Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
889/21.0T8EVR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
EMPRESAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA PRIVADA
SUCESSÃO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS NO MESMO LOCAL DE TRABALHO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
REGIME MAIS FAVORÁVEL AOS TRABALHADORES
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A convenção colectiva de trabalho pode regular as matérias respeitantes à transmissão de empresa ou estabelecimento, em sentido mais favorável aos trabalhadores.
2. Como tal, a convenção colectiva de trabalho pode estabelecer normas relativas à manutenção dos contratos de trabalho em caso de perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora – in casu, na área da prestação de serviços de vigilância e segurança.
3. As Portarias n.ºs 185/2020 e 186/2020, ambas de 6 de Agosto, tendo procedido à extensão das alterações aos contratos colectivos celebrados pela AES com o STAD e com a FETESE, ambos publicados no BTE n.º 22/2020, tornaram aplicável a respectiva cláusula 14.ª à mera sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente, pelo que o novo prestador assume a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores ali afectos pelo anterior prestador.
4. A realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações de um cliente implica, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objectivo de prosseguir uma actividade económica.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, AA demandou STRONG CHARON – Soluções de Segurança, S.A. (1.ª Ré), e ESPECIAL 1 – Segurança Privada, S.A., (2.ª Ré) alegando que exercia as funções de vigilante na Herdade do Perdiganito, sob as ordens e direcção da 1.ª Ré, até que esta perdeu o cliente para a 2.ª, com efeitos a 01.01.2021. Tendo qualquer delas deixado de receber a sua prestação laboral nessa data, pede a condenação de ambas no pagamento de indemnização por despedimento ilícito, nos salários de tramitação e em indemnização por danos morais no valor de € 1.000,00.
A acção foi contestada por ambas as Rés e, após julgamento foi proferida sentença decidindo julgar a causa parcialmente procedente, nos seguintes termos:
1. “Declara-se que a posição de empregador no contrato de trabalho celebrado entre o Autor (…) e a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) se transmitiu para a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…).
2. Declara-se ilícito o despedimento do Autor (…) pela 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…).
3. Condena-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…) a pagar ao Autor (…) a quantia global de € 13.004,44 (…), a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data da respectiva citação até efectivo e integral pagamento.
4. Condena-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…) a pagar ao Autor (…) a quantia correspondente às retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o respectivo despedimento (1 de Janeiro de 2021), até ao trânsito em julgado da presente decisão – incluindo os montantes devidos a título de férias e subsídio de férias que se venceram em 1 de Janeiro de 2021, bem como de proporcionais de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data –, à qual deverão ser deduzidas (i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e (iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa, devendo a 2.ª Ré entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P., sendo a referida quantia acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento, e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação.
5. Condena-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 750,00 (…), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos na sequência do respectivo despedimento ilícito, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%.
6. Absolve-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1 (…) do demais peticionado pelo Autor (…) nos presentes autos.
7. Absolve-se a 1.ª Ré STRONG CHARON (…) de tudo quanto peticionado pelo Autor (…) nos presentes autos.”

Inconformada, a 2.ª Ré recorre e conclui:
A) O presente recurso é da decisão que decidiu do mérito da acção, concluindo pela procedência parcial da mesma e, em consequência, condenou parcialmente a Recorrente nos pedidos.
B) Com o devido respeito, verifica-se que a prova foi apreciada erradamente e que, nessa medida, remeteu a conclusões erradas.
C) Assim, se fossem valorados de outra forma os depoimentos das testemunhas, a conclusão seria outra. Resulta dos depoimentos supra que efectivamente houve uma contratação directa por parte da Discovery, pelo que se pergunta porque não são valorados esses depoimentos do representante legal da ora Recorrente e da testemunha!?
D) Ora, como já referido, considerou o Meritíssimo Juiz a quo que não ficou provado que a Ré, ora Recorrente, foi contactada directamente pela “Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa”, para que a mesma procedesse à prestação de serviços de segurança e vigilância na Herdade do Perdiganito.
E) Diga-se, com a devida vénia, que não se aquilata em toda a fundamentação da sentença, nem tão pouco na prova produzida, a razão pela qual não ficou provada a matéria supra.
F) Mais, no que aos factos provados respeita, considerou o Meritíssimo Juiz a quo que ficou provado que “11- Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.” (sublinhado nosso)
G) Ora, não se entende de todo qual a base em que se sustentou esta convicção, uma vez que inexistem nos autos quaisquer elementos que levem a essa conclusão!
H) Claro é que, em momento algum foi produzida prova no sentido dos materiais fornecidos pela 1.ª Ré Strong Charon conterem o modelo e imagem identificativos da mesma, sendo que alguns deles até eram dos próprios vigilantes, tal como se deduz dos depoimentos supra.
I) Mais, todas as testemunhas se pronunciam no sentido de não serem ou serem apenas excepcionalmente elaborados relatórios, pelo que não se entende como pode o Tribunal a quo considerar esta matéria provada!
J) Quanto à redução do número de vigilantes ao serviço da 2.ª Ré Especial 1 (ponto 37. da factualidade provada), que, tal como alega o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo em sede de Motivação, trata-se de um facto de natureza instrumental e/ou complementar com relevância para os termos da presente acção, o qual, tendo resultado da instrução da causa – designadamente do depoimento prestado pelas testemunhas BB e CC –, foi devidamente considerado nesta sede. Com efeito, de acordo com as testemunhas acima identificadas, após a abertura do hotel sito na Herdade do Perdiganito – o que terá ocorrido em data que os mesmos não souberam precisar, mas que estimaram ter ocorrido aproximadamente no Verão de 2021 (até àquela data, conforme revelaram todas as testemunhas, o referido local albergava apenas um estaleiro de obras) –, a 2.ª Ré reduziu para metade (2) o número de vigilantes que ali exerciam funções. Ora, a referida descrição parece encontrar acolhimento no teor do anexo do ‘contrato de prestação de serviços’ de fls. 223 verso, no qual se encontra prevista a referida redução de trabalhadores, pese embora se reporte a período temporal diverso.
K) O certo é, no entanto, que não obstante a discrepância temporal assinalada, esta redução já estava convencionada pelas partes desde a contratação entre a Recorrente e a Discovery, originando uma relação contratual diversa da já existente (sem contrato), facto determinante para uma decisão contrária à que ora recorremos, quer em termos de transmissão do estabelecimento/unidade económica, quer em termos de oposição do trabalhador, como infra se alegará.
L) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
M) A sentença também apresenta graves e insanáveis deficiências no que diz respeito à aplicação do Direito.
N) Não contesta, obviamente, ou pretende beliscar, nem ao de leve, o princípio da livre apreciação da prova.
O) Aquilo com que não pode a A. conformar-se é com a valoração da prova produzida, cujo exame crítico não se entende ou está ausente.
P) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
Q) Ora, e mesmo dando como provada a matéria que como tal foi considerada na sentença, as conclusões não podiam ser as decididas por aquela sentença.
R) A correcta aplicação do Direito levaria a uma decisão de sentido oposto ao que foi tomada.
S) A questão essencial que se coloca na presente apelação consiste em determinar se se verificou ou não a transmissão da titularidade de uma empresa ou de um estabelecimento ou de parte de uma empresa ou de um estabelecimento.
T) A Recorrente foi contactada pela Discovery e por esta foi-lhe adjudicada uma prestação de serviços de vigilância e segurança preventiva nas instalações da Herdade do Perdiganito.
U) A sentença não menciona qualquer indício de que a Recorrente tenha recebido da anterior prestadora dos serviços, quer directamente, quer através da Cliente, quaisquer bens materiais ou corpóreos que estivessem afectos à actividade que vinha sendo desenvolvida, nem quaisquer bens imateriais ou incorpóreos (v.g. licenças, alvarás, know-how específico, tecnologia ou organização de meios ou de recursos) e que a Recorrente os utilize ou necessitasse de utilizar para a execução dos serviços que passou a prestar ao abrigo do contrato celebrado.
V) Pelo contrário, conforme resulta dos factos provados.
W) Tão pouco a Recorrente recebeu da 1ª Ré qualquer dos trabalhadores anteriormente ao serviço desta; aliás o presente processo decorre precisamente do facto de a Recorrente não ter aceite ao seu serviço o Autor, trabalhador da 1ª R.
X) A verificação da existência de uma transferência depende da constatação de haver uma empresa ou estabelecimento ou um seu núcleo ou ramo (conjunto de meios dotado de uma autonomia técnico-organizativa própria em termos de constituir uma unidade produtiva autónoma, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
Y) A mera circunstância de a prestação sucessivamente fornecida pelo antigo e pelo novo adjudicatário dos serviços ou titular do contrato de prestação de serviços ser similar não permite concluir no sentido da transferência de tal entidade – TJUE, nº 15 do Processo C-13/95. Assim tem sido também decidido pela Jurisprudência do TJUE, para além dos Tribunais Superiores Nacionais.
Z) Uma vez que nada resulta provado, ou sequer alegado, quanto à eventual transferência de quaisquer elementos ou meios organizados susceptíveis de configurarem uma unidade económica, ainda que apenas humanos, estamos perante uma mera situação de sucessão na actividade de prestadores de serviços, da 1ª Ré para a Recorrente, e à qual não corresponde uma qualquer transmissão de uma entidade económica.
AA) Conclui-se assim que, no caso sub judice, não se verificaram os elementos indiciários de cuja verificação a Doutrina e a Jurisprudência fazem depender a ocorrência de uma transmissão de empresa ou estabelecimento, quer considerados isoladamente, quer no seu conjunto.
BB) Pelo que, a interpretação adoptada pelo pela douta Sentença ora recorrida incorreu numa petição de princípio, ao atribuir à mera sucessão na actividade de prestação de serviços de vigilância e segurança na Herdade do Perdiganito, os efeitos de uma transmissão de unidade económica.
CC) Tendo plena aplicação ao caso a norma constante do nº 2, da Cláusula 13ª, do CCT de 2011, celebrado com o STAD, e nº 2, da Cláusula 9ª, do CCT, de 2014, celebrado com a FETESE, que estabelece que “não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com adjudicação de serviço a outro operador”, porque “a simples perda de cliente e a subsequente atribuição do serviço de segurança privada externa a um outro operador, pelo cliente (ou seja, a perda de cliente desacompanhada de qualquer outro indício transmissivo, como a apropriação de outros activos ou a extinção daquela actividade no transmitente), deve ser qualificada como um fenómeno de sucessão de clientela”…
DD) Este entendimento constitui uma violação grosseira do princípio da igualdade que goza de protecção constitucional – art. 13º da CRP – e também por isso é inadmissível, pois a sentença da 1ª instância dispensou a 1ª Ré de suportar os encargos com as indemnização devidas pela caducidade dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores, transferindo esse encargo para a Recorrente.
EE) E viola também os princípios da justiça e da proporcionalidade/adequação na medida em que adopta uma posição injustificadamente limitadora dos direitos da Recorrente, emergentes dos princípios da liberdade de iniciativa económica e da garantia do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 61º e 62º da CRP.
FF) A sentença recorrida violou, assim, além da CRP, o disposto no nº 2, da Cláusula 13ª, do CCT aplicável, o artigo 285º do Código do Trabalho, o disposto na Directiva 2001/23/CE, e contrariou a Jurisprudência do TJUE, bem como a do STJ e das Relações e, ainda, a Doutrina Nacional e Internacional sobre a matéria, conforme detalhadamente se expôs ao longo das alegações.
GG) Por último, no que concerne à apreciação da viabilidade e/ou procedência da oposição comunicada pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon quanto à referida transmissão, concluiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal A quo pela improcedência da mesma.
HH) Ora, não só o Meritíssimo Juiz não atendeu ao convencionado no contrato de prestação de serviços existente entre a Recorrente e a Discovery, como formou uma convicção contrária à sua convicção constante nas decisões proferidas no âmbito dos processos 458/21.4T8EVR e 97/22.2T8EVR, que correram termos neste Tribunal, em tudo idêntico a este, divergindo o trabalhador/A. no que concerne às partes, referente ao mesmo Cliente e ao mesmo local de prestação de serviços, nos mesmos termos do presente caso, decisões essas já transitadas em julgados, onde foi atendida a oposição do trabalhador pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, com base no seguinte: (…)
II) Que de acordo com a sua livre convicção, por um lado, já tendo conhecimento da redução de efectivos, a qual também foi transmitida pelas testemunhas nos presentes autos, de acordo com os depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC.
JJ) Por outro lado, atendendo sempre ao decurso do tempo entre os factos ocorridos e o julgamento, em que muito se passou, sendo óbvio que o A. ficou desgastado de todo o processo, em que nesta altura só pretendia ter ficado a trabalhar,
KK) O que foi naturalmente determinante para, à data dos factos, a sua pretensão era continuar a trabalhar para a sua entidade de tantos anos, que sempre lhe transmitira confiança e não para uma entidade nova, desconhecida, que não lhe dava qualquer segurança e lhe propôs um novo contrato com perda de direitos para continuar a trabalhar no local!!
LL) E, por último, perfilhamos o entendimento que o direito de oposição servirá unicamente para recusar uma alteração ao contrato de trabalho que é proposta pelo empregador. Dessa recusa deverá resultar a manutenção do contrato de trabalho com o transmitente e a manutenção das anteriores condições em vigor, ou seja, a reconstituição da situação anteriormente vigente, pelo que o direito de oposição deveria resultar de uma escolha livre e informada do trabalhador. Da mesma forma que, em regra, o trabalhador não necessita de fundamentar o motivo de celebração de um contrato, também não terá que justificar as motivações que conduziram ao exercício do direito de oposição.
MM) Por todos estes motivos, também deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidir no sentido de considerar justificada a oposição manifestada pelo Autor, decorrente da previsível redução de efectivos por parte da 2.ª Ré Especial 1.
NN) Pelo que, em consequência, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluir pela procedência dos fundamentos de oposição comunicados pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, a qual, em face do exposto, obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, mantendo-se o seu vínculo laboral a esta última entidade (cf. artigo 286.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).
OO) Assim, para a requerida procedência da acção bastaria que tal prova tivesse sido avaliada de outra forma, para a descoberta da verdade, como compete ao Tribunal.
PP) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
QQ) O julgador não pode, de modo algum, com base no mesmo documento, e nas mesmas provas, ter entendimentos diferentes, em processos idênticos, nem pode alhear-se um do outro, o que decorre da própria sentença recorrida que, ironicamente, concluiu em sentido contrário daquilo que constitui a sua própria convicção tomada na decisão anterior.
RR) Razão pela qual deve ser revogado tal sentença, julgando-se procedente o presente recurso..

A 1.ª Ré respondeu, sustentando a manutenção do julgado.
A Digna Magistrada do Ministério Público nesta Relação emitiu parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida.
Cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
Declarando, preliminarmente, que a Recorrente cumpriu os requisitos do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e ainda que se procedeu à audição das gravações, procedamos à apreciação desta parte do recurso.
Na al. A) do elenco de factos não provados, a sentença declarou não provado que “a ‘Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa’ contactou directamente a 2.ª Ré Especial 1, para que a mesma procedesse à prestação de serviços de segurança e vigilância na Herdade do Perdiganito.”
Lendo a contestação oferecida pela Recorrente, verificamos que esta matéria não está ali articulada nesses termos. O que ali se diz é que o contacto foi estabelecido por “Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A.”, na sua qualidade de entidade exploradora do local (art. 6.º da contestação da Recorrente), e certo é que esta é a entidade que outorga o contrato de prestação de serviços de segurança e de vigilância junto aos autos.
Uma terceira entidade – a Discovery Hotel, etc. – não está identificada nesse contrato e desconhece-se, até, se terá alguma existência jurídica no nosso ordenamento.
Pretende, ainda, a Recorrente que se altere o ponto 36 do elenco de factos provados, no sentido de ali ser incluído que a redução de 4 trabalhadores vigilantes para 2 já estar prevista no anexo do contrato de prestação de serviços. Porém, tal não foi sequer alegado nos articulados, muito menos na contestação da Recorrente.
Sucede que os poderes inquisitórios consignados no art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho estão limitados à causa de pedir em discussão nos autos, não podendo importar a sua alteração ou ampliação.[1]
O atendimento de factos essenciais não articulados é um poder inquisitório que incumbe ao juiz da causa e que ele apenas pode exercitar no decurso da audiência de julgamento, por sugestão da parte interessada ou por iniciativa própria, em função dos elementos que resultem da instrução e discussão da causa e da sua pertinência para a decisão jurídica e com vista ao apuramento da verdade material e da justa composição do litígio. Por isso, a Relação não pode utilizar tais poderes, ampliando o elenco dos factos provados, como não pode ordenar à 1.ª instância que utilize tal faculdade.[2]
De todo o modo, adiantamos desde já que dos autos não resulta que a Discovery Hotel tenha outorgado, directamente, algum contrato com a Recorrente, ou sequer que o contrato de prestação de serviços outorgado pela Perdiganito S.A., preveja a redução de efectivos – o que ali se estipula é a permanência de um vigilante, em determinados períodos do ano 24 horas em todos os dias, e noutros períodos num horário que abrangia toda a semana, e nada se diz acerca do número total de trabalhadores a empenhar para garantir o cumprimento desse serviço.
Deste modo, quer a pretendida alteração à al. A) dos factos não provados, quer ao ponto 36 dos factos provados, não pode proceder.
Pretende a Recorrente, ainda, que se altere o ponto 11 dos factos provados, argumentando que não foi produzida prova no sentido dos materiais fornecidos pela 1.ª Ré Strong Charon conterem o modelo e imagem identificativos da mesma.
Porém, ouvindo os depoimentos dos quatro vigilantes que se encontravam em funções no local até 31.12.2020 – o A. e os seus colegas DD, EE e FF – estes confirmaram que dispunham de fardamento, fornecido pela 1.ª Ré e devidamente identificado com as suas insígnias. Dispunham, ainda, de uma lanterna – se funcionava ou não, é irrelevante e não foi alegado – de pistola de picagem e de selos de ronda, igualmente fornecidos pela 1.ª Ré. A dúvida é se existiria um caderno para registo de ocorrências, mas o relatório era feito, pelo menos verbalmente e através de contactos telefónicos.
Não existe, assim, fundamento para concluir que o equipamento fornecido pela 1.ª Ré não continha as suas insígnias – o fardamento tinha, de certeza, porque tal foi directamente perguntado e confirmado pelas testemunhas e quanto ao resto do equipamento, a prova não impõe decisão diversa (art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Em resumo, a impugnação fáctica improcede na sua totalidade.

A matéria de facto fica assim estabelecida, nos precisos termos que constam da sentença:
1. A 1.ª Ré Strong Charon e a 2.ª Ré Especial 1 são sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada.
2. Entre o Autor e a Palanca – Serviços de Segurança, Electrónica e Vigilância S.A. foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho a termo certo n.º 3236’, em 6 de Agosto de 2007, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de vigilante, a partir da data acima referida e pelo período de 12 meses, mediante o pagamento da quantia de € 595,13, a título de retribuição mensal.
3. Em Outubro de 2008, a Palanca – Serviços de Segurança, Electrónica e Vigilância S.A. foi incorporada, por fusão, na Charon – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda.
4. Em Junho de 2018, na sequência de um processo de fusão, o Autor foi integrado pela 1.ª Ré Strong Charon como seu trabalhador, mantendo todos os direitos regalias e demais características e condições emergentes do escrito de contrato de trabalho acima referenciado.
(Quanto à prestação de serviços pela 1.ª Ré Strong Charon na Herdade do Perdiganito)
5. Em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré Strong Charon e a sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. acordaram na prestação de serviços de vigilância por parte da primeira nas instalações da Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
6. Os serviços acordados consistiam em assegurar durante 24 horas por dia quatro vigilantes, em regime de turnos rotativos e alternados, nas instalações da Herdade do Perdiganito, os quais deveriam executar: (i) funções de controlo e registo de acessos e permanência de pessoas, viaturas e movimentos de cargas nas instalações, (ii) abertura e encerramento das instalações, (iii) elaboração de relatórios diários de ocorrências e (iv) rondas de vigilância às referidas instalações, com recurso a um sistema de registo/picagem.
7. Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Janeiro de 2020, e até 31 de Dezembro de 2020, exerceram as suas funções de vigilantes, por conta, sob as ordens e autoridade da 1.ª Ré Strong Charon, nas instalações da Herdade do Perdiganito: (i) o Autor AA, (ii) DD (iii) EE e (iv) FF.
8. Os referidos vigilantes actuavam de forma organizada, executando as funções descritas em 6. e tendo como local de trabalho a portaria existente na Herdade do Perdiganito.
9. Desde data não posterior a 1 de Janeiro de 2020, os serviços acima descritos passaram a ser supervisionados directamente pelo responsável do cliente D..., o qual transmitia aos vigilantes da 1.ª Ré algumas instruções de serviço a ser realizado nas referidas instalações.
10. Para o exercício das referidas funções, os vigilantes acima identificados utilizavam um conjunto de chaves das instalações, pertencentes à cliente Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A.
11. Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
12. Os vigilantes acima identificados utilizavam também, no exercício das respectivas funções, uma secretária e uma cadeira, que os próprios levaram para as instalações em causa.
13. Por carta datada de 17 de Novembro de 2020, enviada pela Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, a primeira comunica à mesma que:
«(…) Assunto: Denúncia da Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança
Exmos. Senhores,
Fazemos referência aos serviços de vigilância e segurança privada prestados por V. Exas. à sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. (a “Perdiganito”), desde 2017.
A Perdiganito vem, pela presente, informar V. Exas. da sua intenção de fazer cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada.
Assim, informamos V. Exas. que deverão cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada em 31 de Dezembro de 2020».
(Quanto às comunicações trocadas entre o Autor e as Rés)
14. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente – Herdade do Perdiganito – e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo. Senhor,
V. Ex.ª foi devidamente informado que os serviços de vigilância prestados pela STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. nas instalações do cliente, foram adjudicados à Empresa de Segurança Especial 1, Segurança Privada SA, com efeito a partir do dia 1 de Janeiro de 2021.
Assim, e a partir dessa data, a COPS será a entidade patronal de V. Ex.ª, conforme resulta do disposto nos art.º 285.º a 287.º do Código do Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou estabelecimento.
Reiteramos que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais para V. Ex.ª porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição, e da categoria profissional em que se enquadra.
Mais informamos V. Exa. que se pretender que esta empresa remeta para a COPS informação relativa à sua situação sindical, deverá solicitá-lo expressamente e por escrito devidamente assinado. É que se trata de informação sensível que, como tal, merece sigilo e protecção especial que não afastaremos sem a sua solicitação.
Informamos também, que a consulta prevista ao abrigo do art.º 286º do CT, se encontra agendada, para o dia 28 de Dezembro de 2020 entre as 09:30h-12h e as 14h-17h nas instalações sitas na Rua Dr. Cândido Guerreiro, n.º 49, 8000-123 Faro».
15. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon à 2.ª Ré Especial 1, e por esta recebida, a primeira comunicou à mesma que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento referente ao cliente: Herdade do Perdiganito e a consequente transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores que ali prestam serviço.
Exmos. Senhores,
Como é do conhecimento de V. Exas., a Especial 1, Segurança Privada SA irá suceder à STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. (adiante STRONG CHARON) na prestação de serviços de vigilância ao cliente Herdade do Perdiganito.
A transmissão é motivada pela adjudicação da prestação de serviços de vigilância a um novo operador, a Especial 1, Segurança Privada SA, e terá efeitos a partir do próximo dia 1 de Janeiro de 2021.
A transmissão de empresa ou de estabelecimento está prevista e regulada nos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho, nos quais é definido que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento, ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, “transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores”.
Verificando-se, como se verifica no caso concreto, a transmissão para a Especial 1, Segurança Privada SA da exploração das unidades económicas anteriormente exploradas pela STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A., a transferência dos contratos de trabalho para a Especial 1, Segurança Privada SA é automática, resulta da imposição da lei e tem por fim salvaguardar a manutenção dos direitos dos trabalhadores, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional que se enquadram, garantindo-lhes o direito à segurança no emprego e a manutenção de todos os seus direitos.
Neste seguimento, para se concretizar a transmissão dos contratos de trabalho em cumprimento do Código do Trabalho e para execução do Contrato Individual de Trabalho de cada trabalhador ao serviço da unidade económica que passará a ser explorada por V. Exas. procederemos ao envio de dados pessoais relativos aos trabalhadores ao serviço em tal/tais unidade(s).
Este envio constitui um tratamento de dados pessoais nos termos do disposto no Regulamento Geral de Dados Pessoais e o respectivo tratamento está legitimado pelo disposto no art.º 6.º, n.º 1, alínea b) e alínea c) do aludido diploma, uma vez que o tratamento é necessário para a execução do contrato de trabalho no qual o titular dos dados é parte, bem como é necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica do responsável pelo tratamento (cfr. art.º 285.º do Código do Trabalho). (…)».
16. Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, a 1.ª Ré Strong Charon comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho que a 2.ª Ré Especial 1 iria suceder-lhe na prestação de serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito, a partir do dia 1 de Janeiro de 2021, tendo expedido a todos os trabalhadores da unidade económica em causa e aos seus representantes as «comunicações nos termos e para os efeitos do artigo 286.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4 e n.º 6 do Código do Trabalho».
17. Por carta datada de 16 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente – Herdade do Perdiganito – e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo. Senhor,
No seguimento da missiva de dia 11/12/2020 referente à transmissão do cliente Herdade do Perdiganito, somos a informar que a empresa sucessora é a Especial 1, Segurança Privada SA. Pelo que a referência à empresa COPS não deverá ser considerada. (…)».
18. Por carta datada de 16 de Dezembro de 2020, enviada pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, o primeiro comunicou à segunda que:
«(…) Assunto: Transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente – Herdade do Perdiganito – e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmos. Senhores,
Em resposta à carta de V. Exas. com data de 11 de Dezembro de 2020 (a qual recepcionei no dia 15 de Dezembro do corrente ano) e sobre o assunto supra identificado, cumpre-me informar que tive a melhor atenção sobre o teor da mesma, pelo que, tenho por conveniente expor a V. Exas. o seguinte:
1- Sou Funcionário da STRONG CHARON desde 2007.
2- No âmbito das minhas funções de Vigilante da STRONG CHARON, actualmente presto maioritariamente serviço nas Instalações do Hotel Perdiganito, sem prejuízo, de ao longo dos anos, ter prestado serviço também em outras instalações.
3- Nunca tive qualquer vínculo laboral com o referido Hotel ou prestei qualquer serviço como funcionário do Hotel.
Ou seja: sempre prestei serviço no Hotel no âmbito das minhas funções de Vigilante e de funcionário da STRONG CHARON e não do Hotel aqui já referido.
4- Face ao exposto, venho manifestar a V. Exas. a minha vontade em me manter na empresa para a qual tenho trabalhado e dado todo o meu empenho aos longos anos, a STRONG CHARON.
5- Com efeito, no âmbito e para os efeitos do disposto do artigo 286-A do Código do Trabalho, o qual prevê a possibilidade de oposição, venho manifestar aqui pela presente que, não tenho qualquer motivação profissional ou pessoal para sair da empresa que tanto confio e onde presto serviço há tantos anos, querendo-me manter como funcionário da STRONG CHARON.
6- Nestes termos, dirijo-me a V. Exas., apelando que me mantenham como funcionário da vossa empresa, a qual há 13 anos sirvo com todo o orgulho e com o meu melhor empenho a todos os níveis.
7- Convicto que darão uma resposta positiva à minha manifestação de manter o meu vínculo laboral com V. Exas., despeço-me com toda a consideração e apresento os meus melhores cumprimentos (…)».
19. Por carta datada de 24 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Exmo.(a). Senhor(a),
Acusamos a recepção, em 18.12.2020, da carta de V. Ex.ª na qual comunica a sua oposição à transmissão do seu contrato de trabalho para a empresa de Segurança ESPECIAL 1.
A oposição manifestada por V. Ex.ª não está factual nem legalmente sustentada, pelo que não se integra na previsão do número 1 do artigo 286.º-A do CT.
Assim sendo, não existindo fundamento para a oposição apresentada por V. Ex.ª, a mesma é inválida e, consequentemente, não produz quaisquer efeitos, pelo que o seu contrato de trabalho se transmitirá para a ESPECIAL 1 com efeitos a partir de 01.01.2021, mantendo-se inalterado o seu posto de trabalho.
Informamos que V. Ex.ª mantém na íntegra, por força da lei, todos os seus direitos, regalias, antiguidade e categoria profissional, pelo que em caso de incumprimento pela empresa ESPECIAL 1, deverá dar imediatamente conhecimento desta situação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e/ou ao seu Sindicato».
20. Em 28 de Dezembro de 2020, na sequência de um contacto telefónico realizado pelo Autor à 2.ª Ré Especial 1, os responsáveis desta última informaram o mesmo de que não iria ocorrer qualquer transmissão de estabelecimento e que o mesmo continuava a ser trabalhador da 1.ª Ré Strong Charon.
21. Por carta datada de 24 de Março de 2021, enviada pelo Autor à 2.ª Ré Especial 1, e por esta recebida, o primeiro comunicou à segunda que:
«(…) Assunto:
1- Comunicação da STRONG CHARON sobre transmissão do seu funcionário AA, para a empresa ESPECIAL 1, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2021 e com manutenção de todos os direitos contratuais e antiguidade (conforme carta enviada pela STRONG CHARON ao aqui identificado funcionário, em 11 de Dezembro de 2020 e rectificada em 16 de Dezembro, cujas cartas constam em anexo).
2- Face à continuada ausência de indicações pela ESPECIAL 1 ao Trabalhador ora qui signatário, quanto ao local de trabalho onde o já referido funcionário acima identificado se deve apresentar, continua o mesmo a aguardar que a vossa empresa ESPECIAL 1 comunique o local de trabalho e demais informação inerente, com vista a se apresentar ao trabalho no âmbito das suas funções de vigilante.
3- Em virtude de ainda não ter sido pago qualquer vencimento mensal pela ESPECIAL 1 ao Trabalhador aqui signatário, e para efeitos da sobrevivência dor referido funcionário, e caso ainda essa empresa continue sem pagar o vencimento e sem atribuir local de trabalho ao Trabalhador, resulta que face ao tempo decorrido e mantendo-se o silêncio de V. Exas., vê-se o Trabalhador obrigado a vir agora e por agora, a solicitar o competente preenchimento e devida (s) assinatura(s) do Modelo próprio para o efeito de pedido de Subsídio de Desemprego, até ver regularizada a sua situação laboral pela empresa ESPECIAL 1 com a atribuição de local de trabalho e pagamento de vencimento.
(…)
Após o contacto telefónico com V. Exas., em 28 de Dezembro de 2020, onde me informaram que a minha entidade patronal continuava a ser a STRONG CHARON e que devia de entrar em contacto com a mesma, e não obstante de já o ter feito por escrito, efectuei a diligência de contactar a STRONG CHARON pessoalmente, deslocando-me à sede da mesma, onde me voltaram a informar a mim e a outros colegas presentes e visados também nesta referida transferência, que efectivamente a partir de 1 de Janeiro de 2021, a minha actual entidade patronal é a ESPECIAL 1.
Não obstante as minhas diligências junto de V. Exas. para aclarar esta situação, até porque no dia 1 e Janeiro de 2021, já me encontrava a trabalhar nas vossas Instalações (Herdade do Perdiganito) (instalações objecto de transferência para a ESPECIAL 1), tendo V. Exas. transmitido que teria que terminar a minha jornada de trabalho porque não integrava a empresa ESPECIAL 1. Certo é, que continuo até à presente data, a aguardar indicações da vossa parte para me apresentar ao serviço: reforçando que a STRONG CHARON manteve a sua posição de que a no dia 01 de Janeiro de 2021, já seria vosso trabalhador.
Assim e em virtude de ainda não ter recepcionado nenhuma indicação por parte dessa empresa para me apresentar ao serviço (nem verbal, nem escrita), não obstante as diligências efectuadas enquanto Trabalhador, venho assim solicitar a V. Exas. que me informem por favor, quanto ao local, data, horários e toda as demais informações necessárias com vista a ser-me possível prosseguir as minhas funções profissionais de Vigilante (assegurando todos os meus direitos e deveres como Trabalhador com antiguidade laboral desde 2007).
Tendo em conta também que, ainda não me foi pago qualquer vencimento mensal por parte dessa empresa ESPECIAL 1 e, sem prejuízo de continuar a aguardar a indicação para me apresentar ao serviço, lamentavelmente, caso essa empresa continue a não me indicar um local de trabalho e continue sem me pagar o meu vencimento mensal, vejo-me no entanto, para feitos da minha sobrevivência e face ao tempo decorrido, obrigado a vir agora e por agora, solicitar a assinatura /preenchimento do modelo competente para os devidos efeitos (Mod. RP 5044/2018-DGSS) que se junta em anexo, para efectuar o pedido de Subsidio de Desemprego. (…)».
22. Por carta enviada em 23 de Fevereiro de 2021, e recebida pelo Autor, a Autoridade para as Condições do Trabalho remeteu ao mesmo um documento denominado de ‘declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044/2018 – DGSS)’.
(Quanto à prestação de serviços pela 2.ª Ré Especial 1 na Herdade do Perdiganito)
23. Em 29 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 e a sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. celebraram um escrito denominado de ‘contrato de prestação de serviço’, mediante o qual declararam que a primeira prestaria à segunda os serviços de segurança e vigilância, na Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, com início no dia 1 de Janeiro de 2021 e termo em 31 de Dezembro de 2021, com renovação automática por iguais períodos, e mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
24. A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 passou a prestar os referidos serviços de vigilância nas instalações da Herdade do Perdiganito.
25. Os serviços prestados pela 2.ª Ré Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir da data e hora acima referidas, coincidem com os serviços até então prestados pela 1.ª Ré Strong Charon à referida sociedade e melhor discriminados no ponto 6., tendo a mesma ao seu serviço 4 vigilantes no referido local, igualmente organizados em regime de turnos rotativos e alternados, 24 horas por dia.
26. Nem a 1.ª Ré Strong Charon nem a 2ª Ré Especial 1 aceitaram o Autor e os demais vigilantes identificados em 7. como seus trabalhadores, a partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020.
27. Em 1 de Janeiro de 2021, o Autor tinha a respectiva formação profissional e o cartão profissional de vigilante actualizados e em vigor.
28. A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, passaram a exercer funções de vigilantes nas instalações da Herdade do Perdiganito, por conta e sob as ordens e direcção da 2.ª Ré Especial 1 os trabalhadores GG, HH, II e JJ.
29. Os trabalhadores acima identificados celebraram escritos denominados de ‘contratos de trabalho’ com a 2.ª Ré Especial 1, nos primeiros dias de Janeiro de 2021.
30. A 2.ª Ré Especial 1 não utiliza, nos serviços por si prestados na Herdade do Perdiganito, fardas, impressos, bastões de ronda, alvarás ou licenças da 1.ª Ré Strong Charon.
31. Os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 que exercem funções nas instalações na Herdade do Perdiganito utilizam fardas e registos de relatórios fornecidas pela 2.ª Ré, com o modelo e imagem identificativos da mesma.
32. Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 utilizam igualmente, no âmbito das respectivas funções, o conjunto de chaves das instalações da Herdade do Perdiganito acima referenciado, bem como uma secretária, cadeira, lanterna e sistema de registo de rondas/picagens próprios, tendo como local de trabalho a portaria referida em 8.
33. A 2.ª Ré Especial 1 tem métodos de trabalho próprios, códigos de conduta próprios, normas de serviço próprias e procedimentos internos próprios, diversos dos da 1.ª Ré Strong Charon.
34. A 2.ª Ré Especial 1 organizou a afectação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores tendo em vista o início da prestação de serviços de vigilância nas instalações do hotel Herdade do Perdiganito.
35. A 1.ª Ré Strong Charon não entregou à 2.ª Ré Especial 1 alvarás, licenças ou peças de uniforme para o exercício da actividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Herdade do Perdiganito.
36. Desde data não concretamente apurada, mas ocorrida no Verão de 2021 e coincidente com a abertura do hotel na Herdade do Perdiganito, a 2.ª Ré Especial 1 reduziu para 2 o número de vigilantes a exercer actividade nas referidas instalações.
37. Em 31 de Dezembro de 2020, o Autor auferia € 796,19, a título de retribuição mensal base.
38. Desde o dia 31 de Dezembro de 2020, o Autor não recebeu qualquer quantia a título de retribuição, por parte da 1.ª Ré Strong Charon e/ou da 2.ª Ré Especial 1.
39. O Autor não tem outro meio de subsistência, que não seja o rendimento do seu trabalho.
40. O Autor é portador de uma patologia do foro cardíaco.
41. O Autor sentiu uma tristeza profunda, angústia, ansiedade, perturbações de humor e de sono na sequência e por causa da conduta das Rés acima descrita.

APLICANDO O DIREITO
Da transmissão do vínculo contratual
A questão essencial em apreciação no recurso consiste na identificação da figura jurídica de transmissão de empresa ou estabelecimento, para os fins do art. 285.º do Código do Trabalho, na versão ainda em vigor à data dos factos – a que lhe foi conferida pela Lei 14/2018, de 19 de Março, visto não ser aplicável a resultante da Lei 18/2021, de 8 de Abril, pois a adjudicação dos serviços de vigilância à 2.ª Ré foi contratada em Dezembro de 2020, logo, fora do período temporal previsto na norma transitória do art. 3.º desta última Lei (norma esta que dispõe no sentido da nova lei se aplicar “aos concursos públicos ou outros meios de selecção, no sector público e privado, em curso durante o ano de 2021, incluindo aqueles cujo acto de adjudicação se encontre concretizado.”)
Na sua contestação, a 2.ª Ré alegou que era filiada na Associação Nacional das Empresas de Segurança – AESIRF, e como tal vinculava-se à convenção colectiva de trabalho celebrada com a Associação Sindical da Segurança Privada – ASSP, publicada no BTE n.º 26/2019, de 15.07.2019, cuja cláusula 14.ª n.º 2 exclui do “conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”[3]
A filiação da 2.ª Ré naquela associação patronal foi discutida em julgamento e a sentença declarou não provada essa matéria de facto – e tal decisão nem sequer é impugnada em sede de recurso.
As Portarias n.ºs 185/2020 e 186/2020, ambas de 6 de Agosto, procederam à extensão das alterações aos contratos colectivos celebrados entre a AES e o STAD, por um lado, e entre a AES e a FETESE, pelo outro, ambas publicadas no BTE n.º 22/2020. Tais Portarias determinavam a sua não aplicação aos empregadores representados pela AESIRF mas, como vimos, a 2.ª Ré não logrou provar tal filiação, pelo menos à data dos factos em discussão nos autos.
As convenções colectivas supra referidas, celebradas pela AES com o STAD e com a FETESE, em vigor no ano de 2020 e renováveis por períodos de 12 meses, estipulavam na respectiva cláusula 14.ª um regime aplicável à sucessão de empregadores na prestação de serviços de segurança privada, em termos mais favoráveis aos trabalhadores, como permitido pelo art. 3.º n.º 3 al. m) do Código do Trabalho.
A referida cláusula 14.ª, inserta em termos semelhantes em ambas as convenções, tinha a epígrafe “Sucessão do posto de trabalho” e estava subdividida em 16 números, transcrevendo-se a seguir os seus n.ºs 1, 2, 3 e 4, pelo seu interesse para a decisão da causa:
“1 – A presente cláusula regula a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por principio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afectados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que, o objecto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços.
2 – Para efeitos da presente cláusula definem-se os seguintes conceitos:
Prestadora de serviço cessante – A empresa que cessa a actividade de prestação de serviços de segurança privada, na totalidade ou em parte, num determinado local ou ao serviço de um determinado cliente;
Nova prestadora de serviços – A empresa que sucede à prestadora de serviços cessante na execução total ou parcial da prestação de serviços de segurança privada;
Beneficiária – A empresa utilizadora dos serviços prestados pela prestadora de serviços cessante e/ou nova prestadora de serviços.
3 – A mera sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, nomeadamente por caducidade, extinção do posto de trabalho, despedimento colectivo, despedimento por justa causa, ou, ainda, o recurso à suspensão dos contratos de trabalho.
4 – Nas situações previstas no número um da presente cláusula mantêm-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a actividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.”
Podemos dar como adquirido que ambas as Rés se encontravam sujeitas, à data da transmissão, ao cumprimento das convenções colectivas celebradas pela AES com o STAD e com a FETESE, por força das portarias de extensão supra identificadas e do disposto no art. 514.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Ora, a Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou estabelecimentos, estipula no seu art. 8.º o seguinte: “A presente directiva não afecta a faculdade de os Estados-Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de favorecerem ou permitirem a celebração de convenções colectivas ou acordos entre parceiros sociais que sejam mais favoráveis aos trabalhadores.”
Em consequência, independentemente das dúvidas interpretativas que têm sido suscitadas quanto ao conceito legal de transmissão de estabelecimento, nada impede que uma convenção colectiva estabeleça o princípio da manutenção do contrato de trabalho em caso de sucessão de empregadores na execução do contrato de prestação de serviços de segurança privada, por tal se revelar mais favorável aos trabalhadores.
Beneficiava, assim, o A. das disposições mais favoráveis contidas na cláusula 14.ª das referidas convenções colectivas, garantindo a manutenção do seu contrato de trabalho em caso de sucessão de empregadores na execução do contrato de prestação de serviços de segurança privada.
Como correctamente se conclui na sentença recorrida, “também por via do instrumento colectivo de trabalho aplicável ao caso dos autos se concluiria pela verificação dos pressupostos tendentes a configurar a existência de uma transmissão parcial da unidade económica entre ambas as Rés.”
Por esta via, encontramos a solução da questão – a 2.ª Ré estava obrigada a respeitar aquela cláusula 14.ª das convenções colectivas celebradas pela AES com o STAD e com a FETESE, por força das portarias de extensão, e como tal a aceitar o A. no exercício das funções de vigilante junto do cliente.
De todo o modo, sempre o mesmo resultado seria obtido face às regras contidas no art. 285.º n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho, na versão da Lei 14/2018, pois efectivamente estamos perante uma transmissão de empresa ou estabelecimento que constitui uma unidade económica, de acordo com o conceito legal.
A Secção Social desta Relação de Évora vem decidindo, de forma uniforme, que “I- Verifica-se uma transmissão de unidade económica, para efeitos do art. 285.º do Código do Trabalho, quando uma empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança sucede, sem interrupções, a outra empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança, por ter ganhado o concurso público e lhe ter sido adjudicado tal serviço, realizando-se a prestação com o mesmo cliente, no mesmo local, com os mesmos trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objectivo a execução do serviço nas mesmas condições essenciais. II- A utilização de folhas de registo, relatórios e uniformes com modelos e imagens identificativos da empresa de segurança permitam a identificação da empresa responsável pela vigilância e segurança, mas não integram a unidade económica, no seu núcleo essencial identificativo.”[4]
Os autos demonstram que o A. exercia as funções inerentes à categoria de vigilante, sob as ordens e direcção da 1.ª Ré, nas instalações da cliente. Para o efeito utilizava as instalações da cliente, de quem os quatro vigilantes tinham as chaves, bem como outros equipamentos pertencentes à 1.ª Ré – farda, lanterna, sistema de rondas e pistola de picagem.
Em 17.11.2020, a cliente denunciou o contrato pelo qual a 1.ª Ré realizava os serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito, que depois veio a contratar com a 2.ª Ré, através do contrato celebrado em 29.12.2020.
A 2.ª Ré não admitiu qualquer dos trabalhadores que desempenhavam funções no local, recusando receber o aqui A., apesar deste ter a respectiva formação profissional e o cartão de vigilante em vigor. E passou a exercer os mesmos serviços que a 1.ª Ré anteriormente prestava, também com 4 vigilantes que ali colocou.
Entendemos – na linha do que é a jurisprudência da Secção Social desta Relação de Évora – que a realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações do cliente implicam, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, e como tal enquadrável nos n.ºs 1 e 5 do art. 285.º do Código do Trabalho.
A noção ampla de transmissão, acolhida nesta norma, não exige a existência de relações contratuais directas entre as duas empresas de segurança.
O que releva é a existência de uma unidade económica com autonomia técnico-organizativa e com identidade própria, e em sectores de actividade como o dos serviços de segurança e vigilância, a prossecução da actividade com um conjunto de trabalhadores que vinha executando de forma durável uma actividade comum, correspondendo a um número substancial dos vigilantes da empresa antecessora adequadamente estruturados, permite reconhecer a identidade da unidade económica, mesmo que não haja uma total coincidência na organização hierárquica.
Mantendo a 2.ª Ré o mesmo número de vigilantes que a 1.ª Ré havia colocado no local, continuando nas instalações da cliente para exercício da sua actividade, podemos afirmar a transmissão da mesma entidade económica, e como tal a ocorrência da figura jurídica de transmissão de estabelecimento identificada no art. 285.º n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho.
Ao contrário do que alega a Recorrente, este entendimento não viola os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade de iniciativa económica e da garantia do direito à propriedade privada, tal como consagrados nos arts. 13.º, 61.º e 62.º da Constituição. Não viola o princípio da igualdade ao não condenar a 1.ª Ré, pois o que se sanciona é o comportamento ilícito da 2.ª Ré, que recusou receber o trabalhador ao seu serviço, quando estava obrigada a fazê-lo. E a obrigação de receber os trabalhadores que se encontravam já ao serviço nas instalações do cliente não é incompatível com o exercício do direito de iniciativa económica nem com a garantia da propriedade privada, que pode ser exercida com respeito pela garantia da segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa, também consagrada no art. 53.º da Constituição.
Finalmente, quanto ao argumento relativo ao exercício do direito de oposição do A. à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, esta questão foi suscitada na petição inicial e deduzido o competente pedido contra a 1.ª Ré, com tal fundamento. A sentença apreciou expressamente este pedido e concluiu pela sua improcedência, pelo que, sendo o A. o interessado na sua procedência, cabia-lhe recorrer desse segmento decisório, na sua qualidade de vencido em tal pretensão – art. 631.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, esta questão está estabilizada e a 2.ª Ré não detém legitimidade para a invocar em sede de recurso.
Ademais, como bem anota a sentença recorrida, a comunicação dirigida pelo A. à 1.ª Ré, em 16.12.2020, não contém qualquer motivação, seja de facto, seja de direito, quanto ao prejuízo que lhe seria causado pela transmissão, pois limita-se a informar que pretende manter-se como funcionário daquela Ré, afirmando «não ter qualquer motivação profissional ou pessoal para sair da empresa que tanto confio e onde presto serviço há tantos anos».
Trata-se de uma mera manifestação de vontade, não fundamentada em prejuízo sério para o trabalhador ou na falta de confiança quanto à política de organização do trabalho do adquirente, pelo que os requisitos do art. 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho não estão preenchidos.
Para terminar, as decisões tomadas noutros processos, onde as partes não são as mesmas (a Recorrente invoca decisões tomadas noutros processos onde os demandantes são outras pessoas) e onde a causa de pedir não é rigorosamente idêntica, não têm efeitos de caso julgado no presente, pelo que não ocorre a hipótese de contradição de julgados – arts. 580.º n.º 2 e 581.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Terminando, resta confirmar a muito bem elaborada sentença recorrida.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela 2.ª Ré.

Évora, 30 de Março de 2023

Mário Branco Coelho (Relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

__________________________________________________
[1] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2008 (Proc. 07S2898), igualmente na DGSI.
[2] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 24.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Na jurisprudência, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016 (Proc. 2/13.7TTBRG.G1.S1), da Relação de Évora de 28.09.2017 (Proc. 1415/16.8T8TMR.E1, subscrito pelo ora relator) e da Relação de Guimarães de 10.07.2019 (Proc. 3235/18.6T8VNF.G1), todos em www.dgsi.pt.
[3] Deixa-se, porém, a seguinte nota: a AESIRF e a ASSP celebraram, recentemente, um novo CCT, que modifica substancialmente a posição daquelas associações quanto ao tema da sucessão de empresas de vigilância e segurança.
Com efeito, no CCT publicado no BTE n.º 7/2023, outorgado por aquelas associações, em vigor a partir de 01.01.2023, a nova cláusula 14.ª passa dispor sobre “a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por princípio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos, e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afectados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que, o objecto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa.”
[4] Sumário do Acórdão desta Relação de 11.02.2021 (Proc. 100/20.0T8SNS.E1), relatado pela 1.ª Adjunta e publicado em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, no domínio das empresas de vigilância e segurança, pronunciaram-se os Acórdãos desta Relação de Évora de 28.01.2021 (Proc. 959/18.1T8BJA.E1), de 10.03.2022 (Proc. 1746/20.2T8PTM.E1), de 24.03.2022 (Proc. 620/20.7T8STR.E1) e de 30.06.2022 (Proc. 2082/20.0T8FAR.E1), todos publicados no mesmo local.