Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
688/14.5TBTNV.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
SEGURO
Data do Acordão: 10/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1. O prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que os Tribunais proferem, o princípio da economia processual e o objectivo de estabilidade e certeza das relações jurídicas, exigem que se reconheça a eficácia do caso julgado à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável do julgado.
2. O art. 99.º n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, impõe a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de todos os advogados portugueses não suspensos, tratando-se assim de um seguro obrigatório, pretendendo realizar o interesse público da salvaguarda da posição do cliente do advogado, garantindo-lhe a efectividade do direito de indemnização perante a actuação do advogado geradora de responsabilidade.
3. Em caso de responsabilidade profissional civil de advogado, não é oponível ao cliente lesado a falta de participação do sinistro à Seguradora por parte daquele advogado, tanto mais que se trata de um contrato a favor de terceiro, sendo inoponíveis ao lesado, as excepções de direito material fundadas nas relações estabelecidas entre o tomador do seguro e/ou o segurado e a seguradora, maxime, quando as mesmas se prendem com o incumprimento por parte do segurado de deveres contratualmente fixados, sem prejuízo do exercício do direito de regresso por parte da Seguradora.
4. A franquia ao capital seguro consiste numa dedução ao montante indemnizatório, que tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade da Seguradora em pequenos sinistros.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Na Secção Cível da Instância Central da Comarca, em acção que AA intentou contra (1.º R.) BB e (2.ª Ré) Companhia de Seguros CC, S.A., foi proferida sentença condenando solidariamente os RR. a pagarem ao A. as quantias de € 8.500,00 a título de dano patrimonial autónomo de “perda de chance”, e de € 2.802,75 a título de danos patrimoniais com pagamentos de honorários e taxas de justiça.
Mais foi o 1.º R. condenado a pagar ao A., ainda, € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Ambos os RR. foram absolvidos do demais peticionado, enquanto o A. foi igualmente absolvido do pedido reconvencional deduzido pelo 1.º R..
Finalmente, o A. foi condenado como litigante de má-fé em multa de 3 UC e indemnização a favor do 1.º R. no valor de € 600,00. Este R. foi igualmente condenado como litigante de má-fé em multa de 6 UC.

Inconformada, a Ré Seguradora apresentou recurso com as seguintes conclusões:
a) «Os princípios e normativos subjacentes ao contrato de seguro obrigatório “não se aplicam (…) ao seguro facultativo (no qual) está essencialmente em causa a liberdade contratual das partes (que) poderão no mesmo fazer incluir as cláusulas que lhes aprouver” (v. Ac. RC de 2011.10.25, Proc. 770/07.5TBGRD.C1, in www.dgsi.pt; cfr. arts. 12º, 13º, 100º e 101º da Lei de Contrato de Seguro – DL 72/2008);
b) O “contrato de seguro sub judice (da Ordem dos Advogados) integra o regime comum do seguro de responsabilidade civil obrigatório, apresentando-se, por isso, como facultativo e inteiramente submetido à total liberdade das partes (pelo que) a exclusão de cobertura do presente sinistro previsto na apólice de seguro ora em análise por falta de participação é absolutamente válida, eficaz e oponível, não lhe sendo minimamente aplicáveis os princípios contidos nos arts. 13º e 101º/4 da Lei de Contrato de Seguro(v. Ac. RE de 2012.03.22, Apelação nº 2827/09.9TBSTR-A, da 2ª Secção Cível; cfr. exactamente no mesmo sentido Ac. RE de 2010.07.08, Proc. 1190/08.0TBSTC.E1, in www.dgsi.pt; cfr. art. 99º/1 do EOA e art. 9º do C. Civil);
c) In casu, o segurado, após conhecimento dos factos em causa nos autos e consciencialização de que os mesmos eram susceptíveis de poder vir a gerar responsabilidade nos termos da apólice contratada não participou os factos em causa à ora Recorrente (v. Arts. 1 e 3º das Condições Especiais da Apólice; cfr. arts. 12º, 13º, 100º e 101º da Lei de Contrato de Seguro – DL 72/2008 e arts. 483º e segs. e 798º e segs. do C. Civil).
d) No caso sub judice, o dever deontológico de subscrição de um contrato de seguro constitui a única ratio legis do artigo 99º do EOA, como aliás acabou por estar salvaguardado através da sua subscrição pela própria Ordem dos Advogados, não pretendendo minimamente impor-se a obrigatoriedade da sua subscrição perante os advogados - ubi eadem est ratio legis eadem est eius dispositio.
e) Do exposto resulta claramente que, face ao carácter facultativo do contrato de seguro contratado com a Recorrente, a exclusão de cobertura do presente sinistro prevista na apólice por falta de participação é absolutamente válida, eficaz e oponível, bem com a franquia é da exclusividade do Segurado, nunca podendo ser a Recorrente responsabilizada por essa quantia, o que implica a procedência do presente recurso.»

A este recurso, o A. contra-alegou, concluindo pela manutenção da sentença na parte sindicada pela Ré Seguradora.
E aproveitou para deduzir recurso subordinado, concluindo como segue:
1. «O ponto 35 dos factos provados foi incorrectamente julgado;
2. Não pode valer como elemento de prova a petição inicial da acção instaurada por DD contra o ora A., porquanto contém apenas a versão dela própria e que o ora A. ficou impedido de contrariar por extemporaneidade da contestação;
3. O depoimento da testemunha DD prestado no dia 21/05/15 e que se encontra gravado no programa H@bilus Média Studio n.º 00:00:00 a 00:44:16, no período das 11.43.06 horas às 12:27:30 horas não pode ser mais ou preferencialmente valorado que o depoimento do A. prestado no dia 20/05/15 e que se encontra gravado no programa H@bilus Media Studio n.º 00:00:00 a 01:02:30 horas e do depoimento da testemunha FF prestado no dia 20/05/2015 e que se encontra gravado no programa H@bilus Media Studio n.º 00:00:00 a 00:37:38 no período das 14:24:03 horas às 15:01:44 horas.
4. O A. afirma de forma peremptória, coerente e séria que a importância de €26.000,00 lhe foi entregue pela ora testemunha DD para pagamento de despesas por si suportadas e não para pagamento de tornas à sua ex-esposa e para que a DD ficasse com direito a metade da fracção autónoma descrita na CRP sob o n.º 2070-M.
5. A testemunha EE afirmou de modo igualmente sério, corrente e consistente que fez partilha com o seu ex-marido, ora A. nos termos da qual o dinheiro existente em contas bancárias e por ambos auferido como produto do seu trabalho foi dividido por ambos em partes iguais e que a casa fracção autónoma descrita na CRP de Leiria n.º 2070M- foi adjudicada ao ex-marido, tendo as aplicações financeiras sido adjudicadas a ela, não entrando nesta partilha e respectivos acertos a importância de €26.000,00 em causa nos autos.
6. A testemunha DD, quanto à questão dos €26.000,00, manteve a posição assumida na acção que intentou contra o A., mas ao longo do seu depoimento foi dizendo que já se recorda dos valores, que é um assunto que quer esquecer, que já deitou os papeis fora.
7. Este depoimento no seu conjunto, contrariamente ao afirmado na douta sentença, é, pelo menos, de discutível segurança, consistência e coerência.
8. Esta testemunha que revelou grande inimizade para com o A. e atento o seu relacionamento com ele tem manifesto interesse em que o desfecho da questão seja desfavorável ao A.
9. Da prova produzida, designadamente, dos depoimentos acima mencionados, não resulta que o A. pudesse ser totalmente absolvido desta parte do pedido formulado por DD na acção que contra ele instaurou, caso a contestação tivesse sido tempestivamente apresentada; mas também não pode considerar-se que o A. seria totalmente condenado no pagamento de tal importância (€26.000,00).
10. O Tribunal com base na equidade poderia/deveria ter considerado que o ora A., neste aspecto concreto tinha hipótese de conseguir ganho de causa em, pelo menos 50%.
11. Assim, o ponto 35 dos factos provados deve ser alterado por forma a ficar com a seguinte redacção, ou equivalente: “35. A quantia de €26.000,00 foi entregue por DD a A. para reembolso de despesas comuns e a apresentação tempestiva da contestação conduziria com boa probabilidade que o ora A. fosse absolvido em, pelo menos 50% desse valor”;
12. O A. no caso da tempestiva apresentação da contestação tinha a oportunidade, consistente e séria, de fazer soçobrar a pretensão de DD, também quanto ao montante de €26.000,00 em, pelo menos €13.000,00 (50%) devendo este valor acrescer à indemnização arbitrada na douta sentença, a título de dano de perda de chance.
13. Por outro lado, a condenação do A. como litigante de má-fé, é excessiva.
14. O simples facto de o Tribunal não ter acolhido a tese do A. não pode, por si só, configurar uma actuação dolosa, consciente, em termos de ser consubstanciadora de litigância de má-fé.
15. O A. esteve e está convencido da verdade da sua versão, quanto à questão dos €26.000,00, tanto que pelo presente recurso pede a reapreciação dessa matéria de facto.
16. A douta sentença sob recurso violou por erro de interpretação e ou de aplicação o disposto nos artigos 607 e 542 do C.P.C.
Termos em que, e no muito que V. Exas se dignarão suprir deve a douta sentença sob recurso ser revogada, quanto às duas questões enunciadas e substituída por outra que altere o ponto 35 dos factos provados e absolva o A da condenação como litigante de má-fé.»

Ao recurso subordinado contra-alegou a Ré Seguradora, no sentido da manutenção da condenação do A. como litigante de má-fé.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
O A. impugna a matéria constante do ponto 35 da matéria de facto considerada provada pela primeira instância, com o seguinte teor: «A quantia de € 26.000,00 foi entregue por DD ao A. para que este pagasse tornas à ex-mulher e para que aquele tivesse metade do direito sobre a fracção autónoma descrita na CRP sob o n.º 2070-M, com aquisição inscrita a favor ao A.».
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Renovando a apreciação da prova quanto a estes pontos da matéria de facto, acompanhamos a decisão da primeira instância.
Antes do mais, este facto integrou a causa de pedir da acção proposta pela Isabel Sismeiro contra o A., constituindo um dos antecedentes lógicos indispensáveis à sentença ali proferida. Ora, o instituto do caso julgado material deve ser encarado quer na perspectiva da excepção de caso julgado, quer na perspectiva da autoridade do caso julgado. O prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que os Tribunais proferem, o princípio da economia processual e o objectivo de estabilidade e certeza das relações jurídicas, exigem que se reconheça a eficácia do caso julgado à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável do julgado[2].
De resto, o Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado, entendendo que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do Código de Processo Civil[3].
De todo o modo, concordamos que o depoimento prestado pela Isabel Sismeiro revelou-se não apenas desinteressado da decisão desta acção – o que, em si, já é uma garantia de fidedignidade – como se mostrou ainda seguro e contextualizado, descrevendo com clareza o objectivo pelo qual entregou ao A. a quantia de € 26.000,00. Acresce que não se vislumbra que outro título justificaria tal entrega, no quadro das relações mantidas pela testemunha com o A. – a versão deste de se tratar de mero acerto de contas com gastos apenas por ele suportados, não é sequer suportada pela pormenorização e quantificação de tais gastos.
Notando que as declarações de parte constituem mero princípio de prova, e que a versão do A. não foi consistentemente corroborada nos depoimentos das testemunhas EE e FF – os quais não assistiram directamente a este facto – acompanha-se a convicção formada pela primeira instância acerca desta matéria, pelo que o recurso improcede nesta parte.

A matéria de facto a ponderar é, pois, a seguinte:
1. O A. é cidadão português sem conhecimentos jurídicos ou prática forense;
2. O 1.º R. tem a profissão de advogado;
3. Por missiva datada de 30-03-2010, o A. foi notificado para deduzir oposição ou recorrer da decisão que decretou o arresto no âmbito do processo n.º 6760/09.6TBLRA do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial requerido por DD;
4. Por missiva datada de 28-04-2010, cujo aviso de recepção foi assinado pelo A. em 03-05-2010, este foi citado para, no prazo de 30 dias, contestar a acção sob o processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial deduzida por DD, em que esta pedia, com base no instituto de enriquecimento sem causa, a condenação do aqui A. na quantia de € 41.519,00;
5. O A. constitui seu mandatário forense para esta acção o 1.º R.;
6. Em 31-03-2010, o A. entregou ao 1.º R., a seu pedido, a quantia de € 500,00, a título de provisão;
7. Em 30-04-2010, o A. entregou ao 1.º R., a seu pedido, a quantia de € 500,00, a título de provisão;
8. Em 04-06-2010, o A., por indicação de funcionária do 1.º R., liquidou, no âmbito da acção sob o processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial, a taxa de justiça inicial no valor de € 535,00;
9. O termo do prazo de 30 dias para apresentar a contestação terminava a 02-06-2010;
10. O 1.º R. apresentou o articulado de contestação em 04-06-2010;
11. (…) E não juntou comprovativo de pagamento da multa por tal apresentação, no 1.º dia útil seguinte ao termo do prazo;
12. Por missiva datada de 06-07-2010, o 1.º R. foi notificado pelo 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial para pagamento de multa de € 66,94 pela apresentação da contestação no 1.º dia útil após o termo do prazo;
13. O 1.º R. não comunicou ao A. a apresentação da contestação após o termo do prazo normal e não lhe solicitou o pagamento de multa;
14. O 1.º R. não juntou ao processo o comprovativo de pagamento desta multa dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação referida em 12.;
15. Por despacho de 30-09-2010, foi determinado o desentranhamento da contestação;
16. Em 20-10-2010, o 1.º R. veio requerer a junção de DUC comprovativo do pagamento de multa acrescido de penalização pela apresentação da contestação após o termo do prazo normal e admissão da contestação;
17. Por despacho de 09-12-2010 foi indeferido este requerimento e mantida a decisão de 30-09-2010;
18. Na sequência, foram julgados confessados os factos alegados na petição inicial;
19. Por sentença datada de 25-05-2011, o aqui A. foi condenado a pagar a DD a quantia de € 41.519,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
20. Em 04-07-2011, o 1.º R. interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra;
21. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16-02-2012, foi confirmada a sentença acima referida;
22. Em 22-03-2012, o 1.º R. interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal da Justiça;
23. Por despacho de 02-10-2012, não foi admitido este recurso;
24. Em 29-09-2011, DD intentou execução contra o aqui A. com base na sentença referida em 19., pelo valor de € 43.857,71;
25. Em 29-10-2010, o A. entregou ao 1.º R., a seu pedido, o cheque n.º 4400000544 sacado sobre o Banco GG, S.A., preenchido pelo valor de € 1.500,00 à sua ordem, a título de provisão;
26. Em 20-06-2011, o A. liquidou, no âmbito da acção sob o processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial, taxa de justiça no valor de € 267,75;
27. Até finais de 2011, quando interpelado pela sua entidade patronal a propósito de penhora no vencimento, o A. não teve conhecimento do teor da sentença acima referida;
28. Após, o 1.º R. disse-lhe que tinha interposto recurso e que aguardava a sua decisão;
29. E que assumiria, em caso de decaimento, o compromisso de suportar mensalmente o valor correspondente à penhora mensal no vencimento do A., que ascendia a cerca de € 900,00;
30. E que se comprometia a obter uma garantia bancária ou a hipotecar um imóvel para que o recurso tivesse efeito suspensivo;
31. Desde inícios de 2012, que o 1.º R. deixou de atender ou contactar o A.;
32. O 1.º R. não realizou qualquer pagamento por conta do A. ou obteve garantia autónoma ou constitui hipoteca;
33. O A. através da execução da sentença proferida no processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial suportou a liquidação da quantia total de € 45.980,53;
34. A apresentação tempestiva da contestação conduziria com grande probabilidade à absolvição parcial do pedido formulado por DD quanto aos montantes de € 4.636,50, relativo a prestações de crédito a habitação, de € 2.000,00, relativo a móveis adquiridos por DD, e de € 4.276,00, relativo a contributo de DD para despesas do ex-casal;
35. A quantia de € 26.000,00 foi entregue por DD ao A. para que este pagasse tornas à ex-mulher e para que aquele tivesse metade do direito sobre a fracção autónoma descrita na CRP sob o n.º 2070-M, com aquisição inscrita a favor ao A.;
36. Como consequência da falta diligência do 1.º R., da sua não solicitação de pagamento de multa de € 66,94, da sua não comunicação do teor da sentença proferida em 25-05-2011 no processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial e da interposição de recurso e solicitação de taxa de justiça após esta sentença com desconhecimento do seu teor, o A. sentiu-se muito transtornado e revoltado;
37. Com consequência da penhora referida em 30., o A. teve que pedir dinheiro emprestado a amigos;
38. Em 10-01-2012, a 2.ª Ré acordou com a Ordem dos Advogados Portugueses, através da apólice n.º 0002866129, na cobertura do pagamento das perdas patrimoniais advindas da erro ou falta profissional por acção ou omissão de advogados, com inscrição em vigor, no seu exercício da sua profissão, conforme condições particulares, gerais e especiais de fls. 258 e segs.;
39. O 1.º R. não comunicou à 2.ª Ré qualquer falta no exercício de profissão de advogado ao serviço do A.;
40. O 1.º R. não prestou à 2.ª Ré qualquer esclarecimento após ter sido interpelada pelo A. para o ressarcimento por falta profissional do mesmo (1.º R.);
41. O 1.º R. elaborou articulado de contestação para o processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial;
42. O A. não realizou transacção com DD no processo n.º 2340/10.1TBLRA do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial;

APLICANDO O DIREITO
Da falta de participação do sinistro:
Sabido que as conclusões contidas nas alegações delimitam o objecto do recurso – e daí que este Tribunal não conheça da eventual nulidade da sentença, por tal questão não ser aventada nas conclusões – cabe-nos averiguar, em 1.º lugar, se a falta de participação do sinistro por parte do 1.º R. afastaria a responsabilidade da 2.ª Ré Seguradora.
Em termos algo contraditórios, esta Ré argumenta estar em causa um seguro facultativo (enquanto noutros passos refere tratar-se de um seguro obrigatório). No entanto, a apólice documentada nos autos titula um contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados (tomador de seguro) e a 2.ª Ré Seguradora, na qual se segura a responsabilidade profissional de todos os advogados inscritos na Ordem, pelo que está em causa o seguro referido no art. 99.º n.º 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão em vigor à data (Lei 15/2005, de 26 de Janeiro).
É notório que esta norma impõe a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de todos os advogados portugueses não suspensos, pelo que se trata de um seguro obrigatório[4], pretendendo realizar o interesse público da salvaguarda da posição do cliente do advogado, garantindo-lhe a efectividade do direito de indemnização perante a actuação do advogado geradora de responsabilidade.
Daí que não seja oponível ao lesado a falta de participação do sinistro por parte do 1.º R., como resulta do art. 101.º n.º 4 do DL 72/2008, de 16 de Abril, tanto mais que se trata de um contrato a favor de terceiro, sendo inoponíveis ao lesado, as excepções de direito material fundadas nas relações estabelecidas entre o tomador do seguro e/ou o segurado e a seguradora, maxime, quando as mesmas se prendem com o incumprimento por parte do segurado de deveres contratualmente fixados, sem prejuízo do exercício do direito de regresso por parte da seguradora.
Como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 26.05.2015[5], «o contrato de seguro de responsabilidade profissional que genericamente, garante a indemnização de prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia, configura um contrato a favor de terceiro, aleatório, bilateral e sinalagmático, por via do qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante o recebimento de um prémio – a cargo do tomador, a favor do segurado (terceiro) – a suportar um risco que venha a ter lugar. O dever de participação do sinistro, que incumbe ao segurado, constitui um princípio geral, com consagração no art. 100.º da LCS, cujo incumprimento pode dar azo a redução da prestação da seguradora e mesmo a perda de cobertura se for doloso, conforme decorre do art. 101.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei. Tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de acção contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a excepção da falta de participação (supra) referida, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.
Conclui-se, pois, que a falta de participação por parte do 1.º R., não implica a desresponsabilização da Ré Seguradora pelo cumprimento das coberturas acordadas no contrato de seguro descrito nos autos – assinalando-se que seria absurdo que o A., lesado pela defeituosa actuação profissional do seu advogado, ficasse ainda mais desprotegido pelo incumprimento do dever contratual de participação do sinistro por parte do 1.º R..
Improcede, pois, esta parte do recurso da Ré Seguradora.

Da franquia:
De acordo com a apólice do contrato de seguro descrito nos autos, foi segura a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite de anuidade), e uma franquia de € 5.000,00 por sinistro. Ainda de acordo com a mesma apólice, a franquia foi definida como a importância que fica a cargo do Segurado e que pode ser oponível a terceiros – art. 1.º n.º 15 das Condições Especiais.
Foi assim estabelecida uma franquia ao capital seguro, como permitido pelo art. 49.º n.º 3 do DL 72/2008, tratando-se de uma parcela da indemnização que ficará exclusivamente a cargo do segurado e que será deduzida do valor a pagar pela Ré Seguradora ao lesado.
José Vasques[6] explica que a franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe e que normalmente é o segurado. O que importa é que ao pagar a indemnização a seguradora deduza logo aí o valor da franquia. A franquia tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade do segurador em pequenos sinistros, obstando aos custos administrativos inerentes.
Deste modo, reconhece-se à Ré Seguradora o direito de deduzir na indemnização o valor da franquia contratualmente acordada, procedendo esta parte do recurso.

Da litigância de má fé:
Nos arts. 29.º a 35.º da sua petição inicial, o A. alegou que o valor reclamado pela sua ex-companheira, de € 41.519,00, não lhe tinha sido entregue com vista à aquisição de metade do imóvel onde estava instalada a casa de morada de família. Pelo contrário, segundo alegou o A., tal quantia destinou-se a liquidar dívidas comuns de ambos, na proporção de metade, nomeadamente de alimentação, vestuário, calçado, consumo de gás, energia eléctrica, água, prestações bancárias, férias, combustíveis, revisões, impostos e taxas.
No entanto, apurou-se que parte substancial desse valor – € 26.000,00 – lhe havia sido entregue pela DD para pagamento de tornas à ex-mulher e para que tivesse metade do direito sobre a fracção autónoma descrita na CRP sob o n.º 2070-M, com aquisição inscrita a favor ao A., tratando-se de facto pessoal que este conhecia necessariamente, por nele ter tido intervenção directa.
Não só o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, como alterou a verdade dos factos e ocultou outros factos essenciais à decisão, fazendo assim do processo um uso manifestamente reprovável, assim se justificando a sua condenação como litigante de má fé, por acção do art. 542.º n.º 2 als. a), b) e d) do Código de Processo Civil.
O Tribunal Constitucional já afirmou que a sanção processual civil da litigância de má fé não constitui censura à liberdade de expressão, já que esta, no contexto processual, tem de conviver com outros direitos também constitucionalmente garantidos, não violando o artigo 18.º e o 37.º n.º 2 do Texto Fundamental. O preceito surge assim como uma medida razoável, adequada e eficaz para garantir outros valores também constitucionalmente garantidos[7].
Ainda recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. Atuam como litigantes de má fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, na redacção anterior, que corresponde ao actual art. 542.º do NCPC (2013).»
Concluindo-se que o A. agiu, conscientemente, pelo menos com negligência grave – entendida esta como uma falta do cuidado exigido pela mais elementar prudência – deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, fazendo assim do processo um uso manifestamente reprovável, não merecerá provimento o seu recurso subordinado.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros CC, S.A., ficando a sua condenação a pagar ao A. AA, solidariamente com o 1.º R. BB, a título de dano patrimonial por “perda de chance”, restrita à quantia de € 3.500,00, acrescendo juros à taxa e pelo tempo definidos na sentença.
No mais se mantém a sentença – restantes condenações dos RR., juros e litigância de má fé.
Nega-se provimento ao recurso subordinado interposto pelo A..
Custas do recurso principal por A. e Ré Seguradora, na proporção do decaimento.
Custas do recurso subordinado pelo A..
Évora, 20 de Outubro de 2016
Mário Branco Coelho (relator)

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Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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Maria da Conceição Ferreira

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[1] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, como seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
[2] Neste sentido, cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 3.ª ed., pág. 202, afirmando o seguinte: “A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.”
[3] Mais recentemente, vide os Acórdãos do Supremo de 26.03.2015, de 07.05.2015 e de 16.02.2016, proferidos nos Procs. 1847/08.5TVLSB.L1.S1, 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1 e 53/14.4TBPTB-A.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Em sentido idêntico, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.09.2015, no Proc. 1496/09.0YXLSB.L1-1, sempre na mesma base de dados.
[5] Proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1, igualmente em www.dgsi.pt.
[6] In Contrato de Seguro, Coimbra Ed., 1999, pág. 309.
[7] Acórdão n.º 581/98, de 10.10.1998, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41-207, e também no sítio da Internet daquele Tribunal.