Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
29/22.8T8FAL-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A interrupção da prescrição em data anterior à realização da citação ou notificação, por força do benefício previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, só operará se a citação ou notificação tiver sido requerida pelo menos cinco dias antes do termo do prazo de prescrição e não tiver sido efetuada por causa não imputável ao requerente;
II – Se o prazo de prescrição terminar antes do decurso dos cinco dias a que alude o n.º 2 do referido preceito, a prescrição opera, o que inviabiliza a interrupção do prazo prevista naquela norma.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 29/22.8T8FAL-A.E1
Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo
Tribunal Judicial da Comarca de Beja

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Na ação declarativa, com processo comum, que (…) e (…) intentaram contra (…) Seguros, S.A., pedem as autoras a condenação da ré a pagar-lhes os montantes seguintes: a) à 1.ª autora, a quantia de € 7.500,00, acrescida de juros contabilizados desde a citação; b) à 2.ª autora, a quantia de € 19.900,00, acrescida de juros contabilizados desde a citação; c) a cada uma das autoras, as quantias que vierem a ser liquidadas em incidente posterior.
As autoras peticionam as aludidas quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação que descrevem, ocorrido no dia 12-09-2018, por culpa exclusiva do condutor de veículo segurado na ré, que assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a respetiva circulação.
A ré contestou, defendendo-se por exceção – invocando, além do mais, a prescrição do direito das autoras a exigirem a indemnização peticionada – e por impugnação.
As autoras pronunciaram-se quanto à matéria da exceção arguida.
Por despacho saneador proferida na audiência prévia realizada em 12-09-2023, foi julgada improcedente a exceção de prescrição.
Inconformada, a ré interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e formulando as conclusões que se transcrevem:
«1) Andou mal o Tribunal a quo ao não julgar verificada a excepção de prescrição a que alude o artigo 498.º do Código Civil.
2) O sinistro sub judice ocorreu no dia 12 de setembro de 2018.
3) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
4) O prazo da prescrição apenas se interrompe, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 323.º do mesmo Diploma “…pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
5) O prazo prescricional ocorreu em 12 de setembro de 2021.
6) E ainda que se considere aplicável, como fez o douto tribunal a quo, a suspensão da contagem do prazo de prescrição de prescrição decorrente do disposto no artigo 7.º, n.º 3, da Lei 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e, posteriormente, por força do disposto no n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, o términus do prazo prescricional teria ocorrido em 17 de fevereiro de 2022.
7) O prazo de prescrição não se interrompeu.
8) A presente acção foi intentada pelas Autoras/Recorridas em 15 de fevereiro de 2022.
9) As AA./Recorridas não requereram a citação urgente.
10) A Ré foi citada em 24 de fevereiro de 2022.
11) Ou seja, quando a Ré foi citada já o prazo prescricional havia decorrido, em 17 de fevereiro de 2022 (data considerada pelo Tribunal a quo).
12) As AA./Recorridas não podem usufruir do benefício interruptivo do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, porquanto, a entrada da petição inicial não ocorreu, pelo menos, até cinco dias antes da data prevista para o termo do prazo de prescrição (cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 10/04/2002, no processo 01S4423, o Acórdão do STJ de 22/04/2008, no processo 08A764; o Acórdão do STJ de 04/03/2010, no Proc. n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/03/2020, Proc. n.º 21927/15.0T8LSB-A.L1-2, disponíveis em www.dgsi.pt), facto que só às AA. / Recorrentes é imputável.
13) O facto interruptivo da prescrição (que não o é) que serve de fundamentação à decisão do douto Tribunal a quo (os 5 dias do benefício interruptivo do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil), é, pois, posterior ao dia 17 de fevereiro de 2022, considerado pelo Tribunal a quo como data em ocorreu o términus do prazo prescricional, sendo que, a interrupção da prescrição só pode ocorrer na pendência do prazo da mesma, e nunca após a sua consumação.
14) A prescrição, enquanto excepção peremptória importa, nos termos definidos no n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil, “…a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
15) Razão porque deveria o Tribunal a quo ter, ao contrário, ter julgado a excepção de prescrição invocada procedente, e, em consequência, absolvido a Ré/Recorrente do pedido.
16) Ao decidir nos termos em que o fez, violou o douto Despacho recorrido, entre outros, o disposto nos artigos 304.º, 306.º, 323.º, 498.º, n.º 1, do Código Civil e no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
17) Termos em que deve o presente recurso proceder, nos moldes supra expostos, revogando-se a decisão recorrida.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão do decurso do prazo de prescrição.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Com interesse para a apreciação da questão suscitada, extraem-se dos autos, além dos elementos que constam do relatório supra, ainda os seguintes:
a) as autoras baseiam o pedido indemnizatório formulado em danos decorrentes de acidente de viação ocorrido em 12-09-2018;
b) a ação foi intentada em 15-02-2022;
c) a ré foi citada em 24-02-2022.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a parte do despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção de prescrição arguida pela ré na contestação, defendendo a apelante dever a mesma ser julgada procedente.
O tribunal de 1.ª instância teve em conta o prazo de prescrição de 3 anos e considerou o dia 17-02-2022 como a data prevista para o termo de tal prazo, o que não vem posto em causa na apelação.
A discordância da apelante reporta-se à conclusão, constante da decisão recorrida, de que o indicado prazo não se completou, por se ter considerado interrompida a prescrição por força do estatuído no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Consta da fundamentação da decisão recorrida, além do mais, o seguinte:
O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) sendo que o legislador estabelece alguns prazos mais curtos de prescrição, que denomina prescrições presuntivas.
O sinistro em causa nestes autos ocorreu em 12.09.2018.
O prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 121.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril, não é aplicável ao sinistro, sendo de aplicar o prazo prescricional presuntivo de três anos.
Donde o terminus do prazo prescricional ocorrido em 17 de fevereiro de 2022, com a suspensão dos prazos decorrentes dos Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro
A presente ação foi intentada pelas Autoras em 15 de fevereiro de 2022.
A Ré foi citada a 23 de fevereiro de 2022.
O prazo prescricional (no caso, de três anos) pode ser interrompido, designadamente com a citação nos termos do disposto no artigo 323.º do Código Civil sendo que, se esta não ocorrer cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias, e a anulação da citação não impede o efeito interruptivo (n.º 2 e 3).
Estabelece-se, no n.º 2 deste artigo um mecanismo de acautelamento da posição do titular do direito, aplicável na hipótese de a citação ou notificação não se realizar no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, portanto, sem culpa sua. Nessa situação, a interrupção opera logo que decorram esses cinco dias. Relevante é, pois, a ausência de culpa por parte do autor ou requerente.
Não se vislumbra qualquer razão imputável às Autoras da citação ter procedido apenas a 23 de fevereiro de 2022.
Pelo exposto, improcede a exceção invocada pela Ré.
Discordando deste entendimento, a apelante alega que a ação não foi intentada até cinco dias antes da data prevista para o termo do prazo de prescrição, defendendo que tal impede o funcionamento do benefício interruptivo previsto no n.º 2 do citado artigo 323.º; mais alega que as autoras não requereram que fosse determinada a citação urgente e que a citação só se realizou após o termo do prazo de prescrição.
Vejamos se lhe assiste razão.
Assente que o dia 17-02-2022 constitui a data prevista para o termo do prazo de prescrição, conforme considerou a 1.ª instância e não vem questionado na apelação, cumpre apreciar se foi praticado algum ato com a virtualidade de o interromper em momento anterior.
Sob a epígrafe Interrupção promovida pelo titular, o artigo 323.º do Código Civil dispõe o seguinte: 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.
Decorre deste artigo que a interrupção da prescrição opera pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Em anotação ao preceito, explica Júlio Gomes (Comentário ao Código Civil: Parte Geral, Coord. Luís Carvalho Fernandes/José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 772-773) o seguinte: «(…) no nosso regime, apenas a prática de atos judiciais (citação, notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento ao ato àquele contra quem o direito pode ser exercido) pode operar a interrupção da prescrição. (…) Sublinhe-se que do mesmo modo que a mera propositura da ação não é, em si mesma, suficiente para interromper a prescrição – ao contrário do que sucede em matéria de caducidade em que a propositura da ação impede a caducidade, face ao disposto no artigo 331.º – também não o serão atos que sejam legalmente equiparados à propositura da ação».
Afirma Rita Canas da Silva (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 395): «Porque a interrupção da prescrição só opera por esta forma e porque se trata de atos judiciais que poderão registar atrasos, a posição do credor é acautelada, considerando-se a prescrição interrompida no prazo indicado no n.º 2».
Esclarece António Menezes Cordeiro (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, Coord. António Menezes Cordeiro, I – Parte Geral, Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Almedina, 2020, pág. 910) o seguinte: «As citações ou notificações podem demorar dias ou semanas a efetivar: por sobrecarga dos tribunais ou por razões atinentes ao próprio devedor. Resolve o 323.º/2: se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».
A interrupção da prescrição em data anterior à realização da citação ou notificação, por força do benefício previsto no n.º 2 do artigo 323.º, só operará se a citação ou notificação tiver sido requerida pelo menos cinco dias antes do termo do prazo de prescrição e não tiver sido efetuada por causa não imputável ao requerente.
Se o prazo de prescrição terminar antes do decurso dos cinco dias a que alude o n.º 2 do artigo 323.º, é evidente que opera a prescrição, o que inviabiliza a interrupção do prazo prevista naquela norma.
No caso presente, em que a ação foi intentada em 15-02-2022, apenas dois dias antes da data prevista para o termo do prazo de prescrição – 17-02-2022 –, as autoras não beneficiam do regime previsto no n.º 2 do aludido artigo, dado não terem requerido a citação ou notificação pelo menos cinco dias antes daquela data, tendo a prescrição operado antes do decurso dos cinco dias, sendo certo que a citação só veio a ser efetuada em 24-02-2022, quando o prazo prescricional já decorrera.
Verifica-se, assim, que o prazo de prescrição decorreu sem que tenha sido praticado qualquer ato com a virtualidade de o interromper em momento anterior, o que impõe se considere verificada a prescrição invocada pela apelante.
Regulando os efeitos da prescrição, o n.º 1 do artigo 304.º do Código Civil dispõe o seguinte: Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Em anotação ao preceito, explica António Menezes Cordeiro (ob. cit., pág. 884): «A prescrição funciona como um contra-direito: permite, ao beneficiário, bloquear a pretensão do credor, designadamente por exceção».
A prescrição consiste, nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, numa exceção perentória, a qual importa a absolvição do pedido.
Nesta conformidade, na procedência da apelação, cumpre julgar procedente a exceção de prescrição invocada e, em consequência, absolver a ré dos pedidos formulados pelas autoras.
Face ao exposto, deverão as custas ser integralmente suportadas pelas autoras, tanto na 1.ª instância, como em sede de recurso.
Procede, assim, a apelação,


Em conclusão: (…)


3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide:
a) julgar verificada a exceção de prescrição invocada e, em consequência, absolver a ré dos pedidos formulados pelas autoras;
b) revogar, em conformidade, a decisão recorrida.
Custas, na 1.ª instância e em sede de recurso, pelas autoras.
Évora, 18-12-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Rui Manuel Machado e Moura (1.º Adjunto)
José Manuel Tomé de Carvalho (2.º Adjunto)