Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
709/15.4T8OLH-K.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO VERBAL
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A aceitação do despedimento pelo trabalhador, nos termos do artigo 366.º do Código do Trabalho, valida a decisão da entidade patronal, mesmo que esta fosse inválida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 709/15.4T8OLH-K.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Por apenso ao processo de insolvência de Golf (…), Sociedade Exploradora de Campos de Golfe, S.A., findo o prazo das reclamações, veio (…) instaurar a presente ação contra a Massa Insolvente, nos termos do artigo 146.º do CIRE, requerendo que se reconheça o crédito no montante de € 6.200,00, corresponde à soma dos valores devidos pelo despedimento ilícito promovido pela ré, acrescido das remunerações vincendas até à sentença.
Alegou, para tanto, ter trabalhado para a ré entre 8 de Outubro de 2018 e 8 de Outubro de 2019, que foi despedido nesta data sem que tenha sido previamente avisado e sem a instauração de processo disciplinar. A ré deve-lhe os valores correspondentes ao subsídio de férias, não pago, indemnização pela ilicitude do despedimento e as retribuições vincendas até ao transito em julgado da decisão.
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A ré contestou alegando que esta ação não é o meio processual próprio para apreciação da pretensão do autor.
Alegou ainda que devido a diversos comportamentos do autor enquanto trabalhou para a ré, esta comunicou-lhe que não havia condições para ele continuar ao serviço por existir quebra da confiança, pelo que, por acordo entre ambos, o contrato de trabalho cessou por inadaptação ao posto de trabalho. A ré pagou ao autor o valor de € 2.862,21, que compreendia o valor de € 620,04 respeitantes a 12 dias de compensação pela inadaptação ao posto de trabalho. Com o recebimento desta compensação o autor aceitou o despedimento. Após a cessação do contrato de trabalho o autor continuou a trabalhar enquanto prestador de serviços independente. O autor recebeu o subsídio de férias a 31 de Julho de 2019.
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Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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Desta sentença recorre o A. alegando, no essencial, ter havido violação dos art.ºs 381.º, 385.º, 373.º 374.º e 375.º todos do Código do Trabalho.
Isto porque não se tratou de um despedimento por inadaptação mas sim por quebra de confiança.
Invoca a nulidade da sentença.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Invoca a nulidade da sentença porque não podia o Tribunal ter tomado conhecimento de outros factos; tendo-o feito, a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Não compreendemos o teor desta alegação. O recorrente refere que os fundamentos verbais invocados pela entidade empregadora são os constantes dos artigos 12 e 13 da petição; ora tais factos, salvo mais douto entendimento não consubstanciam os requisitos legais para o despedimento por inadaptação, tendo consequentemente o motivo justificativo do despedimento que ser declarado improcedente, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 381.º, alínea b), do Código de Trabalho.
Mas, então quais são os factos que o tribunal teve em consideração e que não devia ter tido?
Em todo o caso, a nulidade por omissão de pronúncia refere-se a questões jurídicas e não a factos — o que não é aqui o caso.
Invoca ainda a nulidade da sentença por estar verificada a situação prevista no artigo 615.º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Isto porque há clara contradição entre a prova na qual assentou a decisão do douto tribunal "a quo" e os fundamentos de facto e a decisão, ou seja, da prova documental junta aos autos, não resultam preenchidos os pressupostos fácticos nem legais para operar a presunção de aceitação do despedimento por parte do Autor/Recorrente.
A contradição entre a prova e a resposta à matéria de facto faz-se por meio da impugnação da matéria de facto e não constitui uma nulidade da sentença. Pode haver erro de julgamento e, se assim for, ele será corrigido por meio daquele objecto do recurso — o que, no caso, não foi feito.
Improcede a arguição.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A Golfe (…) – Sociedade Exploradora de Campos de Golfe, S.A. foi declarada Insolvente, por Sentença proferida em 29 de Junho de 2015 e transitada em julgado a 7 de Maio de 2018;
2. Em 8 de Outubro de 2018, a Golfe (…) – Sociedade Exploradora de Campos de Golfe, S.A. contratou o autor para o exercício da categoria profissional de Chefe de Departamento, por Contrato de Trabalho sem Termo, que se encontra junto como documento 1 da petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido;
3. No âmbito das funções para as quais foi contratado, o autor tinha que desempenhar as tarefas definidas na cláusula primeira do referido contrato com o seguinte teor:
“a) Manutenção do bom estado das estruturas e equipamentos comuns das urbanizações exploradas por (…) e da exploração turística, com exceção das áreas verdes e campo de golfe;
b) Implementação e controle da execução de manutenção preventiva com os respetivos registos, fichas de equipamentos e verificações regulares;
c) Controle de execução da manutenção corretiva;
d) Controle de execução da parte da manutenção inerente aos contratos de gestão de propriedades;
e) Resposta atempada e competitiva face ao mercado aos pedidos individuais dos proprietários, em colaboração com a equipa house dpt e controle de execução dos trabalhos que forem adjudicados ao (…);
f) Contribuir ativamente para o controle de custos, nomeadamente os energéticos e promover uma eficiente gestão de stocks mínimos;
g) Renegociação anual dos contratos de serviços especializados de terceiros na área da manutenção tais como controle de pragas, análises regulares de água e energias;
h) Organização da equipa e optimização da sua produtividade;
i) Outras tarefas que possam ser do interesse comum do (…);
j) Outras tarefas que a general manager e o administrador da insolvência lhe confiem;
k) As funções serão desempenhadas sempre sobre a orientação e supervisão do general manager da sociedade, bem como de acordo com as instruções e orientações que lhe sejam dadas pelo administrador da insolvência.”
4. Desde essa data e até 8 de Outubro de 2019, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo a sua atividade profissional sob as ordens e direção desta;
5. Como contrapartida do trabalho prestado à ré, o autor auferia mensalmente o valor de € 1.550,00, acrescido de subsídio de almoço, no valor de € 6,00 por cada dia útil de trabalho;
6. O autor auferia ainda a título de isenção de horário de trabalho o montante mensal de € 387,50, subsídio de Natal e subsídio de Férias;
7. A ré atribuiu ao autor uma viatura de serviço para as suas deslocações em serviço e de casa para o local de trabalho e deste para casa;
8. A partir de Maio de 2019 o autor publicitou o exercício da sua atividade (manutenções gerais) como profissional independente na rede social Facebook;
9. Durante o tempo que trabalhou para a ré, o autor era contactado por outros trabalhadores e responsáveis da ré, e, com frequência, não atendia o telefone, nem retornava as chamadas;
10. No dia 29 de Setembro de 2019, clientes da ré que haviam fechado a porta da casa e deixado as chaves no seu interior, comunicaram à receção o sucedido, solicitando a intervenção dos serviços de manutenção;
11. Nessa sequência, o autor foi tentado contactar por funcionário da ré que se encontrava na receção, mas o autor não respondeu;
12. Pelo que foi necessário contratar uma empresa exterior à ré para resolver o problema;
13. Os orçamentos para serviços de reparação e benfeitorias nos imóveis pertencentes aos clientes da ré e administrados por esta eram elaborados pelo autor;
14. Durante o período que o autor trabalhou para a ré, apresentou orçamentos desajustados aos preços do mercado, levando os clientes a preferirem executar as obras com recurso a outras empresas que apresentavam preços mais competitivos;
15. Nomeadamente, o orçamento apresentado pelo autor para a villa 205, importava um custo de mais do dobro de outro prestador de serviços;
16. Motivo pelo qual, o proprietário dessa moradia não escolheu a ré para a execução da obra;
17. Na villa 2 o autor colocou uma bomba de piscina cujo tamanho era desajustado a essa mesma piscina, pelo que o proprietário recusou o pagamento do serviço;
18. No dia 8 de Outubro de 2019, o autor foi chamado pela responsável do complexo Golf de (…) que o confrontou com os factos supra descritos e o informou de que não havia condições para o mesmo continuar ao serviço da ré por quebra da confiança;
19. A referida responsável fez um cálculo dos valores que o mesmo iria receber decorrentes da cessação do contrato e comunicou-os ao autor, com a indicação de que iriam ser pagos no final desse mês;
20. Tendo o autor sido também informado de que o motivo que iria ser comunicado aos serviços de segurança social seria a cessação por inadaptação ao posto de trabalho;
21. A ré disponibilizou ao autor a documentação para o Fundo de Desemprego e comunicou aos serviços de segurança social a cessação do contrato de trabalho com o autor por inadaptação ao posto de trabalho;
22. Desde essa data, o autor não voltou a trabalhar para a ré;
23. No dia 31 de Outubro de 2019, a ré pagou ao autor o valor de € 2.862,21, correspondendo:
- € 413,36 ao proporcional do ordenado base;
- € 36,00 de subsídio de refeição do mês de Outubro;
- € 1.193,29 aos proporcionais do subsídio de Natal;
- € 620,04 a 12 dias de compensação por inadaptação ao posto de trabalho;
- € 103,33 a isenção de horário;
- € 30,00 de subsídio de refeição de 23 a 30 de Setembro;
24. O autor fez suas as quantias referidas em 23 supra;
25. A 31 de Julho de 2019 a ré pagou ao autor o subsídio de férias;
26. Após o despedimento, do autor a ré continuou a necessitar de preencher a vaga que aquele havia ocupado, tendo, para o efeito, recrutado um profissional para a mesma categoria profissional.
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A sentença decidiu da maneira exposta por entender que o despedimento por inadaptação foi aceite pelo trabalhador uma vez que este recebeu a indemnização legal e a não devolveu à entidade patronal. Com efeito, e tem razão, a lei presume que o trabalhador aceitou aquele tipo de despedimento quando recebe a compensação legal (art.º 366.º, n.º 4). Esta presunção só pode ser ilidida quando o trabalhador entregue ou ponha à disposição do empregador a totalidade da compensação recebida. Uma vez que tal não aconteceu, presume-se que o recorrente aceitou o despedimento.
O recorrente aceita o raciocínio mas alega que ele só vale quando se trate de despedimento lícito.
Acontece, no entanto, prossegue o recorrente, que tal despedimento é ilícito por terem sido violados pela entidade empregadora todos e quaisquer requisitos para proceder ao despedimento por inadaptação ao posto de trabalho.
Não obstante esta generalização, o certo é que o recorrente centra a sua atenção apenas na alínea c) do artigo 385.º:
c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º por remissão do n.º 1 do artigo 379.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
Esta quantia é a seguinte: «compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade».
Alega o recorrente que o que lhe foi pago a este título (€ 620,04) é inferior ao devido (€ 621,72). Desta maneira, não recebeu a indemnização devida, mas sim um montante inferior pelo que o despedimento é ilícito.
Não concordamos uma vez que a remuneração diária do recorrente (€1550,00/30x12) é compatível com o primeiro valor; ao indicado pelo recorrente, corresponderia uma remuneração mensal de € 1554,30 e não é este o caso.
Entendemos, por isso, que a recorrida colocou à disposição do trabalhador o montante certo.
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Defende ainda o recorrente que, de acordo com os factos provados, o que motivou o despedimento do autor não foi a inadaptação ao posto de trabalho, mas sim a quebra de confiança, sendo consequentemente o despedimento ilícito, nos termos dos artigos 373.º, 374.º e 375.º do Código de Trabalho.
O problema aqui coloca-se em relação à aceitação, pelo trabalhador, do despedimento de que foi alvo. Isto porque, existindo esta aceitação, o despedimento é lícito. Qualquer ilicitude, procedimental ou substantiva, fica sanada pelo facto de o trabalhador aceitar o despedimento. Ao contrário do que alega o recorrente, o pagamento da compensação não pressupõe a licitude e regularidade do despedimento por justa causa; pelo contrário, o referido pagamento confere licitude ao despedimento tornando-o válido caso existissem razões para o julgar inválido. Trata-se de um acto confirmativo e, como tal convalidativo «que se traduz em o acto confirmatório integrar ou complementarizar o negócio viciado, sanando o respectivo vício» (Rui de Alarcão, A Confirmação do Negócios Anuláveis, vol. I, Atlântida Ed., Coimbra, 1971, p. 89).
O que está provado é claro a este respeito: o autor fez suas as quantias recebidas e não está demonstrado em parte alguma que as tenha devolvido à recorrida.
Nos termos do art.º 366.º, n.º 5, a «presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último». Uma vez que tal devolução não foi feita, a presunção mantém-se e concluímos que o recorrente aceitou o despedimento.
Escreve-se na sentença:
«Decorre desta norma de forma clara e inequívoca que a ilisão da presunção de aceitação do despedimento exige a devolução ou a colocação à disposição da entidade empregadora do montante da compensação recebida» (sublinhado no original). Não basta a simples declaração de não aceitação do despedimento; é necessário, absolutamente necessário, que o trabalhador devolva o dinheiro recebido. Como também se escreve na sentença, a «mera comunicação da não aceitação do despedimento sem a devolução da compensação não afasta a presunção de aceitação».
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 22 de Outubro de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário: (…)