do nome que aquela lhes atribui.
Évora, 28 de junho de 2017.
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Coelho, (2) Moisés Silva.