Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1056/11.6TTSTB.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
TRABALHO SUPLEMENTAR
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
TRABALHO AO DOMINGO
TRABALHO AO SÁBADO
TRABALHO EM DIA FERIADO
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Sumário: 1. A inversão do ónus da prova constitui uma solução drástica para situações limite em que houve intenção inequívoca de destruir meios de prova para impedir a contraparte de efectivar o seu direito, e não deve ser aplicada quando a parte tem à sua disposição, ainda, outros meios probatórios para estabelecer a prova do facto.
2. A atitude da parte não onerada com o ónus da prova que constitua violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, é livremente apreciada para efeitos probatórios.
3. Fora das situações limite em que se justifique a inversão do ónus da prova, a violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade tem de ser apreciada concretamente atendendo à natureza das provas recusadas.
4. No cálculo da compensação horária pelo trabalho suplementar prestado pelo motorista de transportes internacionais rodoviários, não se atende às prestações acessórias ou variáveis, pelo que não entram para esse cálculo os montantes auferidos a título de cláusula 74.ª n.º 7 e prémio TIR.
5. O pagamento do trabalho prestado em sábados, domingos e feriados para além do horário normal de trabalho, e do descanso compensatório não gozado, pressupõe a alegação e prova, pelo demandante – enquanto facto constitutivo do direito exercitado – não apenas que prestou trabalho nessas circunstâncias, mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Setúbal, BB demandou CC, Lda, pedindo:
a) a declaração de nulidade do acordo remuneratório celebrado com a Ré;
b) o reconhecimento da sua categoria profissional como motorista de transporte internacional rodoviário de mercadorias;
c) o pagamento de € 1.314,24 a título de diferenças remuneratórias no subsídio de férias;
d) o pagamento de € 7.679,36 pelo trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados em serviço no estrangeiro;
e) o pagamento de € 4.615,00 pelo trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados em serviço nacional;
f) o pagamento, a liquidar em execução de sentença, das quantias devidas pelo trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados para além do horário normal de trabalho;
g) o pagamento de € 10.259,48 pelos dias de descanso não gozados;
h) o pagamento de € 15.210,00 a título de compensação por despesas com refeições ao serviço da Ré;
i) o pagamento de todas as quantias que sejam devidas a título de subsídio de férias, refeições, por trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como a eventual compensação pelo não gozo dos dias de descanso, que se vencerem na pendência da acção e a liquidar em execução de sentença;
j) a condenação da Ré no cumprimento integral do CCTV e, em consequência, atribuir ao A. o direito aos descansos e remunerações nele previstas;
k) caso não se julgue nulo o acordo remuneratório celebrado pelas partes, e em alternativa ao peticionado em d), e), f), g) e h), a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 10,00 por cada dia útil de trabalho prestado entre Abril e Dezembro de 2011, bem como as quantias que se vencerem na pendência da acção e até efectivo e integral pagamento;
l) a condenação no cumprimento do acordo remuneratório celebrado com o A.; e,
m) a condenação nos juros vincendos sobre as quantias peticionadas.
Após contestação, realizou-se julgamento e foi proferida sentença, condenando a Ré a reconhecer ao A. a categoria profissional de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias desde a data da sua admissão, e ainda a pagar-lhe a quantia de € 1.314,24 a título de diferenças remuneratórias referentes aos subsídios de férias de 2009, 2010 e 2011, acrescida de juros de mora.
No mais, a causa foi julgada improcedente.

Interpõe o A. recurso desta sentença e conclui:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolveu a apelada do pedido de condenação no pagamento de trabalho prestado pelo apelante em dias de descanso complementar, obrigatório e feriados, trabalho suplementar, descansos compensatórios não gozados e reembolso de despesas com alimentação.
II. Mais se recorre da decisão do tribunal a quo de absolver a apelada do pedido subsidiário formulado pelo apelante.
III. A decisão de absolvição da apelada tem na sua génese uma errada apreciação da prova produzida nos autos, quer testemunhal quer documental que determinou uma resposta à matéria de facto contraditória com essa mesma prova.
IV. Por outro lado, também, na decisão da matéria de facto, o tribunal a quo fez incorrecta aplicação e interpretação das normas jurídicas atinentes à inversão do ónus da prova.
V. Na resposta à matéria de facto, o douto tribunal a quo deu como não provados os factos alegados pelo apelante nos artigos 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47º, 51, 52º e 92º da petição inicial.
VI. Fundamentando a decisão sobre a matéria de facto na circunstância de o ónus da prova dos factos alegados naqueles artigos caber ao apelante, que não logrou fazer prova dos mesmos, e de não se verificarem os pressupostos da alegada e requerida inversão do ónus da prova, por falta de junção de documentos aos autos pela apelada, em violação do dever de colaboração com o tribunal e a descoberta da verdade.
VII. Os factos alegados nos artigos 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47º, 51, 52º respeitam à prestação de trabalho pelo apelante à apelada em dias de descanso semanal complementar, obrigatório, feriados, trabalho suplementar, horas de início e termo da prestação de trabalho ao fim-de-semana e incumprimento de períodos de descanso obrigatório.
VIII. Tais factos alegados pelo apelante reportam-se ao período compreendido entre 29 de Setembro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011.
IX. Estando em causa mais de 156 Sábados e 156 Domingos e mais de três anos de duração da relação laboral no que concerne à prestação de trabalho suplementar e incumprimento de tempos de descanso entre duas semanas de trabalho.
X. O apelante, para prova dos factos alegados nos artigos 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47º, 51 e 52º da petição inicial requereu, logo nessa peça processual e ao abrigo do disposto no artigo 528.º do antigo CPC, que a apelada juntasse aos autos, entre outros, os registos do tacógrafo digital ou os discos do tacógrafo analógico dos camiões conduzidos pelo apelante ao serviço da apelada - indicando logo a matrícula dos mesmos - bem como os registos do cartão de condutor do apelante.
XI. Os tacógrafos digitais ou analógicos bem como o cartão de condutor do motorista de veículo pesado de mercadorias registam todos os tempos de trabalho e descanso do motorista; registo esse que é feito com tal precisão que é possível saber se o motorista, em determinado momento, se encontrava a conduzir, a proceder a operações de carga ou descarga, a executar outras tarefas ou a descansar; também permite saber o número de quilómetros percorridos bem como a velocidade a que o veículo conduzido circula.
XII. A apelada, notificada para juntar os aludidos documentos, veio juntar aos autos 276 documentos denominados "folhas de serviço", elaborados pelo apelante enquanto se encontrava ao seu serviço.
XIII. Porém, os 276 documentos estão dispersos pelo tempo e correspondem apenas a metade do período compreendido entre 29 de Setembro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011.
XIV. Em resposta ao requerimento da apelada e à junção destes documentos, o apelante pronunciou-se sobre os mesmos, invocando que deveriam ser livremente apreciados pelo tribunal para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova atenta a falta de junção dos documentos atempadamente requeridos pelo apelante.
XV. A apelada nada disse nem sequer justificou a não apresentação dos documentos a que vimos aludindo.
XVI. O DL 109/2009 de 31 de Julho obriga as empresas proprietárias ou locatárias de veículos equipados com tacógrafo digital a descarregarem os dados do aparelho tacógrafo bem como os dados do cartão do condutor, aqueles com uma periodicidade de três meses, estes com uma periodicidade de 28 dias. O mesmo sucede relativamente à obrigação de conservar os discos de tacógrafo analógico.
XVII. Ao não juntar, injustificadamente, os documentos requeridos pelo apelante e que estava obrigada a possuir a apelada violou de forma culposa e grosseira o dever de colaboração com o tribunal; conduta essa sancionável com a inversão do ónus da prova, conforme resulta da interpretação conjugada dos artigos 429.º (ex artigo 528.º), 430.º (ex artigo 529.º), 431.º, n.º 2 (ex artigo 530.º, n.º 2) e 417.º, n.º 2 (ex artigo 519.º), todos do CPC bem como o disposto no artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil.
XVIII. Esta é, também, a doutrina vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo 1575/03.3TVLSB.Ll-2: U({( .. .) sendo seguro que os documentos em causa era idóneos a esclarecer os factos articulados, que a ré não podia deixar de os possuir, e que a sua junção aos autos foi logo requerida na petição inicial e não representava sacrifício para a parte, julgasse que nem haveria que discutir se havia meios alternativos de prova desses factos. Que passariam sempre pela obtenção de documentos de documentos que suprissem a falta dos que a ré não juntou. Parece claro que a demonstração da prestação de um tão elevado número de serviços, ao longo de um ano e meio, não se consegue fazer através de prova testemunhal. A prova pericial também só teria viabilidade se fosse fundada nos documentos de suporte da actividade da ré, supostamente os documentos em falta. ( .. .), não sendo questionável, por essa via, a inversão do ónus da prova." [itálico nosso].
XIX. Pelo exposto, a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto alegada pelo apelante deve ser revogada, julgando-se procedente a alegada inversão do ónus da prova e provados os factos alegados pelo apelante nos artigos
XX. Verificando-se, assim preenchidos os pressupostos da inversão do ónus da prova, nos termos do disposto nos artigos 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47º, 51, 52º da petição inicial.
XXI. Ainda que assim não se entenda os aludidos factos impunham decisão diversa atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos.
XXII. No artigo 47º da petição inicial o ora apelante alegou que, em regra, o serviço nacional por si realizado, aos fins - de - semana, terminava pelas 12h de Sábado e reiniciava às 14 h de Domingo.
XXIII. Sobre esta matéria depuseram as testemunhas (…).
XXIV. As testemunhas (…)
XXV. Aliás, o momento da verdade da testemunha (…)
XXVI. Porém, a testemunha (…)
XXVII. Pelo exposto, o facto alegado no artigo 47.º da petição inicial, deveria ser considerado "provado" (…)
XXVIII. O douto tribunal a quo julgou não provado que o apelante, entre cada semana de trabalho, não gozava mais de 26 horas de descanso (Art. 51.º da petição inicial), impondo-se decisão diversa face à prova testemunhal e documental produzida nos autos.
XXIX. Das folhas de serviço elaboradas pelo apelante, e juntas aos autos pela apelada, resulta provado que na semana de 23 de Março de 2009 (2.ª feira) a 30 de Março de 2009 (2.ª feira) o A. não gozou mais de 26 horas de descanso pois trabalhou no Sábado, dia 28.03.2009 e no Domingo, dia 29.03.2009; o mesmo sucedeu nas semanas de 17 de Agosto de 2009 a 24 de Agosto de 2009, de 12 de Outubro de 2009 a 19 de Outubro de 2009, devendo atender-se ao facto de aqueles documentos se reportarem a períodos de tempo intercalados e corresponderem, somente, a metade da duração da relação laboral.
XXX. Acresce que as referidas folhas de serviço não espelham, com precisão, o número de horas de trabalho que o apelante fazia em cada dia e semana. Tal informação apenas poderia ser obtida a partir dos discos tacógrafo dos camiões que o apelante habitualmente conduzia, documentos que o apelante, logo na petição inicial, requereu que a apelada juntasse aos autos.
XXXI. A resposta ao artigo 52.º da petição inicial também se impunha diversa. O apelante alegou que, em cada dia de trabalho, laborava, pelo menos, mais 3 horas para além das 8 horas normais de trabalho.
XXXII. A testemunha (…).
XXXIII. Finalmente, e mais uma vez, o facto alegado pelo apelante no artigo 52.º da petição inicial seria provado, com precisão e sem margem para dúvidas, pela análise dos discos tacógrafo dos camiões por si conduzidos e cuja junção aos autos foi atempadamente requerida pelo apelante.
XXXIV. O douto tribunal a quo deu como não provados os factos alegados pelo apelante no artigo 92.º da petição inicial.
XXXV. A testemunha (…)
XXXVI. É facto notório, que não carece de prova, que o apelante tinha de tomar, pelo menos, as três refeições principais durante os dias de trabalho.
XXXVII. Tendo sido dado como provado que o A. para tomar as refeições (pequeno-almoço, almoço e jantar) recorre a snack-bares ou restaurantes, não pedindo factura por a Ré não pagar as refeições à factura e considerando o depoimento da testemunha … sobre o custo médio dessas refeições em Portugal e Espanha e sobre a circunstância de o apelante passar toda a semana sem ir a casa, constando dos autos prova documental bastante que comprova que o apelante tomava, semanalmente, 17 refeições em viagem, deveria o tribunal a quo ter julgado provados os factos do art. 92.º da petição inicial.
XXXVIII. Além do mais, a apelante não contestou/impugnou que o apelante tomasse 17 refeições por semana, quando em viagem, pelo que tal facto deveria ser considerado assente por acordo.
XXXIX. O douto tribunal a quo, relativamente aos factos alegados pelo apelante nos artigos 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º e 46.º, considerou provado apenas o que consta da resposta ao artigo 34.º da contestação e os demais não provados.
XL. Porém, os autos continham prova suficiente para dar como provada a prestação de trabalho pelo apelante em dias de descanso complementar, obrigatório e feriados bem como o trabalho suplementar.
XLI. O douto tribunal a quo julgou provado que i)o apelante, mensalmente, e de acordo com as instruções que lhe eram fornecidas pela apelada, realizava mais de 60 cargas e descargas; ii) o apelante, de acordo com as instruções da apelada, percorria, mensalmente, cerca de 10.000km, predominantemente em estradas nacionais e localidades; iii) cada operação de carga e descarga demorava, em média, 45 minutos.
XLII. Se cada operação de carga/descarga demora, em média, 45m (podendo ser mais), então o apelante, nestas operações, gastou cerca de 5 dias e meio (60 x 45m = 2700m : 60m = 45h : 8h/dia).
XLIII. A este tempo acresce o tempo de condução do veículo por estradas nacionais e localidades, com limites máximos de velocidade de 80Km/hora e 50Km/hora, respectivamente, sendo este facto notório pelo que não carece de alegação e prova.
XLIV. A velocidade média resultante da conjugação destes dois limites de velocidade é de 65km/hora, em condições óptimas de trânsito, atmosféricas e de estado de conservação e carga do veículo.
XLV. O apelante, nessas condições, necessitava de 19 dias úteis para realizar os diversos percursos ordenados pela apelada (10.000km:65km/h=153,84 horas: 8 horas diárias = 19,2 dias).
XLVI. A soma dos dias necessários para a condução do veículo e dos dias necessários para operações de carga e descarga totaliza 24 dias e 5 horas úteis, como se referiu, em condições ideais.
XLVII. Em regra, os meses têm entre 20 a 22 dias úteis, sendo forçoso concluir que os dias úteis, em cada mês, não eram suficientes para a realização daquelas duas tarefas a que acrescem outros trabalhos que fazem parte das funções do motorista de transporte internacional de mercadorias.
XLVIII. Assim, é evidente que o apelante realizava, pelo menos, entre a 2 a 4 dias de trabalho suplementar por mês.
XLIX. Há, ainda, que considerar que o apelante executa outras tarefas que são consideradas como tempo de trabalho: verificação de pneus, óleo ou atestar combustível, que não estão consideradas no cálculo precedente.
L. Ora, é manifesto que, atento o número de quilómetros percorridos em cada mês, a velocidade média de circulação obtida com recurso às regras de experiência comum, bem como o número de cargas e descargas e o tempo médio (dado como provado) de cada uma, o A. não podia ter períodos de descanso regulares correspondentes a um fim-de-semana completo.
LI. Na douta sentença posta em crise o tribunal a quo considerou que o acordo remuneratório celebrado entre o apelante e a apelada era mais favorável ao apelante e, por conseguinte, não o declarou nulo, decisão com que não nos conformamos.
LII. A relação jurídico-laboral entre apelante e apelada rege-se, além do mais, pelo contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Antram e a Festru, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8 de Março, com as revisões publicadas no mesmo Boletim, 1.ª Série, n.º 16 de 29 de Abril de 1982, contrato este aplicável a todos os trabalhadores, ainda que não inscritos nos sindicados signatários, por força das Portarias de Extensão publicadas no BTE, 1 ª Série, n.º 30 de 15 de Agosto de 1980 e n.º 33 de 8 de Setembro de 1992.
LIII. Este CCT atribui aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro e além da retribuição - base, da cláusula 74.º, n.º 7 e do denominado Prémio TIR: i) o direito a que o trabalho prestado em dias feriados, de descanso - semanal ou complementar -, sejam remunerados com o acréscimo de 200% (cf. cláusula 41.º, n.º 1 do CCT); ii) o direito ao gozo de igual número de dias de descanso, imediatamente após a chegada, a par com o gozo das 24 horas que antecedem cada viagem ou, em alternativa, o direito a que esses dias sejam remunerados com o acréscimo de 200% (cf. cláusulas 20.º e 41.º, n.º 5 e n.º 6 do CCT); iii) o direito ao pagamento das refeições tomadas em viagem à factura (cf. cláusula 47.º - A).
LIV. O CCT aplicável estipula os direitos supra mencionados como garantias mínimas dos motoristas de transporte internacional de mercadorias (como era o caso do apelante), só podendo ser modificado (unilateralmente ou por acordo) se da alteração resultar um sistema retributivo mais favorável para o trabalhador.
LV. Em abono do nosso entendimento - e de modo a obstar a repetições inúteis - chama - se à colação a excelsa jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa expendida no Acórdão de 26.01.2011 no processo 276/09.8TTVFX.Ll-4 e que se transcreve: U (...), sendo invocada pelo empregador a alteração da retribuição fixada em instrumento de regulamentação colectiva (porque se trata de matéria modificativa do direito invocado pelo trabalhador) caberá ao empregador, nos termos do n.º 2 do art. 342.º do Cód. Civil, o ónus de provar não só a existência de um acordo quanto à prática na empresa de um esquema remuneratório especial, em substituição de regime retributivo acolhido no aludido instrumento, mas também que o sistema remuneratório estabelecido é mais vantajoso para os trabalhadores em causa. Na falta de algum daqueles requisitos, a alteração/substituição do regime remuneratório estabelecido no CCT aplicável ao caso será nula, com as consequências previstas no art. 289.º do Cód. Civil (...)."
LVI. No caso em apreço a apelada não logrou fazer prova da bondade do sistema remuneratório praticado face ao CCTV.
LVII. Desde logo porque tal prova tem de ser feita em concreto, ou seja, para provar que determinado sistema remuneratório praticado pela apelada era mais favorável, teria de se apurar quantos Sábados, Domingos e Feriados o apelante trabalhou, quantos dias de descanso gozou ou não, quantas horas a mais fez em cada dia de trabalho, quanto receberia por força do CCTV e quanto a apelada lhe pagou.
LVIII. Na posse destes elementos, seria feito o confronto entre as importâncias devidas ao trabalhador pela aplicação do CCTV e as importâncias efectivamente pagas pela empresa, determinando - se qual dos dois regimes era o mais favorável.
LIX. Ora, atenta a inversão do ónus da prova, invocada supra, em matéria de trabalho prestado aos Sábados, Domingos e feriados, cabia à apelada provar que o apelante não prestou o trabalho suplementar e extraordinário alegado e que, por esse motivo, o sistema remuneratório por si gizado era mais favorável que o CCTV, o que a apelada não logrou fazer.
LX. Sendo evidente que o sistema remuneratório criado pela apelada era menos favorável para o apelante face às disposições do CCTV.
LXI. Aliás, tal conclusão é, além do mais, extraída das declarações da testemunha … gravadas em 20131011121157_40432_65161 dos 6m aos 10m e 30s, dos 32m aos 37m, o qual referiu que o valor diário da ajuda de custo destinada a compensar trabalho prestado aos Sábados, Domingos e Feriados, descansos compensatórios e refeições foi encontrado tendo em conta uma média de € 22,00 por dia útil para refeições e no pressuposto da prestação pontual de trabalho suplementar, admitindo a testemunha que "pontual" se reconduzia a dois Sábados ou dois Domingos por mês.
LXII. Ora, fazendo o confronto destes pressupostos com a realidade extraída dos documentos 1 a 276 juntos pela apelada (folhas de serviço) verifica-se que o pressuposto que esteve na base do cálculo do valor diário da ajuda de custo pecava por defeito, relevando o facto de as sobreditas folhas de serviço respeitam a cerca de metade da duração da relação laboral existente entre o apelante e a apelada.
LXIII. Não é, ainda, despiciendo o facto de o valor diário da ajuda de custo apenas ser pago nos dias úteis. Isto é, as refeições consumidas aos Sábados, Domingos ou Feriados não eram consideradas assim como o sistema remuneratório fixado pela apelada impedia, ainda, que o apelante exigisse da apelada o gozo efectivo do descanso compensatório pois, como bem afirmou a testemunha … "não fazíamos o descanso compensatório porque não ganhávamos a diária" (cf. depoimento da testemunha gravado em 20131105111656_40432_65161, dos 21m aos 23m).
LXIV. A fundamentação da decisão, nesta parte, limita- se à afirmação, sem mais, que o sistema remuneratório praticado pela apelada era mais favorável ao trabalhador por força do trabalho que efectivamente prestou aos fins-de-semana e feriados.
LXV. Tal conclusão teria de ser demonstrada de forma inequívoca, o que não sucedeu pelo que a douta sentença padece, nesta parte, de falta de fundamentação e erro na apreciação da prova
LXVI. Quanto às refeições, entendeu o douto tribunal a quo não ter ficado demonstrado que o sistema remuneratório fixado pela apelada fosse mais favorável do que o CCTV, que o facto de não existirem facturas não libera a apelada da obrigação de reembolsar o trabalhador pelas refeições consumidas, fixando-se o respectivo montante com recurso a critério de equidade. Não obstante, o douto tribunal a quo decidiu que, nesta parte, devia a apelada ser absolvida porque o apelante não provou o número de refeições tomadas.
LXVII. A decisão merece censura, desde logo na medida em que a definição de qual o sistema remuneratório mais favorável deve ser feita tendo em conta a globalidade das várias parcelas remuneratórias.
LXVIII. Por outro lado, a apelada definiu um sistema remuneratório com recurso a um valor diário que engloba todas as parcelas remuneratórias do CCTV em matéria de trabalho suplementar, aos fins-de-semana, descanso compensatório e refeições, não sendo possível escalpelizar, com rigor, qual o montante que se destinava a cada uma das variáveis remuneratórias.
LXIX. Assim, mal andou o douto tribunal a quo ao considerar o sistema remuneratório do fixado pela apelada mais favorável em matéria de remuneração por trabalho suplementar, extraordinário e suplementar e menos favorável em matéria de reembolso de despesas com refeições.
LXX. A absolvição da apelada, nesta parte, também não convence pois, além dos fundamentos invocados supra sobre a matéria, o apelante alegou ter consumido, semanalmente, 17 refeições em viagem, facto que não foi impugnado pela apelada e não está em contradição com os demais factos em apreço nos autos e deveria ter sido considerado na decisão sobre o regime remuneratório mais favorável, condenando-se a apelada ao pagamento das ditas refeições em cada semana de trabalho.
LXXI. A douta sentença recorrida, decidindo pela validade do acordo remuneratório, violou o disposto nos artigos, 3.º, n.º 3, 129.º, n.º 1, alínea d) e 276.º, n.º 3 do CI', 41.º e 47.º - A do CCT e 342.º, n.º 2 do cc.
LXXII. Pelo exposto, deve a sentença ser reformada nesta parte declarando - se a nulidade do acordo remuneratório e condenando - se a apelada a pagar ao apelante as quantias peticionadas a título de trabalho em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, em Portugal e no estrangeiro, a título de trabalho extraordinário aos Sábados, Domingos e Feriados, a título de dias de descanso não gozados e a título de compensação por despesas com refeições.
LXXIII. O douto tribunal a quo, na sentença ora posta em crise, absolveu a apelada do pedido subsidiário formulado pelo apelante com fundamento no facto de o valor diário de € 45,00 - reduzido para € 35,00 em Abril de 2011 - constituir uma ajuda de custo, paga por dia útil de trabalho e em todos os dias úteis do mês, pelo que, como tal, não integra o conceito de retribuição e, por isso, não está sujeita ao princípio da irredutibilidade.
LXXIV. Mais argumentou o douto tribunal a quo que “apesar da redução, e considerando em concreto o trabalho que se apurou ter o A. prestado aos fins-de-semana e feriados (11 Sábados, 2 Domingos e 3 feriados) e o valor recebido a título de ajuda de custo diária no mesmo ano, no total de € 8.655, constata-se que o A. recebeu valor claramente superior ao que teria auferido caso houvesse sido aplicado o regime remuneratório previsto no CCTV.”
LXXV. Quanto este último segmento da fundamentação cumpre dizer que o mesmo compara realidades diversas: o apelante recebeu, efectivamente, a quantia de € 8.655, relativa a ajuda de custo diária no ano de 2011; porém, os 11 Sábados, 2 Domingos e 3 feriados trabalhados reportam-se, somente, aos períodos de 15 de Fevereiro de 2011 a 17 de Março de 2011 (cf. folhas de serviço juntas pela apelada como documentos 212 a 236) e de 7 de Novembro de 2011 a 29 de Dezembro de 2011 (cf. folhas de serviço juntas pela apelada como documentos 237 a 276).
LXXVI. Respeitando as folhas de serviço de 2011 a apenas a dois meses e três semanas de trabalho não podia a douta sentença considerar a totalidade das ajudas de custo recebidas nesse mesmo ano pelo apelante, desde logo porque constam dos autos os recibos de ordenado dos meses correspondentes às folhas de serviço do ano de 2011 e, para efeitos de fundamentação da decisão, exige-se um mínimo de rigor técnico na análise dos documentos juntos aos autos.
LXXVII. A douta sentença, ao qualificar a diária de € 45,00 como ajuda de custo, incorre em erro na apreciação da matéria de facto e faz errada aplicação e interpretação das normas legais.
LXXVIII. Com efeito, o valor diário de € 45,00 por dia útil de trabalho, fixado no acordo remuneratório gizado pela apelada, foi estabelecido como alternativa ao pagamento da remuneração devida pela prestação de trabalho suplementar, e em dias de descanso complementar, obrigatório e feriados, de descansos compensatórios não gozados e reembolso de despesas com refeições e era pago por dia útil de trabalho, desde que houvesse efectiva prestação de trabalho nos dias úteis (quanto a esta última questão relembramos o depoimento da testemunha… - já identificado supra - que referiu que se os motoristas não trabalhassem nos dias úteis a "diária" não era paga).
LXXIX. A denominação "ajuda de custo" foi escolhida pela apelada para camuflar o pagamento de remuneração devida ao trabalhador em dias de descanso complementar e obrigatório, feriados, descansos compensatórios não gozados.
LXXX. O valor recebido pelo apelante, e denominado pela apelada como "ajudas de custo", integra o conceito de retribuição do artigo 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
LXXXI. O artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho estabelece uma presunção legal de retribuição que a apelada não ilidiu, competindo-lhe faze-lo.
LXXXII. E, no caso concreto, não é aplicável o disposto no artigo 260.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho.
LXXXIII. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2011, publicado em www.itij.pt. pode ler-se que "I - (...) as ajudas de custo destinam-se a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação de trabalho ou por causa dele. II - Só assim não será quando estas compensações excedem as despesas suportadas, pois conforme resulta da parte final do artigo 260.º, n.º 1 do CT /2003, a parte excedente dessas despesas deverá considerar-se retribuição, no caso de se tratar de deslocações frequentes. (...)."
LXXXIV. Da factualidade provada resulta que a diária de € 45,00 foi fixada pela apelada considerando € 22,00 para reembolso de despesas de alimentação e o restante para pagamento de trabalho prestado em dias de descanso complementar, obrigatório, descansos compensatórios não gozados e trabalho suplementar (cf. depoimento da testemunha …, que identificámos supra, quanto à matéria de facto). Em consequência, o valor da "diária", além dos € 22,00/dia, integra o conceito de retribuição e está sujeito ao princípio da irredutibilidade.
LXXXV. Não tendo a apelada alegado ou provado que a redução de € 10,00 diários era imputada ao montante destinado ao reembolso de despesas de alimentação, deve a apelada ser condenada a pagar ao apelante tal diferença diária por ter sido violado o princípio da irredutibilidade da retribuição.
LXXXVI. Ao decidir como decidiu o douto tribunal a quo violou o disposto nos artigos 258.º, n.º 1 e n.º 3, 260.º, n.º 1, al. a) parte final e 129.º, n.º 1, al. d), todos do Código do Trabalho.
LXXXVII. Tendo ficado provado que o apelado não aceitou a proposta da apelada, em matéria de redução da ajuda de custo diária de € 45,00 por dia útil de trabalho para € 35,00 por dia útil de trabalho, a douta sentença violou, assim, o disposto no artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil (que exige mútuo consentimento para a modificação dos contratos - princípio geral aplicável ao contrato de trabalho), pelo que deve ser revogada condenando-se a apelada a pagar ao apelante a quantia de € 10,00 por dia útil de trabalho prestado entre Abril de 2011 e Dezembro de 2011, ser a apelada condenada a cumprir o acordo remuneratório celebrado com o apelante e ser a apelada condenada a pagar ao apelante juros de mora vincendos sobre as quantias referidas supra desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, o qual foi notificado às partes, sem resposta por parte destas.
Por cessação de funções nesta Relação do anterior Relator, o processo foi redistribuído ao actual em 16.05.2017.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
Começa o A. por argumentar que, não tendo a Ré apresentado os registos do tacógrafo digital ou analógico, bem como os registos do seu cartão de condutor – a Ré apenas juntou 276 folhas de serviço elaboradas pelo trabalhador – deveria proceder-se à inversão do ónus da prova em relação aos arts. 36.º, 37.º, 39.º, 40.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47.º, 51.º e 52.º da sua petição inicial, nos quais alegava ter trabalhado 13 sábados, 13 domingos e 2 feriados no ano de 2008; 50 sábados, 56 (!) domingos e 7 feriados no ano de 2009; 46 sábados, 42 domingos e 7 feriados no ano de 2010; e 46 sábados, 46 domingos e 5 feriados no ano de 2011; e ainda que em cada semana de trabalho apenas descansava 26 horas e todos os dias prestava, em média, 11 horas de trabalho.
A este respeito, a primeira instância considerou provada a prestação de trabalho em algumas das datas alegadas – e que lançou no ponto 46 dos factos provados – e declarou não provado o descanso de apenas 26 horas em cada semana, ou a prestação, em média, de 11 horas de trabalho por dia, baseando-se para o efeito nas folhas de serviço apresentadas e no depoimento da testemunha …, chefe de tráfego e que fiscalizava as folhas de serviço dos motoristas.
E quanto à falta de junção dos registos dos tacógrafos, a primeira instância recusou a aplicação do regime da inversão do ónus da prova, por considerar não provada a acção ou omissão culposa da Ré e por não estar o A. impossibilitado de efectuar a prova do trabalho suplementar que alegou com recurso a outros meios de prova.
Comentando o art. 344.º n.º 2 do Código Civil, Rita Lynce de Faria[4] afirma que este preceito “prevê a inversão do ónus da prova no caso de a prova se ter tornado impossível para o onerado, sendo essa impossibilidade causada por uma atitude culposa da parte contrária. Assim acontece se, por exemplo, o réu, contra quem é arguida uma nulidade do testamento, o destrói. Nessa eventualidade, passa a ser o réu a suportar o risco da falta de prova daquele facto e não o autor, como resultaria das regras gerais de distribuição do ónus da prova. Naturalmente que por detrás desta inversão se encontra, para além de uma intencionalidade sancionatória para aquele que culposamente impossibilitou a prova, a regra empírica de que aquele que destrói culposamente um meio de prova receará o seu resultado. Chama-se a atenção para dois aspectos. Em primeiro lugar, há que demonstrar, em juízo, a efectiva impossibilidade da prova, bem como a atitude culposa da parte contrária como causa desse facto. Só nessa circunstância ocorre inversão.”
Trata-se, pois, de uma solução drástica para situações limite em que houve intenção inequívoca de destruir meios de prova para impedir a contraparte de efectivar o seu direito.
Refere ainda esta autora que, embora apenas a atitude culposa da parte que impossibilite a prova gere a inversão do ónus da prova, qualquer atitude da parte não onerada com o ónus da prova que constitua violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, pode acabar por conduzir a resultados semelhantes na medida em que, nos termos do art. 417.º n.º 2 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios.
Fora das situações limite em que se justifique a inversão do ónus da prova, a violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade tem de ser apreciada concretamente atendendo à natureza das provas recusadas.
No caso concreto dos autos, o comportamento da Ré, ao não apresentar os registos de tacógrafo, pode eventualmente representar uma violação do dever de cooperação, mas não possui por si só a virtualidade para tornar impossível a prova do onerado. Com efeito, o A. tinha à sua disposição outros meios de prova, alguns de natureza documental fornecidos pela Ré (as folhas de serviço verificadas pelo chefe de tráfego), podendo ainda socorrer-se de prova testemunhal, como efectivamente acabou por realizar em julgamento, embora não corroborando na íntegra a sua alegação.
Ponderando, ainda, que os registos de tacógrafo não são idóneos, apenas por si só, para demonstrar a matéria aqui em discussão, bem andou a primeira instância ao recusar a aplicação do supra mencionado instituto jurídico.
(…).
Em resumo, julga-se totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto.

Fica assim estabelecida como fixada na primeira instância, e que é:
1) A Ré dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias por estrada.
2) O A. é casado.
3) O A. foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direcção da Ré em 29 de Setembro de 2008, tendo celebrado com esta contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses.
4) O A. foi admitido ao serviço da Ré com a categoria de motorista (pesados e ligeiros).
5) Foi acordado que o A. receberia a retribuição mensal ilíquida de € 553,67.
6) O período normal de trabalho do A. era de quarenta horas semanais, não tendo sido definido horário de trabalho.
7) O contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Ré estabelecia que, quando estivesse deslocado no estrangeiro, o A. teria direito ao pagamento do montante previsto na cláusula 74.º do CCTV (celebrado entre a Antram e a Festru e publicado no BTE n.º 9 de 8.03.1980) e à ajuda de custo TIR.
8) De acordo com a prática da empresa, o A. receberia, ainda, uma remuneração de montante variável, discriminada no recibo sob a rubrica “Ajudas de custo”, destinada à substituição do pagamento dos montantes previstos nas cláusulas 41.º e 47.º do CCTV.
9) A par do contrato de trabalho, a Ré elaborou e apresentou ao A. um acordo remuneratório.
10) O acordo remuneratório apresentado ao A. era substitutivo do regime remuneratório previsto no CCTV celebrado entre a Antram e a Festru, por mais favorável ao trabalhador.
11) A cláusula segunda do acordo remuneratório previa que o A. receberia, “quando deslocado no estrangeiro”, o montante previsto na cláusula 74.º do CCTV aplicável, ajuda de custo TIR e o montante de € 45 por dia útil de trabalho.
12) Segundo o acordo remuneratório, o montante de € 45 por dia útil de trabalho atribuído ao A. destinava-se a compensar o trabalho prestado aos sábados, feriados, as saídas ao domingo no final da tarde, destinando-se, também, a fazer face às despesas previstas na cláusula 47.º-A do CCTV.
13) O A. trabalhou ininterruptamente sob a autoridade e direcção da Ré desde 29 de Setembro de 2008 até ao presente.
14) O A. trabalha para a Ré nos serviços internacionais e nacionais, especialmente no primeiro serviço.
15) Por força das sucessivas renovações, o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre A. e Ré convolou-se em contrato de trabalho sem termo.
16) A Ré, de Setembro de 2008 a Março de 2011, pagou ao A. a quantia de € 45 por cada dia útil de trabalho.
17) Em Abril de 2011 a Ré, sem o acordo do A. para o efeito, decidiu pagar apenas a quantia de € 35 por cada dia útil de trabalho.
18) À relação laboral estabelecida entre o A. e a Ré, além das disposições gerais do Código do Trabalho (CT), é aplicável o CCTV celebrado entre a Antram e a Festru, publicado no BTE n.º 9 de 8.03.1980 com as alterações introduzidas, em especial, pelo CCTV publicado no BTE n.º 16 de 29/04/82.
19) O A. foi contratado pela Ré com a categoria de motorista (pesados ou ligeiros) prevista no anexo I do BTE n.º 9 de 8/3/1980.
20) O A. possuía – e possui – carta de condução profissional de pesados e conduzia veículos pesados, entre Portugal e Espanha, transportando e distribuindo mercadoria, pela qual era responsável, pelo que assistia às cargas e descargas.
21) O A., em caso de avaria ou acidente, corrigia a avaria, se fosse possível, contactava a Ré de modo a que esta accionasse os meios necessários à reparação ou reboque do veículo, tomava nota ou recolhia os elementos necessários à correcta identificação e descrição do evento, quer fosse avaria ou acidente.
22) O A. zelava pelo bom estado de funcionamento, conservação e limpeza do veículo e procedia à verificação dos níveis de óleo, água e combustível, bem como do estado e pressão dos pneus.
23) No ano de 2009, o A. gozou 13 dias úteis de férias e, a título de subsídio de férias, a Ré pagou ao A. a quantia de € 553,67.
24) No ano de 2010, o A. gozou 19 dias úteis de férias.
25) Nesse ano, a Ré pagou ao A. a título de subsídio de férias a quantia de € 553,67.
26) Em 2011, o A. gozou férias entre 19 e 30 de Julho e 16 e 31 de Agosto, num total de 21 dias úteis.
27) No ano de 2011, a Ré pagou ao A., a título de subsídio de férias, a quantia de € 553,67.
28) No ano de 2008, o A. auferiu uma remuneração base de € 553,67, acrescida de € 128,54 a título de prémio TIR e de € 311,45 nos termos da cláusula 74.ª, n.º 7, do CCTV.
29) Nos anos de 2009, 2010 e 2011, o A. auferiu uma remuneração base de € 553,67, acrescida de € 128,54 a título de prémio TIR e de € 309,54 nos termos da cláusula 74.º, n.º 7 do CCTV.
30) A Ré, desde 29 de Setembro de 2008 até ao presente, pagou ao A. relativamente ao trabalho prestado aos Sábados, Domingos e Feriados trabalhados e aos dias de descanso não gozados as quantias liquidadas a título de ajudas de custo, à razão de € 45 por cada dia útil de trabalho em serviço nacional ou internacional, não pagando qualquer outra quantia a esse título.
31) A Ré, desde 29 de Setembro de 2008 até à presente data, para além das quantias pagas a título de ajudas de custo (€ 45 por cada dia útil de trabalho), não pagou ao A. qualquer outro valor para refeições nem adiantou qualquer quantia para esse efeito antes do início de cada viagem.
32) O A. dormia (e dorme) na cabine do camião, mesmo quando realiza serviço nacional.
33) O A. para tomar as refeições (pequeno-almoço, almoço e jantar) recorre a snack-bares ou restaurantes, não pedindo factura por a Ré não pagar as refeições à factura.
34) Sob a rubrica “ajudas de custo”, no ano de 2008, o A. recebeu da Ré as seguintes quantias: a) Em Outubro, € 855 referentes a 19 dias úteis de trabalho; b) Em Novembro, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; c) Em Dezembro, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho.
35) Sob a rubrica “ajudas de custo”, no ano de 2009, o A. recebeu da Ré as seguintes quantias: a) Em Janeiro, € 945 referentes a 21 dias úteis de trabalho; b) Em Fevereiro, € 945 referentes a 21 dias úteis de trabalho; c) Em Março, € 855, referentes a 19 dias úteis de trabalho; d) Em Abril, € 855 referentes a 19 dias úteis de trabalho; e) Em Maio, € 675 referentes a 15 dias úteis de trabalho; f) Em Junho, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; d) Em Julho, € 990 referentes a 22 dias úteis de trabalho; e) Em Agosto, € 720 referentes a 16 dias úteis de trabalho; f) Em Setembro, € 1035 referentes a 23 dias úteis de trabalho; g) Em Outubro, € 945 referentes a 21 dias úteis de trabalho; h) Em Novembro, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; i) Em Dezembro, € 765 por 17 dias úteis de trabalho.
36) Sob a rubrica “ajudas de custo”, no ano de 2010, o A. recebeu da Ré as seguintes quantias: a) Em Janeiro, € 855 referentes a 19 dias úteis de trabalho; b) Em Fevereiro, € 990 referentes a 22 dias úteis de trabalho; c) Em Março, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; d) Em Abril, € 990 referentes a 22 dias úteis de trabalho; e) Em Maio, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; f) Em Junho, € 540 referentes a 12 dias úteis de trabalho; g) Em Julho, € 990 referentes a 22 dias úteis de trabalho; h) Em Agosto, € 720 referentes a 16 dias úteis de trabalho; i) Em Setembro, € 1035 referentes a 23 dias úteis de trabalho; j) Em Outubro, € 810 referentes a 18 dias úteis de trabalho; k) Em Novembro, € 990 referentes a 22 dias úteis de trabalho; l) Em Dezembro, € 765 referentes a 17 dias úteis de trabalho.
37) Sob a rubrica “ajudas de custo”, no ano de 2011, o A. recebeu da Ré as seguintes quantias: a) Em Janeiro, € 945 referentes a 21 dias úteis de trabalho; b) Em Fevereiro, € 1035 referentes a 23 dias úteis de trabalho; c) Em Março, € 900 referentes a 20 dias úteis de trabalho; d) Em Abril, € 735 referentes a 21 dias úteis de trabalho; e) Em Maio, € 700 referentes a 20 dias úteis de trabalho; f) Em Junho, € 735 referentes a 21 dias úteis de trabalho; g) Em Julho, € 420 referentes a 12 dias úteis de trabalho; h) Em Agosto, € 525 referentes a 15 dias úteis de trabalho; i) Em Setembro, € 525 referentes a 15 dias úteis de trabalho; j) Em Outubro, € 700 referentes a 20 dias úteis de trabalho; k) Em Novembro, € 735 referentes a 21 dias úteis de trabalho; l) Em Dezembro, € 700 referentes a 20 dias úteis de trabalho.
38) O A., mensalmente, e de acordo com as instruções que lhe eram fornecidas pela Ré, realizava mais de 60 cargas e descargas.
39) De acordo com as instruções da Ré, o A. percorria, mensalmente, cerca de 10.000 km, predominantemente em estradas nacionais e localidades.
40) Cada operação de carga ou descarga demorava, em média, 45 minutos.
41) Enquanto esteve ao serviço da Ré, o A. conduziu, entre outros, os camiões com as matrículas … e … e, pontualmente, o camião com a matrícula …, todos propriedade da Ré.
42) Em Abril de 2011, a Ré propôs ao A., assim como à generalidade dos trabalhadores, pagar € 35 por cada dia útil de trabalho, em substituição do trabalho prestado aos Sábados, Domingos e Feriados e da cláusula 47.º - A do CCTV.
43) Posteriormente, o A. não aceitou a proposta da Ré.
44) O custo médio de um pequeno-almoço, um almoço e um jantar em Espanha ascende a € 25 por dia e em Portugal ascende a € 15 por dia.
45) O início do serviço ao Domingo só poderia acontecer por conveniência de serviço e com autorização da gerência ou do chefe de tráfego.
46) No ano de 2008, o A. trabalhou: Sábado, dia 25 de Outubro; Domingo, dia 2 de Dezembro, com início às 18:45 horas, saída para Espanha; Sábado, dia 13 de Dezembro, regressou de Espanha; Sábados, dias 22 e 29 de Dezembro; Domingo, dia 28 de Dezembro, iniciou serviço às 17:00 horas. No ano de 2009, o A. trabalhou: Domingo, dia 4 de Janeiro, iniciou o serviço para Espanha, pelas 18 horas; Domingo, dia 1 de Fevereiro, saiu para Espanha às 17,50 horas; Domingo, dia 8 de Fevereiro, iniciou serviço às 13:00 horas para Espanha; Sábado, dia 14 de Fevereiro regressou de Espanha; Domingo, dias 1, 8 e 29 de Março, Sábado, dia 28 de Março; Sábado, dia 23 de Maio, iniciou serviço às 07:40 horas e terminou às 19:30 horas; Domingo, dias 7, 14 e 21 de Junho, iniciou serviço às 14:00 horas, com saída para Espanha; feriado, dia de 10 de Junho; Domingo, dia 5 de Julho, iniciou serviço às 18:45 horas, com saída para Espanha; Sábado, dia 25 de Julho; Domingo, 2 e 23 de Agosto; Sábado, 22 de Agosto; Domingo, dias 6 e 27 de Setembro, iniciou serviço para Espanha às 16:00 horas; Sábado, 3, 17 e 24 de Outubro; Domingo, dias 11 e 18 de Outubro, iniciou o serviço para Espanha, às 18:45 horas; Domingo, dias 8 e 15 de Novembro, iniciou o serviço às 17:00 horas, saída para Espanha; feriado, dia 1 de Dezembro; Domingo, dias 13 e 27 de Dezembro, iniciou serviço pelas 18:00 horas, saída para Espanha e terminou às 22:38 horas. No ano de 2010, o A. trabalhou: Domingo, dia 3 de Janeiro, iniciou pelas 14:00 horas e terminou pelas 22:00 horas, saída para Espanha; Domingo, dia 10 de Janeiro, iniciou o serviço pelas 16:30 horas e terminou pelas 23:00 horas, saída para Espanha; Domingo, dia 31 de Janeiro, iniciou serviço pelas 16:30 horas e terminou pelas 23:50 horas; Domingo, dias 7 e 14 de Fevereiro, iniciou o serviço, saída para Espanha, pelas 16:30 horas; Domingo, dia 28 de Março; Domingo, dia 4 de Abril, iniciou serviço pelas 21:20 horas, saída para Espanha; Domingo, dia 25 de Abril, iniciou serviço pelas 18:05 horas e terminou pelas 21:45 horas, saída para Espanha; Domingo, dia 6 de Junho, iniciou serviço pelas 14:45 horas, saída para Espanha, e terminou pelas 23:40 horas; Domingo, dia 13 de Junho, iniciou serviço pelas 16:00 horas e terminou pelas 22:00 horas, saída para Espanha; Sábado, dia 7 de Agosto, iniciou pelas 09:00 horas e terminou pelas 18:00 horas; Domingo, dia 15 de Agosto; Domingo, dias 5, 12 e 19 de Setembro, saídas para Espanha, pelas 19:45 horas; Sábado dia 24 de Setembro, iniciou serviço pelas 07:00 horas e terminou pelas 19,45 horas; Sábado, dia 9 de Outubro, iniciou pelas 07:00 horas e terminou pelas 19:30 horas; Domingo, dia 24 de Outubro, iniciou a saída para Espanha pelas 16:48 horas; feriado, dia 1 de Novembro; Sábado, dia 13 de Novembro e, Domingo, dia 21 de Novembro, saiu para Espanha pelas 19:45 horas. No ano de 2011, o A. trabalhou: Sábado, dias 8 e 15 de Janeiro; Sábado, dia 22 de Janeiro, 2:30 horas de condução; Sábado, dia 29 de Janeiro; Sábado, dias 5, 12 e 19 de Fevereiro; Domingo, dia 27 de Fevereiro; Sábado, dia 12 de Março; Domingo, dia 10 de Abril; feriado, dia 5 de Outubro; Sábado, dia 26 de Novembro; feriado, dias 1 e 8 de Dezembro; Sábado, dias 3 e 24 de Dezembro.
47) No mês de Abril de 2011, o A. recebeu a quantia de € 30, identificada como prémio de produção.
48) No mês de Outubro de 2011, o A. recebeu a quantia de € 18,46, identificada como feriado.
49) No mês de Dezembro de 2011, o A. recebeu as quantias de € 15 e € 18,46 identificadas, respectivamente, como prémio de produção e feriado. (art. 34.º da contestação)
50) O A., aquando da sua admissão ao serviço da Ré, tomou conhecimento do acordo de remuneração referido em 9) a 12) e, por aceitá-lo, sem reservas, assinou-o.
51) O referido acordo remuneratório foi assinado pelo A. e pelos demais colegas, de boa fé, sem pressões ou coacção e sem reservas.
52) Em conformidade com o acordo remuneratório, a Ré pagava ao A. a quantia de € 45/dia útil de trabalho, sob a rubrica “ajudas de custo”, para fazer face às despesas com refeições e para compensar o trabalho suplementar aos sábados, domingos e feriados e dias de descanso.

APLICANDO O DIREITO
Da nulidade do acordo remuneratório
À relação laboral que vigorou entre as partes, aplica-se o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego de 08.03.1980, com as suas sucessivas alterações, o qual confere aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, além da retribuição base:
- o direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia (cl.ª 74.ª n.º 7);
- o direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso, semanal ou complementar, sejam remunerados com o acréscimo de 200% (cl.ª 41.ª n.º 1);
- o direito ao gozo de igual número de dias de descanso, imediatamente após a chegada, a par com o gozo das 24 horas que antecedam cada viagem ou, em alternativa, o direito a que esses dias remunerados com o acréscimo de 200% (cl.ªs 20.ª e 41.ª n.ºs 5 e 6);
- o direito a que as refeições tomadas em viagem sejam pagas à factura (cl.ª 47.ª-A);
- o direito a auferirem uma quantia, denominada “Prémio TIR”, que resulta da matéria de facto provada ser paga pela Ré no valor mensal de € 119,02.
Em aresto de 14.03.2006, o Supremo Tribunal de Justiça[5] decidiu o seguinte:
«1. Consagrando o contrato colectivo (já identificado nos autos), garantias mínimas para os trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, só é admissível a adopção de um sistema retributivo diferente daquele, se o mesmo for mais vantajoso para os trabalhadores em questão;
2. Não tendo a empregadora demonstrado que o sistema retributivo aplicado era mais favorável do que o resultante da regulamentação colectiva do trabalho em vigor para o sector, esta regulamentação não poderia ser afastada pelo contrato individual de trabalho; por isso, tratando-se de uma alteração contrária à lei, está ferida de nulidade, que o tribunal pode declarar oficiosamente (arts. 280.º e 286.º do Código Civil), implicando, nos termos gerais, não apenas a aplicação do regime convencional indevidamente preterido, como também a restituição de tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289.º n.º 1 do Código Civil);
3. Em conformidade, a empregadora deve ser condenada a pagar ao trabalhador as prestações previstas no n.º 1 da cláusula 41.ª (Retribuição do trabalho em dias de descanso e feriados) e quanto era efectivamente devido a título de despesas efectuadas em refeições no estrangeiro, ao abrigo da cláusula 47.º-A do CCT aplicável, a que serão deduzidas as quantias já recebidas pelo trabalhador a esse título, sob a denominação “ajudas de custo”, relegando-se para execução de sentença o apuramento daqueles montantes.»
No caso dos autos, está apurado que o A. auferia uma retribuição mensal ilíquida de € 553,67, a que acrescia € 128,54 de prémio TIR e € 311,45 pela cláusula 74-7 (€ 309,54 nos anos de 2009 a 2011).
Auferia, ainda, uma remuneração discriminada nos recibos sob a rubrica “ajudas de custo”, nos termos do acordo remuneratório celebrado aquando da sua admissão na empresa, destinada a compensar o trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados trabalhados e aos dias de descanso não gozados, bem como as despesas com refeições no estrangeiro, à razão de € 45,00 por cada dia útil de trabalho em serviço nacional ou internacional (€ 35,00 a partir de Abril de 2011), não pagando qualquer outra quantia a esse título.
Deste modo, em aplicação do supra referido acordo remuneratório, o A. recebeu, por 59 dias úteis de trabalho prestado no ano de 2008, um total de (€ 45,00 x 59) = € 2.655,00; no ano de 2009, por 234 dias úteis de trabalho prestado, um total de (€ 45,00 x 234) = € 10.530,00; no ano de 2010, por 233 dias úteis de trabalho prestado, um total de (€ 45,00 x 233) = € 10.485,00; nos meses de Janeiro a Março de 2011, por 64 dias úteis de trabalho prestado, um total de (€ 45,00 x 64) = € 2.880,00; e entre Abril e Dezembro do mesmo ano, por 165 dias úteis de trabalho prestado, um total de (€ 35,00 x 165) = € 5.775,00.
O total de valores recebidos a este título ascende, assim, ao valor de € 32.325,00.
Argumentando com a nulidade do acordo pelo qual este recebeu esta quantia, o A. pede € 12.294,36 pelo trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, a quantia a liquidar pelo trabalho prestado nesses dias para além do horário normal de trabalho, € 10.259,48 pelos dias de descanso não gozados, € 15.210,00 por despesas com refeições ao serviço da Ré, e ainda as quantias que se vencerem a tais títulos na pendência da acção.
Para o efeito, o A. alegou ter trabalhado 13 sábados, 13 domingos e 2 feriados no ano de 2008; 50 sábados, 56 (!) domingos[6] e 7 feriados no ano de 2009; 46 sábados, 42 domingos e 7 feriados no ano de 2010; e 46 sábados, 46 domingos e 5 feriados no ano de 2011.
E quanto às refeições, alegou ter trabalhado 78 dias úteis no ano de 2008 e 312 dias úteis em cada um dos anos de 2009 a 2011[7], o que justifica o seu pedido de pagamento, a este título, de (€ 15,00 x 1.014) = € 15.210,00.
Para além de se anotar que a cláusula 47.ª-A concede direito ao pagamento das despesas com refeições, mediante factura, aos trabalhadores quando deslocados no estrangeiro (e nos cálculos efectuados na petição inicial o A. não efectua tal distinção, sendo que está provado que também fazia serviço nacional, pelo que esta parte da pretensão sempre improcederia por falta de alegação e prova de um requisito essencial do pedido), importa notar que o A. não logrou provar o trabalho em sábados, domingos e feriados, nos termos alegados na sua petição inicial – a prova estabeleceu, apenas, o trabalho num total de 27 sábados, 39 domingos e 6 feriados, estando já afastada a pretendida inversão do ónus da prova.
Ponderando que a compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula constante dos arts. 264.º do Código do Trabalho de 2003 e 271.º do diploma de 2009, em que Rm é o valor da retribuição mensal, não se atendendo às prestações acessórias ou variáveis, pelo que não entram para o cálculo os montantes auferidos a título de cláusula 74.ª n.º 7 e o prémio TIR[8], pelo trabalho prestado naqueles dias apura-se um montante, nos termos da cláusula 41.ª n.º 1, de apenas (€ 553,67 x 12) : (52 x 5) x 72 x 2 = € 3.679,78, valor este claramente inferior ao que foi efectivamente auferido pelo trabalhador através do acordo remuneratório identificado nos autos.
Quanto aos pedidos relacionados com o trabalho prestado em sábados, domingos e feriados para além do horário normal de trabalho, e ao pagamento de descanso compensatório não gozado, entroncando na prestação de trabalho suplementar, pressupõem a alegação e prova, pelo demandante – enquanto facto constitutivo do direito exercitado – não apenas que prestou trabalho nessas circunstâncias, mas também que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos.[9] No caso, o A. não estabeleceu essa prova, pelo que também esta parte da sua pretensão não procede.
Em resumo, indemonstradas as despesas com refeições no estrangeiro, bem como o trabalho suplementar alegado e a falta de descanso suplementar, resta apenas o valor da retribuição compensatória devida pelo trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, claramente inferior ao auferido através do acordo remuneratório identificado nos autos, motivo pelo qual se concluir que este não é desfavorável ao trabalhador, assim se confirmando esta parte da sentença recorrida.

Da redução unilateral do valor estabelecido no acordo remuneratório para compensar o trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, e às despesas com refeições no estrangeiro
Estando apurado que a Ré, unilateralmente, em Abril de 2011 reduziu o valor inicialmente acordado, de € 45,00 para € 35,00, a decisão recorrida desatendeu o pedido de pagamento da diferença reclamada pelo trabalhador, com a seguinte argumentação:
«Em primeiro lugar, dir-se-á que o valor que constava do acordo remuneratório e que foi reduzido em € 10 constituía uma ajuda de custo, destinada a cobrir despesas de refeições e trabalho prestado aos Sábados, Domingos e feriados, que não estava dependente da efectiva prestação de trabalho naqueles dias, porquanto era paga por dia útil de trabalho e em todos os dias úteis de cada mês, pelo que, como tal, não integra tal prestação o conceito de retribuição. Não constituindo retribuição, não está a referida prestação sujeita ao princípio da irredutibilidade, pelo que a redução operada não importa violação do acordo remuneratório.
Por outro lado, apesar da redução, e considerando em concreto o trabalho que se apurou ter o A. prestado em 2011 aos fins-de-semana e feriados (11 Sábados, 2 Domingos e 3 feriados) e o valor recebido a título de ajuda de custo diária no mesmo ano, no total de € 8.655, constata-se que o A. recebeu valor claramente superior ao que teria auferido caso houvesse sido aplicado o regime remuneratório previsto no CCTV. Acresce que, é de salientar que a redução do valor diário do referido acréscimo remuneratório ocorreu para a generalidade dos trabalhadores da R. e num período de crise notória da economia nacional, não se evidenciando aqui, de modo algum, intuitos discriminatórios por parte da R.. Deste modo, haverá que julgar improcedente o pedido subsidiário formulado pelo A..»
No entanto, apesar da designação utilizada, não estava em causa uma autêntica ajuda de custo, visto destinar-se a compensar o trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados trabalhados e aos dias de descanso não gozados, para além das despesas com refeições no estrangeiro. Se é certo que esta última não tem natureza retributiva, as restantes têm carácter compensatório pela penosidade do trabalho prestado naquelas datas.
Tendo sido estabelecida por acordo entre trabalhador e empregador, a cláusula que fixou o valor de € 45,00 por dia útil de trabalho prestado, está sujeita ao princípio pacta sunt servanda, nos termos do art. 406.º n.º 1 do Código Civil. E se poderá ser possível a modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e a manutenção do conteúdo contratual afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja abrangida pela álea própria do contrato e o cumprimento das obrigações impostas ao lesado não esteja coberto pelos riscos próprios do contrato, está por demonstrar que a redução ocorrida fosse motivada pela crise económica ou que esta impusesse a redução aqui em causa.
Deste modo, conceder-se-á provimento nesta parte ao recurso, condenando-se a Ré a pagar ao A., ainda, € 1.650,00 a título de diferenças por 165 dias úteis de trabalho prestado entre Abril e Dezembro de 2011, conforme o acordo remuneratório estabelecido entre as partes, bem como as quantias que se vencerem na pendência da acção e até efectivo e integral pagamento, acrescida dos respectivos juros.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, condenando-se a Ré a pagar ao A., ainda, € 1.650,00 pelo supra mencionado título, bem como as quantias que, pelo mesmo título, se vencerem na pendência da acção, acrescida dos juros legais, contados desde a citação quanto aos vencidos até Dezembro de 2011, e desde a liquidação, quanto aos restantes.
No mais, subsiste a sentença recorrida.
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 13 de Julho de 2017
Mário Branco Coelho (relator)
Paulo Amaral
Moisés Pereira da Silva

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[1] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[2] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015, no Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1, sempre na mesma base de dados, com o seguinte sumário:
«VII – A nulidade de decisão, por excesso de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC (2013), está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do mesmo código e serve de cominação para o seu desrespeito, isto é, do dever de conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado, sendo estas as questões essenciais à solução do pleito e não já os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos.
VIII – Não padece do vício de nulidade referido em VII a decisão do tribunal de apelação que, na reapreciação da decisão da matéria de facto, em cumprimento do dever de avaliação/valoração/interpretação/apreciação ou fixação da prova, lançou mão de todos os meios probatórios à sua disposição no processo e usou de presunções judiciais para obter congruência factual com a verdade judicial e histórica do processo.
IX – Sendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas da competência do tribunal da Relação, o STJ não tem que se imiscuir na avaliação a que aquele procede na formação do juízo conviccional.
X – Para que ocorra uma contradição entre um enunciado ou pressuposto de facto e uma conclusão (factual), avulta como decisivo que o raciocínio dedutivo se revele antinómico ou adverso na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material.
XI – Essa contradição não se verifica se o que resulta da decisão é, tão só, uma diferente interpretação dos pressupostos de facto daquela que os recorrentes formulam, pelo que não existe nulidade decisória, nem ocorre fundamento para reforma do acórdão recorrido.
XII – Na fundamentação da decisão de facto, a Relação não tem que especificar os fundamentos de direito que a justificam.
XIII – Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, proferido no Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1, também publicado na dita base de dados.
[4] In Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 817 e segs.
[5] Acórdão proferido no Proc. 05S1377, disponível em www.dgsi.pt e publicado, igualmente, na CJ-STJ, tomo I, pág. 259.
[6] Certamente o A. não atentou, nos seus cálculos, que o ano em causa teve, apenas, 52 domingos…
[7] O A. contabiliza, na sua petição inicial, 26 dias de trabalho em todos os 12 meses do ano, como se não tivesse gozado férias (pelo menos, não reclama a falta do seu gozo).
[8] Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2011 (Proc. 273/06.5TTABT.S1) e de 03.07.2014 (Proc. 532/12.8TTVNG.P1.S1), bem como da Relação de Lisboa de 24.04.2013 (Proc. 465/10.2TTTVD.L1-4), todos publicados em www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2014, supra citado.