Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2540/12.0TBLLE.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: ACTIVIDADES PERIGOSAS
ACIDENTE DESPORTIVO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A exploração de um kartódromo de lazer deve ser considerada uma actividade perigosa, para os fins do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, dado não se exigir qualquer experiência aos utilizadores e a formação prévia ser claramente inapta para os formar acerca das exigências de condução dos karts e dos perigos a eles inerentes.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
1. A exploração de um kartódromo de lazer deve ser considerada uma actividade perigosa, para os fins do art. 493.º n.º 2 do Código Civil, dado não se exigir qualquer experiência aos utilizadores e a formação prévia ser claramente inapta para os formar acerca das exigências de condução dos karts e dos perigos a eles inerentes.
2. Acresce, ainda, a considerável velocidade atingida pelos referidos veículos, o quadro de desafio entre utilizadores da pista, e a insuficiência das estruturas de protecção dos condutores – no caso, inexistência de um sistema de retenção do condutor dentro do veículo, apto a evitar a sua projecção para o exterior em caso de embate ou capotamento, e insuficiência de altura da barra de protecção.
3. É absolutamente proibida a cláusula inserida no bilhete de ingresso no kartódromo, na qual a entidade que o explora se desresponsabiliza por danos pessoais ou a terceiros, por tal afrontar o disposto no art. 18.º, als. a) e b), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
4. O art. 798.º do Código Civil, ao determinar a responsabilidade do devedor pelo prejuízo causado ao credor, não efectua restrição aos danos meramente patrimoniais, pelo que os danos não patrimoniais resultantes de inexecução contratual serão igualmente indemnizáveis, desde que mereçam a tutela do direito.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Loulé, (…) demandou (…) Karting, Lda., e fez intervir a título principal (…) Portugal – Companhia de Seguros, Lda., pedindo o pagamento de indemnização em consequência de um acidente ocorrido quando conduzia um kart no complexo de lazer explorado pela Ré.
Após julgamento, foi proferida sentença condenando a Ré e a interveniente principal, solidariamente, no pagamento das quantias de € 8.734,00 a título de indemnização pelas despesas médicas, € 2.000,00 a título de indemnização pela incapacidade parcial permanente e € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescendo juros desde a citação e até integral pagamento.

Recorrem quer a Ré, quer a interveniente principal.
Quanto à Ré, coloca as seguintes questões nas suas conclusões (que aqui se sumariam, pois aquelas que apresentou não efectuam uma verdadeira síntese das suas alegações):
- Os factos n.ºs 13 e 14 do elenco de factos provados são meras conclusões.
- Mesmo que assim não se entenda, devem ser dados como não provados.
- Igualmente devem ser dados como não provados os factos constantes dos pontos 33 a 37 do elenco de factos provados.
- Quanto ao elenco de factos não provados, devem ser considerados provados os que ali foram incluídos nos pontos 24 a 31, 33 a 35, 39, 45 e 48.
- O tribunal recorrido conclui erradamente pela culpa da Ré e não refere quais seriam, no seu entender, as providências “exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir a verificação do dano”.
- O A. não alegou que a actividade da Ré ao explorar um kartódromo de lazer era de especial perigosidade.
- A pista do kartódromo explorado pela Ré tem licenciamento e homologação da pista pela FPAK e com este procedimento garante que a pista e equipamento que utiliza se encontram conforme o recomendado nas medidas de segurança europeias, uma vez que não existe legislação para karts de lazer como o da Ré.
- A Ré cumpre todas as medidas de segurança que lhe recomenda da FPAK e até tem outras como a barra anti-capotamento para evitar que o peso do kart atinja o corpo do piloto, travões com encaixe, sistema de travagem que impede o acelerador ao mesmo tempo, uso de capacete, sistema de protecção de cabeça e corpo, pára-choques frontais traseiros e laterais, sendo efectuada uma vistoria diária aos karts verificando o estado e condições de pneus, travões, motor, acelerador, volante óleo, lubrificação.
- A pista da Ré é segura, tem as dimensões adequadas, bom piso, com protecções e faixas vibratórias com cores vermelha, só assim estaria homologada pela FPAK, e tem sempre de vigia dois trabalhadores da Ré e um veículo designado “safety-car” com pirilampo, além de luzes e bandeiras que assinalam perigo.
- A actividade desenvolvida pela recorrente não se inscreve nos critérios definidos pelo legislador para a classificação de uma determinada actividade como perigosa, pelo que não tem aplicação a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 493.º do C. Civil.
- Mesmo que a actividade da recorrente seja perigosa, o que não se concede, a matéria de facto provada afasta qualquer responsabilidade da apelante na verificação do acidente.
- Tivesse o A. recorrido respeitado as instruções que lhe foram comunicadas previamente à sua entrada em pista e as elementares regras de condução e da física, não teria capotado.
- O acórdão da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 2321/05.7TBVCT.G1 distingue kartódromos de competição e de lazer, considerando os primeiros, pelo tipo de kart e de perigosidade por ser uma competição, onde impera a velocidade, constituem uma actividade perigosa.
- Pode-se concluir que a actividade de um kartódromo de lazer não é uma actividade especialmente perigosa, especialmente no karting de (…) porque tem regras de segurança no kart e na pista.
- Mesmo que se concordasse que a actividade do kartódromo de (…) fosse considerada especialmente perigosa, ainda assim para haver responsabilidade civil da Ré teria o autor de provar que os danos resultaram de uma falta de segurança ou de um dano/defeito no equipamento, quer fosse por acção ou omissão.
- No caso em apreço todas as acções ou omissões que o autor invocou como sendo causadoras do dano foram declaradas não provadas.
- A Ré cumpriu com todas as regras de segurança e nada mais podia fazer para evitar o acidente.
- Foi o autor quem teve a responsabilidade e culpa total pelo acidente, sendo ele o único que poderia ter evitado o acidente, circulando com precaução como o fizeram os demais, abrandando antes de entrar na curva.
- A venda de um bilhete para obtenção de um serviço de lazer integra uma relação contratual.
- A cláusula inserta no verso do bilhete só seria proibida no âmbito dos “danos patrimoniais extracontratuais” nos termos da alínea b) do art. 18 do DL 446/85, pelo que não se aplica ao caso sub judice.
- O tribunal a quo não podia condenar no pagamento das despesas hospitalares no valor de € 8.734,00, pois o A. não provou ter liquidado esse valor.
- É exagerado o valor de € 2.000,00 atribuído por danos patrimoniais futuros, que não se provaram.
- A fixação de danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 excede largamente a razoabilidade do pedido, tanto mais que o tribunal a quo justifica este valor em factos não provados como sejam a desvalorização arbitrada ao A. no grau 2 de 7 e quantum doloris de 4 em 7.

As conclusões da interveniente principal (Seguradora) são as seguintes:
I- A eventual responsabilidade da Ré (…) Karting, Lda., é contratual por decorrer do contrato de prestação de serviço titulado pelo bilhete de entrada no circuito.
II- A cláusula inserta no bilhete de entrada que desresponsabiliza a empresa por danos pessoais dos clientes, salvo em caso de avaria, não é uma cláusula proibida pelo Art. 18 do DL 446/85 pois esta disposição legal só se aplica à responsabilidade extracontratual e não à contratual como é o caso.
III- A actividade exercida pela Ré (…) Karting, Lda., de proporcionar a utilização de lazer e recreio de veículos kart no seu circuito não é uma actividade perigosa para efeitos o disposto no art. 493º, nº 2, do Cód. Civil.
IV- O circuito de karting (…) Karting está devidamente licenciado, cumpre todas as regras de segurança, todos os utentes são informados, incluindo o A. de tais regras e dos procedimentos a tomar durante a sua utilização.
V- Os karts são todos inspeccionados antes de serem utilizados pelos utentes e o kart utilizado pelo A encontrava-se em boas condições de utilização e funcionamento designadamente os seus órgãos de travagem e protecções.
VI- Durante a utilização de um “kart” o A não travou à aproximação de uma curva nem nos instantes que seguiram até ao capotamento do kart.
VII- A falta de travagem do kart à entrada da curva teve como consequência que o kart entrou na curva com velocidade excessiva que gerou uma força centrífuga tal que projectou o kart para o exterior da curva fazendo as respectivas rodas perder a aderência ao solo e em consequência o kart capotou com o A. que o tripulava.
VIII- O A podia e devia ter travado o kart antes de entrar na curva de modo a que o kart se não despistasse, pelo que o acidente ocorreu por única e exclusiva culpa do mesmo A.
IX- A Ré (…) Karting cumpriu todas as regras de segurança e demais procedimentos para evitar acidentes dos seus utentes, na circunstância em que o acidente do A. ocorreu, nenhuma outra providência existia que pudesse empregar para evitar o acidente ocorrido.
X- A única providência que, na circunstância, podia ser tomada para evitar o acidente era travar o kart onde o A. seguia, à entrada da curva, pois, só a diminuição da velocidade podia impedir o despiste por excesso da força centrífuga gerada, mas tal providência só o A. a podia e devia tomar e não já a empresa Ré.
XI- Dos factos provados sobre a forma como ocorreu o acidente é possível concluir que o mesmo ocorreu por culpa única e exclusiva do A e que a empresa Ré não podia, na circunstância, tomar quaisquer outras providências que pudessem evitar o acidente.
XII- A apólice do contrato de seguro contém uma condição especial de exclusões adicionais que no seu art. nº 4 exclui da cobertura da apólice os danos provocados pelo cliente, como foi o caso.
XIII- Não se provou que o A. tenha pago os custos das intervenções cirúrgicas e demais tratamentos pelo que deles não pode ser reembolsado sob pena de enriquecimento sem causa.
XIV- Não se provou que o deficit funcional de 2 pontos percentuais de que o A ficou afectado em consequência do acidente tenha qualquer reflexo no exercício da sua profissão ou na sua remuneração pelo que não existe dano patrimonial futuro que justifique a fixação a esse título de qualquer indemnização.
XV- Os danos não patrimoniais sofridos pelo A devem ser valorados em montante não superior a 12.000,00€.
XVI- A apólice que titula o contrato de seguro prevê, em caso de sinistro, uma franquia de 10% dos valores indemnizatórios, quantia essa a cargo do segurado.
XVII- Foram violadas por não aplicadas, entre outras, as disposições conjugadas dos arts. 483º, 493º, 496º, nº 1 e 4, todos do Cód. Civil e do art. 18º, al. b), do DL 446/85.

Não houve resposta.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – artigo 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Da análise das conclusões da Ré (…) do Karting, Lda., esta começa por afirmar que é conclusiva a matéria incluída nos pontos 13 e 14 do elenco de factos provados, nomeadamente na parte em que se afirma que as rodas direitas do kart perderam a aderência, numa curva à direita e o A. perdeu o controlo e domínio do veículo. No entanto, esta afirmação reflecte uma realidade física e não se vislumbra em que medida está ali afirmada uma conclusão jurídica.
Insiste ainda a Ré, afirmando que esses factos devem ser declarados como não provados, uma vez que o kart apenas perdeu a aderência por o A. ter entrado na curva sem travar, não conseguindo assim dominar o veículo. No entanto, no ponto 83 dos factos provados, já está estabelecido que o A. não accionou o travão à aproximação da curva e nos instantes que se seguiram até ao capotamento do veículo – e não se mostra incompatível com essa realidade a afirmação incluída nos pontos 13 e 14, das rodas terem perdido a aderência, perdendo o condutor o domínio do kart e capotando.
Quanto aos pontos 33 a 37 do elenco de factos provados, têm suficiente suporte nos relatórios periciais realizados no IML em 19.06.2014 e 05.02.2016, que confirmaram os elementos médicos que o A. apresentou com a sua petição inicial, e ainda nos depoimentos de (…), mãe do A., (…), sua esposa, e (…), médico e amigo pessoal do A. e que o visitou dias após a intervenção cirúrgica a que foi sujeito.
Entrando agora na análise dos factos considerados não provados e que a Ré pretende ver considerados provados, a sentença recorrida declarou não provado que «ao adquirir o bilhete o A. foi informado dos riscos que poderia correr e aceitou-os por conta própria» e que «aceitou que em caso de acidente os danos patrimoniais e não patrimoniais seriam da sua inteira responsabilidade, excepto se devidos a problemas mecânicos.» A Ré entende que a prova de tais factos se fará de forma automática, pela mera circunstância de se ter considerado provado que o A. adquiriu os bilhetes que continham no verso os dizeres constantes do ponto 65 dos factos provados e nessas condições ter participado na corrida. Porém, uma coisa não leva necessariamente à outra e nenhuma testemunha tinha conhecimento desta matéria, motivo pelo qual bem procedeu a decisão recorrida ao declarar esta matéria não provada.
Quanto aos pontos 25 a 28 e 30 dos factos não provados, acerca dos painéis informativos existentes no kartódromo e ao briefing realizado ao A., com informação acerca da não aproximação ao kart que o precede, a decisão recorrida justificou a sua decisão pela circunstância das testemunhas (…) e (…) não lograrem pormenorizar o conteúdo dos referidos painéis e não terem assistido ao briefing. Acerca deste assunto, nota-se que a Ré, no seu requerimento de 30.09.2013, protestou juntar documentação referente aos painéis informativos existentes no local, mas nunca chegou a efectuar essa junção. Ouvindo os depoimentos das testemunhas (…) e (…), concorda-se que estes não pormenorizam o conteúdo dos referidos painéis, e visto que também não assistiram ao briefing prestado ao A., não estando o depoimento do gerente da Ré corroborado por qualquer outro meio de prova imparcial, apenas se pode afirmar que a prova produzida não impõe uma decisão diversa daquela que consta da sentença recorrida, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual também nesta parte improcede a impugnação.
Quanto ao ponto 31 dos factos não provados, a Ré impugna não se ter considerado provado que a pista é plana, com base no documento 1 junto com a petição inicial e os documentos 1 e 2 juntos com o requerimento de 20.09.2013 – porém, tais documentos não permitem estabelecer essa prova com a necessária segurança, pelo que também nesta parte improcede a impugnação.
No ponto 33, declarou-se não provado que os karts tivessem protecções em borracha e as rodas estivessem colocadas dentro dessas protecções. A testemunha (…) referiu-se à existência de pára-choques à frente, atrás e de lado, para absorver impactos, mas não confirmou que o material fosse em borracha. Por outro lado, quanto à efectiva inserção das rodas dentro dessas protecções, nada na prova o permite afirmar e a fotografia junta com o requerimento da Ré de 30.09.2013 até permite concluir o contrário. Enfim, a prova produzida não impõe decisão diversa, pelo que também por aqui improcede a impugnação.
Quanto ao ponto 34 dos factos não provados, já foi considerado provado que existia uma barra de protecção para impedir o esmagamento do condutor pelo veículo em caso de capotamento – ponto 77 dos factos provados. Sobre se essa barra tinha altura suficiente para circundar também as costas e a cabeça dos condutores não existe qualquer prova nos autos – de resto, a fotografia que a Ré juntou com o seu requerimento de 30.09.2013, reproduzindo os seus karts, não permite afirmar essa realidade, bem pelo contrário.
Quanto ao ponto 35 dos factos não provados, acerca da inspecção diária aos karts ao final do dia, já foi considerado provado que os empregados da Ré inspeccionam os karts diariamente – ponto 85 dos factos provados. Sobre se essa inspecção ocorre apenas ao final do dia, inexiste prova desse facto, pelo que também por aqui se desatende a impugnação.
Quanto aos pontos 39 e 45 dos factos não provados, acerca do A. não ter acatado as regras que lhe foram transmitidas pela Ré e ter efectuado uma condução contrária ao que lhe foi explicado no briefing, nos pontos 67 e 69 do elenco de factos provados foi referida a matéria explicada naquele acto, ali não constando a referência à proibição absoluta de travagem em curva. Ponderando ainda que a travagem em curva pode apresentar perigo conforme a velocidade momentânea e o ângulo da própria curva – factores estes desconhecidos, tanto mais que o kart não tem conta-quilómetros – e que não está demonstrado que o A. circulou com o kart na berma antes de capotar, também aqui se mantém a decisão da primeira instância.
Finalmente, quanto ao ponto 48 dos factos não provados, acerca da inspecção realizada ao kart após o acidente ter concluído que este não apresentava estragos, recorde-se que nos pontos 81 e 82 do elenco de factos provados já foi demonstrado que o sistema de travagem do kart estava apto a funcionar quando foi entregue ao A. e que na inspecção que se seguiu ao acidente foi verificado que esse sistema continuava a funcionar, não tendo sido afectado pelo capotamento. Agora, se o kart não apresentava danos noutros órgãos, é algo que permanece na dúvida – o gerente da Ré admitiu que trocou o volante, por razões meramente estéticas, mas nenhum outro depoimento corrobora essa explicação.
Neste ponto, importa recordar que as declarações de parte não podem valer como prova de factos favoráveis se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova isento e imparcial.
Lebre de Freitas[2] escreve que “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.”
Trata-se de um meio de prova cuja apreciação se faz segundo as regras normais de formação da convicção do juiz, o que implica que, em relação a factos favoráveis à parte interessada na procedência da causa, o juiz não deve ficar convencido apenas com o seu depoimento, carecendo de um mínimo de corroboração por outras provas isentas e independentes da parte[3].
As declarações de parte constituem, pois, mero princípio de prova, não se mostrando bastantes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de certeza final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova[4].
Teixeira de Sousa[5] esclarece que “o princípio (ou começo) da prova é o menor grau de prova: ele vale apenas como factor corroborante da prova de um facto. Isto é, o princípio da prova não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer prova, mas pode coadjuvar, em conjugação com outros elementos, a prova de um facto.”
Reafirmando que a Ré não logrou produzir prova adicional, isenta, objectiva e imparcial, acerca da inexistência de danos noutros órgãos do kart, corroborando a versão apresentada pelo gerente da Ré, bem procedeu a primeira instância ao declarar não provada esta matéria.
Em resumo, improcede a impugnação da matéria de facto.

Os factos ficam assim estabelecidos:
1. A Ré (…) do Karting, Lda., é uma sociedade comercial por quotas que, no âmbito da sua actividade, se dedica à exploração, com fins lucrativos, de um complexo de lazer localizado em (…), sito no Caminho das (…), no qual tem instalado o designado “Kartódromo de (…)”.
2. O ingresso e acesso às actividades desenvolvidas em tal complexo, como o seja a utilização do circuito de kart, está sujeito ao pagamento de uma contrapartida pecuniária à Ré (…) do Karting, Lda..
3. Em tal circuito, a Ré (…) do Karting, Lda., disponibiliza veículos de karts aos seus clientes, os quais são conduzidos no circuito de karting existente para o efeito.
4. A Ré (…) Karting, Lda., sujeita a condução dos karts a regras de segurança e de circulação a observar pelos condutores dos mesmos.
5. No dia 6 de Dezembro de 2009, pelas 16h52 m, o A. (…) deslocou-se ao “Kartódromo de (…)” na companhia de (…) e (…).
6. O A. (…) nunca tinha utilizado anteriormente aquele complexo explorado pela Ré (…) do Karting, Lda..
7. Depois de ter procedido à aquisição do bilhete que lhe permitiu o acesso ao “Kartódromo de (…)”, o A. (…) ouviu de (…), sócio gerente da Ré (…) do Karting, Lda., indicações quanto à utilização do kart.
8. O bilhete foi adquirido num conjunto promocional de 6 (seis) bilhetes pelo montante global de € 75,00 (setenta e cinco euros).
9. Após, o A. (…) deslocou-se ao local onde os karts estavam estacionados, tendo um empregado da Ré (…) do Karting, Lda., lhe disponibilizado um kart.
10. O A. (…) tem 1,88 metros de altura.
11. O A. (…) entendeu que não tinha espaço suficiente no assento do kart que lhe fora atribuído, dada a sua altura, e disso alertou esse empregado da Ré (…) do Karting, Lda..
12. O empregado da Ré (…) do Karting, Lda., disponibilizou então um outro veículo de kart ao A. (…), com um assento de maiores dimensões.
13. Antes de esgotados os 10 (dez) minutos de circulação do kart em pista, as rodas direitas do kart conduzido pelo A. (…) acabaram por perder aderência, numa curva à direita, e este perdeu o controlo e o domínio do kart em que seguia.
14. Pelo que as rodas do kart perderam o contacto com o solo e este capotou, tendo-se virado, com as rodas no ar.
15. O kart tombou em seguida no solo, com as rodas no ar, do que resultou um impacto na zona do ombro esquerdo do A. (…).
16. Em consequência do qual o A. (…) sentiu dores nesse ombro, de imediato.
17. O A. (…) conseguiu-se levantar.
18. Os empregados do “Kartódromo de (…)” vieram de imediato em socorro do A. (…), e encaminharam-no para um local destinado a primeiros socorros do Kartódromo.
19. O A. (…) seguiu de imediato para o Hospital Distrital de Faro, onde lhe foi prescrito o uso de uma ligadura.
20. Em consequência do referido capotamento e do impacto que dele resultou na zona do ombro do A., no dia 9 de Dezembro de 2012, o A. (…) consultou o médico Dr. (…), e foi encaminhado para o Hospital San Juan de Dios del (…), em Espanha, onde, após terem sido realizados exames radiológicos e trans-toráxicos, foi constatada a ruptura/arrancamento do vértice inferior da glena (cavidade do osso) no ombro esquerdo do A..
21. E, no dia 10 de Dezembro de 2009 o A. (…) ingressou no serviço de radiologia do Hospital San Juan de Dios del (…), onde foi confirmado o diagnóstico de ruptura do rebordo anterior da cavidade glenoidal do ombro esquerdo;
22. Nesse dia 10 de Dezembro de 2009, nesse Hospital, foi efectuada uma tomografia computorizada articular para avaliar a possibilidade de realização de uma intervenção cirúrgica à fractura da glena, e foi verificada a existência de lesões de Hill-Sachs e Barkart ósseo, com fragmento ósseo intra-articular;
23. E, no dia 11 de Dezembro de 2009, o A. (…) foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, com a realização de uma redução aberta e osteossíntese de fragmento osteocondral de 50% da articular inferior com 2 (dois) parafusos de 2 mm, e uma osteossíntese de Bankart ósseo com 2 (dois) parafusos de 3 mm;
24. No dia 15 de Dezembro de 2009, o A. (…) teve alta hospitalar, tendo regressado a casa, com controlo da medicação e traumatológicos a realizar pelo seu médico de família.
25. O A. (…) teve alta médica no dia 29 de Janeiro de 2010.
26. A 24 de Março de 2010, o A. (…) foi autorizado a iniciar as rotações passivas do ombro.
27. Entre 8 de Fevereiro de 2010 e 14 de Junho de 2010, o A. (…) foi sujeito a fisioterapia, com a duração de 1 (uma) hora diária.
28. Em 7 de Fevereiro de 2011, o A. (…) ingressou novamente no Hospital San Juan de Dios del (…) para submeter-se a uma intervenção cirúrgica para tratamento da capsulite adesiva pós-traumática que havia permanecido como consequência da fractura da glena.
29. E, realizou artroscopia do ombro esquerdo, capsulotomia anterior, artrotomia e retirada dos parafusos de Asnis de 2 (dois) e 3 (três) milímetros.
30. O A. (…) permaneceu internado em tal Hospital até 9 de Fevereiro de 2011.
31. Em consequência de tal intervenção, o A. (…) esteve incapacitado para trabalhar entre os dias 7 de Fevereiro de 2011 e 8 de Março de 2011.
32. Posteriormente, o A. (…) foi sujeito a terapia de reabilitação entre 23 de Fevereiro de 2011 e 21 de Julho de 2011.
33. E o A. (…) acabou por recuperar alguma mobilidade e funcionalidade do ombro.
34. Contudo, estabilizadas as sequelas, o A. (…) ficará permanentemente, como consequência directa e necessária do acidente acima identificado, com uma cicatriz roxa na axila esquerda com 8 cm de cumprimento e 0,8 cm de grossura, e pequenas cicatrizes circulares a nível anterior e posterior nos portais artroscópicos.
35. E a mobilidade futura do ombro esquerdo do A. (…) ficará igualmente afectada, uma vez que perderá definitivamente:
a. 10º de mobilidade, a nível de abdução;
b. 0º de mobilidade, a nível de anteversão;
c. 10º de mobilidade, a nível da retroversão;
d. 45º de mobilidade, a nível da rotação externa; e,
e. 20º de mobilidade, a nível da rotação interna.
36. Pelo que, o A. (…) ficou impossibilitado de realizar actividade que implique levantar totalmente os seus braços.
37. O A. (…) perdeu força no ombro esquerdo valorada em 4/5, segundo a escala de Daniels.
38. O A. (…) nasceu a 08 de Abril de 1980.
39. As cirurgias e os tratamentos a que o A. (…) foi submetido causaram-lhe dores.
40. Durante os períodos de internamento para cirurgia, o A. (…) sofreu por ter de permanecer acamado e por se ver afastado do seu meio familiar e social.
41. Depois dos internamentos, o A. sofreu dores com a continuação dos tratamentos na clínica de fisioterapia.
42. As cicatrizes de que o A. (…) ficou a padecer causam-lhe desgosto.
43. Antes do acidente o A. era uma pessoa saudável, robusta e alegre.
44. O A. continuará a sofrer dores.
45. O A. exercia, e ainda exerce, a profissão de analista informático.
46. E, auferia um salário de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros) líquidos.
47. O A. era praticante de basquetebol.
48. Devido às sequelas de que é portador, o A. não pôde, nem pode, praticar mais basquetebol.
49. Pelo que, o A. (…) sente-se infeliz pela diminuição da funcionalidade do seu referido ombro.
50. O valor das intervenções cirúrgicas, hospitalizações, consultas e sessões de fisioterapia prestadas pelo Hospital San Juan de Dios del (…), ascende a € 8.734,00 (oito mil setecentos e trinta e quatro euros), em conformidade com a factura emitida ao ora A. por aquele Hospital a 22 de Setembro de 2011.
51. Essas intervenções cirúrgicas, hospitalizações, consultas e sessões de fisioterapia, foram consequência directa e necessária do capotamento acima descrito e do impacto que dele resultou na zona do ombro do A..
52. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…) de 25/10/2002, do Ramo Responsabilidade Civil, na Modalidade Responsabilidade Civil das Empresas de Animação Turística, celebrado entre a Ré (…) do Karting, Lda., na qualidade de Tomadora e Segurada, e a Ré/Interveniente (…) Portugal, Companhia de Seguros, S.A., e de acordo com as condições particulares do mesmo, esta última assumiu o risco da responsabilidade civil da tomadora e segurada pela exploração do Kartódromo de (…) até ao montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
53. Desta apólice n.º (…) de 25/10/2002, consta a seguinte Condição Especial:
“(…) 1 – Definições
Para efeitos desta Condição Especial, entende-se por:
Segurado - A entidade no interesse da qual o contrato é celebrado (...)
Actividade segura - O exercício das actividades da Empresa de Animação Turística, tal como se encontra definida na legislação em vigor.
2 – Objecto e Garantia do Contrato
Nos termos desta Condição Especial e em Harmonia com as Condições Gerais da Apólice, a (…) Portugal garante a responsabilidade civil legalmente imputável ao Segurado em consequência dos danos patrimoniais e não patrimoniais, exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a clientes ou a terceiros por acções ou omissões do Segurado ou de quaisquer pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável, enquanto na qualidade ou no exercício da actividade de Animação, nos termos da legislação em vigor, expressamente referida nas Condições Particulares do contrato. (…)”.
54. No artigo 2.º das Condições Gerais da apólice na (…) de 25/10/2002, consta que:
“Artigo 2.º - Objecto do contrato
O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Tomador do seguro, ao Segurado ou Pessoa Segura enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares. (…).”
55. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice na (…) de 28/10/2002, do Ramo Acidentes Pessoais – Colectivo, na Modalidade Desporto, Cultura e Recreio, celebrado entre a Ré (…) do Karting, Lda., na qualidade de tomadora, e a Ré/Interveniente (…) Portugal, Companhia de Seguros, S.A., esta última assumiu os riscos, inerentes à modalidade, de morte ou invalidez permanente até ao montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), e de despesas de tratamento até ao montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), tendo como beneficiários os praticantes não federados, no referido Parque Desportivo da Actividade de Karting, vigorando aí, de acordo com as condições particulares, uma franquia de € 62,50 (sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos) por sinistro para a cobertura de despesas de tratamento, e apenas sendo consideradas, para efeito de indemnização, as despesas de tratamento efectuadas exclusivamente em Portugal.
56. No artigo 2.º das Condições Gerais da apólice n.º (…), consta:
“Artigo 2.º - Objecto do contrato
O presente contrato garante, nos termos estabelecidos nas respectivas coberturas, as indemnizações devidas por:
1 - Coberturas Principais:
a. Morte
b. Invalidez Permanente
c. Morte ou Invalidez Permanente
2 - Coberturas Complementares:
a. Incapacidade Temporária Absoluta;
b. Incapacidade Temporária Absoluta só em caso de Internamento Hospitalar;
c. Despesas de Tratamento e de Repatriamento;
d. Despesas de Funeral.
3 - As coberturas complementares só podem ser concedidas em conjunto com qualquer das coberturas principais. (…).”
57. No artigo 36.º das Condições Gerais da apólice n.º (…), consta que:
“1. No caso de Invalidez Permanente, clinicamente constatada e sobrevinda no decurso de dois anos a contar da data do acidente, a (…) Portugal pagará a parte do correspondente capital determinada pela tabela de desvalorização anexa.
2. O pagamento desta indemnização, na falta de indicação expressa em contrário nas Condições Particulares, será feito à pessoa segura (…)
3. As indemnizações são calculadas objectivamente, isto é, considerando apenas o grau de Invalidez independentemente da pessoa segura poder ou não praticar a actividade desportiva, cultural ou recreativa a que se dedicava.
4. As lesões não enumeradas na tabela de desvalorização, mesmo de importância menor, são indemnizadas em proporção da sua gravidade comparada com as dos casos enumerados, sem ter em conta a profissão exercida.
(…)
7. A incapacidade funcional parcial ou total de um membro ou órgão é assimilada à correspondente perda parcial ou total.
8. Em relação a um mesmo membro ou órgão as desvalorizações acumuladas não podem exceder aquela que corresponderia à perda total desse membro ou órgão.
(…)
10. Só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou a soma das desvalorizações seja igualou superior a 10 por cento, salvo convenção em contrário e mediante a aplicação do sobre-prémio correspondente.
(…)”.
58. A Tabela referida no artigo 36.º da Condições Gerais da apólice n.º (…) é a que consta a fls. 285 a 287 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
59. A respeito das lesões sofridas pelo A. em consequência daquele capotamento e do impacto que dele resultou na zona do ombro do A., a data da consolidação médico-legal das mesmas é fixável em 21/07/2011; e,
60. No âmbito do período de danos temporários, e tendo em conta as lesões resultantes e o período de recuperação funcional, o quantum doloris é fixável no grau 4 (quatro), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
61. Ainda a respeito das lesões sofridas pelo A. em consequência daquele capotamento e do impacto que dele resultou na zona do ombro do A., no âmbito dos danos permanentes em decorrência das sequelas o A. ficou com:
- um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 0,02 (dois pontos percentuais), com referência à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida), que o A. ficou a padecer permanentemente de limitação na rotação externa do ombro esquerdo, e que as mesmas são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais, pese embora não afectem o A. em termos de autonomia e independência.
62. E, tendo em conta as cicatrizes, sofreu um Dano Estético Permanente fixável no grau 2 (dois), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente.
63. Tal como, sofreu uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
64. E bem assim, tem uma dependência permanente de ajuda medicamentosa, que é a medicação analgésica.
65. O bilhete que o A. adquiriu, para ingresso no circuito, tinha no seu verso os seguintes dizeres em Português:
“A empresa não se responsabiliza por danos pessoais ou terceiros, salvo em caso de avaria ou falha mecânica dos karts. Conduza a seu risco e responsabilidade, por conduta temerária será expulso da pista.
Para sua segurança ate o capacete.
A empresa não se responsabiliza por objectos perdidos ou deteriorados.
Está terminantemente proibido de chocar contra outros karts, poderá ser expulso da pista.
É proibido atravessar as áreas de serviço, poderá ser expulso da pista.
Pais e tutores, as suas crianças irão estar sob a vossa inteira responsabilidade.”
66. O bilhete que o A. adquiriu tinha também no seu verso o texto, em língua espanhola, da tradução desses dizeres.
67. Antes de iniciar a sua circulação em pista, ao A. e a outros que também se propunham circular, foi efectuada uma explicação, pelo sócio gerente da Ré (…) do Karting, Lda., ali designada por “briefing”, sobre o manuseamento do kart e regras de segurança na sua condução.
68. Com efeito, o “briefing” foi também efectuado na língua espanhola.
69. No “briefing” foi referido que o pedal direito era acelerar, e que o pedal esquerdo era para travar; que os condutores dos karts deveriam circular mantendo uma distância de segurança dos karts que os precedem, e por forma a não embater nos outros karts; que os pilotos deveriam estar atentos às indicações dos monitores da pista de karting, e à sinalização luminosa de acidente na pista; e que os pilotos que fizessem uma condução perigosa podiam perder o direito de continuar na pista.
70. O A. ouviu o que o sócio gerente disse naquele “briefing”, tendo decidido circular no kart pela pista do circuito do Kartódromo de (…).
71. Pela compra do bilhete a Ré possibilita ao utente do Kartódromo a circulação em pista, no kart, durante 10 (dez) minutos.
72. Antes do referido capotamento, o A. já tinha accionado o sistema de travagem do kart durante aquele percurso que efectuou em pista no Kartódromo de (…).
73. A referida pista de circulação dos karts, do Kartódromo de (…), tem o piso em alcatrão, e a largura da mesma não é inferior a 7,50 metros.
74. A referida pista de circulação dos karts, do Kartódromo de (…), dispõe de sinalização luminosa, que, quando accionada, alerta os seus utentes para perigo na circulação, e dispõe ainda de um carro de segurança, que possibilita que em caso de perigo ou acidente um empregado da Ré (…) do Karting, Lda., chegue ao local e o sinalize.
75. Encontrava-se um empregado da Ré a vigiar a pista, encarregue de prestar assistência, zelar pela segurança dos utentes.
76. Para o referido Circuito de Karting de (…), a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK) emitiu, a 09/11/2009, a Licença de Circuito Nacional, grau 2, com o número (…), com validade para o período de 07/11/2009 a 31/12/2012, nela fazendo constar que aquele circuito “na data de emissão desta licença, preenchia as condições de segurança exigidas pela FPAK, de acordo com os regulamentos em vigor.”
77. A 06/12/2009, os karts utilizados pela Ré (…) do Karting, Lda., dispunham de uma barra de protecção, para impedir o esmagamento do condutor pelo veículo em caso de capotamento.
78. A 06/12/2009, os karts utilizados pela Ré (…) do Karting, Lda. dispunham de um sistema que não permite a aceleração quando se encontra accionado o travão.
79. Antes de serem utilizados pelos utentes da referida pista de karting, os karts da Ré (…) do Karting, Lda., são inspeccionados por empregados seus, os quais têm que verificar o estado dos pneus, os travões e acelerador, as protecções à volta do kart, o óleo, e o combustível.
80. Cada vez que um kart tem um acidente em pista, é-lhe feita uma análise dos pneus, travões e protecções, antes de ser novamente recolocado a circular.
81. Após o referido capotamento, o kart em que o A. circulou foi inspeccionado, e o sistema de travões de que era dotado funcionava, não tendo sido afectado pelo capotamento.
82. O sistema de travagem do kart em que o A. circulou estava apto a funcionar quando foi entregue ao A..
83. O A. não accionou o travão à aproximação da referida curva à direita, e nos instantes que se seguiram até ao capotamento do kart em que circulava.
84. Existem sempre dois vigilantes da Ré (…) do Karting, Lda. em pista, que prestam assistência e zelam pela segurança dos clientes não permitindo a condução perigosa na pista de karting.
85. Os empregados da Ré inspeccionam os karts diariamente.

Aplicando o Direito.
Da responsabilidade da Ré
A principal questão jurídica colocada pelas partes reside na qualificação da actividade explorada pela Ré – karting de lazer – como actividade perigosa, para os fins do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil.
A sentença recorrida considerou, a este respeito, que “a actividade de exploração daquele circuito de karting é de considerar como uma actividade perigosa, pela sua especial apetência para causar danos, significando isso um risco acrescido que ela encerra, atendendo a que ali se conjuga uma pluralidade de meios utilizados (kart) com velocidade, e por vários indivíduos em simultâneo em pista.”
O art. 493.º, n.º 2, do Código Civil não fornece um critério legal de perigosidade da actividade, afirmando apenas que tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados. Procurando definir o conceito de actividade perigosa, o Prof. Vaz Serra[6] escreveu que se consideram como tal as «que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades.»
Está em causa um conceito indeterminado, a preencher pelo intérprete de acordo com o caso concreto, podendo afirmar-se que a actividade é perigosa quando possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes, e que essa perigosidade deve ser aferida a priori e em abstracto e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade[7].
No caso dos autos, estamos perante uma actividade de aluguer de karts para fins de lazer, mas onde não se exige qualquer experiência aos utilizadores, que passam por um briefing sumário, claramente inapto para os formar acerca das exigências de condução daqueles veículos e dos perigos a eles inerentes. Acresce, ainda, que os veículos em causa atingem velocidades consideráveis, sendo utilizados em pista e os condutores estimulados a desafiar-se. Ponderando, ainda, que as estruturas de protecção dos condutores são claramente insuficientes – e no caso dos autos, é evidente que inexistia, sequer, um sistema de retenção do condutor dentro do veículo, apto a evitar a sua projecção para o exterior em caso de embate ou capotamento, ou sequer que a barra de protecção tinha a altura suficiente para evitar o contacto da parte superior do corpo com o solo em caso de capotamento – concluímos, na linha da decisão da primeira instância, que a Ré explora uma actividade perigosa, dada a sua especial aptidão produtora de danos, assim se presumindo a sua culpa, para os fins do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil.[8]
Argumentam a Ré e a Interveniente Seguradora, porém, que não apenas empregaram todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos e que o acidente se ficou a dever a culpa do A., que não travou antes de entrar na curva, provocando assim o capotamento do kart.
No entanto, é preciso ponderar que os veículos em causa, para além de não disporem de conta-quilómetros, são utilizados por condutores inexperientes, sem a noção clara dos limites que aqueles veículos podem suportar ou das exigências de condução da própria pista. Ponderando, quer a inexistência de um sistema de retenção do condutor dentro do veículo, quer a insuficiência de altura da barra de protecção, que permitiu que o kart, ao virar, impactasse o ombro esquerdo do A., apenas podemos concluir que não foram empregadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar a produção do dano.
Por outro lado, não está evidenciada a culpa do A. na produção do acidente. Se é certo que a travagem em curva é uma manobra potencialmente perigosa, tudo depende também da velocidade momentânea do veículo, do ângulo da própria curva e do estado da via – elementos estes totalmente desconhecidos nos autos. Ignorando-se a que velocidade circulava o A. quando entrou na curva e o ângulo desta, ou sequer o estado da via, não se pode concluir, sem mais, que a falta de travagem à aproximação da curva foi causal do capotamento – apenas se sabe que as rodas direitas do kart perderam aderência, mas ignora-se o motivo pelo qual esse facto ocorreu.
Concluindo-se, pois, que a actividade da Ré é perigosa e como tal a sua culpa é presumida, e não se detectando culpa por parte do A., abordemos a outra questão colocada nas alegações, relativa à validade da cláusula de desresponsabilização por danos pessoais ou a terceiros, inserta no bilhete de ingresso no circuito.
A decisão recorrida entendeu que tal é cláusula era absolutamente proibida, nos termos do art. 18.º, als. a) e b), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), na medida em que excluem ou limitam, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas, bem como a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
Argumenta-se, nas alegações, que estando-se no âmbito de uma relação contratual, a responsabilidade eventualmente dela emergente será meramente contratual e não extracontratual.
No entanto, vem sendo reconhecido que a aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é justificada pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante. Na verdade, o art. 798.º do Código Civil, ao determinar a responsabilidade do devedor pelo prejuízo causado ao credor, não efectua restrição aos danos meramente patrimoniais, pelo que os danos não patrimoniais serão igualmente indemnizáveis, desde que mereçam a tutela do direito.[9]
Por outro lado, estando em causa uma cláusula contratual imposta ao consumidor final, a proibição constante das als. a) e b) do art. 18.º do RJCCG é igualmente aplicável ao caso em apreço, nos termos do art. 20.º do mesmo diploma, tanto mais que naquelas alíneas tanto está em causa a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde – e este é o tipo de danos reclamado nos autos – como a eventual responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros.
Acresce ainda que, exercendo a Ré uma actividade de animação turística, regulada ao tempo dos factos pelo DL 108/2009, de 15 de Maio, estava sujeita à celebração de seguros obrigatórios de responsabilidade civil e de acidentes pessoais, cobrindo os riscos decorrentes de todas as actividades exercidas pela empresa – art. 27.º, n.º 1, deste diploma.
Logo, não apenas a Ré não podia impor cláusulas de desresponsabilização por danos pessoais causados aos utentes do recinto, por serem absolutamente proibidas, como era obrigada a segurar os riscos inerentes à sua actividade, pelo que bem procedeu a decisão recorrida ao afastar aquela cláusula de desresponsabilização.
Conclui-se, pois, que a Ré constituiu-se na obrigação de indemnizar o A. pelos danos sofridos, respondendo a Interveniente Seguradora por força do contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º (…), até ao montante de € 50.000,00, capital obrigatório este imposto pelo art. 27.º n.º 2 al. c) do citado DL 108/2009.
Suscita a Interveniente Seguradora duas questões relacionadas com esta apólice. A primeira, relativa à exclusão pelos danos provocados pelo cliente, está desde já afastada – como vimos, os factos não demonstram a culpa do A. na produção dos danos.
A segunda questão respeita à franquia constante da apólice, de 10% por sinistro, em danos materiais, no mínimo de € 250,00. O art. 27.º, n.º 4, do DL 108/2009 permite tal franquia, mas a mesma não é oponível ao lesado (de resto, as condições especiais da apólice junta aos autos pela própria Seguradora contêm regra idêntica), pelo que a Interveniente não pode valer-se de tal cláusula perante o A., devendo antes fazer valê-la nas suas relações com a Ré sua segurada.

Dos danos
Os Recorrentes alegam, em relação às despesas hospitalares, que não se demonstrou que o A. as tenha pago, pelo que não pode ser reembolsado do respectivo valor, sob pena de enriquecimento sem causa.
A propósito desta questão, faz-se notar que os recursos visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu – os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.[10]
Analisando quer a contestação da Ré, quer o articulado da Interveniente Seguradora, esta questão nem sequer é ali aflorada, resumindo-se as respectivas defesas à mera alegação de desconhecimento das despesas de tratamento incorridas pelo A., pelo que a este não foi exigida a prova do efectivo pagamento das mesmas.
Ponderando, ainda, que ao A. era exigível, apenas, a prova do valor dos danos causados pelo evento lesivo, e que a excepção de cumprimento por terceiros, como facto extintivo do direito invocado, deveria ter sido alegada nos articulados de defesa – art. 342.º, n.º 2, do Código Civil – outra solução não resta senão manter, neste ponto, a decisão recorrida.
Argumentam as Recorrentes, ainda, que o deficit funcional de dois pontos percentuais não tem reflexo no exercício da profissão do A., pelo que inexiste dano patrimonial futuro que justifique a atribuição de uma indemnização no valor de € 2.000,00, fixada a título de perda de capacidade de ganho na decisão recorrida.
O dano biológico consiste num dano corporal por diminuição ou lesão da integridade física e/ou psíquica da pessoa, sendo mencionado no preâmbulo da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, nos seguintes termos: “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. Nesta sequência, o art. 3.º, al. b), daquele diploma declara indemnizável o dano biológico, resulte dele, ou não, perda da capacidade de ganho.
Reconhecendo a dificuldade em enquadrar o dano biológico nas clássicas categorias de dano patrimonial ou moral[11], o mesmo deverá ser avaliado de forma autónoma, numa componente mista, patrimonial e não patrimonial, contemplando a maior penosidade e esforço no exercício da actividade profissional do lesado, bem como o condicionamento a que ficou sujeito, para efeitos de valorização do seu estatuto profissional e a eventual necessidade de ser obrigado a encontrar outra actividade profissional.
E ainda que o défice funcional permanente não se traduza numa perda de rendimentos, representará sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial. Mesmo nos casos em que o lesado não esteja a trabalhar, a incapacidade permanente será potencialmente impeditiva ou limitativa da sua capacidade de trabalho, face à necessidade de realizar maiores esforços, pelo que este dano sempre deverá ser indemnizável, mesmo que não se demonstre uma efectiva perda de rendimentos[12].
A decisão recorrida ponderou que, tendo sido apurada uma desvalorização de dois pontos percentuais, estaria em causa “um dano com reduzida expressão”, pelo que, considerando o rendimento auferido pelo A., a sua idade e a esperança média de vida, julgou equitativa a fixação de uma indemnização no valor de € 2.000,00.
Notando que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver como provados – art. 566.º, n.º 3, do Código Civil – a indemnização fixada pelo tribunal recorrido a título de perda de capacidade de ganho, para além de necessária face à sua qualificação como dano específico, autónomo e indemnizável, não pode ser considerada, de todo, como excessiva, face aos estalões correntemente aplicados pela jurisprudência, pelo que será mantida.
A última questão que subsiste para análise, respeita ao valor da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.
A decisão recorrida ponderou, para o efeito, o dano estético permanente, fixável no grau 2 numa escala de 7, o quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, o sofrimento, o desgosto e a infelicidade pela perda de funcionalidade do ombro esquerdo, concluindo pela atribuição de uma indemnização, a este título, no valor de € 20.000,00.
A este propósito, e tendo em atenção serem aplicáveis critérios de equidade, como previsto no art. 496.º n.º 3, primeira parte, do Código Civil, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça:[13]
· Acórdão de 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1: jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00;
· Acórdão de 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1: jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos; incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00;
· Acórdão de 26.01.2016, no Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1: jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 45.000,00;
· Acórdão de 28.01.2016, no Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1: quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação, dano estético de grau 4 – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00;
· Acórdão de 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1: jovem de 22 anos de idade, défice funcional permanente de 8%, quantum doloris de grau 4, sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, dano estético de grau 3, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 e diversas sequelas psicológicas – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00; e,
· Acórdão de 22.02.2017, no Proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1: jovem com 27 anos de idade, fractura de membro inferior, realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores: € 25.000,00.
No caso, sabemos que o acidente ocorreu quando o A. tinha 29 anos de idade, sendo sujeito a duas cirurgias, a várias sessões de fisioterapia e obtendo a consolidação das lesões apenas em 21.07.2011, mais de dezanove meses após o acidente. Sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, ficou afectado de deficit funcional permanente de dois pontos percentuais, padecendo em permanência de limitação na rotação externa do ombro esquerdo, o que é causa de sofrimento físico, sofreu um dano estético permanente de grau 2 numa escala de 7, e a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 2 numa escala de 7. Acresce, ainda, a dependência permanente de medicação analgésica e a circunstância de ter sido obrigado a cessar a sua actividade desportiva como praticante de basquetebol.
Ponderando os estalões indemnizatórios supra referidos, entendemos que a indemnização de € 20.000,00 fixada na decisão recorrida não ultrapassa os referidos padrões, anotando-se, de resto, o paralelismo do caso dos autos com o que foi analisado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2017, supra citado.
De todo o modo, sempre se dirá que a indemnização fixada com recurso a critérios de equidade, porque assente na ponderação de circunstâncias concretas e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterada quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.[14]
Porque tais padrões não foram ultrapassados, também nesta parte improcedem as alegações de recurso.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento a ambos os recursos, com integral confirmação da decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.
Évora, 28 de Junho de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] In A Acção Declarativa Comum, 3.ª ed., pág. 278.
[3] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 20.11.2014 (Proc. 1878/11.8TBPFR.P2), em www.dgsi.pt.
[4] Vide o Acórdão desta Relação de Évora de 06.10.2016 (Proc. 1457/15.0T8STB.E1), no mesmo local.
[5] In As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex – Edições Jurídicas, 1995, pág. 203.
[6] In Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades, separata do BMJ n.º 85, págs. 377 e 378, nota 33.
[7] Cfr., a propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2008 (Proc. 08A867), de 09.07.2015 (Proc. 385/2002.E1.S1), e de 17.05.2017 (Proc. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[8] Na mesma linha, considerando que o karting de lazer é uma actividade perigosa, para os fins do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, se pronunciou recentemente o Acórdão da Relação de Guimarães de 11.05.2017 (Proc. 526/13.6TBFAF.G1), também disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2012 (Proc. 540/2001.P1.S1), de 09.09.2014 (Proc. 77/09.3TBSVC.L1.S1) e de 01.10.2015 (Proc. 2104/05.4TBPVZ.P.S1), todos publicados no site da DGSI.
[10] A propósito, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2016 (Proc. 1571/05.0TJPRT-C.P1.S1), publicado na mesma base de dados.
[11] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2009 (Proc. 560/09.0YFLSB), e da Relação de Lisboa de 13.12.2012 (Proc. 5505/05.4TVLSB.L1-2), disponíveis na mesma base de dados.
[12] Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2012 (Proc. 211/09.3TBSRT.S1), da Relação do Porto de 29.05.2012 (Proc. 412/06.6TBPNF.P2), e da mesma Relação de 07.04.2016 (Proc. 171/14.9TVPRT.P1), todos publicados no site da DGSI.
[13] Todos os arestos citados estão publicados em www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2017 (Proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1), já aqui citado, publicado na base de dados na DGSI.